Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5/13.1IDCTB-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE FRANÇA
Descritores: INQUÉRITO
PRAZO MÁXIMO
NATUREZA JURÍDICA
PRAZOS ORDENADORES
Data do Acordão: 10/26/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (SECÇÃO CRIMINAL DA INSTÂNCIA LOCAL DA COVILHÃ - J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 108.º E 276.º DO CPP
Sumário: Ao permitir a aceleração processual, mesmo após se mostrarem excedidos os prazos de duração de cada uma das fases processuais (cfr. artigo 108.º do CPP), o legislador está a atribuir aos prazos fixados no artigo 276.º, n.ºs 1, 2 e 3, do referido diploma, uma natureza meramente ordenatória, funcional e referencial; consequentemente, não detêm tais prazos qualquer natureza preclusiva do poder-dever consagrado no n.º 1 daquele normativo.
Decisão Texto Integral:








ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

No decurso da fase de Instrução que, sob o nº 5/13.1IDCTB, decorria na Secção Criminal (J1), da Instância Local da Covilhã, da Comarca de Castelo Branco, em que são arguidos A... , B... e C... , o arguido A... veio, por requerimento entrado a 15/3/2016, requerer que se declare a caducidade do direito de deduzir acusação e, em consequência, sejam os autos arquivados. Aberta vista ao MP, este pronunciou-se no sentido do indeferimento, por falta de fundamento legal. No decurso do debate instrutório viria a ser proferido em acta despacho que indeferiu tal pretensão, do seguinte teor (transcrição):

“Por requerimento entrado em juízo a 15-3-2016, o arguido veio requerer que se declare a caducidade do direito de deduzir acusação e em consequência sejam os presentes autos arquivados.

O Ministério Público pronunciou-se exercendo o direito ao contraditório relativamente à questão invocada, entendendo que a pretensão deduzida deverá ser indeferida por falta de fundamento legal.

 O Tribunal concorda na íntegra com os fundamentos do Ministério Público, entendendo que o prazo fixado no art.º 276º do Código de Processo Penal é meramente ordenador.

Pelo exposto, indefere-se a requerida declaração de caducidade do direito de deduzir acusação e o peticionado arquivamento dos autos.”

Inconformado com tal despacho, dele recorreu o referido arguido, motivando o seu recurso e dele retirando as seguintes conclusões:
A) Nos termos do disposto no art.º 276º, nº 1 e 4 do CPP, o prazo para encerramento do inquérito, é um prazo de caducidade que se não suspende nem interrompe, a não ser nos casos previstos por lei, e conta-se do momento em que o inquérito tiver passado a correr contra pessoa determinada, ou em que se tiver verificado a constituição de arguido.
B) A intenção do legislador foi a de fixar prazos máximos para a conclusão do inquérito.
C) Com efeito, se em sede de direitos disponíveis o prazo para exercício dos direitos é um prazo de caducidade, mal se compreenderia que em processo penal, em que estão em causa direitos, liberdades e garantias com tutela constitucional direta, máxime o direito fundamental à liberdade, os prazos para conclusão do inquérito não fossem de caducidade.
D) Nos termos do art.º 296º do Código Civil, as regras constantes do art.º 279º são aplicáveis aos prazos e termos fixados por lei, tribunais ou qualquer autoridade.

Assim, conforme o alegado e com mais que Vossas Excelências se dignarão suprir, deve admitir-se e proceder o presente recurso, sendo a decisão revogada e substituída por outra que decida que ocorreu a caducidade do direito de deduzir acusação, devendo estes autos ser arquivados, pois só assim se fará justiça.

Jurisprudência fundamentante:

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
213/12.2TELSB-F.L1-9http://www.dgsi.pt/icons/ecblank.gif
Relator:MARGARIDA VIEIRA DE ALMEIDA
Descritores:INQUÉRITO
PRAZO
PRAZO DE CADUCIDADE
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Nº do Documento:RL
Data do Acordão:09-07-2015
Votação:UNANIMIDADE
Texto Integral:S
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Meio Processual:RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Decisão:DEFERIDA
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Sumário:1. Nos termos do disposto no artº 276º, nº 3 do CPP, o prazo para encerramento do inquérito, é um prazo de caducidade, e conta-se do momento em que o inquérito tiver passado a correr contra pessoa determinada, ou em que se tiver verificado a constituição de arguido.
2. Nos termos do artº 11º, nº 4 do Código Penal, …para efeitos de representação da sociedade em juízo, entende-se que ocupam uma posição de liderança os representantes da pessoa colectiva.”

3. Tendo-se iniciado inquérito contra uma sociedade, o decurso do prazo para encerramento do inquérito previsto nos nºs 1 e 2 do artº 276ºdo CPP aproveita às pessoas que nela ocupam a posição de liderança e que a representam, por isso mesmo, em juízo.

4. Decorrido por inteiro o prazo para encerrar o inquérito já não é possível ao JIC proferir decisão a declarar o processo de especial complexidade.

5. Tal declaração efectuada após o decurso do prazo para encerrar o inquérito não tem a virtualidade de renovar um prazo que já decorreu por inteiro.

6. A intenção do legislador foi a de fixar prazos máximos para a conclusão do inquérito.

7. Com efeito, se em sede de direitos disponíveis o prazo para exercício dos direitos é um prazo de caducidade, mal se compreenderia que em processo penal, em que estão em causa direitos, liberdades e garantias cm tutela constitucional directa, máxime o direito fundamental à liberdade, os prazos para conclusão do inquérito não fossem de caducidade.

8. Nos termos do artº 296º do Código Civil, as regras constantes do artº 279º são aplicáveis aos prazos e termos fixados por lei, tribunais ou qualquer autoridade.

9. O prazo de conclusão do inquérito é um prazo de caducidade, que se não suspende nem interrompe, a não ser nos casos previstos por lei e que se não pode renovar por força de um despacho de declaração de excepcional complexidade proferido já depois de decorrido por inteiro aquele mesmo prazo.

            Respondeu o MP em primeira instância, concluindo nos seguintes termos:

1. Nos autos principais, em 16 de Março de 2016, por despacho judicial da Mm.ª JIC foi indeferida a declaração de caducidade do direito do Ministério Público deduzir acusação nestes autos, com o consequente arquivamento, por entender que o prazo fixado no artigo 276.º do CPP é meramente ordenador.

2. O arguido recorreu desse despacho invocando que:

I. o prazo previsto no artigo 276.º do CPP é um prazo de caducidade que não se suspende, nem interrompe, a não ser nos casos previsto na lei e conta-se desde o momento e que o inquérito tiver passado a correr contra pessoa determinada ou em que se tiver verificado a constituição de arguido,

II. constitui um prazo máximo para conclusão do inquérito, e,

III. assim sendo, essa decisão judicial deve ser revogada e substituída por outra que decida que ocorreu a caducidade do direito de deduzir acusação com o consequente arquivamento dos autos.

3. Salvo o devido respeito pela opinião contrária, entendemos que o despacho recorrido proferido pelo Tribunal a quo deve ser mantido e indeferida a pretensão do recorrente de declaração da caducidade e arquivamento deste processo.

4. Do texto da própria lei, doutrina e jurisprudência maioritárias resulta que o prazo de encerramento do inquérito previsto no artigo 276.º do CPP é um prazo meramente ordenador dos actos do processo.

5. A sua ultrapassagem apenas confere direito de ser requerida a aceleração processual prevista no artigo 108.º do CPP, o apuramento da responsabilidade disciplinar que ao caso couber e cessação do segredo de justiça nos termos dos nºs 6 a 8 do artigo 276.º e artigo 89.º, n.º 6 ambos do CPP.

6. Além do mais, o texto da lei no artigo 277.º, n.º 2 do CPP manteve a sua redacção de que “o inquérito é igualmente arquivado se não tiver sido possível ao Ministério Público obter indícios suficientes da verificação do crime ou de quem foram os agentes” não tendo sido consagrada a redacção do projecto anterior ao DL 78/87 que dispunha: “o inquérito é igualmente arquivado se, chegado ao termo do prazo para sua realização, não tiver sido possível ao Ministério Público obter indícios suficientes da verificação de crime ou de quem foram os seus agentes”.

7. Portanto, o único prazo legalmente previsto para o procedimento criminal que importa a extinção do direito do Estado perseguir criminalmente as pessoas (singular ou colectivas), é o instituto da prescrição previsto no Código Penal.

8. Pelo que, no nosso entender, deverá ser mantido, em conformidade, o despacho judicial recorrido proferido em 1.ª instância negando provimento ao recurso interposto pelo arguido A... .

Certa de que, Vossas Excelências, como sempre, doutamente decidirão, fazendo a habitual JUSTIÇA!

            Nesta Relação, o Ex.mo PGA emitiu douto parecer, no sentido do não provimento do recurso.

            Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

DECIDINDO:

            Analisadas as conclusões que o recorrente retira da motivação do seu recurso, logo se vislumbra que a única questão que, através delas, coloca à nossa apreciação, se prende com a determinação da natureza do prazo estabelecido pelo artº 276º, 1 e 4 do CPP.

            Pretende ele que estamos perante prazo de caducidade, cujo decurso determinará a preclusão da possibilidade de ser deduzida acusação; já o MP, na sua resposta, defende que estamos perante prazo meramente ordenador dos actos do inquérito.

Na motivação do seu recurso, o arguido A... traça uma sucinta mas clara análise da natureza jurídica do instituto da caducidade, nos seguintes termos (transcrição):

«Ora, nos termos do disposto no art.º 276º, nº 4 do CPP, o prazo previsto no nº 1 conta-se a partir do momento em que o inquérito tiver passado a correr contra pessoa determinada, ou em que se tiver verificado a constituição de arguido.

Nos termos do disposto no art.º 296º do Código Civil, as regras constantes do art.º 279º são aplicáveis aos prazos e termos fixados por lei, pelos tribunais ou por qualquer autoridade.

Como ensinava o Prof. Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, BMJ 105, 245 “… prazo é um lapso de tempo delimitado, determinado ou determinável…”

A matéria de prazos insere-se no capítulo que em sede de parte geral versa sobre a relevância do tempo nas relações jurídicas, que segundo o mesmo Prof. Vaz Serra devia estar na parte geral do código. BMJ 107º, 278.

A ideia subjacente ao reconhecimento da influência do decurso do tempo nas relações jurídicas vem da “praescritpio” do Direito romano.

Por via da “praescriptiotemporalis”, decorrido o prazo dentro do qual deveria ser exercida uma determinada ação, poderia o réu defender-se, opondo-se à ação exercida extemporaneamente. Originariamente, a prescrição surge como limite temporal ao exercício das “actiones” criadas pelo pretor; mas viria a ser alargada a todas as “actiones”

Como ensina o Prof. Dias Marques “… a existência de uma situação de facto que se traduz na falta de exercício de um poder, numa inércia de alguém que podendo ou porventura, devendo atuar para a realização do direito, se abstém de o fazer ...” in Prescrição extintiva,

O Código Civil não formulou qualquer critério para distinguir a prescrição da caducidade, mas esta consiste numa forma de extinção de direitos de natureza temporária por efeito do seu não exercício dentro do prazo fixado, justificada pela necessidade de segurança jurídica e de segurança do direito, bem como pela necessidade de definição, dentro de um prazo razoável das situações jurídicas.

Segundo Ana Filipa Morais Antunes, “… a caducidade justifica-se por razões de certeza dos direitos. O instituto fundamenta-se em razões objetivas de segurança jurídica, bem como da sua necessidade de definição, dentro de um prazo razoável, das situações jurídicas, evitando-se uma tendencial vinculação perpétua por parte do devedor…

Distingue-se assim da prescrição que releva da inércia do credor no exercício dos respetivos direitos…”»

Reconhecendo a justeza doutrinária do que afirma o recorrente, neste segmento da sua motivação, não podemos deixar de formular os seguintes óbices à conclusão que retira das suas afirmações, ao qualificar como sendo de caducidade o prazo estabelecido no artº 276º, 1, do CPP.

Como muito bem afirma ele, o Código Civil, não obstante tratar de diferenciar os institutos da caducidade do da prescrição, grosso modo, atribuindo carácter adjectivo à caducidade (por o relacionar com o exercício de um direito, por regra através da propositura de uma acção) e carácter substantivo à prescrição (v. artºs 304º, 1, CC e 576º, 3, CPC, ao atribuir à prescrição a natureza de excepção peremptória), não formula qualquer outro critério formal para os distinguir. Por isso, há-de ser o intérprete quem, usando das regras de interpretação constantes do artº 9º do CC, há-de chegar à conclusão, nominativa do instituto em causa. A interpretação, que há-de ter como sustentáculo inicial e essencial a própria letra da lei, procurará reconstituir o pensamento legislativo a partir dos textos, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema.

Pois bem, aqui chegados somos obrigados a admitir que a lei, v.g. o CPP, no seu artº 276º, 1, não atribui uma qualquer natureza ao prazo que aí estabelece para o encerramento do inquérito. Em primeiro lugar, não estamos perante o estabelecimento de um prazo para o exercício de um direito, mas antes, perante o estabelecimento de um prazo para o exercício de um poder-dever vinculado do titular da acção penal, no caso.

Daí poder retirar-se que estamos perante norma programática que mais não pretende do que fixar ao agente titular desse poder funcional um prazo para o encerramento do inquérito, sob pena de eventual responsabilidade disciplinar. Como diz Maia Gonçalves, em anotação a este artigo do CPP, «os prazos máximos de duração do inquérito não são peremptórios, pois não é possível demarcar o tempo e uma investigação. As diligências praticadas para além desses prazos são válidas. Porém, um excesso para além do que é razoável pode desencadear responsabilidade disciplinar e um incidente de aceleração processual».

E é precisamente neste instituto de aceleração processual que vamos encontrar uma resposta decisiva à questão que nos ocupa, dentro do referido espírito unitário do sistema. Com efeito, a norma do artº 108º, 1, CPP, estatui que «quando tiverem sido excedidos os prazos previstos na lei para a duração de cada fase do processo, podem o MP, o arguido, o assistente ou as partes civis requerer a aceleração processual

Daqui se retira uma conclusão óbvia: - o prazo que estudamos não é de caducidade, pois que, de outro modo, a ter-se verificado, estaríamos perante um caso de preclusão do direito (no caso do poder-dever respectivo), pelo seu não exercício no prazo legalmente assinado. Mas, a assim ser, existiria contradição intrínseca do sistema processual penal, já que a norma do artº 108º, 1 do CPP permitiria o prosseguimento do processo não obstante o poder-dever de formular a acusação se ter extinguido, por ter caducado. Como poderia a lei permitir a formulação de uma acusação já depois de o prazo legalmente estabelecido para tal se mostrar precludido? E as normas dos artºs 109º, 5 e 6 do CPP, são claras na atribuição de uma responsabilidade meramente disciplinar ao causador desses atrasos, sempre que injustificados.

Ao permitir a aceleração processual, mesmo após se mostrarem excedidos os prazos de duração de cada uma das fases processuais, a lei está a atribuir aos prazos fixados uma natureza meramente ordenatória, funcional e referencial, retirando-lhes, deste modo, qualquer natureza preclusiva do poder-dever em análise.

A mesma natureza ordenatória-funcional terão os prazos para a prática dos actos da secretaria (artº 105º, CPP), para o encerramento da instrução (artº 306º, CPP), para a leitura da sentença (artº 373º, CPP), entre outros.

Não se compreenderia a atribuição de natureza peremptória a esses prazos processuais, conhecida que é a crescente complexidade dos processos e, em especial, a própria natureza da matéria em causa, que integra o próprio ‘múnus’ do Estado, em termos de exercício do seu poder soberano de perseguir e reprimir o crime.

Como muito bem acentua o Ex.mo PGA, no douto parecer que elaborou, a certeza e a segurança jurídicas, e a definição do estatuto dos arguidos, serão alcançados mediante a aplicação ao caso dos prazos de prescrição do procedimento criminal.

Termos em que, nesta Relação, se acorda em negar provimento ao recurso, confirmando assim o douto despacho recorrido.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 3 UC’s.

Coimbra, 26 de Outubro de 2016

(Jorge França - relator)

(Alcina da Costa Ribeiro - adjunta)