Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2769/20.7T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VITOR AMARAL
Descritores: COVID 19
SUSPENSÃO DE PRAZOS PROCESSUAIS
Data do Acordão: 11/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA – JUIZ 4
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 6º-B, Nº 5, AL. D) DA LEI Nº 1-A/2020, DE 19/03; LEI Nº 4-B/2021, DE 01/02.
Sumário: 1. - A legislação de suspensão dos prazos processuais no âmbito das medidas de controle da pandemia Covid 19 visou evitar a propagação do vírus, cujo contágio ocorre essencialmente através dos contactos pessoais.

2. - Porém, com a legislação adotada em 2021 (Lei n.º 4-B/2021, de 01-02) procurou-se atenuar os efeitos negativos da suspensão dos prazos resultante da legislação excecional entrada em vigor em 2020.

3. - Deve, por isso, ser interpretada extensivamente a norma do art.º 6.º-B, n.º 5, al.ª d), da Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, na redação daquela Lei n.º 4-B/2021, de molde a contemplar – para efeitos de não suspensão dos prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão –, não apenas as decisões proferidas no período de suspensão legal dos prazos processuais, mas também as anteriormente proferidas cujo prazo de recurso ainda não estivesse esgotado.

4. - Assim, quanto a uma sentença proferida anteriormente a 22/01/2021, mas cujo prazo recursivo estivesse a correr nessa data, não ocorre suspensão desse prazo e decorrente paralisação do processo, o que se compreende, satisfeitas as razões de saúde pública, à luz do interesse da celeridade processual e da pronta realização da justiça, bem como perante as exigências de igualdade de tratamento.

Decisão Texto Integral:





Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra

I - Por decisão – datada de 29/09/2021(com Ref. ...) – proferida pelo relator ao abrigo do disposto no art.º 656.º do NCPCiv., foi decidido não admitir – por extemporaneidade de interposição – o recurso formulado, dele, por isso, não se conhecendo, nos seguintes termos:

1. - No anterior despacho do Relator, datado de 21/07/2021 e de que ocorreu notificação às partes, fez-se consignar o seguinte:

«Interposto recurso do saneador-sentença proferido no âmbito destes autos, que foi admitido pelo Tribunal recorrido – assim considerado tempestivo (cfr. fls. 126 do processo físico, corporizando o despacho datado de 24/05/2021) –, deve, todavia, este Tribunal ad quem, uma vez examinado todo o processo, ponderar a questão da extemporaneidade de tal recurso, desde logo por ter sido expressamente suscitada na contra-alegação recursiva da R. M... [cfr. também o disposto nos art.ºs 652.º, n.º 1, al.ª b), 655.º, n.ºs 1 e 2, e 654.º, n.º 2, todos do NCPCiv.].

Vejamos.

É fora de dúvida que o prazo recursivo é de trinta dias [cfr. art.ºs 638.º, n.º 1, e 644.º, n.º 1, al.ª a), ambos do NCPCiv.].

A notificação da decisão recorrida considera-se realizada no dia 11/01/2021 (cfr. certificação Citius de elaboração com data de 08/01/2021, disponível no processo eletrónico, em conjugação com o disposto no art.º 248.º, n.º 1, do NCPCiv.), pelo que o prazo de trinta dias começou a correr no dia seguinte, 12/01/2021, sendo certo ainda que o recurso foi interposto no dia 29/03/2021 (cfr. fls. 120 do processo físico).

Importa, então, saber se tal prazo de recurso foi objeto de suspensão por efeito da legislação especial referente à pandemia/doença “COVID-19” (posto a respetiva suspensão de prazos processuais ter persistido desde 22/01/2021 até 05/04/2021), caso em que – a operar a suspensão – o recurso interposto deveria ter-se por tempestivo.

Assim, a Lei n.º 13-B/2021, de 05-04, com entrada em vigor em 06-04 (cfr. respetivo art.º 7.º), veio fazer cessar o regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais adotado no âmbito da pandemia da doença “COVID-19”, alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, com revogação dos “artigos 6.º-B e 6.º-C da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na sua redação atual” (cfr. art.º 6.º daquela Lei n.º 13-B/2021).

Tais artigos revogados apresentam a seguinte redação (dada pela Lei n.º 4-B/2021, de 01-02, com efeitos a 22/01/2021, sem prejuízo das diligências judiciais e atos processuais entretanto realizados e praticados):

«Artigo 6.º-B

Prazos e diligências

1 - São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais (…) que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, (…) sem prejuízo do disposto nos números seguintes.

(…)

5 - O disposto no n.º 1 não obsta:

(…)

d) A que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no n.º 1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão.» (destaques aditados).

Ora, a situação dos autos parece poder enquadrar-se, de algum modo, neste preceito do art.º 6.º-B, n.º 5, al.ª d), visto que a decisão foi proferida em 07/01/2021, isto é, anteriormente à suspensão de prazos processuais, tendo-se iniciado, por isso, a contagem do prazo para recurso, pelo que, por maioria de razão, não seria de ter-se esse prazo por suspenso a partir de 22/01/2021.

Dito de outro modo, se nada obsta a que, durante o tempo do regime de suspensão, seja proferida decisão final mediante o preenchimento de determinados pressupostos, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, então, por maioria de razão, essa não suspensão do prazo recursivo deverá ocorrer, nesta perspetiva, quando a prolação da decisão é (como no caso) anterior ao regime de suspensão.

Por isso, proferida in casu a decisão final (saneador-sentença), por se ter entendido que o estado dos autos o permitia, com início de contagem do prazo para recurso, parece que não se suspendeu tal prazo por efeito daquele regime legal especial.

Donde que, se bem se vê, tal prazo terminasse ainda em fevereiro de 2021, na falta de invocação de justo impedimento (art.º 140.º do NCPCiv.), mesmo com os três dias úteis adicionais a que alude o n.º 5 do art.º 139.º do NCPCiv. (multa pela prática do ato fora de prazo).

Constatado que a peça recursiva (requerimento de interposição e alegação com conclusões) apenas foi apresentada em 29/03/2021, é de perspetivar, efetivamente, a extemporaneidade da apelação, com a consequência de, decorrido o prazo legal perentório, se extinguir o direito de praticar o ato (n.º 3 do art.º 139.º do NCPCiv.), levando a que não possa conhecer-se do objeto do recurso.

E nem a decisão que admita o recurso vincula o Tribunal superior (cfr. art.ºs 652.º, n.º 1, al.ªs a) e b), e 653.º a 655.º, todos do NCPCiv.), devendo o relator proceder ao exame preliminar do processo, apreciando, nesse âmbito, se alguma circunstância obsta ao conhecimento do objeto recursório (art.º 655.º, n.º 1, do aludido NCPCiv.), tanto mais que a questão foi suscitada pela parte recorrida.

Deve, porém, desde logo ser observado o preceituado no n.º 2 do art.º 655.º, em conjugação com o n.º 2 do art.º 654.º, ambos do NCPCiv., permitindo-se o contraditório.

Face ao exposto, determina-se, antes de mais, o cumprimento, em 10 dias, do preceituado naqueles art.ºs 655.º, n.º 2, e 654.º, n.º 2, da lei adjetiva, após o que se decidirá quanto a esta questão.

Notifique às partes.».

2. - Observado, pois, o princípio do contraditório, veio a parte recorrente tomar posição no sentido da tempestividade do recurso, por o prazo recursivo ter, a seu ver, ficado suspenso.

Neste âmbito, esgrime que o legislador, através da menção “caso em que” (inserida no texto legal), pretendeu que «os prazos para interposição de recurso» só não se suspendessem «nos casos em que o tribunal tenha proferido sentença durante o período de suspensão dos prazos». Acrescenta que, «caso o legislador tivesse querido que a contagem de prazos para interposição de recurso ocorresse mesmo durante o período da suspensão, tê-lo ia dito expressamente. Não o fez. Aliás, fez o oposto! Deixou claro que apenas no “caso em que” tenha sido proferida sentença se contarão os prazos para interposição de recurso». Tudo para concluir que «o legislador não quis deixar margem de interpretação para o julgador quanto ao que deve ser considerado como abrangido pela suspensão de prazos», termos em que, ao contrário do expendido no douto despacho, por maioria de razão, se o legislador quis fazer prever a possibilidade de se poder interpor recurso de decisões proferidas durante o período da suspensão, se tivesse querido ir mais além tê-lo-ia feito sem dúvida. Em suma, não teria sido deixada qualquer margem para interpretação extensiva.

3. - Cumpre, então, decidir.

Assim, reitera-se que, pretendendo os aqui Apelantes, pela via recursória, impugnar decisão final – saneador-sentença, pelo qual foi julgada «manifestamente improcedente a presente ação, absolvendo-se as rés dos pedidos» –, e não obstante essa decisão ter sido proferida anteriormente ao início de suspensão dos prazos processuais – por força de regime legal excecional, em horizonte de pandemia –, o respetivo prazo recursivo não foi objeto de suspensão/paralisação, pelo que continuou a correr até ao seu esgotamento, com a consequência, salvo sempre o devido respeito por diverso entendimento, de operar, como já diagnosticado, a extemporaneidade do recurso interposto.

Com efeito, à questão da admissibilidade in casu da dita interpretação extensiva, a resposta deve ser, a nosso ver, afirmativa.

Assim, se é certo que a decisão impugnada foi proferida anteriormente à suspensão de prazos processuais (prolação em 07/01/2021), tendo-se iniciado, por isso, a contagem do prazo para recurso, nada justificaria que tal prazo devesse ter-se por paralisado a partir de 22/01/2021.

Insiste-se, pois, em que, se nada obsta a que, durante o tempo do regime de suspensão, seja proferida decisão final mediante o preenchimento de determinados pressupostos, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, então, por maioria de razão, essa não suspensão do prazo recursivo deverá ocorrer, nesta perspetiva, quando a prolação da decisão é (como no caso) anterior ao regime de suspensão.

Vejamos.

Em matéria de normação excecional não é vedada, como é sabido, a interpretação extensiva (cfr. art.º 11.º do CCiv.).

E, se não há obstáculo em geral, deve, por outro lado, entender-se que o caso dos autos reclama mesmo tal extensão interpretativa ([1]).

Com efeito, pode argumentar-se, com pertinência, que o legislador, perante o que estava em causa, disse aqui menos do que aquilo que queria, em sede de previsão normativa, pois devia ter-se reportado, no âmbito do aludido art.º 6.º-B, n.º 5, al.ª d) – o objeto da controvérsia –, para o efeito de não suspensão dos prazos para interposição de recurso, não só às decisões finais a proferir (as expressamente previstas), como também às já proferidas e ainda suscetíveis de recurso (não mencionadas).

Assim, deveria a norma em causa ter assumido um sentido correspondente à seguinte formulação:

«5 - O disposto no n.º 1 não obsta:

(…)

d) A que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no n.º 1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão, regime este também aplicável às decisões já proferidas que ainda sejam suscetíveis de tal impugnação.» (texto sublinhado aditado).

Mas perguntar-se-á: não terá o legislador querido, em vez disso, apresentar uma formulação taxativa, com previsão legal fechada (com a consequência de vedar qualquer interpretação extensiva)?

É esta, na substância, a perspetiva dos Recorrentes, a que não pode, porém, aqui aderir-se pelas razões que se seguem.

De acordo com o disposto no art.º 9.º, n.º 1, do CCiv., a interpretação da lei não deve cingir-se à letra da norma legal, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

Interessa, pois, sobretudo, o pensamento legislativo (a intenção do legislador), embora tendo em conta o texto legal (nos moldes em que concretamente redigido), âmbito em que não poderá, então, valer um pensamento legislativo que não tenha na letra da lei (elemento literal) um mínimo de correspondência verbal (n.º 2 daquele art.º 9.º).

Mas, se não podem, nesta senda, ser olvidadas, na interpretação da lei, as circunstâncias históricas em que elaborada e, outrossim, as condições específicas do tempo da sua aplicação, certo é que assume especial relevância, em qualquer caso, o espírito da lei (a “mens legis”).

Ora, é pacífico que «a lei da suspensão dos prazos processuais surge no âmbito das medidas de contenção tomadas pela necessidade de controle da pandemia Covid 19 e perante a declaração de estado de emergência, as quais, destinadas a evitar deslocações de pessoas aos tribunais com o consequente risco de aumento da doença, por contágio.

É com esta referência da ratio legis que terá de interpretar-se a norma em apreço.

Pelo que cabe perguntar se haverá alguma razão para o legislador determinar dois regimes diversos de prazos processuais, um para os casos em que a decisão tenha sido proferida antes e outro para os casos em que a decisão tenha sido proferida após a entrada em vigor e produção de efeitos da lei.

E na verdade não se vislumbra razão alguma que possa justificar a diferença de regimes sustentada.

Não há razão plausível na economia da lei para o legislador vir salvaguardar da suspensão dos prazos de recurso decisões proferidas durante o período em vigor da lei e estabelecer essa suspensão para as decisões que foram proferidas antes da entrada em vigor da lei.

Razão de ser num e noutro caso é a mesma. Evitar deslocações de pessoas aos tribunais finalidade que é prosseguida de igual modo num e noutro caso

Donde que, a referida norma deve ser interpretada como sendo de aplicação às decisões proferidas nos tribunais superiores sem que haja de atender à data das mesmas.» ([2]).

Esta é a orientação jurisprudencial que vem sendo adotada nos Tribunais da Relação ([3]) e, tanto quanto se conhece, no STJ ([4]) ([5]).

Mas também nesse sentido se pronuncia doutrina significativa ([6]).

Pode, pois, ter-se por incontroverso que a suspensão dos prazos processuais em causa assentou numa razão de saúde pública: evitar a propagação do vírus, cujo contágio ocorre essencialmente através dos contactos pessoais.

Mas também é pacífico, neste âmbito, que a legislação adotada em 2021 – de que aqui cuidamos – visou «atenuar os efeitos negativos da suspensão dos prazos» decorrentes da legislação excecional entrada em vigor em 2020.

Assim, se o processo está em condições de ser proferida sentença, então já não há risco de contágio pelo vírus causador da pandemia, por não serem necessários contactos pessoais/presenciais. Nesse caso, na lógica do legislador de 2021, é proferida a sentença, a qual é notificada, e corre o prazo para recurso, com a peça recursiva a ser objeto de elaboração no escritório do advogado e remetida por meios eletrónicos para o processo no sistema informático dos Tribunais (Citius). Deste modo, apesar da pandemia, se evita a paragem do processo e a decorrente morosidade processual e na realização da justiça.

E se, ao tempo do início de suspensão dos prazos processuais (22/01/2021), o processo já tiver sentença e estiver a correr o prazo para recurso? Neste caso, é de perguntar: Qual o risco de propagação do vírus?

A resposta só pode ser a de que não haverá risco: o advogado limita-se a elaborar o recurso e a remetê-lo por meios informáticos/eletrónicos; logo, sem contactos presenciais/diretos e sem riscos no quadro pandémico, o mesmo ocorrendo com a contra-alegação.

Então, também aqui não se justifica, salvo o devido respeito, que o processo fique paralisado, quando só está em causa a apresentação do recurso, bem como a respetiva contra-alegação, e a sua subsequente decisão.

Se o legislador quis e previu a não suspensão (i) quanto aos processos que estão em condições de ser sentenciados – prolação de sentença e recurso, bem como contra-alegação e apreciação do recurso pelo Tribunal Superior –, então, por maioria de razão, o terá querido (ii) quanto aos já sentenciados e em prazo de recurso, para que também estes possam ter o recurso, a contra-alegação e a apreciação, sem suspensões, pelo Tribunal Superior.

À luz do interesse da celeridade processual e da pronta realização da justiça, sem esquecer as exigências de igualdade de tratamento (quanto a situações essencialmente similares), não se compreenderia que, sem qualquer risco pandémico (invariavelmente), no primeiro caso (i) o processo não parasse e no segundo (ii) ficasse parado, para efeitos de recurso, com os inerentes prejuízos para as partes.

Em face do exposto, mantendo a perspetiva já enunciada no anterior despacho do Relator, é de resolver a questão suscitada quanto à suspensão do prazo processual para interposição de recurso da decisão da 1.ª instância, esta proferida anteriormente à entrada em vigor da Lei n.º 4-B/2021, no sentido de que não se suspender tal prazo.

Com a consequência, pois, de o recurso interposto haver de ser considerado extemporâneo – o prazo legal terminou, como já dito, ainda em fevereiro de 2021, e a peça recursiva foi apresentada já em 29/03/2021 –, pelo que, decorrido o prazo legal perentório, se extinguiu o direito de praticar o ato (n.º 3 do art.º 139.º do NCPCiv.), impedindo o conhecimento do objeto do recurso (art.º 655.º, n.º 1, do mesmo Cód.), posto a decisão de admissão do recurso em 1.ª instância não vincular o Tribunal superior.

4. - Pelo exposto, e decidindo, não se admite – por extemporaneidade de interposição – o recurso formulado, dele, por isso, não se conhecendo.

Custas pela parte Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em montante equivalente ao mínimo legal.

Notifique..

II - Discordando do assim decidido, vem a parte apelante reclamar para a Conferência, ao abrigo do disposto no art.º 652.º, n.ºs 3 e 4, do NCPCiv., para que sobre a matéria da decisão singular proferida recaia acórdão deste Tribunal da Relação, sem aditar, para o efeito, qualquer argumentação.

A contraparte nada veio dizer.

III - Apreciando

Não tem razão – salvo sempre o devido respeito – a parte Recorrente/Reclamante.

A qual não vem oferecer novas linhas de argumentação.

Assim, resta manter o já decidido na decisão singular e respetiva fundamentação, a qual, salvo o devido respeito, é correta perante a lei e as circunstâncias e factualidade do caso, bem como perante os interesses envolvidos.

Em suma, não havendo outros argumentos a ponderar, dá-se por reproduzida a fundamentação – aliás, desenvolvida – da decisão singular em apreço, confirmando-se integralmente a decisão do Relator, que não merece censura.

E nem se conhece corrente jurisprudencial significativa em sentido oposto ([7]), podendo, ao invés, indicar-se ainda, no sentido aqui adotado, os recentes Acs. TRC de 26/10/2021, Proc. 2706/20.9T8LRA.C1 (Rel. Cristina Neves), e TRP de 07/10/2021, Proc. 121276/19.8YIPRT.P1 (Rel. Aristides Rodrigues de Almeida), ambos em www.dgsi.pt.

Tudo visto, remetidos os autos, na legal tramitação, à Conferência, impõe-se então acordar, na improcedência da reclamação in totum, em confirmar, sem qualquer alteração, a decisão singular em apreço, cujos fundamentos e dispositivo são de subscrever.

IV - Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - A legislação de suspensão dos prazos processuais no âmbito das medidas de controle da pandemia Covid 19 visou evitar a propagação do vírus, cujo contágio ocorre essencialmente através dos contactos pessoais.

2. - Porém, com a legislação adotada em 2021 (Lei n.º 4-B/2021, de 01-02) procurou-se atenuar os efeitos negativos da suspensão dos prazos resultante da legislação excecional entrada em vigor em 2020.

3. - Deve, por isso, ser interpretada extensivamente a norma do art.º 6.º-B, n.º 5, al.ª d), da Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, na redação daquela Lei n.º 4-B/2021, de molde a contemplar – para efeitos de não suspensão dos prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão –, não apenas as decisões proferidas no período de suspensão legal dos prazos processuais, mas também as anteriormente proferidas cujo prazo de recurso ainda não estivesse esgotado.

4. - Assim, quanto a uma sentença proferida anteriormente a 22/01/2021, mas cujo prazo recursivo estivesse a correr nessa data, não ocorre suspensão desse prazo e decorrente paralisação do processo, o que se compreende, satisfeitas as razões de saúde pública, à luz do interesse da celeridade processual e da pronta realização da justiça, bem como perante as exigências de igualdade de tratamento.

V - Decisão

Termos em que se decide indeferir a reclamação e, confirmando a não admissão – por extemporaneidade de interposição – do recurso formulado, dele, por isso, não se conhece.

Custas pela parte Reclamante/Apelante.

Coimbra, 09/11/2021

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas e em teletrabalho.

Vítor Amaral (Relator)

         Luís Cravo

Fernando Monteiro


([1]) Veja-se, entre outros, o Ac. TRP de 09/02/2021, Proc. 1275/19.7T8PVZ.P1 (Rel. Rodrigues Pires), em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se: «I- As disposições da Lei nº 1-A/2020, de 19.3., nas suas sucessivas redacções, tratam-se de normas excecionais destinadas a vigorar apenas enquanto se mantiver a situação de pandemia provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2. // II- As normas excecionais, sempre que se reconheça que haja necessidade de estender as palavras da lei, são suscetíveis de interpretação extensiva.».
([2]) Citação do Ac. TRL de 13/05/2021, Proc. 598/18.7T8LSB.L1-8 (Rel. Isoleta Costa), em www.dgsi.pt.
([3]) Assim também o Ac. TRE 13/05/2021, Proc. 2161/19.6T8PTM.E1 (Rel. Mata Ribeiro), em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: «O fim visado pelo legislador ao editar a norma contida na al. d) do n.º 5 do art.º 6-B) foi o de impedir que operasse a suspensão nos prazos de recurso, quando se esteja perante decisão final proferida no processo, independentemente do momento em que se dê a prolação da sentença». Para chegar a esta conclusão, refletiu-se assim naquele aresto:
«Embora o texto da norma pareça apontar para futuro, a ratio legis a ter em consideração visa limitar ao essencial a presença física nas diligências e permitir que, desde que haja decisão final, o processo possa prosseguir os seus termos até tal decisão se tornar definitiva, sendo que nos recursos, quer as decisões tenham sido proferidas antes ou depois da entrada em vigor da norma, a sua interposição que é efetuada via eletrónica, não implica presença física de qualquer pessoa ou interveniente processual no tribunal, pelo que nessa medida, não há justificação para distinção entre decisões anteriores ou posteriores à entrada em vigor da lei.
Acresce que, se na vigência da legislação mais restritiva em que a generalidade dos prazos estão suspensos, das decisões que no âmbito da mesma vierem a ser proferidas, quanto a elas, não se suspendem os prazos de interposição de recurso, não faz sentido, até por maioria de razão, que das decisões já proferidas nos processos em que a legislação até era menos restritiva se faça operar a suspensão do prazo para interposição do recurso, que se encontrava em curso, por tal conduzir a situações de manifesta desigualdade ao deixar paralisadas de produção de efeitos as decisões mais antigas, permitindo-se que decisões mais recentes consigam alcançar tal desiderato em virtude da inexistência de barreiras à contagem de prazos à tramitação e julgamento dos recursos.
Entendemos assim, que o fim visado pelo legislador ao editar a norma contida na al. d) do n.º 5 do artº 6-B) foi o de impedir que operasse a suspensão nos prazos de recurso, quando se esteja perante decisão final proferida no processo, independentemente do momento em que se desse a prolação da mesma, por ser essa a interpretação que se deve dar ao texto por ser mais consentânea e correspondente quer ao pensamento legislativo quer à razão e espírito da lei.».
([4]) Cfr. o Ac. STJ de 25/05/2021, Proc. 11888/15.0T8LRS.L1-A.S1 (Rel. Pedro de Lima Gonçalves), em www.dgsi.pt, foi entendido resultar «com clareza que o legislador, neste momento de combate à pandemia, quis proceder de forma diversa da atuação ocorrida na primeira fase. // Enquanto na primeira fase, compreensivelmente, suspendeu os prazos, neste momento de combate à pandemia decidiu utilizar as possibilidades existentes e suspender os prazos com exceções que são claras. // Assim, nos tribunais superiores determinou que os processos não urgentes prosseguiriam a não ser que fosse necessário a realização de atos presenciais e, nesse caso, determinou que se procedesse nos termos da alínea c) do citado n.º 5».
Tudo para concluir que não ocorreu paralisação do prazo recursivo quanto a decisão da Relação notificada «às partes a 18/12/2020», em que o «prazo de 30 dias terminou no dia 2 de fevereiro de 2021».
([5]) No mesmo sentido o Ac. STJ de 22/04/2021, Proc. 263/19.8YHLSB.L1.S1 (Cons. Ferreira Lopes), em www.dgsi.pt, concluindo «que a partir de 22.01.2021, e durante a vigência da medida excepcional de suspensão não se iniciam nem correm os prazos processuais em processos pendentes nos órgãos e entidades referidos no nº 1, independentemente da sua duração, com excepção dos prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão. // A não suspensão dos prazos “para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento de retificação ou reforma da decisão”, tanto vale para os tenham por objecto decisões finais anteriores a 22.01.2021, como as proferidas depois desta data, por ser a mesma a razão de ser da lei: atenuar os efeitos negativos da suspensão dos prazos previstos no nº 1 do art. 6-B.» (destaques aditados).
([6]) Veja-se o estudo de J. H. Delgado de Carvalho, intitulado “As incidências da L 4-B/2021, de 1/2, no âmbito processual civil. Regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adotadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19”, onde é apresentada a seguinte fundamentação:
«4.3. A parte final da al. d) do n.º 5: a alteração mais significativa introduzida pela L 4-B/2021 à L 1-A/2020 diz respeito à não suspensão dos prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão, bem como, acrescentamos nós, dos prazos para efetuar contra-alegações ou resposta da parte contrária (esta última solução é imposta pela igualdade substancial das partes – cf. art. 4.º CPC).
A parte final da al. d) do n.º 5 é uma norma interpretativa do n.º 1 do novo art. 6.º-B L 1-A/2020, no sentido de que o Juiz pode/deve decidir os processos que estão em condições de poder ser decididos, enquanto durar a medida excecional e temporária de suspensão; e se o Juiz decidir, então, o prazo para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão não fica suspenso.
Faz sentido que o prazo de impugnação se inicie ou corra durante a vigência da medida de suspensão estabelecida pelo n.º 1, dado que: (i) no momento da impugnação, supõe-se que os mandatários das partes conheçam as várias vicissitudes do litígio e as soluções plausíveis que poderão ser aplicadas às questões a solucionar, por modo que é menor a necessidade de conferenciar com o cliente; (ii) na vigência da L 4-A/2020, uma decisão final proferida no dia 9/3/2020 podia ser impugnada, se o recurso tivesse por objeto a reapreciação da prova gravada, até ao dia 1/9/2020, que correspondia ao último dia do prazo de complacência (art. 139.º, n.º 5, al. c), CPC) = 30 dias + 10 dias + 3 dias úteis (o que é demasiado tempo!).
Se o juiz profere ou não a decisão final, é um problema que cada juiz aferirá (independência do juiz). O legislador não pode obrigar o juiz a decidir, em todo e qualquer caso.
E se assim é, aquele normativo aplica-se: (i) a qualquer decisão (final de mérito ou interlocutória); e (ii) aos prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento de retificação ou reforma de decisões proferidas antes de 22/01/2021, com argumento "a fortiori” (de maioria de razão).
O conceito “decisão final” é usado em sentido impróprio ou lato, isto é, no sentido de se tratar de uma decisão que “decide definitivamente” a questão em causa (por contraponto com os despachos de mero expediente), dado que só aquelas decisões são impugnáveis, e, portanto, só em relação às mesmas se inicia ou corre o prazo de recurso (cf. art. 630.º, n.º 1, CPC).» [V. Blog do IPPC, em https://blogippc.blogspot.com/search?q=J.+H.+Delgado+de+Carvalho&max-results=20&by-date=true].
([7]) Apenas temos conhecimento, em contrário, da decisão do Presidente do TRE de 03/05/2021, Proc. 476/18.0T9ENT-A.E1 (Rel. João Luís Nunes), em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: «A previsão da alínea d) do n.º 5 do artigo 6.º-B da Lei n.º 4-B/2021, de 01 de Fevereiro, ao aludir "a que seja proferida decisão final", só pode reportar-se a situações em que foi proferida decisão final após a sua entrada em vigor.».