Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
972/10.7TBLSA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: CONTRATO DE ADESÃO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
CLÁUSULA PENAL
NULIDADE
Data do Acordão: 11/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA LOUSÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 3.º; 12.º; 17.º; 19.º, C); DO DL 446/85 DE 25/10; DL 220/95 DE 31/08; 249/99 DE 07/07; DL 323/2001 DE 17/12
Sumário: 1. São considerados contratos de adesão aqueles em que um dos contraentes (o cliente ou consumidor) não tendo a menor participação ou preparação das respectivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado.

2. A característica da inserção em formulário ou num modelo pré-elaborado e impresso do conjunto das cláusulas determinantes da vontade negocial das partes leva naturalmente a que o intérprete presuma a sua não negociabilidade, devendo essa configuração levar à qualificação do contrato como de adesão.

3. São proibidas as cláusulas contratuais gerais que integram as situações descritas na lei “consoante o quadro negocial padronizado”, sendo assim declaradas, consoante aquele quadro negocial, as “cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir”.

4. Para que se tenha a pena estipulada por desproporcionada, será suficiente e necessário que se conclua pela improbabilidade ou irrazoabilidade da verificação de um dano da dimensão que foi admitida na cláusula penal, a aferir em função dos elementos fornecidos pelo contrato e pelos seus considerandos.

5. A sanção que obriga o devedor ao pagamento da totalidade da retribuição acordada para a vigência dum contrato (de prestação de serviço de assistência técnica), equivalendo ao cumprimento integral deste pelo cliente no que respeita à satisfação integral das quantias previstas como se tivesse ocorrido a execução da prestação pelo credor pelo período convencionado, não representa, ainda que aproximativamente, o prejuízo normal ou típico que advém da prestação do serviço pelo credor tal qual esta se mostra equacionada no quadro contratual, pelo que é nula a cláusula.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

A....., intentou no Tribunal Judicial da Comarca da Lousã uma acção declarativa sob a forma de processo sumário contra B.....alegando:

Celebrou com o R., em 31/07/98 e 11/05/2009, dois contratos de manutenção dos elevadores instalados no prédio respectivo, sendo o segundo por um período de 6 anos, com uma facturação trimestral; não obstante o R. não ter liquidado pontualmente todas as facturas até então emitidas, em 8/05/2009 veio a acordar com ele em fixar a dívida, pelos serviços até prestados e não pagos, em € 19.598,88, sem prejuízo da continuação da assistência aos elevadores; no momento da propositura da acção os serviços da A. que não lhe foram liquidados importavam em € 13.762,18, a que acrescia a indemnização contratualmente prevista para o incumprimento do cliente de € 8.694,86.

Remata, pedindo a condenação do R. no pagamento da quantia global de € 22.457,04, acrescida de juros à taxa legal, vencidos e vincendos até integral pagamento, sendo os vencidos até 17/12/2010 de € 3.560,21.

Contestou o R., defendendo-se com a circunstância de nunca ter negociado com a A. o clausulado dos contratos e de lhe não ter sido comunicado ou explicado o conteúdo da cláusula indemnizatória; de todo o modo, tal cláusula, como clausula contratual geral, será sempre nula em razão, pelo menos, da desproporção entre o seu valor e os danos a ressarcir; assim não se entendendo, deverá a mesma ser reduzida de acordo com a equidade.

Termina com a improcedência da acção.

A final foi a acção julgada parcialmente procedente por parcialmente provada e, em função disso, o R. condenado a pagar à A. a quantia de € 13.762,18, acrescida de juros vencidos e vincendos contados desde a data de vencimento de cada uma das facturas elencadas na alínea Q da fundamentação de facto e até integral pagamento à taxa legal (…), indo absolvido quanto ao demais peticionado.

Inconformada, desta sentença interpôs recurso a A., admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

São os seguintes os factos dados como provados em 1ª instância, sem impugnação:

A. A A. é uma Sociedade Comercial, que tem como actividades, principais, o fornecimento, a montagem e a conservação de elevadores.

B. Com data de 31 de Julho de 1998, o R. celebrou, com a A., um Contrato de Conservação de Elevadores, denominado “Contrato A ... Manutenção OC”,

C. De acordo com tal acordo, a A. obrigava-se a prestar serviços de manutenção aos quatro elevadores instalados no edifício do R., por um período de seis anos, renováveis por iguais períodos, mediante o pagamento por este do valor mensal inicial de Esc.: 30.600$00 (€152,63).

D. O R. celebrou com a A., em 11-05-2009, um Contrato de Conservação de Elevadores, denominado “Contrato A ... Controlo OC”.

E. Nos termos desse Contrato, e com a duração inicial de seis anos, renováveis por iguais períodos, a A. obrigava-se a conservar os elevadores instalados no edifício do R., o qual – esquematicamente – se identifica, como segue:

Doc. nº 3

Nº de Contrato: 03 SX6326/7/8/9.

Tipo de Facturação: Trimestral.

Duração do Contrato

Início: 01-01-2009.

Termo Inicial: 31-12-2014

F. Por fax datado de 01-06-2010, a A. concedeu ao R. um prazo de oito dias para que este formalizasse um acordo que havia sido anteriormente negociado, findo o qual seria forçada a cessar as suas obrigações contratuais.

G. Por carta registada com aviso de recepção, com data de 14-06-2010, a A. concedeu ao R. um prazo suplementar que terminava em 30-06-2010 para liquidação dos valores em dívida, findo o qual consideraria o contrato resolvido.

H. E corroborada por fax, remetido ao R., em 28-06-2010, no qual a A. ainda se disponibilizava para aceitar os termos de um acordo de pagamento que fora negociado e nunca formalizado.

I. O R., por fax remetido à A. em 30-06-2010, declarou ter regularizado as prestações em dívida e manifestou a sua intenção em resolver o contrato celebrado.

J. A A. reagiu, por carta registada com aviso de recepção, datada de 01-07-2010, na qual relatava o montante da dívida acumulada (que ascendia a Eur.: 26.288,18€), as inúmeras diligências para cobrança e a ausência de cumprimento pelo R..

K. A A. foi prestando os serviços contratados e procedendo às reparações como e quando solicitadas pelo R. (resposta ao artigo 1º da B.I.).

L. Em 08-05-2009, A. e R. celebraram acordo de pagamento dos valores vencidos até então, que ascendiam a Eur.: 19.598,88, em prestações (resposta ao artigo 3º da B.I.)

M. Acordaram ainda rever os termos do contrato de assistência que até então os unia e celebraram um novo contrato de manutenção (resposta ao artigo 4º da B.I.)

N. Os serviços contratados, tinham o valor inicial de € 220,00, acrescido de IVA. (resposta ao artigo 5º da B.I.)

O. A situação referida na carta com data de 14.06.2010 foi também comunicada aos Senhores Condóminos, aquando da visita periódica de Junho (resposta ao artigo 6º da B.I.)

P. A A. emitiu e enviou ao R. a factura referente à indemnização contratada na Cláusula 5.5.2 (resposta ao artigo 7º da B.I.).

Q. A A. emitiu e enviou as seguintes facturas, relativas a serviços efectuados:

Doc.nº   Nº da Factura  Tipo da Factura Datas Vencimento Valor (€)

13          FCN06056316 Conservação 25-06-2006 623,61

14          FCN06085552 Conservação 25-09-2006 528,34

15          FCN08060270 Conservação 25-06-2008 139,99

16          FCN08074343 Conservação 25-07-2008 147,17

17          FCN08083282 Conservação 25-08-2008 147,17

18        FCN08091310 Conservação 25-09-2008 147,17

19        FCN08105064 Conservação 25-10-2008 147,17

20        FCN08114001 Conservação 25-11-2008 147,17

21        FCN08121999 Conservação 25-12-2008 147,17

22        FCN09013765 Conservação 25-01-2009 150,48

23        FCN09022812 Conservação 25-02-2009 150,48

24        FCN09030951 Conservação 25-03-2009 150,48

25        FCN09044852 Conservação 25-04-2009 150,48

26        FCN09053838 Conservação 25-05-2009 150,48

27        FCN10063189 Conservação 01-06-2010 161,02

28        FRZ06038499 Reparação 15-09-2006 390,10

29        FRT07014008 Reparação 27-04-2007 171,41

30        FRT07019491 Reparação 27-05-2007 171,41

31        FRT07024813 Reparação 27-06-2007 171,41

32        FRT07029849 Reparação 27-07-2007 171,38

33        FRT07037095 Reparação 10-09-2007 580,80

34        FRT07037105 Reparação 15-09-2007 338,80

35        FRT07039801 Reparação 15-10-2007 338,80

36        FRT07043624 Reparação 15-11-2007 338,80

37        FRT07048385 Reparação 15-12-2007 338,80

38        FRT07037097 Reparação 10-09-2007 580,80

39        FRT07037106 Reparação 15-09-2007 338,80

40        FRT07039802 Reparação 15-10-2007 338,80

41        FRT07043625 Reparação 15-11-2007 338,80

42        FRT07047282 Reparação 15-12-2007 338,80

43        FRZ08018927 Reparação 30-05-2008 452,06

44        FRZ08021728 Reparação 13-06-2008 598,95

45        FRZ08023715 Reparação 26-06-2008 58,08

46        FRT09002733 Reparação 25-01-2009 1.178,40

47        FRT09002734 Reparação 25-01-2009 2.160,00

48        FRZ09035133 Reparação 01-10-2009 64,08

49        FRZ09036708 Reparação 14-10-2009 121,92

50        FRZ09037784 Reparação 20-10-2009 359,28

51        FRZ09041587 Reparação 18-11-2009 581,40

52        FRZ10025978 Reparação 14-07-2010 135,52

53          NDJ09003132 Encargos financeiros 02-12-2009 10,40

54          NDJ09003133 Despesas Administrativas 02-12-2009 6,00

55          FCN10901701 Resolução 01-07-2010 8.694,86

                                                                 € 22.457,04 (resposta ao artigo 8º da B.I.)

R. Aquando da celebração do contrato foi explicada ao R. o conteúdo do contrato, pelo técnico comercial da A. (resposta ao artigo 9º da B.I.).

S. A A. deu ao R. a possibilidade analisar as cláusulas do contrato, lendo e interpretando o seu teor (resposta ao artigo 10º da B.I.).

T. As partes acordaram o pagamento da dívida acumulada e pretenderam apenas alargar a vigência contratual, para permitir o pagamento dos valores em aberto na contabilidade da A. aceitando as demais cláusulas vigentes (resposta ao artigo 11º da B.I.)

U. Os representantes do R. tinham um grande conhecimento do conteúdo contratual proposto pela A. (resposta ao artigo 12º da B.I.).

V. A A. sempre se disponibilizou para prestar ao R. qualquer tipo de esclarecimentos que fossem entendidos convenientes (resposta ao artigo 13º da B.I.).

W. O R. não solicitou quaisquer esclarecimentos nem alterações ao conteúdo do contrato (resposta ao artigo 14º da B.I.).

X. O técnico da A. seguia um plano pré definido de verificação dos componentes do ascensor (resposta ao artigo 15º da B.I.).

Y. A A. fazia regulares inspecções técnicas por um seu supervisor (resposta ao artigo 16º da B.I.).

Z. Estava disponível para responder, sem qualquer custo acrescido para o Cliente, vinte e quatro horas por dia dos 365 dias do ano, a qualquer solicitação para avarias (resposta ao artigo 17º da B.I.).

AA. Disponibilizava um stock de peças para substituição em caso de necessidade (resposta ao artigo 18º da B.I.).

BB. Assumia a responsabilidade civil e criminal sobre o equipamento (dispondo de apólice de seguro para o efeito) (resposta ao artigo 19º da B.I.).

CC. Os serviços contratados incluíam à análise das condições de funcionamento, inspecção, limpeza e lubrificação dos órgãos mecânicos (resposta ao artigo 20º da B.I.).

DD. …fornecimento dos produtos de lubrificação e de limpeza (resposta ao artigo 21º da B.I.)

EE. …e reparação das avarias em caso de paragem ou funcionamento anormal (resposta ao artigo 22º da B.I.).

FF. O “acordo” não foi aceite ou aprovado pela respectiva assembleia de condóminos (resposta ao artigo 23º da B.I.).

GG. A Autora continuou a facturar ao Réu a manutenção de 4 elevadores quando, já em Janeiro de 2009, dois deles se encontravam completamente parados (resposta ao artigo 27º da B.I.).

HH. No dia 26/05/2010, a Administração do Réu efectuou o depósito da mencionada prestação, conjuntamente com a respectiva mensalidade do contrato de manutenção (resposta ao artigo 29º da B.I.).

II. Desde 07/2009 a 04/2010 o Réu pagou à Autora, por débito directo na sua conta bancária, a quantia de € 3.356,48 (três mil trezentos e cinquenta e seis euros e quarenta e oito cêntimos) (resposta ao artigo 31º da B.I.).

JJ. Ficou acordado entre a Autora e a então administração do Réu que apenas seria cobrado o valor mensal de € 161,02 (cento e sessenta e um euros e dois cêntimos) (IVA incluído) a partir de Janeiro de 2009, data da entrada em vigor do contrato (resposta ao artigo 32º da B.I.).

                                                                                                      *

A apelação.

Nas conclusões que delimitam o objecto do recurso aparecem suscitadas as seguintes questões:_

1º - A de saber se o contrato celebrado entre A. e R. configura ou não um contrato de adesão;

2º - Ainda que se conclua pela existência de cláusulas contratuais gerais, isto é, não negociáveis, típicas dos contratos de adesão, a de saber se a cláusula penal prevista no ponto 5.5.2 do contrato é desproporcionada.

O R. contra-alegou pugnando pela confirmação da sentença.

Quanto à primeira questão: se estamos ou não perante um contrato de adesão.

Insurge-se a recorrente contra a aplicação pela decisão recorrida do regime das cláusulas contratuais gerais do DL 446/85 de 25/10, com as alterações dos DL 220/95 de 31/08, 249/99 de 07/07 e 323/2001 de 17/12, uma vez que o contrato junto aos autos não seria um verdadeiro contrato de adesão.

Vejamos.

Tal como se afirma na decisão recorrida, citando-se Antunes Varela[1], são considerados contratos de adesão aqueles em que um dos contraentes (o cliente ou consumidor) “não tendo a menor participação ou preparação das respectivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado”.

Sendo igualmente exacto que tais contratos se caracterizam por vir impregnados de uma defesa exaustiva do interesse da parte emitente ou pré-disponente em contraponto com uma flagrante alijamento dos direitos e expectativas da parte cliente/aderente[2].

Com efeito, prescreve o art.º 1º do DL 446/85 de 25/10:

“1. As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma”.

2. O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pôde influenciar.

3. (…)”.

O que hoje releva do regime proteccionista do DL 446/85 é, por conseguinte, o carácter não negociável ou não influenciável das cláusulas, mais do que a sua generalidade, sendo certo, por outro lado, como resulta dos art.º 17º e seguintes do diploma, que aquele regime se estende não apenas aos consumidores finais mas ainda às relações entre empresários ou profissionais liberais, quando intervenham nessa qualidade e no âmbito da sua actividade específica.

Para que se possa invocar a disciplina das CCG importa saber, por conseguinte, se esta ou aquela cláusula pôde ou não ser discutida, para ser modificada, excluída, ou tão só mantida nos termos inicialmente propostos.

Uma cláusula geral pode integrar um contrato de clausulado massificado como pode surgir nos chamados contratos individualizados, isto é, adaptados à relação concreta, o que, de certo modo, não representa já um produto dirigido a um universo de potenciais aderentes.

Temos assim como seguro que o regime de favor estabelecido para o contraente “não negociante” pode existir independentemente de ele se encontrar ou não diante de um contrato de adesão, no sentido rigoroso: na verdade, basta que uma ou mais cláusulas não sejam susceptíveis de negociação, na acepção de modificação ou exclusão, para que em relação a elas seja permitido invocar a disciplina das CCG. Como salienta Araújo de Barros [3] “do que se trata é de cláusulas e não de contratos”, “pelo que todos os contratos, à excepção dos expressamente excluídos no art.º 3º do DL nº 446/85, estão (e não estão) a priori abrangidos pela disciplina daquele diploma”.

Nesta perspectiva, e por um argumento de maioria de razão, não é a natureza negociável de um ou outro aspecto da relação contratual que pode afastar a aplicabilidade do regime de protecção a outro clausulado estabelecido para a mesma relação em termos que não sejam alteráveis pelo destinatário.

Daí que para a apreciação da validade de uma única cláusula do conteúdo contratual à luz da disciplina das CCG não seja indispensável a constatação da existência de um contrato de adesão propriamente dito.

Todavia, sempre se dirá que a característica da inserção em formulário ou num modelo pré-elaborado e impresso do conjunto das cláusulas determinantes da vontade negocial das partes leva naturalmente a que o intérprete presuma a sua não negociabilidade, devendo essa configuração levar à qualificação do contrato como de adesão.

É certo que o nº 3 do já aludido art.º 1º do DL 446/85 estatui que “O ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo”.

Mas o que aqui está basicamente em foco é a demonstração de que uma ou outra cláusula aposta dentro de um conjunto padronizado e pré-definido decorreu de negociação.

As CCG podem ser definidas como regras pensadas e propostas para inserção num número massificado de contratos em que intervém ou participa como contraente a entidade para esse efeito as pré-elaborou.

Quanto à forma, elas são apresentadas sob a mais variada roupagem: impressos, tipografados ou em suporte informático, catálogos, prospectos, etc.

O contrato invocado pela A. nos presentes autos não escapa a este perfil: basta atentar na extensão e detalhe do seu convencionado, publicitando uma atraente panóplia de vantagens e atributos da respectiva estrutura comercial, nos pontos 1 a 4, e discriminando e positivando um vasto leque de condições gerais de prestação do serviço, nos pontos 5.1 a 5.9 (fls. 23 a 25) precedendo as denominadas condições contratuais específicas (v. fls. 26) - sendo de notar que estas apenas concretizam a execução de detalhes técnicos e a especificação do equipamento, além do preço do serviço - para logo se perceber que estamos perante conteúdo contratual resultante de cláusulas pré-elaboradas pela A., ora apelante.

Na introdução ao clausulado podemos também constatar que a A. se arroga e prevalece de uma especial qualificação que lhe propicia um serviço em que se destaca a simplificação, a economia de tempo, a redução de custos e a publicitação da excelência no atendimento e tratamento dos clientes. O que tem como contraponto um evidente constrangimento ao nível da liberdade e capacidade de negociação do cliente, o qual, socialmente submetido ao peso da organização profissional de uma grande empresa, abdica facilmente de qualquer tentativa de melhorar ou aperfeiçoar o estatuto negocial que lhe é proposto.

É certo que está provado que a A. deu ao R. a possibilidade de analisar as cláusulas do contrato, lendo e interpretando o respectivo teor e que os representantes do R, tinham um grande conhecimento do conteúdo contratual proposto (factos provados em R, S e T).

Em todo o caso, compulsados os contratos invocados pela A., juntos aos autos a fls. 14-19 e 21-26, ambos atinentes aos termos de uma prestação de serviço de assistência a elevadores, não há dúvida de que as cláusulas que neles foram inseridas pela A. segundo um modelo pré-elaborado, universal ou standardizado, só teoricamente seriam alteráveis ou negociáveis. Pelo que se pode dizer, sem qualquer risco de equivocidade, que eles constituem verdadeiros contratos de adesão.

Com efeito, a circunstância de não ter solicitado esclarecimentos ou alterações ao conteúdo - como deflui do facto provado em R, S, U e W - apesar de se achar munido de um perfeito conhecimento do conteúdo do contrato celebrado em 8/05/2009,  não implica, como é óbvio, que por se verificar a negociabilidade do respectivo clausulado o R. dela haja abdicado. Quem se convence da inalterabilidade do clausulado, pela forma como este lhe é apresentado e pela aparência de produto final de que o respectivo texto vem revestido, por certo que não vai pedir a sua modificação.  

Em suma, o contrato sub judicio é, indiscutivelmente, um contrato de adesão, e o seu clausulado do seu acima citado ponto 5. é tipicamente um exemplo de CCG. Pelo que improcede a primeira das duas questões suscitadas.

 Quanto à 2ª questão: a invocada desproporção da cláusula penal convencionada para o incumprimento da Ré.

Em causa está aqui a cláusula 5.5.2 do contrato de fls. 21-26, outorgado a 11 de Maio de 2009 (Contrato A ... Controlo OC), cujo teor é o seguinte:

5.5 Mora e incumprimento imputáveis ao cliente

  5.5.2 Independentemente do direito à indemnização por mora estipulado em 5.5.1, sempre que haja incumprimento do presente Contrato por parte do CLIENTE, e nomeadamente quando se verifique mora no pagamento de quaisquer quantias devidas à A ... por mais de 30 dias, poderá este resolver o contrato, sendo-lhe devida uma indemnização por danos no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado.”

Decorre do provado em L, F e G que em 8.05.2009, conforme o acordo então celebrado, a Ré devia à A. pela assistência por esta prestada aos elevadores, a quantia de € 19.598,88; e que em 1.06.2010 e 14.06.2010 foram concedidos prazos suplementares para a respectiva liquidação, sob pena de a A. considerar o contrato resolvido.

Entendeu-se na decisão recorrida que esta cláusula era desproporcionada à luz do disposto na alínea c) do art.º 19º do DL 446/85, pelo que, sendo relativamente proibida, seria igualmente nula, ex vi do art.º 12 do mesmo diploma.

Para tanto ponderou-se que se verificaria uma “desproporção sensível entre o montante da pena e o montante dos danos a reparar” dentro do quadro negocial padronizado, uma vez que se é verdade que a A. é “uma grande empresa que envolve grandes meios logísticos, humanos e materiais”, também “tal é directamente proporcional ao universo dos seus clientes”, pelo que “a perda de um só cliente ou o incumprimento por um cliente não importa para a A. a dispensa de pessoal ou a perda de utilidade de material ou equipamento”.

Insurge-se agora a apelante contra este raciocínio, argumentando que se tivermos presente a matéria que integra o provado nas alíneas X a EE não se poderá falar de uma sanção desproporcionada porquanto a indemnização convencionada traduziria todo um importante investimento da A. no acompanhamento e assistência permanente aos elevadores.

Que dizer?

O DL 446/85 de 25/10 distingue, entre as cláusulas contratuais gerais proibidas, aquelas que são absolutamente proibidas das que só o são relativamente.

As absolutamente proibidas são-no independentemente do contrato ou do quadro negocial criado. As relativamente proibidas – dizem-no o art.º 19 para as relações entre empresários ou entidades equiparadas e o art.º 22 para as relações com consumidores finais - são as que integram as situações descritas na lei “consoante o quadro negocial padronizado”.

Na questão em análise está ínsita a interpretação do alcance a atribuir ao disposto no art.º 19, al.ª c) do regime das CCG, preceito nos termos do qual são declaradas proibidas, consoante aquele quadro negocial, as “cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir”.    

Ao dizer-se que a desproporção aludida no art.º 19, al.ª c) respeita ao quadro negocial padronizado visou-se, sem dúvida, afirmar a necessidade de se comprovar um certo equilíbrio da responsabilidade pré-fixada pela cláusula, face às prestações a cargo de ambas as partes, no preciso quadro contratual que elas quiseram desenhar e circunscrever.

Tratando-se de um contrato escrito, o quadro negocial é necessariamente o que emerge do respectivo convencionado.

Deste modo, existindo no caso dos autos um contrato escrito a regular os termos da relação estabelecida entre A. e R., o quadro padronizado vinculante reconduz-se ao documento escrito que o suporta, com todos os elementos que integram os pressupostos negociais aí plasmados.

“Cláusulas penais desproporcionadas” não tem um sentido exclusivamente quantitativo, dado que tem sido admitido que também entram no conceito “desproporcionadas” as cláusulas estipuladas com carácter ilegítimo.

Em todo o caso, o que mais tem sido discutido na jurisprudência é a abrangência do significado da desproporção da cláusula penal no que toca ao seu quantum, isto é, à medida que terá de atingir o seu desfasamento ou desequilíbrio.

Entendeu o aresto ora recorrido não propender para a interpretação que exige a desproporção manifesta, bastando-se com o facto de ela ser sensível (na acepção de notória), gradação esta que seria mais do que aquela que se ligaria à simples desproporção.[4]

Também comungamos do ponto de vista de que, para a proibição operar, não é mister que ocorra um desequilíbrio grosseiro ou gritante entre a pena convencionada e o dano a ressarcir.

Julgamos, porém, que, para que se tenha a pena estipulada por desproporcionada, será suficiente e necessário que se conclua pela improbabilidade ou irrazoabilidade da verificação de um dano da dimensão que foi admitida na cláusula penal, a aferir em função dos elementos fornecidos pelo contrato e pelos seus considerandos.

A comprovação desta improbabilidade ou irrazoabilidade significa, afinal, a confirmação da falta de boa fé de quem concebeu a cláusula.

É um lugar comum afirmar-se que o regime das CCG se traduz na enunciação de um conjunto de limitações à regra da autonomia negocial privada do art.º 405, nº 1, do CC, destinando-se a repor um autêntico equilíbrio dos interesses em confronto pela imperativa conformação do conteúdo das respectivas estipulações.

Na realidade, a regulamentação legal com vista à conformação de conteúdo procura fazer vingar aquela modelação que, em princípio, adviria do funcionamento da boa , se o pré-disponente estivesse confrontado com um aderente com idêntico poder de negociação.

Ao actuar directamente sobre estipulações que implicam uma certa composição do convencionado, a boa intervém em abstracto, excluindo as pré-disposições que violam a raiz da autonomia negocial e, afinal, falseiam o produto da vontade livre dos contraentes. Mas, em bom rigor, a boa fé não constitui aqui um travão dirigido a refrear o ímpeto conformador da parte economicamente dominante, dissuadindo-a de conceber e ditar os termos do negócio a seu bel-prazer. A boa fé, como estado psicológico que é, não pode ser imposta a quem a não tem; a conduta provocada pela sua ausência é que pode ser sancionada e, ao sê-lo, o efeito por tal via alcançado equivale-se, na prática, ao que adviria da circunstância de o pré-disponente se confrontar com alguém dotado de força negocial semelhante[5]. É o ataque ao desequilíbrio de poder de facto entre as partes – desequilíbrio que, gerando o abuso do direito a contratar, integra o real obstáculo à boa fé - que acaba por conduzir a um resultado idêntico ao que adviria da presença da boa fé no contraente pré-disponente: com a expressão da inteira liberdade negocial do aderente, posicionando-o no lugar de um contraente com uma capacidade igual ou próxima à da contraparte, ficciona-se que, nessa veste, o contraente-aderente não consentiria que determinada cláusula abusiva ficasse estipulada.

Ao cominar a nulidade da cláusula, a lei só impede o seu funcionamento; não veda a eventual indemnização do lesado segundo os princípios gerais.

Incontroverso - e incontrovertível - é o postulado de que o juízo de desproporcionalidade, a ser tomado a partir desta vertente, deve sempre ser formulado a priori ou ex ante diante do chamado quadro negocial padronizado, abstraindo do circunstancialismo que concretamente rodeou o incumprimento da parte sancionada[6].

Assim sendo, e no regresso ao caso vertente, não se nos afigura que a sanção concretamente cominada – obrigando o R. ao pagamento da totalidade retribuição acordada para a vigência do contrato, equivalendo ao cumprimento integral deste pelo cliente no que respeita à satisfação integral das quantias previstas como se tivesse ocorrido a execução da prestação pela A. pelo período convencionado - seja representativa, ainda que aproximativamente, do prejuízo normal ou típico que advém da prestação do serviço pela A. tal qual esta se mostra equacionada no quadro contratual.

Com efeito, nada justifica que uma tal extensão ressarcitiva se imponha em exclusivo benefício da A, como parte pré-disponente, como compensação de supostas perdas com a logística humana e material posta ao serviço do contrato celebrado com o R.. Não se extrai do tal quadro padronizado que essa logística tenha sido propositadamente criada ou afecta a este contrato, pelo que, em condições normais, ela continuará com natural utilidade e proveito para a satisfação dos interesses da A. nas relações estabelecidas ou a estabelecer com outros clientes.      

É que não obstante a Ré ter previsto inspecções técnicas regulares, fornecimento de peças de substituição, limpeza, lubrificação, e a reparação dos elevadores – factos provados de X a EE  - nenhuma circunstância autoriza a concluir que, na indiciada dimensão empresarial da A., a cessação do contrato com o R. constituísse uma causa razoável para a imobilização do pessoal ou para a perda ou depreciação dos materiais indispensáveis à prestação de assistência no período contratual não decorrido.

Donde a improcedência desta questão.

Pelo exposto, na improcedência da apelação, confirmam a sentença.

Custas pela apelante.

                       

Relator: Freitas Neto

Carlos Barreira

Barateiro Martins


[1] Na sua obra Das Obrigações em Geral, vol. I, ed.,p. 265 e seguintes.
[2] Citando-se aqui, a propósito, a referência a esta nota distintiva feita por Oliveira Ascensão in Teoria Geral do Direito Civil, V. III, p. 364.
[3] Cláusulas Contratuais Gerais, Coimbra Editora, 1ª ed., páginas 33-34.
[4] Araújo de Barros, ob. e ed. supra citadas, p. 236 e seguintes, e a jurisprudência aí referenciada. Este autor parece admitir a proibição logo a partir da mera ou simples desproporção, o que coloca o aplicador na lei na sempre ingrata situação de não poder evitar uma certa margem de subjectividade na tarefa de avaliar a precisa adequação aos danos à pena convencionada. Uma perspectiva algo diversa – mas à qual francamente aderimos, por se nos afigurar como a mais consentânea com o espírito da proibição - é a que corresponde ao critério enunciado por Joaquim Sousa Ribeiro, in Responsabilidade e Garantia em Cláusulas Contratuais gerais, Coimbra, 1992, p. 53-54. Consiste este critério na prolação de um “juízo de adequação a um espectro de valores, o qual admite gradações aproximativas, só sendo de afirmar a desproporção quando a pena atinge um montante que ultrapassa tudo o que ainda corresponde minimamente a um cálculo baseado em índices de tipicidade e normalidade.” 
[5] Como se compreende, o legislador do regime das CCG admitiu que, sem uma regulação coercitiva, o contraente pré-disponente, como parte economicamente mais forte, muito dificilmente actuaria de boa-. Isto porque também nunca ignorou que, por estar absolutamente ciente do seu poder de determinação e condicionamento da vontade do aderente, essa parte contratual não renuncia espontaneamente ao conjunto de virtualidades e vantagens que um tal poder lhe proporciona.
[6] Como observa J. Sousa Ribeiro, ob. e ed. citadas, a p. 48, “no cômputo dos danos deverá seguir-se critérios objectivos, numa avaliação prospectiva guiada por cálculos de probabilidade e por valores médios e usuais, tendo em conta os factores que, em casos daquele género, habitualmente relevam na produção e na medida dos prejuízos. Inatendíveis ficarão, pois, as circunstâncias incomuns e anómalas que, no caso em litígio, contribuíram para danos especialmente avultados, ou, ao invés, particularmente diminutos”.