Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1062/13.6TBGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
ISENÇÃO DO REMANESCENTE
PRINCIPIO DA IGUALDADE DAS PARTES
Data do Acordão: 07/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA - GUARDA - JC CÍVEL E CRIMINAL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.6 Nº2 RCP
Sumário: I - Nuns autos com o valor de cerca de um milhão de euros, terminando o processo, por desistência do pedido, após a fase dos articulados, sem incidentes, existe intolerável desproporção entre os valores de custas a pagar, a atividade exigida do tribunal – lato sensu - e a conduta, rectius, colaboração, das partes, pelo que, por via de regra, existe lastro para chamamento e aplicação do artº 6º nº7 do RCP atinente à dispensa do remanescente da taxa de justiça.

II - Concedida tal dispensa aos réus, por igualdade ou maioria de razão deve ser atribuída ao autor, o qual, determinantemente, pela desistência, pôs precoce termo à causa.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

No processo em epígrafe em que foi autor C (…) e rés  P (…) e E (…) findos os articulados e em sede de audiência prévia em ata ficou a constar o seguinte:

«Conforme consta da gravação da presente AP, garantido que seja e comprovado nos autos, pelo Srº Administrador da Insolvência, que o imóvel em litigio se encontra apreendido no processo de insolvência e que o cumprimento do contrato de promessa com as rés “P (…) e E (…)” será feito mediante venda no processo de insolvência, a qual, nos termos do nº 5 do 101º do C.R.P., faz caducar todos os ónus, e que nenhum produto da massa será utilizado no distrate de hipotecas ou levantamento de ónus que ora incidem sobre o prédio e que a venda será realizada no mais curto prazo de tempo possível, sem vinculação ao prazo máximo que do contrato de promessa consta, o autor aceitaria desistir do pedido, na condição de as réus presidirem das custas de parte».

(sublinhado nosso)

Posteriormente a  Ré Massa Insolvente declarou prescindir das custas de parte.

Em ato processual contínuo realizou-se tentativa de conciliação, sendo que o Autor desistiu do pedido e  as Rés prescindiram de custas de parte.

Tendo tal desistência sido homologada por sentença e o processo remetido à conta.

O autor pediu o pagamento das custas em prestações, o que lhe foi concedido.

As rés impetraram a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artº 6º nº7 do RCP.

Aduzindo a seguinte argumentação:

«1

As rés ficaram perplexas com o valor das custas que lhe são imputadas.

2.

Num processo em que o Autor desistiu do pedido, em que não se realizou audiência de discussão e julgamento e em que a causa não se revelou de especial complexidade, pagar a quantia de € 9.445,40 não tem qualquer razoabilidade.

3.

Se à taxa de justiça da responsabilidade das Rés adicionarmos a taxa de justiça da responsabilidade do Autor, significa que a taxa de justiça cível é de € 19.012,80, e desconsiderando a taxa de justiça da responsabilidade da Ré Massa Falida que teve apoio judiciário.

4.

Mesmo considerando o valor da causa, as Rés, cuja conduta processual foi a que lhes era exigível, não encontram no Regulamento das Custas Processuais qualquer justificação para o valor fixado a titulo de taxa de justiça.

5.

Nos termos do artigo 6º, n.º 7, nas causas de valor superior a € 275 000,00 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de  forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.»

 O que, também, lhe foi deferido, por despacho com o seguinte teor:

«As rés P (…), Lda e E (…), Lda, notificadas da conta de custas, vêm dela reclamar, nos termos do disposto no artigo 31º, n.º 3, alínea a), do Regulamento das Custas Processuais.

 Alegam, em síntese e com relevo, que neste processo o autor desistiu do pedido, não se realizou audiência de discussão e julgamento e a causa não se revelou de especial complexidade, e as rés, cuja conduta processual foi a que lhes era exigível, não encontram no Regulamento das Custas Processuais qualquer justificação para o valor fixado a título de taxa de justiça.

 Pedem sejam dispensadas do pagamento das custas.

 Decidindo:

Nos termos do artigo 6º, n.º 7, do Regulamento das Custas processuais, nas causas de valor superior a 275 000,00 euros, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

Ora, o autor desistiu do pedido, não se realizou audiência de discussão e julgamento, as requerentes limitaram-se a contestar a acção e a causa não reveste manifesta complexidade.

 Pelo exposto e com os fundamentos invocados e ao abrigo do n.º 7, do artigo 6º, do Regulamento das Custas processuais, dispensam-se as requerentes do pagamento do remanescente da taxa de justiça.»

Notificado deste deferimento, o autor introduziu em juízo o seguinte requerimento:

« sem prejuízo do deferimento do pagamento das custas em prestações, afigura-se ao Requerente, em obediência ao principio constitucional da igualdade, porque o processo é o mesmo e as razões aduzidas pelos Réus também se aplicam ao Autor, também este deverá ser dispensado do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do nº 7 do artigo 6 do RCP.»

Sobre tal pedido incidiu o seguinte despacho:

«…a situação do Autor e do Réu são completamente diferentes não estando aqui em causa o princípio constitucional da igualdade: foi o Autor quem veio instaurar a acção e, depois da contestação apresentada pelo réu, desistir do pedido, não tendo assim fundamento legal o requerido. Assim, considerando a conduta processual do Autor e consequente falta de fundamento legal, indefere-se o requerido, não dispensado o mesmo autor do remanescente da taxa da justiça, nos termos no artigo 6º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais.».

2.

Inconformado recorreu o demandante.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

O presente processo, apesar da complexidade das questões levantadas não passou o iter processual da Audiência Prévia marcado para 13/02/2015 no qual foi obtido o acordo entre o Autor e a 1ª Ré, confirmado pela ata de 05/11/2015, por as 2ª e 3ª Rés e o seu Ilustre Mandatário não terem estado presente na Audiência Prévia de 13/02/2015.

 2º Foi determinante para se almejar o acordo o conteúdo do doc. 1 ora junto e que concretizou as condições colocadas pelo Autor para desistir do pedido.

3º A desistência do pedido foi baseada no acordo alcançado e na renúncia ao recebimento de custas de parte pelas Rés.

4º A conduta processual do Autor não é passível de qualquer censura processual.

5º Tendo as partes colaborado positivamente para almejar o acordo e colocar termo ao processo na Audiência Prévia.

6º Havendo fundamento legal para ser concedido ao Autor a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do artigo 6º nº 7 do Regulamento de Custas Processuais.

7º A Douta Decisão violou o disposto no artigo 6º nº 7 do Regulamento de Custas Processuais.

A digna Magistrada do MºPº contra alegou pugnando pela manutenção do decidido.

3.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e  639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte:

Concessão ao autor da dispensa do remanescente da taxa de justiça: artº 6º nº7 do RCP.

4.

Apreciando.

4.1.

Valem nestes autos, mutatis mutandis, as considerações vertidas no Ac. desta Relação de 06.12.2016, Processo nº 1459/12.9TBMGR.C2 in dgsi.pt, em que os aqui relator e 1º adjunto  ali também o foram, a saber:

«No preâmbulo do Regulamento das Custas Processuais – DL nº34/2008 de 26/2, republicado através da Lei nº7/2012 de 13/2 plasmou-se:

«… linhas de orientação foram, fundamentalmente, as seguintes:

a) Repartição mais justa e adequada dos custos da justiça;

b) Moralização e racionalização do recurso aos tribunais, com o tratamento diferenciado dos litigantes em massa;

De um modo geral, procurou também adequar-se o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva...

De acordo com as novas tabelas, o valor da taxa de justiça não é fixado com base numa mera correspondência face ao valor da acção. Constatou-se que o valor da acção não é um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial. Pelo que, procurando um aperfeiçoamento da correspectividade da taxa de justiça, estabelece-se agora um sistema misto que assenta no valor da acção, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correcção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico

atribuído à causa.»

   Nesta conformidade, estatuem os artºs 6º e 11º do RCP, o que para o caso interessa:

Artº 6º

1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela i-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.

2 - Nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela i-B, que faz parte integrante do presente Regulamento.

5 - O juiz pode determinar, a final, a aplicação dos valores de taxa de justiça constantes da tabela i-C, que faz parte integrante do presente Regulamento, às acções e recursos que revelem especial complexidade.

6 - Nos processos cuja taxa seja variável, a taxa de justiça é liquidada no seu valor mínimo, devendo a parte pagar o excedente, se o houver, a final.

7 - Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

Artº 11º

A base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela I, e fixa-se de acordo com as regras previstas  na lei do processo respetivo.

(sublinhado nosso)

Do teor de tais normativos pode concluir-se que o elemento liminar, basilar e primordial para fixação da taxa de justiça, é o valor da causa – artº 6º nº1 e 11º.

O que bem se compreende, pois que tal quid é, a um tempo, a utilidade que as partes pretendem retirar do processo e, bem assim e não menos relevante para o caso que nos ocupa, um critério objetivo  mensurável que não deixa margem para dúvidas e consecute com rigor o valor da taxa de justiça a satisfazer, bem como a justiça comparativa para os seus diversos utentes.

O que já não se verifica com os outros critérios que podem servir para subir ou descer a taxa, como seja, a complexidade ou simplicidade da causa, ou a própria conduta das partes, os quais, naturalmente,  e não obstante os elementos orientadores do artº 530º nº7 do CPC, encerram, na sua análise e taxação, uma margem de álea e subjetividade: o que pode ser considerado  simples ou complexo para uns pode não  o ser para outros.

Destarte, só quando o montante da taxa de justiça dimanante da simples consideração deste valor se revele intoleravelmente desadequado/desproporcionado por reporte à quantidade e qualidade dos serviços prestados no âmbito do processo e ao trabalho, intelectual e material, exigido aos diversos intervenientes processuais – juiz, funcionários e outros –  ele pode ser «retificado» por apelo à maior ou menor complexidade da causa.

Assim, para ações com valor baixo mas que implicaram a contraprestação para as partes de um trabalho, material e jurídico, volumoso, exigente e complexo, a taxa de justiça que seria devida em função do valor da causa pode ser aumentada – artº 6º nº5.

Já para as causas de valor elevado,  nas quais a atividade dos serviços da justiça  tenha sido simples e célere, máxime por comparação com a que o respetivo processado acarretaria em termos de normalidade, e, principalmente se tal rapidez e simplicidade adveio por contribuição das partes, aquela taxa de justiça pode ser reduzida – artº 6º nº7.

E sendo neste sentido que se deve interpretar o segmento normativo do nº7 do artº 6º - cfr., Mutatis mutandis,  o Ac. da RC de de 03.12.2013, p.1394/09.8TBCBR.C1 e Ac. da RP de 11.01.2016, p. 464/09.7TBMDL-C.P1.
Na verdade, a norma deve ser interpretada de sorte a que dela se retire o seu  real e verdadeiro fundamento, sentido e fito.
Nesta conformidade, o intérprete deve partir do texto e do seu sentido perfunctório, liminar e heurístico para, através de adequada hermenêutica jurídica alcançar o real e essencial pensamento, a ratio e teleologia do quid interpretando.
Este vislumbre último pode não advir, desde logo e como é preferível, da letra da lei, sendo pois, por vezes, necessário efetivar um esforço exegético, por apelo a outros elementos da hermenêutica jurídica – cfr. o Ac. do STJ de 05.11.1998, p. 98B712 in dgsi.pt.
É o caso dos autos em que os elementos sistemático, lógico e teleológico apontam no sentido da interpretação do nº7 do artº 6º no sentido supra mencionado.
Por conseguinte, a referência nele feita à «complexidade» da causa, deve ser lida e interpretada, considerando o fito da norma - a dispensa do remanescente da taxa -, à inexistência de tal complexidade, ou seja, à «simplicidade» do processado.
Ademais, urge ter presente que, sendo o valor da causa o ponto de partida e a regra para o cálculo da taxa de justiça, os desvios a tal regra, quer para a aumentar pela complexidade do processo, quer para a diminuir ou isentar, devem ser cabalmente fundamentados.
Sendo que este dever de fundamentação expressamente está consagrado para o caso que nos ocupa.
A exigência, adrede, deste dever de fundamentação nº7 do artº 6º e porque, regra geral, todas as decisões devem ser fundamentadas – artº 154º nº1 do CPC – inculca a ideia de que o legislador quis ser exigente e rigoroso na concessão da dispensa.
Tal como para o agravamento da taxa de justiça, é mister  concluir-se que o processo é «especialmente complexo» (vide preâmbulo cit), outrossim por igualdade de razão, para o desagravamento ou, por maioria de razão – argumento a fortiori –, para a dispensa do nº7 do artº 6º  se deve exigir uma  situação diametralmente oposta.
Decorrentemente, e no caso deste segmento normativo, a dispensa  apenas pode ser concedida se o processo,  máxime se por virtude do contributo das próprias posições assumidas pelas partes, assumir um iter mais célere e desburocratizado e  com especial economia de meios e custos, por reporte ao que, normalmente, e por aplicação das regras supletivas, se verificaria.
Neste sentido parecendo inclinar-se o citado Aresto da RP, quando, a dado passo nele se expende:
«… (a) causa …já foi objecto de uma decisão que incidiu sobre a prescrição do direito da A. relativamente à interveniente G…, S.A.. Acabando as partes por, no início da audiência de julgamento, pôr fim ao litígio mediante transacção.
Ora, esta postura, para além de ser reveladora de cedência e vontade de entendimento entre as partes, teve manifestos e relevantes reflexos no andamento do processo, na medida em que se evitou o julgamento, de facto e de direito, da causa, com tudo o que isso implica em termos de economia processual. Dispensando, assim, o tribunal da prestação daquele serviço, ou seja do julgamento, a sua verdadeira função – a função jurisdicional.»
(sublinhado nosso

Em função do que fica dito - e versus o que entendeu o julgador, e parece ser outrossim a posição dos recorrentes – o que importa averiguar  e concluir não é se o processo assumiu foros de especial complexidade.
Mas antes, e independentemente de tal qualificação, se o trabalho nele desenvolvido e os serviços – lato sensu – prestados pelos diversos intervenientes processuais,  é manifestamente insuficiente, devido à simplicidade do processado, especialmente se derivada da conduta das partes, ou  não é o suficiente, para que a taxa de justiça seja cobrada apenas por apelo à regra basilar  e essencial do valor da causa, devendo, assim, esta  regra ser quebrada…»
Nesta conformidade há que concluir como foi concluído neste aresto, a saber:
«I - O critério primeiro e basilar para o cálculo do montante da taxa de justiça é o valor da causa - artº 6º nº1 e 11º do RCP.
II - Tal critério apenas pode ser complementado, para  o seu aumento, diminuição ou isenção, se se provar, naquele caso, a especial complexidade do processo; e, nestes, a especial simplicidade do mesmo com economia de meios e custos, maxime se tal decorrer do contributo das partes –  artº 6º, nºs 5 e 7.»
4.2.
O caso vertente.
4.2.1.
Desde logo urge averiguar se o processado assumiu uma tramitação de tal modo «aliviada» ie, simples e célere, que o critério, liminar e basilar, para determinar o quantum da taxa de justiça devida, qual seja, o valor da causa, possa  ser postergado, e com a emergência da estatuição do segmento do nº7 do artº 6º do RCP.
Ora, versus o que se decidiu no aludido processo 1459/12 - no qual, e designadamente: Foram invocadas diversas excepções dilatórias (ilegitimidade, incompetência) e peremptórias; foi deduzida Reconvenção; foi realizada Audiência Prévia, onde, para além do mais, se realizou o saneamento, com conhecimento de excepções invocadas, foi fixado o objecto do e os temas de prova ; foi realizada a Audiência Final de Julgamento em três sessões e foi proferida sentença final – a resposta não pode deixar de ser positiva – neste  presente caso a resposta deve ser positiva.
Na verdade,  desde logo, e bem vistas as coisas, o iter processual assumiu-se célere e escorreito: as partes limitaram-se a invocar os seus direitos e a substanciar a sua (o)posição, nos articulados legalmente previstos, sem que se tenham, nesta fase, levantado incidentes.
Depois, o processo terminou logo a seguir a tal fase, em sede de audiência prévia.
Finalmente, tal terminus não exigiu ao tribunal atuação ou investigação trabalhosa, limitando-se o julgador a ditar para a ata decisão homologatória de algumas linhas.
Ora considerando que o valor da causa é de um milhão de euros e que as custas derivadas de tal valor e imputadas às partes ascendem a quase vinte mil euros, a conclusão a retirar é que este valor se  revela manifestamente desproporcionado, em função da correspetividade  que deve existir entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada e, assim,  ilegal e, até, inconstitucional.
Efetivamente, neste sentido se tem pronunciado o TC ao Julgar inconstitucionais as normas contidas nos artigos 6.º e 11.º, conjugadas com a tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de abril, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título – cfr. Ac. do Tribunal Constitucional nº421/2013 , DR, II Série de 16-10-2013.
Corroborando-se, assim, a posição do Julgador ao deferir a dispensa por banda das rés, quando expendeu que:
 «o autor desistiu do pedido, não se realizou audiência de discussão e julgamento, as requerentes limitaram-se a contestar a acção e a causa não reveste manifesta complexidade.»
4.2.2.
Uma vez aqui chegados atingimos o cerne do recurso, ou seja, admitida que foi a dispensa para as rés, pode ela ser, ou não ser, extenssível ao autor?
O julgador decidiu que não no entendimento de que: «a situação do Autor e do Réu são completamente diferentes…: foi o Autor quem veio instaurar a acção e, depois da contestação apresentada pelo réu, desistir do pedido, …considerando a conduta processual do Autor…».
Ora, salvo o devido respeito, tal interpretação não se alcança curial, antes, pelo contrário, se afigura lógica e juridicamente, inadmissível.
Na verdade, e vistas as coisas na lógica que subjaz ao despacho, no qual  parece censurar-se o autor por ter desistido do pedido, urge, liminarmente, atentar que tal desistência não foi efetivada leviana, peregrina e infundamentadamente.
Antes  o foi com a colaboração dos réus e com salvaguarda dos seus (do autor) interesses.
Efetivamente, findos os articulados o autor apenas aceitou desistir do pedido mediante a verificação de certos pressupostos, não apenas atinentes à satisfação extraprocessual, rectius noutro processo  -o de insolvência-  do seu pedido, como  mediante a aceitação das rés de prescindirem das custas de parte.
 Mas mesmo que tal colaboração dos réus inexistisse, o autor não podia ser prejudicado por desistir do pedido.
Tal desistência é um direito seu e, salvo casos excecionais de litigância dolosa ou intoleravelmente temerária, ela não pode, a qualquer título ou para qualquer efeito, ser penalizada para além dos estritos termos – vg. quanto ao pagamento de custas: artº 537º do CPC – que a lei prevê.
Mas uma coisa é o pagamento de custas em caso de desistência e outra a possibilidade de dispensa do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artº 6º nº7 do RCP.
Neste caso tal dispensa não fica prejudicada pela desistência.
Antes, pelo contrário, esta desistência deve ser positivamente valorizada para atribuição de tal dispensa.
Pois que, lógica e naturalmente, não fosse a desistência, o processo prosseguiria e, assim, ele não assumiria a rapidez e simplicidade exigíveis para que ela seja concedida.
Ademais, desvalorizaria a própria posição da parte para desistir ou transigir, e, assim, pôr termo ao processo antes da sentença final imposta, normalmente trabalhosa, com prejuízo da celeridade e economia de meios.
E, ainda, desmotivaria as partes a, por qualquer instrumento legal – desistência, confissão, transação – porem termo à causa, com frustração de tais desideratos.
Finalmente, e no caso concreto, tal (des)consideração desigual das partes constituiria uma intolerável diferenciação das mesmas que buliria com o princípio da igualdade de tratamento dos litigantes.
Efetivamente, e como vem de demonstrar-se, se a dispensa foi concedida às rés, por igualdade ou, até, maioria de razão – argumento a fortiori – também devia ter sido atribuída ao autor, o qual, determinantemente, esteve na origem do temporão termo dos autos.
Procede o recurso.

5.

Sumariando- artº 663º nº7 do CPC.

I - Nuns autos com o valor de cerca de um milhão de euros, terminando o processo, por desistência do pedido,  após a fase dos articulados, sem  incidentes, existe intolerável desproporção entre os valores de custas a pagar, a atividade exigida do tribunal – lato sensu  - e a conduta, rectius, colaboração, das partes, pelo que, por via de regra, existe lastro para chamamento e aplicação do artº 6º nº7 do RCP atinente à dispensa do remanescente da taxa de justiça.

II - Concedida tal dispensa aos réus, por igualdade ou maioria de razão deve ser atribuída ao autor, o qual, determinantemente, pela desistência, pôs precoce termo à causa.

6.

Deliberação.

Termos em que se julga o recurso procedente e, consequentemente, se atribui ao autor a dispensa impetrada.

Sem custas.

Coimbra, 2017.07.12

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Fonte Ramos