Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
849/12.1TBLMG-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA INÊS MOURA
Descritores: RECURSO DE FACTO
ÓNUS DE ESPECIFICAÇÃO
INSOLVÊNCIA
CRÉDITO SUBORDINADO
Data do Acordão: 07/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - VISEU - INST. CENTRAL - SEC.COMÉRCIO - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 640 CPC, 48, 49 CIRE
Sumário: 1. Não sendo cumprido o disposto no artº 640 nº 2 al. a) do C.P.C., ao serem invocados meios probatórios que foram gravados para fundamentar a discordância com a decisão recorrida, sem indicação, com exactidão, das passagens da gravação em que se funda o recurso, tal impõe a rejeição do recurso da matéria de facto, nos termos aí previstos.

2. Não é pessoa especialmente relacionada com o devedor quem, nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência, não é sócio da empresa insolvente, pelo que não pode considerar-se subordinado o seu crédito sobre a insolvente, por não estar preenchida a previsão do art.º 48 al a) e 49º n.º 2 al. a) do CIRE.

3. O artº 49 nº 2 al. a) do CIRE manda atender de forma expressa aos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e não ao encerramento da actividade da empresa, nem à data da sentença de declaração de insolvência. A menção que é feita ao início do processo de insolvência deve ser entendida como referência à data em que a petição inicial dá entrada na secretaria do tribunal.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

Por apenso ao processo de insolvência, em que foi declarada insolvente “C (…), Limitada”, o Sr. Administrador da Insolvência juntou a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos.

Dos créditos reclamados e reconhecidos, foram deduzidas impugnações por A (…), pela C(...), S.A. e por J (…) e mulher M (…)..

A (…) sustentou, em síntese, que é credora reclamante da insolvente pela quantia de €21.907,97, crédito com origem na relação laboral que existiu entre si, e relativa ao período compreendido desde a contratação – 01.07.1992 – até 30.07.2012, data do encerramento da empresa por via do processo da insolvência. Pese embora trabalhasse, como secretária, mediante a remuneração mensal de €650,00 acrescido de subsídio de alimentação no valor de €111,76, para a empresa insolvente desde a data da sua constituição – em Maio de 2010 -, o certo é que foi contratada verbalmente por J (...), enquanto empresário em nome individual, em Julho de 1992, tendo ocorrido uma transferência dos seus trabalhadores para a empresa insolvente quando esta foi criada, pelo que tem direito a receber uma indemnização correspondente a um mês de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, ou seja 20 retribuições, no valor total de €15.235,20. Reclama ainda que são devidos os seguintes montantes: €2.285,28 correspondentes aos salários vencidos e não pagos de Maio a Julho de 2012; €1.950,00 dos subsídios de Natal de 2010 e 2011 e ao subsídio de férias de 2012; €1.300,00 correspondentes a férias e subsídio de Natal vencidas a 01.01.2012; €1.137,49,00 correspondentes à fracção proporcional das retribuições das férias, subsídio de férias e Natal do ano da cessação do contrato; € 379,16 correspondentes à fracção proporcional do subsídio de Natal referente ao ano da cessação do contrato de trabalho.

O Sr. Administrador reconheceu o crédito, qualificando-o como subordinado, por força do disposto no art. 48º, al. a), do CIRE, por se tratar de crédito reclamado por sócia da insolvente no período de dois anos anteriores à insolvência, o que a reclamante não aceita, porquanto, a 04.08.2010 cedeu a quota que detinha na sociedade a outra empresa, de forma que, sendo a sentença declaratória da insolvência datada de 23.01.2013, o período de dois anos anteriores à insolvência retroage à data de 22.01.2011, sendo os créditos reclamados posteriores àquela data.

A esta impugnação respondeu a C(...), pugnando pela qualificação do crédito como subordinado, já que a própria admite que foi sócia gerente da insolvente até Agosto de 2010, além de que reclama valores a título de indemnização por cessação do contrato de trabalho relativo a um período que se iniciou em 1992, ao que acresce o facto de que a mesma assumiu e assume ainda a condição de garante pessoal dos contratos celebrados entre a C(...) e a insolvente.

            A C(...), S.A. impugnou também a existência dos créditos reclamados por J (…) e esposa I(…), M (…) e T (…) reconhecidos pelo Sr. Administrador da Insolvência. Alegou, em síntese, que aqueles credores não alegaram factos demonstrativos do suposto incumprimento dos contratos promessa por parte da insolvente, além de que as fracções referidas pelos credores não se encontram concluídas e, como tal, em condições de serem usadas. Concluiu pedindo que tais créditos não sejam reconhecidos.

A esta impugnação responderam os credores:

- J (…) e mulher I (…) que reafirmaram o incumprimento definitivo dos dois contratos promessa que celebraram com a insolvente relativos às fracções M e E, do prédio descrito na competente CRP sob o nº 1945, e de onde derivam os créditos que reclamaram, entretanto reconhecidos por sentença judicial proferida no processo nº 886/12.6TBLMG, do 2º juízo deste Tribunal de Lamego (cuja certidão juntaram em sede de audiência de julgamento), num total de €400.000,00 e relativamente aos quais têm direito de retenção, por força da ocupação que fazem dos imóveis desde Julho de 2011, pelo que deve o crédito ser reconhecido, verificado e graduado como qualificado.

- T (…) pugnando no sentido de lhe ser reconhecido o crédito impugnado, no montante de €220.000,00, a qualificar como privilegiado por gozar do direito de retenção sobre a fracção H do prédio descrito na competente CRP sob o nº 1945.

            J (…) e mulher M (…), com fundamento na celebração, a 17.02.2011, de um contrato promessa com a insolvente relativa à fracção F do prédio descrito na CRP de Lamego sob o nº 1945-F, alegando o incumprimento definitivo do mesmo por parte da insolvente, com o correspectivo direito de exigir a restituição do sinal em dobro e respectivos reforços, no montante total de €120.000,00; e €2.250,00 pelas despesas feitas no imóvel; mais lhes assistindo o direito de retenção sobre a dita fracção, porquanto, desde aquela data, passaram a utilizar o imóvel. Assim, tendo o Sr. Administrador qualificado o crédito de €122.250,00 como comum, a qualificação deve ser alterada, por forma a que o mesmo seja reconhecido, verificado e graduado como crédito qualificado, por força do direito de retenção de que beneficia.

Em resposta, a C(...) afirmou que a qualificação do crédito como comum efectuada pelo Sr. Administrador está correcta pois que assim decorre da reclamação feita pelos próprios impugnantes, que não podem agora, aproveitar-se da impugnação, para pedir o que não comprovaram no momento próprio.

            Foi determinada a realização de tentativa de conciliação, nos termos do disposto no art.º 136.º, nº 1, do CIRE.

Frustrada a conciliação, elaborou-se o despacho saneador onde se reconheceu a regularidade da lide e se procedeu á identificação do objecto do processo e à enunciação dos temas da prova.

Designou-se data para a realização da audiência de discussão e julgamento, que decorreu com observância do formalismo legal.

            Em sede de audiência de julgamento, a C(...) e os credores L (…) e M (…)  cujos créditos haviam sido impugnados pela primeira, celebraram acordo mediante a qual a primeira declarou pôr fim às impugnações destes dois créditos, devendo o Sr. Administrador da Insolvência celebrar as respectivas escrituras de compra e venda, mediante o pagamento da quantia de €1.000,00 pelo primeiro e da quantia de €40.000,00 pelo segundo, e nas demais condições dos contratos prometidos.

Nenhuma oposição foi deduzida, nomeadamente pela Comissão de Credores e pelo Sr. Administrador, pelo que foi homologada a desistência da impugnação e, tendo em atenção o mais determinado quanto ao cumprimento dos contratos promessas, ficaram sem efeito os créditos reclamados por aqueles credores.

Foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos que decidiu, nos seguintes termos:

- reconheceu o crédito reclamado por A (…) limitado ao montante de €15.430,63, que qualifica como subordinado;

- reconheceu o crédito reclamado por J (…) e I (…) limitado ao montante de €230.000,00, correspondente ao dobro do sinal prestado relativo á aquisição da fracção M; e, bem assim, reconhecer aos mesmos o direito de retenção sobre a fracção acima identificada;

- reconheceu o crédito reclamado por T (…)limitado ao montante de €100.000,00, correspondente ao dobro do sinal prestado relativo á aquisição da fracção H, bem como o direito de retenção sobre tal fracção;

- reconheceu o crédito reclamado por J (…) e M (..) no montante de €122.250,00 bem como o direito de retenção sobre tal fracção F;

- declarou reconhecidos os demais créditos reclamados, qualificados nos moldes constantes da Lista de Créditos Reconhecidos e graduou-os nos termos que se seguem:

Com o produto da venda das fracções descriminadas no apenso de apreensão de bens, serão pagos os créditos graduados segundo a seguinte ordem:

1º As dívidas da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção, do produto da venda de cada bem imóvel, e, bem assim, as despesas de liquidação, incluindo a remuneração do Sr. Administrador de Insolvência – arts. 51º, 46º, nº 1 e 172º, do CIRE.

No que toca às fracções relativamente às quais se reconheceu o direito de retenção – fracções M, H e F do prédio descrito na CRP de Lamego sob o nº 1945:

1º Dar-se-á pagamento aos créditos dos respectivos credores – J (…) e I (…) (fracção M), J (…) e M (…)  (fracção H), e T (…) (fracção F), pelos montantes acima fixados;

2º Do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos privilegiados decorrentes dos créditos laborais, relativamente a cada um dos imóveis, onde cada um dos trabalhadores prestou a sua actividade;

3º Do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos hipotecários da C(...) SA.

4º Do remanescente, dar-se-á pagamento aos restantes créditos privilegiados da Fazenda Nacional, do Instituto de Segurança Social, I.P.;

5º Do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos comuns;

6º Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados, pela ordem prevista no artigo 48º.

Do produto da venda dos demais imóveis apreendidos nos quais nele exerceram trabalho os credores cujos créditos emergem de créditos laborais:

1º Os créditos privilegiados decorrentes dos créditos laborais, relativamente a cada um dos imóveis, onde cada um dos trabalhadores prestou a sua actividade;

2º Do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos hipotecários da C(...) SA;

3º Do remanescente, dar-se-á pagamento aos restantes créditos privilegiados da Fazenda Nacional, do Instituto de Segurança Social, I.P.;

4º Do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos comuns;

5º Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados, pela ordem prevista no artigo 48º.

Do produto da venda dos demais imóveis apreendidos:

1º Os créditos hipotecários da C(...) SA;

3º Do remanescente, dar-se-á pagamento aos restantes créditos privilegiados da Fazenda Nacional, do Instituto de Segurança Social, I.P.;

4º Do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos comuns;

5º Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados, pela ordem prevista no artigo 48.º.

Com esta sentença não se conformam os credores A (…) e J (…) e mulher I (…), dela interpondo recurso.

A Recorrente A (…) pugna pela revogação da sentença proferida e sua substituição por outra que reconheça o seu crédito pelo valor de € 21.907,97 graduando-o como privilegiado, apresentando para o efeito as seguintes conclusões:

(…)

Também os reclamantes J (…) e mulher I (…) vêm interpor recurso da sentença na parte em que não reconheceu o seu crédito de € 170.000,00 correspondente ao dobro do sinal prestado relativo à aquisição da fracção “E”, nem o seu direito de retenção sobre tal fracção, pugnando pela sua revogação e substituição por outra que assim o considere, formulando as seguintes conclusões:

(…)

A C(...), S.A. vem apresentar contra-alegações defendendo a manutenção da sentença recorrida.

II. Questões a decidir,

Tendo em conta o objecto dos recursos delimitados pelos Recorrentes nas suas conclusões- artº 635 nº 4 e artº 639 nº 1 a 3 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso- artº 608 nº 2 in fine:

Do recurso de A (…)

- do período de tempo da relação laboral da Recorrente com a insolvente;

- do reconhecimento do crédito laboral da Recorrente como privilegiado.

Do recurso de J (…) e mulher I (…)

- da impugnação da matéria de facto;

- da verificação do crédito relativo ao dobro do sinal prestado e direito de retenção sobre o imóvel identificado.

III. Fundamentação de Facto.

Foram os seguintes os factos considerados provados pelo tribunal de 1ª instância:

A) Por sentença de 21 de Dezembro de 2012, a sociedade “C (…) Limitada” foi declarada insolvente.

B) A (…) reclamou um crédito no valor de €21.907,96, crédito que foi reconhecido pelo Sr. Administrador de Insolvência, fundamentando o mesmo em salários, férias e subsídios de férias e indemnização por cessação do contrato de trabalho.

            C) O Sr. Administrador reconheceu tal crédito, classificando-o como crédito subordinado, atenta a circunstância de se tratarem de créditos detidos enquanto sócia no período de dois anos anteriores à insolvência.

D) A Impugnante trabalhou, por acordo verbal, para (…) legal representante da insolvente, mas enquanto empresário em nome individual, desenvolvendo a actividade que depois passou a constituir o objecto comercial da insolvente, desde 01.07.1992 até à data da constituição da insolvente.

E) A insolvente foi constituída em 25.07.2001, sendo sócios da mesma, para além de outros, a aqui Impugnante A (…), que, a 04.08.2010, transmitiu a sua quota a “J (…), S.A.”.

F) A Impugnante exercia, por conta e no interesse da insolvente, as funções de secretária, mediante a remuneração base mensal de €650,00, acrescido do respectivo subsídio de alimentação no valor de €111,76.

G) A insolvente encerrou a sua actividade a 30.07.2012, momento a partir do qual a Impugnante deixou de trabalhar para a insolvente, tal como os demais trabalhadores.

H) A Impugnante não recebeu o subsídio de Natal e de férias no ano de 2011 e no ano de 2012, nem os salários correspondentes aos meses de Maio, Junho e Julho de 2012.

I) São devidos os seguintes montantes:

- €2.285,28 correspondentes aos salários vencidos e não pagos de Maio a Julho de 2012;

- €650,00 correspondentes ao subsídio de Natal de 2010;

- €650,00 correspondentes ao subsídio de Natal de 2011;

- €650,00 correspondentes ao subsídio de férias de 2012;

- €1.300,00 correspondentes a férias e subsídio de férias de Natal vencidas a 01.01.2012;

- €1.137,49 correspondentes à fracção proporcional das retribuições das férias, subsídio de férias e Natal correspondentes ao ano da cessação do contrato;

- e €379,16 correspondentes à fracção proporcional do subsídio de Natal referente ao ano da cessação do contrato de trabalho.

J) A Impugnante A (…) assumiu e assume a condição de garante pessoal dos contratos que fundamentam a reclamação de créditos apresentada pela C(...).

K) J (…) e mulher I (…) reclamaram um crédito no valor total de €400.000,00, correspondente às quantias de €230.000,00 e €170.000,00 referentes aos montantes entregues a título de sinal pelas promessas de compra da fracção M e da fracção E do prédio descrito na competente CRP sob o nº 3689 da freguesia de (...), concelho de (...).

L) A 28.06.2007 e a 30.07.2009, J (…) e I (…) celebraram com a insolvente dois contratos promessa de compra e venda, o primeiro relativo à compra e venda de dois apartamentos tipo T3, correspondente ao 3º andar esquerdo, com arrumos e garagem individual; e o segundo correspondente ao rés-do-chão direito, com garagem individual e arrumos; ambos do bloco 9, do prédio sito na Quinta (...).

M) Prédios que correspondem às fracções autónomas que se encontram descritas na CRP sob as letras M (3º andar esquerdo) e E (rés-do-chão direito), destinadas a habitação, do prédio descrito sob o nº 3689, da freguesia de (...), concelho de (...).

N) A insolvente prometeu vender a J (…), que prometeu comprar, cada uma das aludidas fracções, pelo preço de €115.000,00 cada uma.

O) Na data da assinatura do contrato promessa celebrado a 27.06.2007, relativo á fracção M, J (…) pagou à insolvente a quantia de €115.000,00 para liquidação total do preço.

P) A insolvente acordou com J (…), como limite máximo, proceder à entrega das fracções e à celebração das escrituras públicas de compra e venda no início de 2011, ficando a insolvente incumbida de providenciar pela marcação da escritura.

Q) A partir do início de 2011 não conseguiram lograr efeito os vários contactos pessoais estabelecidos entre os reclamantes e a insolvente com vista ao cumprimento do convencionado e para a celebração do convencionado e para a celebração das respectivas escrituras públicas.

R) Ainda assim, e para esse mesmo efeito, o reclamante marido, a 04.07.2011, enviou uma carta registada com A/R á insolvente, recepcionada por esta, comunicando-lhe a data para a celebração da escritura pública de compra e venda, relativa à fracção M, a realizar no dia 18.07.2011, pelas 10.00 horas, no Cartório de Vila Real.

S) Tendo-lhe, nessa data, comunicado, pessoalmente, à insolvente, que também pretendia realizar nessa data a escritura pública de compra e venda, relativa à fracção E.

T) A licença de utilização foi emitida a 19.04.2011.

U) Os Reclamantes no dia 27.09.2012, enviaram duas novas cartas registadas à insolvente, recepcionadas a 03.10.2012, comunicando-lhe nova data para a celebração das escrituras públicas de compra e venda a realizar no Cartório Notarial de Lamego, no dia 10.10.2012, às 10.00 horas, relativas às fracções M e E.

V) Nessas missivas (…) comunicou à insolvente que caso esta não comparecesse para a outorga da escritura e com os documentos necessários para a celebração da mesma, iria exigir judicialmente os seus direitos decorrentes do alegado contrato promessa e perderia o interesse no cumprimento dos mesmos.

W) No dia e hora aprazados, a insolvente não compareceu, nem entregou a documentação necessária, deixando de estabelecer qualquer contacto com os reclamantes.

X) Os reclamantes, que receberam as chaves do gerente da insolvente J (...), têm estado a utilizar a fracção M como sua habitação própria e permanente.

Y) Desde o mês de Julho de 2011 que os reclamantes usam e dispõem permanentemente da fracção M como coisa sua se tratasse.

Z) Os Reclamantes tornaram habitável a fracção M, procedendo à instalação e requisição em seus nomes do contador da luz, do contador da água, do contador do gás e respectiva inspecção.

AA) Suportando desde Julho de 2011, a suas expensas, todas as despesas relacionadas com os consumos mensais de electricidade, gás e água, bem como as despesas relacionadas com o condomínio das aludidas fracções autónomas.

BB) É ali que, desde aquela data, tomam as refeições diárias, pernoitam, repousam, convivem com os seus familiares e amigos, fazendo melhoramentos, gozando de todos os benefícios que uma casa de habitação normalmente proporciona, o que fazem à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, na convicção de exercerem um direito próprio de propriedade e de não prejudicar quem quer que seja.

CC) Por decisão judicial, datada de 07.04.2014, transitada em julgado a 21.05.2014, proferida no âmbito do processo ordinário nº 886/12.6TBLMG, do 2º juízo, do Tribunal Judicial de Lamego, em que foram autores J (…) e I (…) e ré “C (…), Ld.ª”, foram declarados resolvidos os contratos promessa celebrados entre autores e ré, por culpa exclusiva e imputável a esta; condenou-se a ré a pagar aos autores a quantia de €230.000,00 correspondente ao sinal em dobro prestado pela aquisição da fracção M, acrescida de juros vencidos e vincendos; condenou-se a ré a pagar aos autores a quantia de €170.000,00 correspondente ao sinal em dobro prestado pela aquisição da fracção E, acrescida de juros vencidos e vincendos; reconheceu-se aos autores o direito real de retenção sobre as fracções prometidas vender e entregues àqueles, fracção M e fracção E, do prédio urbano descrito na CRP de Lamego sob o nº 1945º, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3689º da freguesia de (...), concelho de (...), e em consequência, condenou-se a ré a respeitar a posse útil sobre elas exercida, até se encontrar integralmente pago aos autores o crédito indemnizatório.

DD) T (…) celebrou com a insolvente um contrato promessa de compra e venda, no dia 25.03.2009, para aquisição de um apartamento Tipo 3, entrada 2, 1º andar esquerdo, bloco 9, (...), Lamego, com a descrição predial nº 1945/20020701, fracção H, inscrita na matriz sob o artigo 3689º.

EE) O preço acordado foi de €110.000,00, tendo o Impugnado pago, a título de sinal, €50.000,00.

FF) O remanescente do preço - €60.000,00 – seria pago no momento da escritura de compra e venda.

GG) A insolvente entregou ao Impugnado T (…) as chaves do imóvel em Janeiro de 2011, para efeitos de ocupação e utilização, data na qual o mesmo entrou na posse do apartamento, garagem e sótão.

HH) O bloco 9, entrada 2, estava praticamente pronto e desde 2012 tem licença de habitabilidade emitida.

II) Os funcionários da insolvente e o próprio sócio gerente J (…) ajudaram o Impugnado T (…) nas mudanças da anterior residência para a actual, tendo até disponibilizado uma viatura de transporte de mercadorias para o efeito.

JJ) Desde o dia 02.03.2011 o Impugnado T (…) ali reside com a sua família, data na qual foi celebrado o respectivo contrato e ligado o serviço de gás.

KK) Relativamente aos serviços de água e luz as ligações já existiam (ligações de obra com os consumos a serem pagos à Insolvente), tendo os contratos sido celebrados com os respectivos fornecedores, por questões legais, apenas em, respectivamente, 17.06.2011 e 05.09.2011.

LL) A escritura de compra e venda esteve marcada para o dia 22.06.2012 no Cartório Notarial de Tarouca, mas não veio a ser realizada por impossibilidade de liquidação do IMT em virtude de a insolvente ter débitos às Finanças e por dificuldades na obtenção do documento de distrate da hipoteca por parte da insolvente.

MM) A 17.02.2011, J (…) e M (…)a celebraram um contrato promessa de compra e venda, que teve por objecto uma fracção autónoma, constituída por um andar Tipo2, designada pela letra F, destinada a habitação, localizada no rés-do-chão esquerdo da entrada B, lote 9, constituída por hall, corredor, cozinha, sala de estar, dois quartos, duas casas de banho, uma varanda, terraço, garagem individual nº 6, situada na cave, sótão situado no último andar, descrita na CRP de Lamego sob o nº 1945-F e inscrito na matriz predial sob o artigo 3172º, actualizada sob o artigo 3689º-F, freguesia de (...), concelho de (...), com a licença de utilização nº 52/11.

NN) Da cláusula 4ª do contrato promessa, o pagamento foi efectuado da seguinte forma: a) em 13.01.2011, J (…) entregou à insolvente, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de €40.000,00, tendo a promitente vendedora, aqui ré, dado a respectiva quitação; b) em 26.01.2011, J (…) entregou à insolvente, a título de reforço de sinal, a quantia de €20.000,00, tendo a promitente vendedora dado a respectiva quitação; c) o remanescente do preço, na quantia de €30.000,00 seria paga até ao acto da escritura de compra e venda.

OO) Na cláusula 5ª do mesmo contrato, J (…) e a insolvente estipularam que a escritura pública de compra e venda seria celebrada no dia 10 de Março de 2011 pelas 12.00 horas, no Cartório Notarial F (...), sito na rua (...), em Lamego.

PP) Mais ficou convencionado na cláusula 8ª que o contrato promessa se considerava definitivamente incumprido no caso do incumprimento se prolongar por mais de 20 dias após a data designada para a escritura, ou seja, 10.03.2011, ficando J (…) com o direito de poder resolver unilateralmente o contrato.

QQ) J (…) e M (…), conforme convencionado, entregaram á insolvente, a título de sinal e início de pagamento, a quantia de €60.000,00 (€40.000,00 + €20.000,00).

RR) Antes da data fixada para a outorga da escritura pública, a insolvente comunicou ao Impugnante que não iria comparecer no Cartório naquela data.

SS) No dia 06.07.2012, J (...) enviou uma carta registada com A/R à insolvente, recepcionada em 09.07.2012, comunicando-lhe nova data para a celebração da escritura pública de compra e venda no mesmo Cartório – dia 30.07.2012, pelas 11.00 horas, onde comunicou ainda que haveria incumprimento definitivo caso esta não comparecesse na outorga da escritura.

TT) No referido dia 30.07.2012 apenas os aqui Impugnantes compareceram no Cartório Notarial.

UU) Aquando da celebração e assinatura da promessa, a insolvente entregou as chaves do apartamento em causa a J (…), passando os Impugnantes, a partir de 17.02.2011, a utilizar o dito apartamento.

VV) A partir de então, os Impugnantes vêm exercendo permanentemente a posse útil e efectiva do apartamento, dele dispondo como se de coisa sua se tratasse já.

WW) Os Impugnantes encetaram todas as diligências decorrentes da aludida posse, nomeadamente à instalação de todo o mobiliário, roupas e demais pertences.

XX) Aí recebem a sua correspondência.

YY) Os Impugnantes procederam à: instalação do contador da luz pela empresa EDP; instalação do contador da água pelo Município de Lamego; instalação de gás pela empresa Galp Gás; inspecção das instalações de gás pela empresa Intervertical; instalação de um esquentador pela empresa Enerdouro.

ZZ) Para efeito dos pedidos de instalação e contratação dos serviços atrás referidos, estavam os Impugnantes devidamente autorizados pela insolvente.

AAA) Os Impugnantes mobilaram e equiparam o apartamento de forma a torna-lo mais confortável, instalando nele vários electrodomésticos.

BBB) Instalaram também um sistema de aquecimento central de gás com caldeira, tendo despendido no mesmo a quantia de €2.250,00, o qual ficou a fazer parte integrante da fracção.

CCC) Os Impugnantes vêm, de forma ininterrupta e continuada, possuindo, gozando e fruindo de todas as utilidades da fracção, suportando os respectivos encargos, nela habitando, tomando as suas refeições diárias, pernoitando, repousando, convivendo com os seus amigos e familiares, gozando de todos os benefícios que uma casa de habitação normalmente proporciona, o que fazem à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, na convicção de exercerem um direito próprio e de não prejudicar quem quer que seja.

DDD) Da fracção autónoma em causa faz parte integrante um compartimento destinado a garagem e um sótão, sitos na cave e no último andar, respectivamente.

EEE) Os Impugnantes utilizam a garagem e o sótão para arrumos de bens e objectos que não necessitam no seu dia a dia.

FFF) Até ao momento foram apreendidos, para a massa insolvente, bens imóveis, cuja descrição consta dos autos de apreensão (Apenso A), que aqui se dão por reproduzidos, aguardando-se ainda a efectivação da apreensão de um veículo automóvel e, eventualmente, saldos bancários.

GGG) Foram reclamados os seguintes créditos, que vieram a ser reconhecidos pelo Sr. Administrador da Insolvência, sem que tivessem sido impugnados:

» pela C(...), no montante total de €6.571.348,98, sendo €6.571.348,98 resultantes do contrato de crédito com hipoteca, a incidir sobre as fracções D, I, U e AE do prédio descrito sob o nº 3448º; do contrato com hipoteca e fiança para financiamento da Quinta da Boa Vista com hipoteca a incidir sobre as fracções E, F, H, M, N, V, X, Z, AA, AB, AC, AD, AE, AF, AG, AL, AI, AM, NA, do prédio descrito sob o nº 3099; resultantes do contrato de emissão de garantia bancária com hipoteca sobre o lote de terreno sito no lugar do Barreiro, com o artigo 3099º; e resultantes do contrato de crédito com hipoteca sobre as mesmas fracções do lote 9; e respectivos juros. E o montante de €96.569,12, crédito comum decorrente de crédito emergente de conta a descoberto, duas garantias bancárias, respectivos juros, despesas e comissões;

» por C (…) o montante de €13.000,00, a título de devolução do sinal entregue pela promessa de compra de fracção autónoma;

» por C (…), Ld.ª, o montante de €38.974,81, a título de fornecimentos de bens, juros e despesas com reforma de letra subscrita pela insolvente;

» por D (…), no montante de €30.000,00 a título de devolução do sinal entregue pela promessa de compra de fracção autónoma;

» por EDP, Serviço Universal, S.A., no montante de 724,50, a título de fornecimento de energia não paga e juros;

» por ISS, Centro Distrital de Viseu, no montante total de €162.635,36, sendo que o montante de €139.497,13 é referente a contribuições até 12 meses antes da insolvência e juros; e o montante de €22.389,43, é referente a contribuições dos doze meses antes da insolvência e juros; e o montante de €784,80 é de juros desde a insolvência até ao momento do reconhecimento do crédito;

» por J (…), no montante de €14.281,84, a título de créditos laborais;

» por J (…), no montante de €20.287,60, a título de créditos laborais;

» por J (…), no montante de €4.039,99, a título de créditos laborais;

» por J (…), no montante de €20.287,60, a título de créditos laborais;

» por J (…), no montante de €9.902,20, a título de créditos laborais;

» por L (…), Ld.ª, o montante de €13.301,60, emergente fornecimento de bens e serviços e juros;

» por L (…), no montante de €13.301,60, a título de créditos laborais;

» por M (…), no montante de €100.000,00 a título de devolução do sinal entregue pela promessa de compra de fracção autónoma;

» por M (…), no montante de €20.287,60, a título de créditos laborais;

» pela Fazenda Nacional o montante total de €95.903,83, sendo €28.155,98 por IVA, IRC, IMI e juros até um ano antes da insolvência, e €67.747,85 por IVA, IRC, IMI e juros há mais de um ano antes da insolvência e, bem assim, custas encargos e coimas;

» por N (…) o montante de €70.000,00, a título de devolução do sinal entregue pela promessa de compra de fracção autónoma;

» por N (…) o montante de €10.000, a título de devolução do sinal entregue pela promessa de compra de fracção autónoma;

» por Optimus Comunicações, S.A., o montante de €237,42, a título de prestação de serviços;

» por P (…), Ld.ª, o montante de €2.892,81, a título de contrato de arrendamento comercial;

» por P (…), Ld.ª, o montante de €11.898,51, a título de fornecimento de bens e juros;

» por P (…) Ldª, o montante de €6.209,26, a título de fornecimento de serviços e juros;

» PT Comunicações, S.A., o montante de €1.391,30, a título de prestação de serviços;

» por RR (…), Ld.ª, no montante total de €121.448,30, decorrente de contrato de prestação de serviços e juros, sendo o montante de €30.362,08 qualificado de acordo com o art. 98º, do CIRE;

» por R (…), o montante de €7.147,00, a título de créditos laborais;

» por R (…), o montante de €50.000, a título de devolução do sinal entregue pela promessa de compra de fracção autónoma;

» por S (…), o montante de €7.207,60, a título de créditos laborais;

» por S (…) Sul, Ld.ª, o montante total de €388.000,00, sendo o montante de €230.000,00 garantido por força da entrega da fracção T3+1, letra AH, 1º direito, entrada E, da Urbanização (...), descrito na CRP sob o nº 3689º. E o montante de €158.000,00, crédito comum atinente à fracção destinada a garagem com o nº 5, fracção T3, da Urbanização (...), descrito na CRP sob o nº 3689º;

» por S (…), Ld.ª o montante de €814,36, decorrente do contrato de prestação de serviços;

» por TMN – Telecomunicações Móveis Nacionais, o montante de €3.200,46, decorrente de prestação de serviços;

» por W (…), Ld.ª, o montante de €1.522,97, decorrente de prestação de serviços;

» por Zona TV cabo, S.A., o montante de €3.557,88, decorrente de contrato de arrendamento comercial.

HHH) Foram ainda reclamados os seguintes créditos, em sede de Verificação Ulterior de Créditos:

» pelo Ministério Público, no montante de €210,00, a título de custas em dívida, referentes ao Processo 172/2012 do JP de Tarouca (Apendo D);

» pelo Ministério Público, no montante de €663,75, a título de custas em dívida, referentes ao Processo 146/11.0TULMG do Tribunal de Trabalho de Lamego (Apenso E).

III) Os trabalhadores (…) exerceram trabalho por conta da insolvente nos imóveis descritos sob as verbas nºs 23 a 28 e verbas 34 a 49 dos autos de apreensão de bens.

- da impugnação da matéria de facto

Vêm os Recorrentes J (...) e mulher insurgir-se contra a decisão a matéria de facto, referindo que a prova produzida impõe que se considerem provados os factos que descrimina e que o tribunal a quo teve como não provados, pugnando pela alteração da decisão de facto.

O artº 662 do C.P.C. com a epígrafe “modificabilidade da decisão de facto” dispõe, no seu nº 1 que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Por seu turno, o artº 640 impõe um ónus a cargo do Recorrente que impugne a decisão de facto, estabelecendo o seguinte:

1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição soa excertos que considere relevantes.

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considera importantes.

3- O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636º.”

Verifica-se, contudo, que os Recorrentes no recurso que apresentam, embora dando cumprimento ao disposto no nº 1 do artº 640 do CPC, indicando os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados e os meios probatórios que, no seu entender, impõem decisão diversa sobre os pontos de facto impugnados e a decisão que deve ser proferida sobre os mesmos, já não dão cumprimento à exigência prevista nº 2 do artigo mencionado, o que constitui um obstáculo à reapreciação da matéria de facto que foi objecto de impugnação e que implica, nos termos da norma referida, a imediata rejeição do recurso, no que à impugnação da matéria de facto se refere.

Senão vejamos.

O artº 640 do C.P.C. ao impor a necessidade do Recorrente indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, bem como os concretos meios probatórios que determinam decisão diversa, traduz uma opção do legislador que não admite o recurso genérico contra a errada decisão da matéria de facto, mas apenas a possibilidade de revisão de factos individualizados, relativamente aos quais a parte manifesta e concretiza a sua discordância.

Diz-nos António Abrantes Geraldes, in. Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág, 126 que: “…sempre que o recurso envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto: (…) relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes…”

Ora, o que se verifica, é que os Recorrentes insurgindo-se contra a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, indicam os diversos pontos de facto que têm por incorrectamente julgados- identificando os factos que a sentença considerou não provados e que no seu entender devem ser considerados provados, apontando também o sentido da alteração pretendida e indicam os elementos de prova que no seu entender impõem decisão diversa (documentos que individualizam, o depoimento prestado por seis testemunhas que identificam e as declarações de parte do Recorrente). Contudo, os Recorrentes não indicam, designadamente no corpo das suas alegações de recurso, as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, limitando-se a fazer menção ao tempo de gravação total do depoimento de cada testemunha, sem indicar as passagens da gravação do depoimento de cada uma delas, ou das declarações de parte, em que baseiam as razões da sua discordância com a decisão proferida sobre os factos que impugnam.

Os Recorrentes pretendendo socorrer-se da prova gravada e não indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso da matéria de facto, não observam a exigência do art.º 640 nº 2 al. a) do C.P.C.

Só o cumprimento das regras, pelo Recorrente que impugne a matéria de facto, permite ao tribunal avaliar as discordâncias apresentadas em concreto. Não tendo os Recorrentes cumprido o disposto no artº 640 nº 2 al. a) do C.P.C., ao invocarem meios probatórios que foram gravados para fundamentar a sua discordância com a decisão recorrida, sem indicarem com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, tal impõe a rejeição do recurso da matéria de facto, nos termos aí previstos, o que se determina.

Importa apenas considerar ainda se a certidão do processo judicial junta aos autos é só por si suficiente para determinar a alteração da decisão da matéria de facto. Trata-se do documento junto aos autos a fls. 423 ss. que representa a certidão de sentença proferida em processo judicial que correu termos e já transitada em julgado, em que são AA. os aqui Recorrentes e R. a sociedade insolvente e onde foi reconhecido o direito de crédito dos aí AA. sobre a R., no valor correspondente ao dobro do sinal prestado quando do contrato promessa de compra venda da fracção E, bem como o direito de retenção sobre tal imóvel.

A respeito deste documento, enquanto elemento probatório e sua relevância para os autos, considerou a sentença recorrida o seguinte: “Ademais, e pese embora a existência de sentença judicial, datada de 07.04.2014, transitada em julgado a 21.05.2014, proferida no âmbito do processo ordinário nº 886/12.6TBLMG, do 2º juízo, do Tribunal Judicial de Lamego, o certo é que não pode vincular a C(...), credora hipotecária relativamente às fracções M e E, uma vez que a mesma não foi parte naquela acção declarativa. Com efeito, da certidão judicial junta aos autos, foram partes na acção apenas os autores (…)e ré apenas a sociedade “C (…), Ld.ª”, não tendo sido sequer suscitada a intervenção da credora hipotecária, no caso a C(...), que tinha igual interesse para intervir na demanda. Como vem sendo decidido pela jurisprudência os terceiros não podem ser prejudicados, nem beneficiados pelo caso julgado de uma decisão proferida numa acção em que não participaram, nem foram chamados a intervir (a este propósito, e a título exemplificativo, vide o Ac. da RP de 11.11.2004, in www.dgsi.pt).”

Esta argumentação não merece qualquer censura, pelo que forçoso se torna concluir que o documento em causa não impõe qualquer alteração à decisão da matéria de facto.

IV. Razões de Direito

Do recurso de A (…)

- do período de tempo da relação laboral da Recorrente com a insolvente

Alega a Recorrente que a origem da sua relação laboral com a insolvente se reporta a 01/07/1992, quando foi contratada, tendo trabalhado para o seu pai (…) enquanto empresário em nome individual e com a constituição da sociedade insolvente houve uma transferência da relação laboral para esta, pelo que tem de ser considerado todo o período de trabalho, desde 01/07/1992 até 30/07/2012 para efeitos de contabilização da indemnização.

Insurge-se a Recorrente quanto ao facto do tribunal a quo ter considerado que não se provou a sua transferência para a insolvente em Maio de 2001, pretendendo que tal resulta dos elementos probatórios constantes dos autos e que o próprio tribunal o afirmou na sua fundamentação jurídica.

Começando por avaliar esta última situação invocada pela Recorrente, no sentido de que a sentença proferida, sob o título fundamentação jurídica reconhece à Recorrente o direito a receber 20 retribuições, constata-se que a Recorrente interpreta mal o que consta da decisão. É que a seguir ao ponto 2 da sentença, que se reporta à fundamentação jurídica, é na verdade mencionada a transferência de trabalhadores para a empresa insolvente e o direito da Recorrente a receber 20 retribuições, contudo, tal não é mais do que uma síntese feita pelo tribunal a quo daquilo que a Recorrente veio alegar e peticionar.

Ou seja, as afirmações aí expressas não representam a decisão do tribunal, mas antes a súmula do que a Recorrente alegou e pediu no processo, o que é feito de forma a enquadrar o conhecimento da questão que é efectuado posteriormente.

Não tem por isso razão a Recorrente quando diz que a sentença considerou a sua relação laboral com a insolvente com origem em 01/07/1992, para depois se contradizer e atribuir um valor indemnizatório reportado apenas à data da constituição da empresa insolvente. A sentença proferida considerou a este respeito, que a relação laboral da Recorrente com a insolvente ocorre desde Maio de 2001 até 30/07/2012, fixando a indemnização no valor de € 8.378,70 correspondente a 11 retribuições.

A este propósito alega ainda a Recorrente que não restam dúvidas que trabalhou para o seu pai, (…), enquanto empresário em nome individual e que com a constituição da sociedade ocorreu uma transferência para esta do seu posto laboral, o que é confirmado pela prova testemunhal, que o tribunal valorizou na sua fundamentação, bem como pela prova documental representada pelos Doc. 2 e 3 juntos aos autos a 30/08/2013.

Importa referir que embora a Recorrente venha dizer que os elementos probatórios constantes dos autos permitem concluir que houve uma transferência da relação laboral para a sociedade insolvente, o que é certo é que, do recurso por si interposto, não resulta que a mesma recorre da decisão da matéria de facto, apenas pondo em causa a conclusão que a sentença retira dos factos provados, no sentido de serem insuficientes para se concluir pela transferência da situação laboral. Basta ver, por um lado, que a mesma nas alegações de recurso apresentadas, não individualiza qualquer recurso da matéria de facto, nem observa o ónus que o artº 640 do C.P.C. impõe a quem pretende recorrer da matéria de facto.

Os factos provados, com interesse para a apreciação desta questão, são os mencionados nas alíneas D), E), F), G) da fundamentação de facto. Os mesmos revelam tão só que a Recorrente trabalhou para o seu pai desde 01/07/1992 até à data da constituição da insolvente, ficando sócia da mesma e que exercia por conta e no interesse da insolvente, as funções de secretária, tendo deixado de trabalhar para a insolvente quando esta encerrou a sua actividade a 30/07/2012. Tais factos, ainda que possibilitem dizer que a Recorrente trabalhou para o seu pai e que mais tarde trabalhou para a insolvente, são manifestamente insuficientes para que possa falar-se de uma transferência da relação laboral da Recorrente para a sociedade insolvente, não permitindo concluir que a relação laboral da mesma com a insolvente se reporta a 01/07/1992 como a mesma pretende.

Em face do exposto, não pode concluir-se que a relação laboral da Recorrente com a insolvente se reporta a 01/07/1992, como pretende a mesma.

- do reconhecimento do crédito laboral da Recorrente como privilegiado.

A este respeito, refere a decisão recorrida: “Tendo-se apurado que a impugnante foi sócia da insolvente desde 25/07/2001 até 04/08/2010, data em que transmitiu a sua quota a J (…), S.A. e uma vez que a sociedade insolvente encerrou a sua actividade em 30/07/2012, por via da sua situação de insolvência, como a própria impugnante confessou, bem andou o Sr. Administrador ao qualificar o crédito como subordinado, por força do disposto no art.º 48º n.º 1 al. a) do CIRE.”

Alega a Recorrente, por um lado, que a sua quota na sociedade insolvente foi cedida a 09/07/2009, embora só tenha sido registada a 04/08/2010 e por outro lado, que a sentença de insolvência só teve lugar a 23/01/2013, não tendo por isso aplicação o disposto na norma mencionada, devendo o seu crédito ser considerado privilegiado.

O crédito que foi reconhecido à Recorrente sobre a insolvente, tem o valor total de € 15.430,63 sendo emergente da relação laboral da mesma com a sociedade insolvente e refere-se a indemnização e retribuições em dívida.

Vejamos o regime legal.

O art.º 48º do CIRE, com a epígrafe “créditos subordinados” faz referência, nas suas diversas alíneas, aos créditos que devem considerar-se subordinados, sendo graduados depois dos restantes créditos sobre a insolvência, prevendo, na sua al. a) os créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor, desde que a relação especial existisse já quando da respectiva aquisição, e por aqueles a quem eles tenham sido transmitidos nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência.

Por seu turno, o art.º 49º do CIRE diz-nos quem considerar pessoas especialmente relacionadas com o devedor, consignando no n.º 2 as situações em que o devedor é pessoa colectiva, prevendo na al. a) “os sócios, associados ou membros que respondam legalmente pelas suas dívidas e as pessoas que tenham tido esse estatuto nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência.”

Dizem-nos Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, vol. I, p. 230 ss.: “O que está aqui em causa é, precisamente, a presunção de os actos praticados pelo insolvente, para mais num período vizinho da abertura do processo de insolvência, com pessoas que, por uma razão ou por outra, lhe são próximas, tenderem a beneficiá-las. Daí que, se de tais actos resultam créditos, estes, em caso de consumação da insolvência, devem ficar sujeitos a um tratamento menos favorável que a generalidade dos demais (...).

Se atentarmos bem no que estipula o artº 49 nº 2 al. a), verificamos que tal norma manda atender de forma expressa aos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e não ao encerramento da actividade da empresa, nem à data da sentença de declaração de insolvência. A menção que é feita ao início do processo de insolvência deve ser entendido como referência à data em que a petição inicial dá entrada na secretaria do tribunal, pois é tal acto que dá início ao processo de insolvência, ou seja, de acordo com tal interpretação, a norma em questão refere-se às pessoas que tenham tido o estatuto de sócio nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência.

Reportando-nos agora ao caso em discussão e tendo presente o referido, constatamos que data relevante para a contagem do prazo de dois anos não é data em que a empressa cessou a sua actividade, o que aconteceu a 30/07/2012 (como entendeu a decisão recorrida), nem tão pouco a data em que foi proferida a sentença que declarou a insolvência a 23/01/2013 (como entende a Recorrente), mas antes a data do início do processo de insolvência, que no caso concreto foi 22/11/2012, dia em que o requerimento inicial, com o pedido de declaração de insolvência, foi remetido à secretaria. Ora, tendo resultado provado que a Recorrente cedeu a sua quota a 04/08/2010, já se vê que nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência, que terminam em 22/11/2010, a mesma não teve o estatuto de sócia da empresa insolvente, não podendo por isso considerar-se pessoa especialmente relacionada com a empresa, nos termos da previsão do artigo mencionado.

Assim sendo e por não poder concluir-se que a Recorrente é pessoa especialmente relacionada com o devedor, já se vê que não pode considerar-se subordinado o seu crédito sobre a insolvente, por não estar preenchida a previsão do art.º 48 al a) e 49º n.º 2 al. a) do CIRE, contrariamente ao que entendeu a decisão recorrida, que nesta parte se revoga.

Sendo o crédito da Recorrente um crédito de natureza laboral, é um crédito privilegiado, atento o disposto no art.º 377 n.º 1 e n.º 2 do C. Trabalho, pelo que assim deve ser considerado e graduado a par dos créditos dos restantes trabalhadores da insolvente, o que se determina

Do recurso de J (…) e mulher I (…)

- da verificação do crédito relativo ao dobro do sinal prestado e direito de retenção sobre o imóvel identificado

Os Recorrentes fundamentam o seu pedido de alteração da decisão recorrida no facto de considerarem que está provado que procederam à entrega de um sinal de € 85.000,00 à insolvente quando realizaram o contrato promessa de compra e venda relativamente à fracção E, tendo-lhes sido entregue tal fracção e tendo a insolvente incumprido este contrato, do que resulta para eles um crédito de € 170.000,00 correspondente ao dobro do sinal prestado, bem como o direito de retenção sobre tal imóvel.

A sentença recorrida reconheceu um direito de crédito dos Recorrentes correspondente ao dobro do sinal prestado quando do contrato promessa de compra e venda relativo à fracção F, reconhecendo também o seu direito de retenção sobre este imóvel, por o mesmo lhes ter sido anteriormente entregue. Já quanto ao invocado contrato promessa relativo à fracção E, foi considerado que não se provou que os Recorrentes tenham pago qualquer quantia a título de sinal, tal como não se provou que vêm ocupando tal fracção, razão pela qual não julgou reconhecido este crédito por eles reclamado.

Embora os Recorrentes tenham pugnado pela alteração da decisão da matéria de facto, o que é certo é que a mesma não procedeu, atentas as razões expostas. Uma vez que só a alteração da matéria de facto, nos termos pretendidos, podia possibilitar a procedência do recurso nesta parte, forçoso se torna concluir que este improcede.

É que, em face dos factos provados, a sentença recorrida não merece qualquer censura quando não reconhece este crédito reclamado pelos Recorrentes.

V. Sumário

1. Não sendo cumprido o disposto no artº 640 nº 2 al. a) do C.P.C., ao serem invocados meios probatórios que foram gravados para fundamentar a discordância com a decisão recorrida, sem indicação, com exactidão, das passagens da gravação em que se funda o recurso, tal impõe a rejeição do recurso da matéria de facto, nos termos aí previstos.

2. Não é pessoa especialmente relacionada com o devedor quem, nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência, não é sócio da empresa insolvente, pelo que não pode considerar-se subordinado o seu crédito sobre a insolvente, por não estar preenchida a previsão do art.º 48 al a) e 49º n.º 2 al. a) do CIRE.

3. O artº 49 nº 2 al. a) do CIRE manda atender de forma expressa aos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e não ao encerramento da actividade da empresa, nem à data da sentença de declaração de insolvência. A menção que é feita ao início do processo de insolvência deve ser entendida como referência à data em que a petição inicial dá entrada na secretaria do tribunal.

VI. Decisão:

Em face do exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso interposto por A (…), revogando-se a decisão recorrida na parte em que considera o seu crédito como subordinado, atribuindo-se a tal crédito a natureza privilegiada, devendo ser graduado a par dos restantes créditos laborais reconhecidos como privilegiados, mantendo-se a decisão no demais; julga-se improcedente o recurso interposto por J (…) e mulher I (…)mantendo-se a decisão recorrida na parte que se lhes refere.

Custas pelos Recorrentes na proporção do decaimento.

Notifique.

                                                           *

                                               Coimbra, 8 de Julho de 2015      

                                              

Maria Inês Moura (relatora)

                                               Luís Cravo (1º adjunto)

António Carvalho Martins (2º adjunto)