Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
471/09.0PBTMR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: INJÚRIA
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
DESPACHO
IRREGULARIDADE
Data do Acordão: 09/18/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 181º DO CÓDIGO PENAL E 97.º, N.º5 E 123º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: 1.- Comete o crime de injúria aquela que, dirigindo-se á ofendida, em voz alta, por forma a ser ouvido por todos os presentes, lhe diz: és “ uma pessoa tão importante que é uma merda”;

2.- É que objetivamente, ao considerar que a ofendida como pessoa “é uma merda”, a arguida coloca em causa globalmente a sua personalidade, excedendo manifestamente o direito à crítica sobre a importância social da ofendida, entrando no puro juízo insultuoso.

3.- A falta de fundamentação do despacho que comunica em audiência uma alteração não substancial dos factos, não especificando sinteticamente os meios de prova que suportam o juízo provisório do Tribunal a quo sobre a alteração dos factos descritos nas acusações. não tem tratamento específico previsto na lei, pelo que está sujeita ao regime da irregularidade.

4.- Não tendo o recorrente arguido de imediato e perante o Tribunal a quo a irregularidade que resulta dessa omissão, ter-se-á a mesma de ter por sanada.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

       Relatório

            Pelo 3º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Tomar, sob acusação do Ministério Público, acusação particular da assistente A… que o Ministério Público acompanhou a folhas 338, e sob pronúncia que recebeu a acusação deduzida pela assistente B…, foram submetidos a julgamento, em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, os arguidos  

C…, casado, motorista, nascido em 01.04.1952, natural da freguesia de (…), do concelho de Santarém, filho de (…) e de (…), residente em (…), Tomar,

D…, casada, desempregada, nascida em 18/02/1052, natural da freguesia de (…), concelho de Tomar, filha de (…) e de (…), residente em (…), Tomar, e

E…, viúvo, advogado, nascido em 13/01/1938, natural de Estarreja, filho de (…) e de (…), residente na (…), Estoril,

imputando-se-lhes:

- o Ministério Público, ao arguido  C..., os factos constantes de folhas 319 a 322, pelos quais teria  praticado, em autoria material, três crimes de ameaça, previstos e punidos pelo artigo 153.º, n.º 1 do Código Penal;

- a assistente  A..., à arguida  D..., os factos constantes da acusação particular de folhas 325 e 326, pelos quais teria praticado um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal; e

- a pronúncia de folhas 519 a 521, ao arguido  E..., factos pelos quais teria cometido, em co-autoria material com a falecida A…, um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal.

O demandante  E... deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido/demandado  C..., peticionando a sua condenação no pagamento da quantia de € 1.000,00 a título de danos morais, acrescida de juros que se vencerem desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Realizada a audiência de discussão e julgamento – no decurso da qual foi comunicada uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação particular e pública – o Tribunal Singular, por sentença proferida a 23 de Janeiro de 2013, decidiu

- Absolver o arguido  C..., da prática de um crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1 do Código Penal;

- Absolver o arguido  E..., da prática de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal;

- Condenar a arguida  D..., da prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros);

- Condenar o arguido  C..., da prática de dois crimes de ameaça, previstos e punidos pelo artigo 153.º, n.º 1 do CP, na pena de 100 (cem) dias de multa com respeito a cada um dois crimes, à taxa diária de € 7 (sete euros);

- Condenar o arguido  C..., em cúmulo jurídico, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 7 (sete euros); e

- Condenar o demandado  C... a pagar ao demandante  E... a quantia de € 500,00 (quinhentos euros), acrescido de juros até integral pagamento, à taxa legal de 4%, contados desde a prolação da presente sentença, absolvendo-o do mais peticionado.

           Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso a arguida  D..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1- A factualidade que consta da matéria de facto provada em 1.- (“...a arguida  D..., dirigindo-se, em voz alta, a  A..., por forma a ser ouvido por todos os presentes disse-lhe “Uma pessoa tão importante que é uma merda”.) e em 2.-,

        não resulta dos depoimentos prestados pelas testemunhas F… e G…  , que foram gravadas através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal de Tomar, conforme atrás se deixou especificado com detalhe e se dá aqui por integralmente reproduzido.

2.- Pelo que, se impõe que Vossas Excelência procedam à alteração da referida factualidade, incluindo-a nos factos não provados.

3.- Assim sendo, como o é, não pode subsistir a condenação da Arguida  D... pela prática do crime de injúrias, o que impõe a sua absolvição por este Venerando Tribunal.

4.. Mas, se Vossas Excelências entenderem considerar como provado - o que tão só se refere sem conceder – que “ Em data indeterminada de setembro de 2009, da parte da manhã, em X..., Tomar, por desentendimentos relacionados com a construção de um muro, a arguida  D..., disse, em voz alta, referindo-se a  A..., por forma a ser ouvido por todos os presentes: "Que ela se julgava uma senhora muito importante, muito importante que é uma merda, que não passam de uma merda.”.

a Arguida  D... também terá de ser absolvida, na esteira da jurisprudência uniforme deste e doutros Venerandos Tribunais da Relação (Acórdão da Relação do Porto de 14.09.2011 e Acórdão da Relação de Lisboa de 28.10.2010), como atrás se demonstrou.

5.- Porquanto, como atrás se alegou fundamentadamente, a expressão “Que ela se julgava uma senhora muito importante, muito importante que é uma merda, que não passam de uma merda”, proferida pela Arguida  D... no contexto em que o foi, não é objectiva ou subjectivamente injuriosa, nem assume relevância penal nos termos em que lhe foram atribuídos (Cfr. Ac. da Retação do Porto, de 25/06/2003, in www.dgsi.trp.pt, proc. n.º 0312710 (JusNet 4123/2403, Ac. da Relação do Porto, de 19/A412006, in www.dgsi.trp.pt , proc. n.º 0515927 (JusNet 1586/2006, Ac. da Relação do Porto, de 19/12/2007, in www.dgsi.trp.pt , proc. n.º 0745811 (JusNet 7397 /2007).

6.-  Ao decidir condenar a arguida  D... a M.ma Juíz  “a quo” violou o disposto no artigo 351.º n.º 1 do Código Penal, cujos pressupostos se não têm por verificados, bem como violou também os normativos legais que são invocados na sentença em recurso, a qual merece a censura desta Veneranda Instância.

Termos em que e nos melhores de Direito, se deve julgar procedente por provado o presente recurso, revogando-se a douta sentença e substituindo-a por decisão douta que, em conformidade com o atrás exposto e no estrito cumprimento da lei processual, proceda à reapreciação da prova gravada, alterando a factualidade dada como provada e como não provada, sempre se absolvendo a arguida  D....

Também o arguido  C..., inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso, concluindo a sua motivação do modo seguinte:

A - Desde logo somos de dizer que o procedimento criminal ora em apreço se encontra prescrito, já que se trata de um crime punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.

B.- Os factos reportam-se a Setembro de 2009, pelo que já decorreram mais de três anos ( dois anos acrescidos de metade -artigo 121.º n.º 3 do C.Penal ) sobre a prática dos factos e não ocorreu qualquer suspensão da prescrição.

C. - No decurso da audiência, a Sr.ª Juiz a quo procedeu a uma alteração não substancial dos factos, sem que tenha comunicado os respectivos meios de prova de onde resulta essa indiciação, o que abala os direito de defesa do arguido e por isso constitui uma nulidade - cfr. Ac. Rel Coimbra de 13-2-2011, proc. 878/07.7 TACBR.Cl.

D.- Por outro lado, verificou-se outra nulidade ao ser indeferida a inquirição das testemunhas arroladas pelo arguido  C..., no seguimento da alteração não substancial dos factos, porquanto as garantias de defesa do arguida foram uma vez mais, seriamente abaladas e postas em causa.

E.- Mas, para lá do que dito vai, importa referir que não foi feita prova dos factos assacados ao arguido, já que os depoimentos das testemunhas foram generalistas, vagos e imprecisos, sem nunca terem conseguido colocar as expressões imputadas ao arguido, num discurso directo, o que por si só denota que as testemunhas não as ouviram da boca do arguido, pois se o tivessem feito, facilmente conseguiriam reproduzir as mesmas em discurso directo.

F .- O arguido não prestou declarações.

G. - As perguntas feitas ás testemunhas da acusação, pelo Ministério Público, foram totalmente sugestivas e as testemunhas limitaram-se a confirmar o que o Ministério Público perguntava; as testemunhas não foram capazes de, por sua iniciativa, dizer as expressões que o arguido terá ou não dito.

H.- Não resulta do depoimento das testemunhas  F..., cujo depoimento está gravado a7/12/2012 10:45:13 a 11:34:31, nem, do depoimento da testemunha  G... que não fala com o arguido e está de relações cortadas com o mesmo e que está gravado em 7.12.2012 de 11:35:58 a 11:57:14, nanja do depoimento da testemunha  I... que está gravado a 20/12/2012 a 10:19:53 a 10:45:50 que o arguido tenha cometido, com toda a certeza, os factos que lhe estão assacados.

l- Do depoimento destas testemunhas não resulta com a certeza exigida para uma condenação que o arguido tenha praticado os factos da acusação, com a respectiva alteração.

J.- O tribunal fez tábua rasa da certidão referente ao processo 529/09.5 PBTMR do 1.º Juízo Tribunal Judicial de Tomar, que o arguido juntou. Tal certidão refere-se a um outro processo crime, com os mesmo sujeitos processuais e pelo mesmo crime de ameaça.

L. Ora, face aos depoimento incertos e generalistas das testemunhas, como se pode ter a certeza que as testemunha se estavam a referir aos factos deste processo e não aos daquele outro processo?

M.- De facto e face aos depoimentos, restam muitas dúvidas,

N.- Pelo que, vigorando o princípio do in dúbio pro reu, tem o arguido, ora recorrente, que ser, necessariamente, absolvido.

O. - Devendo, também, ser julgado totalmente improcedente o pedido de indemnização.

P.- Face ao que dito fica, temos que a douta decisão violou o disposto nos artigos 121.º, n.º 3 , do C. Penal, 358 n.º 1 e 340.º do C. P Penal, todos do C. Penal.

Assim, e revogando-se a mui douta decisão em recurso, far-se-à a Acostumada Justiça !

O Ministério Público na Comarca de Tomar respondeu aos recursos interpostos pelos arguidos  D... e  C..., pugnando pela sua improcedência.

            O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que ambos os recursos deverão improceder, mantendo-se a douta sentença recorrida.

            Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P..

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

     Fundamentação

            A matéria de facto apurada e respectiva motivação constantes da sentença recorrida é a seguinte:

            Factos provados

1.- Em data indeterminada de setembro de 2009, da parte da manhã, em X..., Tomar, por desentendimentos relacionados com a construção de um muro, a arguida  D..., dirigindo-se, em voz alta, a  A..., por forma a ser ouvido por todos os presentes disse-lhe “ Uma pessoa tão importante que é uma merda”.

2.- A arguida ao agir como descrito visou ofender a honra e consideração pessoal de  A..., o que conseguiu, bem sabendo que essa atuação lhe estava vedada e era punida por lei, tendo agido de modo livre, deliberado e consciente.

3.-  A... não provocou ou deu resposta à arguida.

4.- Nessa mesma ocasião e lugar e pelo mesmo desentendimento, o arguido  C... dirigindo-se a  A... disse-lhe de forma agressiva e séria “qualquer dia dou um tiro nos cornos a esta gente toda”, pretendendo, com as suas palavras, dizer-lhe que o tiro era também dirigido a si, em concreto, face à sua postura corporal, e expressão facial, visto ter olhado para a referida  A... e ser consigo que se dava a troca de palavras, que encerravam  desentendimento sério.

5.- Em data indeterminada de setembro ou outubro de 2009, em X..., Tomar, por não concordar com a construção de um muro executado a mando de  E..., o arguido  C... disse-lhe que “se aquilo continuasse, lhe dava um tiro” e que “tinha lá uma barra de ferro para fazer vingança”.

6.- Havia, ao tempo, um desentendimento entre  A...,  E...,  D... e  C..., todos vizinhos no X..., sobre estremas de terrenos e uma serventia, tendo os segundos tomado partido da parte de uns vizinhos.

7.-  A... e  E... tiveram receio que o arguido concretizasse o mal que lhes anunciou, temendo, pelo menos, pela sua integridade física, por acreditarem que aquele era capaz de concretizar o que ameaçava, face às circunstancias de desentendimento em que se encontravam, vivendo diariamente com esse temor.

8.- O arguido agiu ainda, em cada uma das ocasiões, querendo assustar  A... e  E... e criar-lhes medo de serem agredidos, isto, por forma a coartar-lhes a sua liberdade de movimentos.

9.- Orientou a sua ação para esta vontade e conseguiu concretizá-la, em cada momento.

10.- O arguido agiu sempre livre, deliberada e conscientemente bem sabendo que a sua conduta lhe era proibida e punida por lei penal.

11.- Com o descrito comportamento do arguido,  E... sentiu-se muito incomodado.

12.- No dia 18/09/2009, em hora não concretamente apurada, mas antes das 17h,  I..., a mando de  A..., e para transporte de materiais de construção civil de uma propriedade para outra, demoliu 2 secções de muro, com aproximadamente 70-80 cm de largura, o qual era construído em blocos de cimento, massa e tijolo, com aproximadamente 1 metro de altura, pertença de  B..., e que servia para delimitar o logradouro que aquela entende ser seu situado atrás da casa daquela, sita em Rua X..., n.º 28, em Tomar.

13.- A… sabia que o muro não era seu.

14.- Por sentença proferida em 22/06/2010 o arguido  C... foi condenado pela pratica em 21/07/2009, de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 6,50, no âmbito do processo comum singular n.º 368/09.3PBTMR, do 3.º Juízo deste Tribunal.

15.-  D... e  E... não têm antecedentes criminais.

16.- Os arguidos  C... e  D... são considerados pelos seus amigos, humildes e vivem do seu trabalho.

17.- O arguido  E... é respeitado e respeitador.

Factos não provados

a- que o descrito em 1) a 4) ocorreu em data concreta de 19 de setembro de 2009, entre as 8h40 e 8h45.

b- que após o descrito em 1) a arguida  D... cuspiu para o chão, olhou para a assistente e em viva e alta voz lhe disse “Esse rir é de puta velha”.

c- que o arguido  C..., aquando o descrito em 4) disse “perco a cabeça e dou-te um tiro”, mas apenas o aí vertido.

d- que o descrito em 5) ocorreu no dia de 2 de outubro de 2009, cerca das 10h30, e que o arguido  C... dirigiu-se a  E... e lhe disse “qualquer dia espero-o e dou-lhe um tiro e “já tenho ali uma barra de ferro guardada para ajustar contas com ele”, mas apenas o vertido em 5).

e- que no dia 15 de outubro de 2009, cerca das 19:30 horas, em X..., Tomar, houve um desentendimento entre o arguido e  A....

f- que na sequência desse desentendimento, o arguido dirigiu-se a  A... e, entre outras palavras disse-lhe em voz alta e em tom agreste:

g- que “ alguém tem que travar esta gente; é o que tenho de fazer!”

h- que“dou-lhe um tiro nos cornos, ou melhor, ponho-lhe aqui uma bomba e mando esta merda toda pelos ares!”

i- que  A... e  E... tiveram receio que o arguido lhes causasse grandes estragos no seu prédio ali localizado e que o arguido agiu pretendendo criar-lhes medo de verem a sua casa destruída com uma bomba, o que conseguiu, tendo agido livre, deliberada e conscientemente.

j- que  E... ficou com receio de sair à rua sozinho, o que nunca mais fez sem a companhia da esposa.

k- que passou a vigiar a entrada em casa, sempre olhando para todos os lados, vendo se o arguido  C... por ali estava escondido, com medo que aquele o surpreendesse e o agredisse com uma barra de ferro ou com um tiro.

l- nos primeiros dias não dormiu normalmente, o que lhe provocou cansaço físico e angústia.

m- o descrito comportamento do arguido  C... foi objeto de grande falatório e comentários no meio social em que estão inseridos o arguido e o ofendido, surgindo, por isso, ligado, o nome da sua pessoa a situações menos dignas, que apenas serviram para denegrir a posição social que, ao longo dos anos, honradamente e dignamente fora conquistando, sendo advogado estimado e considerado no seu meio social, um exemplo de educação, dignidade e honestidade.

n- que  I... demoliu parte do muro a mando de  E..., o qual sabia que o muro não lhe pertencia mas sim a  B..., que o havia mandado construir anos antes, tendo agido do modo descrito com o propósito conseguido de danificar consideravelmente o muro daquela, como conseguiu, bem sabendo que agia contra a vontade e em prejuízo do respetivo dono, a ofendida.

Motivação da decisão de facto

Para formar a sua convicção quanto aos factos dados como provados e não provados, acima descritos, o tribunal baseou-se, no conjunto da prova produzida em audiência, designadamente:

Valorou o Tribunal o depoimento isento e circunstanciado da testemunha  F... que de forma humilde relatou os factos que presenciou, nas traseiras da casa da Dna.  A..., em X..., depois de ter ido ter com ela, cerca das 08h30 e que por isso dos mesmos teve conhecimento direto. E quanto aos mesmos afirmou que, em data concreta que já não recordava, em setembro de 2009, de manhã, no decorrer de uma de muitas discussões que existiram no X... provocadas pelos arguidos  D... e  C..., os mesmos, por causa de um muro, mal trataram a falecida  A..., com nomes e insultos, recordando-se, com certeza que, a arguida  D..., dirigindo-se para aquela lhe disse que “Uma pessoa tão importante que é uma merda”. E quanto ao arguido  C..., o mesmo em muitas ocasiões sempre afirmou que dava tiros a toda a gente e punha uma bomba no lugar, o que fez sempre com um ar sério e arrogante. Naquele dia, em concreto, o arguido, na discussão que tinha com a Dna.  A... disse, olhando para aquela que “qualquer dia dou um tiro nos cornos a esta gente toda”. Na sua perpectiva o tiro era dirigido àquela pois era com ela que discutia.

A  A... tinha receio de estar sozinha e fechava as portas, vindo, no entanto, muitas vezes a Tomar.

Atendeu igualmente o Tribunal ao depoimento humilde e verdadeiro da testemunha  G... que, da forma que se entende que era possível, face ao tempo decorrido, relatou com a minúcia factível os factos que presenciou, antes do almoço em altura que não recorda ao certo e praticados pelos arguidos  D... e  C... contra a  A..., em X..., Tomar, designadamente que nunca ocasião assistiu a uma discussão desenvolvida pelos mesmos e a  A... acerca de um muro e que se recorda de nessa altura, o arguido ter dito à Dna.  A... que lhe dava um tiro, que dava um tiro aquela gente toda, o que aliás era comportamento recorrente no mesmo visto que sempre que discutia, afirmava que dava um tiro a todos e que punha uma bomba no lugar.

Atendeu igualmente o Tribunal ao depoimento da testemunha  H... que afirmou, com conhecimento direto, e da forma que se considera possível e verosímil visto os factos se reportarem a 2009, que numa ocasião em que limpava a casa do Dr.  E... e este se encontrava com os pedreiros a fazer medições no muro, assistiu o arguido  C... dizer-lhe que lhe dava um tiro e lhe dava com uma barra de ferro.

Este relato dos factos foi também feito pela testemunha  I... que de forma humilde e verdadeira relatou que quando se encontrava a fazer um muro, em X..., ouviu o  C... dizer ao Dr.  E... que se quilo continuasse lhe dava um tiro, e que tinha lá uma barra de ferro para fazer vingança. Em muitas outras ocasiões também ouviu o arguido  C... dizer que dava um tiro, e que punha lá uma bomba e mandava tudo pelos ares.

Ora, em face dos referidos depoimentos que se afiguravam credíveis, isentos e meritórios ao Tribunal, não obstante as testemunhas referidas se encontrarem de relações cortadas com os arguidos  C... e  D..., o Tribunal deu como provados os factos que fez constar em 1) a 10) dos factos provados. A salientar que, apesar das testemunhas não terem todas relatado os factos de forma absolutamente coincidente, relataram de modo igual as discussões, os motivos e comportamento dos arguidos para com a Dra.  A... e o Sr. Dr.  E..., mais explicitando de forma coerente e circunstanciada os motivos concretos dos desentendimentos, as

recorrentes discussões que existiam, porque motivos e comportamento que os arguidos empreendiam. Do relato dos factos que fez a testemunha  F..., designadamente que o arguido  C... apelidou a Dra.  A... de “ladra”, “vigarista” e “filha da puta”, e lhe disse “gente de um cabrão, que já roubaram em Lisboa mas que ele estava lá para controlar a situação”, é de concluir, com certeza, que a discussão era muito acesa, séria e que quando o arguido disse, olhando para a  A..., que dava um tiro a toda a gente, a mesma tinha de acreditar que também estava necessariamente incluída, razão pela qual se fez constar o descrito em 4) dos factos provados.

Quanto aos motivos dos desentendimentos que se fizeram constar em 6) valoraram-se os depoimentos das referidas testemunhas, mormente o da testemunha  F... que explicitou os motivos da discórdia do muro e a posição assumida pelos arguido  C... e  D... quanto à defesa que entendem que devem fazer quanto ao que acreditam pertencer à Dna.  O....

Os factos descritos em 2), 7) a 10), derivam da valoração do depoimento das referidas testemunhas já referidos bem como dos factos provados em 1), 3) a 6) dos quais estes necessariamente se inferem por imposição das regras da experiência comum.

Deu o Tribunal como provado o descrito em 11) pela valoração do depoimento da testemunha  I... e pelas regras da experiência comum que impõem que se conclua que todo o normal cidadão, bem como o Dr.  E... se sentiu abalado e muito incomodado com a postura e palavras do arguido  C....

O descrito em 12) e 13) foi dado como provado pela valoração do depoimento da testemunha  I... que afirmou de forma coerente e isenta que partiu o muro em 2 locais para passar com materiais de construção, como se viu nas fotografias com as quais foi confrontado, o que fez tão só a mando da Dra.  A.... O muro não era da Dra.  A..., o que era conhecido, mas sabia que a mesma entendia que a sua construção foi feita em local que entendia ser uma serventia. Não recebeu quaisquer ordens nesse sentido pelo Dr.  E....

Quanto aos antecedentes criminais atentou o Tribunal os CRCs dos arguidos a fls. 599 e ss. e 661 e ss..

Quanto ao descrito em 17) valorou o tribunal o depoimento das referidas testemunhas que referiram factos donde esses se inferiram. E no que respeita ao vertido em 16) atentou-se ao depoimento das testemunhas L… e M… , quanto ao arguido  C..., e das testemunhas  B... e  P... quanto à arguida  D..., que relataram esses factos com conhecimento direto, explicitando o afirmado.

Quanto ao dia e hora que se deram como provados em 12) atentou-se ao auto elaborado pela PSP que se deslocou ao local e que consta a fls. 44 e 45 dos autos.

Valorou-se igualmente a certidão predial a fls. 142 a 144 e certidões matriciais a fls. 145 a 148 quanto ao prédio de que eram usufrutuários o arguido  E... e a esposa falecida  A.... Quanto à propriedade da assistente  B..., e a construção do muro por si, conquanto que esses elementos não permitissem inferir com toda a certeza a época da sua construção, atentou-se à certidão predial a fls. 150 e 151 e à de fls. 156, certidão matricial a fls. 152 e à de fls. 157 e documentos camarários a fls. 153 e 154.

Quanto às aberturas no muro, respetiva configuração daquele e das aberturas, e para que serviram, além do depoimento da testemunha  I..., atentou-se igualmente às fotografias a fls. 266 e 267.

Quanto à existência de litígios entre vizinhos, além do depoimento das testemunhas  F...,  G... e  I..., também se teve em consideração o teor dos documentos a fls. 268 a 273 e 281 a 311 que o permitem concluir.

Foi dado como não provado o descrito em a) a m) em virtude de não ter sido feita prova segura e para além de toda a dúvida no sentido da sua comprovação.

Acresce dizer-se que, no que respeita à bomba, o depoimento das testemunhas  F...,  G...,  H... e  I... foi pouco concretizado, não permitindo ao tribunal uma concreta delimitação do comportamento do arguido para efeitos da sua apreciação criminal.

O vertido em n) foi dado como não provado pela valoração do depoimento da testemunha  I... que por ter sido isento, circunstanciado e coerente mereceu o convencimento do Tribunal. De facto, a assistente  B... não sabia quem tinha ordenado a demolição do muro, nem o seu irmão P…. Também o seu filho Q… nada sabia sobre essa ordem ou o amigo que o acompanhou, a testemunha N…. É certo que estas duas últimas testemunhas afirmaram que o pedreiro que andava na obra lhes disse que a ordem foi do Sr. Dr. e da esposa. Sucede que, este, ouvido, não o disse e mais afirmou que foi agredido naquela ocasião, não tendo no entanto feito queixa. As referidas testemunhas insistiram no facto de acharem que por terem visto no local um veículo cuja propriedade atribuem ao arguido  E..., entendiam que daí se concluía que o mesmo estava em casa e, como tal, que tinha sido ele a dar a ordem. Crê-se que foi por esse motivo que foi pedida a palavra pelo arguido  E..., para dizer que nesse dia esteve em reunião em Lisboa. Ouvida uma testemunha a seu pedido, o Sr. Dr. R…, o mesmo afirmou que de acordo com a sua agenda teria tido uma reunião em que esteve presente o arguido, nada mais conseguindo precisar. Ora, o que é verdadeiramente importante, é que pelo depoimento da testemunha  I..., que mereceu credibilidade ao Tribunal, foi dito que a ordem lhe foi dada pela dra.  A.... E na ausência de outra prova e em valoração do princípio da presunção de inocência, urge concluir-se que, não foi produzida prova que, com segurança e para além de toda a dúvida, permita ao Tribunal afirmar que foi o arguido  E... que ordenou a demolição do muro. Assim, e necessariamente, se deu como não provado o descrito em n).

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O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos, face às conclusões da motivação da arguida  D... as questões a decidir são as seguintes:

- se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao dar como provada a factualidade que consta dos pontos n.ºs 1 e 2 da sentença recorrida, pelo que deve a mesma ser alterada e incluída nos factos não provados e, consequentemente, ser a arguida absolvida do crime de injúria; e

 - se, mesmo a considerar-se como provado que a arguida  D..., disse, em voz alta, referindo-se a  A..., por forma a ser ouvido por todos os presentes “Que ela se julgava uma senhora muito importante, muito importante que é uma merda, que não passam de uma merda.”, deve a arguida/recorrente ser absolvida, por a expressão não ser, nem objectiva, nem subjectivamente, injuriosa. 

            Por sua vez, em face das conclusões da motivação do arguido  C..., as questões a decidir são as seguintes:

- se o procedimento criminal já se encontra prescrito;

- se o Tribunal a quo violou o disposto no art.358.º, n.º1, do Código de Processo Penal e incorreu numa nulidade ao proceder a uma alteração não substancial dos factos, sem que tenha comunicado os respectivos meios de prova;

- se constitui nulidade o indeferimento pelo Tribunal a quo da inquirição das testemunhas arroladas pelo arguido/recorrente no seguimento da alteração não substancial dos factos; e

- se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao dar como provadas as expressões constantes da factualidade assacada ao arguido/recorrente, uma vez que não se fez prova que as proferiu, pelo que deve ser absolvido da prática do crime e do pedido de indemnização.


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            Recurso da arguida  D...

           

A primeira questão objecto do recurso interposto por pela arguida  D... respeita essencialmente ao erro de julgamento da matéria de facto.

No seu entender o Tribunal a quo deveria ter dado como não provada a factualidade que consta dos pontos n.ºs 1 e 2 dos factos dados como provados na sentença recorrida, uma vez que dos depoimentos das testemunhas  F... e  G... não resulta que a ora recorrente tivesse proferido a frase “ uma pessoa tão importante que é uma merda”.

Alega para este efeito e em síntese, o seguinte: como se verifica das gravações dos depoimentos das testemunhas  F... e  G..., estas testemunhas encontram-se de relações cortadas com a ora recorrente. Resulta dos segmentos das gravações do depoimento da testemunha  F..., que se reproduzem, que esta só vem a referir a expressão dada como provada pelo Tribunal a quo após ter sido sugestionada pelo Ex.mo Advogado da assistente, limitando-se somente a confirmá-la e, já com a memória avivada, partiu para formulações próximas, generalizando até e sempre no contexto de que queria atribuir à assistente  A... a importância que entendia ela se arrogava e que era factor de perturbação da arguida  D.... No que concerne à testemunha  G..., resulta de segmentos da gravação do seu depoimento, que esta nunca referiu ao longo do seu depoimento, que a arguida  D... tenha dirigido à assistente a expressão que foi dada como provada, mas tão só imputações plurais ( chamou tantos nomes, cabrões , ladrões).     

Assim, até força do princípio in dubio pro reo, não deveria ter dado como provada a factualidade impugnada, que deve ser incluída nos factos não provados e, consequentemente, ser a arguida absolvida do crime de injúria.

Passemos à apreciação da questão.

O Tribunal da Relação conhece de facto e de direito ( art.428.º do C.P.P.), porém, sem prejuízo dos vícios aludidos no art.410.º do C.P.P., o tribunal de recurso apenas pode modificar a matéria de facto quando, nos termos do art.431.º do Código de Processo Penal, se verifiquem os seguintes requisitos:
  « a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base;
     b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do art.412.º; ou
     c) Se tiver havido renovação de prova.”.
A situação mais comum de impugnação da matéria de facto é a que respeita à alínea b) do art.431.º do C.P.P. e foi a utilizada pela recorrente para impugnar a matéria de facto.
A alínea b) do art.431.º do C.P.P., conjugada com o art.412.º, n.º3 do mesmo Código, impõe ao recorrente, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o dever de especificar:

  « a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados ;

     b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
     c) As provas que devam ser renovadas

O n.º 4 deste art.412.º, acrescenta que «Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art.364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação

O recorrente deverá indicar a sessão de julgamento em que as declarações ou depoimentos constam e localizar a passagem em causa na gravação, entre os minutos em que produziu prova oralmente, de modo a deixar claro qual a parte da declaração ou depoimento que se quer que o Tribunal de recurso ouça ou aprecie.

O STJ, pelo acórdão de fixação de jurisprudência n.º 3/2012, decidiu, sobre esta matéria, que « Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/enxertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações.».
Nos termos do n.º 6 do art.412.º do C.P.P., o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e, ainda, de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.

No presente caso, a arguida  D... especifica, nas conclusões da motivação, os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida. Quanto às passagens em que funda a impugnação, limita-se a remeter para a motivação do recurso.

Uma vez, porém, que na motivação do recurso procede à localização, na acta de julgamento, das passagens dos depoimentos em que funda a impugnação e transcreve os respectivos segmentos, o Tribunal da Relação considera que a mesma deu cumprimento mínimo ao estabelecido no art.412.º, n.ºs 3, al. b) e 4 do C.P.P. e, por uma questão de economia processual, mesmo sem convite ao aperfeiçoamento das conclusões da motivação, julga-se apto a modificar a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo, se concluir pela existência de erro de julgamento.
Antes de passar ao conhecimento directo da questão, importa realçar aqui que a documentação da prova em 1ª instância tem por fim primeiro garantir o duplo grau de jurisdição da matéria de facto.
Porém, o recurso de facto para o Tribunal da Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada como se o julgamento ali realizado não existisse. É antes, um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.
A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto exige uma articulação entre o Tribunal de 1ª Instância e o Tribunal de recurso relativamente ao principio da livre apreciação da prova, previsto no art. 127.º do Código de Processo Penal, que estabelece que “Salvo quando a lei dispuser de modo diferente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”.

As normas da experiência, a que se deve atender na apreciação da prova, são «...definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto “sub judice”, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade.»[4].

Quanto à livre convicção do juiz, nessa apreciação da prova, ela não pode esta deixar de ser “... uma convicção pessoal -  até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais  -  , mas em todo o caso , também ela ( deve ser) uma convicção objectivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros.”[5].

Na livre apreciação da prova o juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis.

Observa a este respeito o Prof. Germano Marques da Silva, que « Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente ( v.g., a credibilidade que se concede a um certo meio de prova). Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as inferências não dependem essencialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correcção do raciocínio, que há-de fundar-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.».[6]     

O princípio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no art.355.º do Código de Processo Penal. È ai, na audiência de julgamento, que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova e se assegura o princípio do contraditório, garantido constitucionalmente no art.32.º, n.º5.

Reportando-se aos princípios da oralidade e imediação diz o Prof. Figueiredo Dias, que « Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos  e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tornar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...) . Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais.”.[7]

Na verdade, a convicção do Tribunal a quo é formada da conjugação dialéctica de dados objectivos fornecidos por documentos e outras provas constituídas, com as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, em função das razões de ciência, das certezas, das lacunas, contradições, inflexões de voz, serenidade e outra linguagem do comportamento, que ali transparecem.

Assim, se o recorrente impugna somente a credibilidade das declarações ou do depoimento deve indicar elementos objectivos que imponham um diverso juízo sobre a credibilidade das declarações ou depoimentos, pois aquela, quando estribada em elementos subjectivos é um sector especialmente dependente da imediação do tribunal recorrido. 

Uma vez, porém, que o princípio da livre apreciação da prova tanto vincula o tribunal de 1.ª instância como o tribunal de recurso, e que a reforma do Código de Processo Penal de 1998 deixou inequívoco que se quis assegurar um recurso efectivo da matéria de facto, o Tribunal da Relação, na reapreciação da matéria de facto a que se procede nos termos do art.412.º, n.ºs 3 e 4 do C.P.P., deve proceder a uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão tomada pelo Tribunal a quo quanto aos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, avaliando se as provas indicadas por este impõem decisão diversa da recorrida.

Se o Tribunal a quo, que beneficiou plenamente da imediação e da oralidade da prova, explicou racionalmente a opção tomada, e o Tribunal da Relação entender que da reapreciação da prova resulta o acerto dessa opção sobre a matéria de facto impugnada, nos termos do art.127.º do C.P.P., deve manter a decisão recorrida.

A propósito da apreciação da prova, importa ainda importa realçar, o princípio in dubio pro reo, , invocado pela recorrente  D..., que estabelece que na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido. Ou seja, o julgador deve valorar sempre em favor do arguido um non liquet.

O mesmo decorre do princípio da presunção da inocência, consagrado no art.32.º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa, que estatui que “ todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação”.

O Tribunal de recurso apenas pode censurar o uso feito desse principio se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo - e não os sujeitos processuais ou algum deles - chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele , escolheu a tese desfavorável ao arguido.[8]

A violação do princípio in dubio pro reo exige que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num estado de dúvida quanto aos factos que devia dar por provados ou não provados. Como refere o Prof. Roxin, “o princípio não se mostra atingido quando, segundo a opinião do condenado, o juiz deveria ter tido dúvidas, mas sim quando condenou apesar da existência real de uma dúvida”.[9]

Se na fundamentação da sentença oferecida pelo Tribunal, este não invoca qualquer dúvida insanável, ou, ao invés, se a motivação da matéria de facto denuncia uma tomada de posição clara e inequívoca relativamente aos factos constantes da acusação, com indicação clara e coerente das razões que fundaram a convicção do tribunal, inexiste lugar à aplicação do princípio in dubio pro reo.

Retomando o caso concreto, diremos que o Tribunal da Relação procedeu à audição da gravação dos depoimentos das testemunhas indicadas pela recorrente, e dela resulta que os segmentos transcritos na motivação do recurso correspondem, com razoável precisão, ao que, entre outras declarações, foi efectivamente foi dito por elas.

A arguida  D... não quis prestar declarações sobre o objecto da acusação e a ofendida  A... - que apresentou a queixa constante de folhas 3 e 4 dos autos contra aquela, por alegada e designadamente a arguida  D..., no dia 19 de Setembro de 2009, lhe ter dirigido a expressão “ Uma senhora tão importante que para mim é merda”- , veio a falecer na pendência do processo.

No decurso da audiência de julgamento o Tribunal a quo comunicou à arguida  D... uma alteração não substancial dos factos da acusação, porquanto se indiciava da prova produzida,  nomeadamente, que terá dirigido à ofendida  A... a expressão “ Uma pessoa tão importante que é uma merda”.

Finda a audiência de julgamento, o Tribunal a quo veio dar como provado nos pontos n.ºs 1 e 2 da sentença recorrida que a arguida  D... dirigiu à ofendida  A... a expressão “ Uma pessoa tão importante que é uma merda”, querendo ofendê-la na sua honra e consideração.

Da leitura da fundamentação da matéria de facto da sentença recorrida resulta que esta materialidade foi dada como provada em face do depoimento da testemunha  F....

Tal como afirma a recorrente  D..., resulta do depoimento da testemunha  F... que esta declarou encontrar-se de relações cortadas com a ora recorrente e com a testemunha  G....

O facto da testemunha  F... declarar que está de relações cortadas com a recorrente  D... não é suficiente para se concluir que o Tribunal a quo não poderia fundar nela a sua convicção quanto à matéria ora impugnada pela recorrente, uma vez que, no âmbito da imediação e da oralidade considerou que a testemunha produziu um depoimento isento e que durante este recordou ter a ora recorrente  D... proferido a dita expressão dada como provada, dirigida á ofendida  A....

Não tendo a recorrente carreado no recurso elementos objectivos que permitam concluir ao Tribunal da Relação que a testemunha  F... não fez um depoimento isento, temos de aceitar que o seu depoimento foi isento.

Da audição da gravação do depoimento da testemunha  F... resulta que foi grande a confusão na manhã do dia em causa, de Setembro de 2009, provocada pela arguida  D... e pelo  C..., pese embora a ofendida  A... nunca tenha respondido ao vocabulário insultuoso usado por aqueles dois arguidos. Depois de declarar que “ o sr.  C... é que tinha pior vocabulário”, e que a arguida  D... disse para a ofendida  A..., designadamente, que era “gente da pior escória” e “ outras coisas” que “ eu agora não consigo lembrar”, foi perguntado à testemunha se ouvira nesse dia a expressão “ Uma senhora tão importante que para mim é merda”.

A esta pergunta a testemunha  F... respondeu “ouvi, sim senhora”, esclarecendo que a arguida  D... disse, designadamente, “que ela se julgava uma senhora muito importante, muito importante que é uma merda” e que “ não passam de uma merda” ,  e que “ tu não passas de uma merda, julgas-te muito importante, não passas de uma merda.”.

A circunstância da testemunha  G... - que declarou estar também de relações cortadas com a arguida  D... e com o  C... -, não confirmar aquelas palavras referidas pela testemunha   F... como tendo sido dirigidas pela arguida  D... á ofendida  A..., não tem como conclusão que elas não foram ditas. Desde logo porque, como refere a testemunha  G..., há factos que já não recorda dados os anos entretanto recorridos e, por outro lado, não parece haver exacta coincidência na chegada ao local dos factos entre esta testemunha e a testemunha  F..., pelo que esta pode ter ouvido e lembrar-se de um facto que a testemunha  G... não presenciou.

Assim, reapreciada a prova indicada pela recorrente  D... nas conclusões do recurso, conclui o Tribunal da Relação que a convicção a que o Tribunal a quo chegou para dar como provada a matéria que consta do ponto n.º 1 - que corresponde a uma passagem do mencionado pela testemunha  F... -, mostra-se objecto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, onde não se vislumbra qualquer assumo de arbítrio na apreciação da prova. Consequentemente e mesmo âmbito, consideramos que não viola as regras da experiência comum e a livre apreciação da prova dar-se como provada a factualidade constante do ponto n.º2 da sentença recorrida.

Lendo a fundamentação sobre a matéria de facto da douta sentença não se vislumbra nela que o Tribunal recorrido tenha chegado a qualquer estado de dúvida sobre a prática pela arguida  D... dos factos dados como provados. O que resulta daquela é um estado de certeza do Tribunal recorrido relativamente à prática pela arguida/recorrente dos factos dados como provados, pelo que está modo afastada a violação pelo Tribunal recorrido do princípio in dubio pro reo.

Assim, não se impondo uma decisão diversa da recorrida, mais não resta que confirmar a decisão recorrida relativamente à matéria de facto imputada à recorrente  D....

A segunda e última questão, suscitada pela arguida  D..., respeita ao preenchimento dos elementos constitutivos do crime de injúria.
A recorrente  D... entende que mesmo a considerar-se como provado que disse, em voz alta, referindo-se a  A..., por forma a ser ouvido por todos os presentes “Que ela se julgava uma senhora muito importante, muito importante que é uma merda, que não passam de uma merda”, deve ser absolvida, por a expressão não ser, nem objectiva, nem subjectivamente, injuriosa. 
A expressão “merda” é definida em dicionários como “ excremento, porcaria, sujidade, coisa reles, coisa desagradável, insignificância, ou coisa sem valor, porcaria, que não vale nada. Ainda que seja uma expressão rude grosseira ou vulgar, tem apenas o sentido de desabafo, podendo ser ouvida frequentemente nos espaços públicos sem qualquer intenção de ofender. A expressão “ para mim é uma merda” é tão somente um juízo de valor, rude e grosseiro, que não contende com o conteúdo ético da personalidade moral da visada, nem atinge valores ética e socialmente relevantes do ponto de vista do direito penal.   
Assim, não se verificando os pressupostos do crime de injúria impõe-se absolver a arguida da prática deste crime.
Vejamos.

O art.37.º, n.º1, da Constituição da República Portuguesa, ao preceituar que « todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra , pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem descriminações», exprime a ideia de que nas sociedades democráticas, como a nossa, existem margens de tolerância conferidas pela liberdade de expressão, que compreende não só a liberdade de pensamento, como a liberdade de exteriorização de opiniões e juízos.

Porém, o direito à liberdade de expressão e crítica tem limites, como decorre do próprio n.º 3 do mesmo art.37.º da C.R.P, quando estabelece que « as infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal...».

O art.181.º, do Código Penal, pelo qual vem a arguida acusada e foi condenada, estatui o seguinte:

 «1. Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra e consideração, é punido com pena de prisão até três meses ou com pena de multa até 120 dias.

  2. Tratando-se da imputação de factos, é correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo anterior.». 

A honra ou consideração, a que aludem os artigos 180.º (difamação) e 181.º (injúria) do Código Penal, consiste num bem jurídico complexo que inclui quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade , quer a própria reputação ou consideração exterior .

Se as normas dizem claramente que difamar mais não é que imputar a outra pessoa um facto ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra e consideração, e que injuriar é praticar os mesmos factos na presença do ofendido, também se vem entendendo que nem todo o facto ou juízo que envergonha e perturba ou humilha, cabem na previsão dos artigos 180.º e 181.º do Código Penal.
A conduta pode ser reprovável em termos éticos, profissionais ou outros, mas não o ser em termos penais.

Dizemos a este propósito, fazendo nosso o que se escreveu no acórdão da Relação de Coimbra, de 23 de Abril de 1998, que « Há um sentir comum em que se reconhece  que a vida em sociedade só é possível se cada um não ultrapassar certos limites na convivência com os outros . (...). Do elenco desses limites ou normas de conduta fazem parte (regras) que estabelecem a “obrigação e o dever” de cada cidadão se comportar relativamente aos demais com um mínimo de respeito moral, cívico e social, mínimo esse de respeito que não se confunde, porém, com educação ou cortesia, pelo que os comportamentos indelicados, e mesmo boçais, não fazem parte daquele mínimo de respeito, consabido que o direito penal , neste particular , não deve nem pode proteger as pessoas face a meras impertinências.».[10]

Há que conciliar, pois, o direito à honra e consideração, com o direito à crítica, pois um e outro, pese embora sejam direitos fundamentais, não são direitos absolutos, ilimitados.

Em matéria de direitos fundamentais deve atender-se ao princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade, segundo o qual se deve procurar obter a harmonização ou concordância prática dos bens em colisão, a sua optimização, traduzida numa mútua compressão por forma a atribuir a cada um a máxima eficácia possível.

Até onde vai o exercício do direito e quando passa ele a ser ilegítimo? O art.334.º do Código Civil permite-nos perceber até aonde vai o exercício de um direito e quando ele passa a ser ilegítimo, ao estatuir que « é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé , pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.».

Para a correcta determinação dos elementos objectivos do tipo importa atender ao contexto em que os factos ou juízos pretensamente atentatórios da “honra ou consideração” são produzidos. Escreve a este propósito o Prof. Cuello Calon, que para apreciar se os factos, palavras e escritos são injuriosos será de ter em conta os antecedentes do facto, o lugar, ocasião, qualidade, cultura e relações entre ofendido e agente, de modo que factos, palavras e escritos que em determinados casos ou circunstâncias se reputam gravemente injuriosos, podem noutros não se considerar ofensivos ou tão somente constitutivos de injúria leve.[11]

Também o Prof. José Faria Costa alerta para que « o cerne da determinação dos elementos objectivos se tem sempre de fazer pelo recurso a um horizonte de contextualização . Reside, pois, aqui, um dos elementos mais importantes para, repete-se, a correcta determinação dos elementos objectivos do tipo.».[12]

Retomando o caso concreto, o Tribunal da Relação, à luz dos princípios e definições ora expostos não pode deixar de considerar como tipificada penalmente a conduta da arguida  D... descrita nos factos provados, como tendo sido por ela praticada numa manha de Stembro de 2009, em data desse mês.

A arguida ao dirigir-se à ofendida  A..., em voz alta, por forma a ser ouvido por todos os presentes, dizendo és “ uma pessoa tão importante que é uma merda”, visando ofender a honra e consideração pessoal desta, que nem sequer lhe responde, não se limitou ao exercício de um comportamento mal educado, boçal. Objectivamente, ao considerar que a ofendida como pessoa “é uma merda”, a arguida  D... coloca em causa globalmente a personalidade da ofendida, excedendo manifestamente o direito à crítica sobre a importância social da ofendida, entrando no puro juízo insultuoso.

Estando dado como provado que a arguida  D... agiu deliberada, livre e conscientemente, com conhecimento e vontade de ofender a honra e consideração pessoal da  A..., estão preenchidos todos os elementos constitutivos do crime de injúria.

Nem a arguida invoca a existência qualquer das causas de justificação a que alude o n.º 2 do art.180.º do Código Penal, aplicável por força do n.º 2 do art.181.º do mesmo Código, nem ela existe, desde logo porque está aqui em causa um juízo sobre a personalidade da ofendida e aquelas causas de justificação respeitam à imputação de factos.

Em suma, entendemos que a decisão recorrida ao considerar que a conduta da arguida é ilícita-típica e culposa, não viola qualquer das normas, designadamente, as apontadas pela recorrente nas conclusões da motivação.

Mais não resta, assim, que manter a condenação da arguida pela prática do crime de injúria.


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            Recurso do arguido  C...

A primeira questão a conhecer respeita à prescrição do procedimento criminal.

O recorrente  C... alega que o crime pelo qual foi condenado é punível com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, pelo que nos termos do art.118.º, n.º1, al.d), do Código Penal, o procedimento criminal pela prática deste crime extingue-se logo que sobre a sua prática tiverem decorrido 2 anos.

Os factos reportam-se a Setembro de 2009.

Não se verificou qualquer causa de suspensão da prescrição.

A prescrição foi interrompida quer com a constituição do arguido, quer com a notificação da acusação, mas nos termos do art.121.º, n.º3, do Código Penal, a prescrição tem sempre lugar quando desde o seu início tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade.  

Para o que aqui interessa, tal prazo é de 2 anos, acrescido de um ano.

Tendo decorrido 3 anos e 5 meses desde Setembro de 2009 até hoje, o procedimento criminal já se encontra prescrito.

Ao assim não decidir, a decisão recorrida violou o disposto no art.121.º, n.º 3 do Código Penal.

Salvo o devido respeito é manifesta a falta de razão do recorrente quanto a esta questão.

A prescrição do procedimento criminal como renúncia do Estado ao ius puniendi, pelo decurso do tempo, encontra-se regulada nos artigos 118.º a 121.º do Código Penal.  

O art.118.º, n.º1, do Código Penal, estatui, designadamente, o seguinte:

« 1- O procedimento criminal extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do crime hajam decorrido os seguintes prazos:

a) (…);

b) (…);

c) Cinco anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a um ano, mas inferior a cinco anos;

d) Dois anos, nos restantes casos.» .

A prescrição do procedimento criminal, que corre desde o dia em que o facto se tiver consumado ( art.119.º, n.º1 do  Código Penal ),  pode ser suspensa ou interrompida.
Quanto à suspensão, o art.120.º do Código Penal, na redacção vigente à data dos factos, estabelece, nomeadamente:
« 1. A prescrição do procedimento criminal suspende-se , para além dos casos especialmente previstos na lei , durante o tempo em que:
       a)  (…)
       b ) O  procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo;   
 (…).
   2. No caso previsto na alínea b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar três anos.».
A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão ( art.120.º, n.º 3 do Código Penal ).
A Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro, que entrou em vigor a 21 de Março, procedeu a alterações na suspensão da prescrição do procedimento criminal, de modo obstar e desincentivar o uso abusivo dos recursos.
Neste âmbito, determinou a suspensão do prazo de prescrição durante o tempo em que a sentença condenatória da primeira instância, após notificação ao arguido, não transitar em julgado ( n.º1, al.e) , que pode chegar aos cinco anos ou dez anos quando for declarada a especial complexidade ( n.º4), e elevou tais prazos em caso de recurso ao tribunal constitucional ( n.º5).

O art.121.º do Código Penal estabelece, por sua vez, quanto à interrupção do procedimento criminal, designadamente, o seguinte:

“1 - A prescrição do procedimento criminal interrompe-se:

      a) Com a constituição de arguido;

      b) Com a notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo

      c); (…)

      d) (…).  

  2 - Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.

  3 – Sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 118.º, a prescrição do procedimento criminal  tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade. Quando, por força de disposição especial, o prazo de prescrição for inferior a dois anos o limite máximo da prescrição corresponde ao dobro desse prazo.». .

Este n.º 3 visa obstar a que o prazo da prescrição se não mantenha indefinidamente, pois após cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.

No caso em apreciação, o arguido  C... foi condenado pela prática de dois crimes de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1 do Código Penal.

A moldura penal de cada um destes dois crimes é de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias. 

Sendo o limite máximo da pena de prisão aplicável a cada um dos crimes de ameaça igual a 1 ano de prisão, a situação em apreciação não se enquadra na alínea d), n.º1 do art.118.º do Código Penal, como pretende o recorrente, pois o prazo de prescrição do procedimento criminal de dois anos respeita aos casos em que ao crime corresponde uma pena de prisão inferior a 1 ano.

É o que resulta da al.c), n.º1 do art.118.º do Código Penal ao estabelecer que o prazo de prescrição do procedimento criminal é de «Cinco anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a um ano, mas inferior a cinco anos ».

Uma vez que cada um dos crimes em causa é punível pena de prisão cujo limite máximo é igual a um ano, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 5 anos, nos termos da al.c), n.º1 do art.118.º do Código Penal.

No caso em análise, existem causas de interrupção e de suspensão da prescrição que não podem deixar de ser tomadas em consideração.

Compulsando os presentes autos verifica-se que a prescrição do procedimento criminal sofreu interrupções, com a constituição de arguido, em 12 de Novembro 2009 (folhas 23 ) e com a notificação da acusação ao mesmo arguido, em 11 de Março de 2011 ( folhas 358).

A partir de cada uma dessas datas começa a correr novo prazo de prescrição.

A prescrição do procedimento foi ainda objecto de suspensão ao abrigo do art.121.º, al.b) do  Código Penal, que poderá atingir 3 anos – a nova redacção da al.e, n.º1 do art.121.º do  Código Penal, permitiria a elevação do prazo de suspensão da prescrição até 5 anos, se não lhe fosse mais desfavorável que a anterior redacção.

A notificação da acusação interrompe a prescrição ( art.121.º, n.º1, al. b), do C.P.) e a pendência posterior à acusação suspende a prescrição ( art.120.º, n.º1, al. b), do C.P.).

Sendo o prazo de prescrição do procedimento criminal de cinco anos, acrescido de metade, ou seja, de um 2 ano e 6 meses ( art.121.º, n.º3 , do RGCOC) , ressalvado o tempo de suspensão, que no caso poderá ir até 3 anos ( art.120.º, n.ºs 1, al. b) e 2 do  Código Penal - na redacção vigente à data dos factos), o  procedimento prescreve ao fim de 11 anos e 6 meses.

Como só agora decorreram 4 anos desde a data em que os factos se consumaram ( Setembro de 2009), bem andou a decisão recorrida em não haver declarado a prescrição do procedimento criminal.

Improcede, deste modo, a primeira questão objecto do recurso.

Segunda questão: se o Tribunal a quo violou o disposto no art.358.º, n.º1, do Código de Processo Penal e incorreu numa nulidade ao proceder a uma alteração não substancial dos factos, sem que tenham sido comunicados ao arguido/recorrente os respectivos meios de prova.

O recorrente  C... alega, invocando o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13-12-2011,[13] que a comunicação da alteração não substancial dos factos da acusação, realizada na audiência de julgamento, exige a indicação dos meios de prova.

No caso do recorrente a comunicação da alteração não substancial dos factos não foi fundamentada, havendo omissão de indicação dos meios de prova de onde resulta a alteração dos factos, pelo que é nula.

Vejamos se assim é.

De acordo com o princípio da identidade do objecto do processo, este um corolário do princípio da acusação, o objecto da acusação deve manter-se idêntico, o mesmo, desde aquela até à sentença final.[14]

Pese embora este princípio, por razões de economia processual e no próprio interesse do arguido, a lei permite expressamente ao Juiz que este possa comunicar aos sujeitos processuais, mesmo no decurso da audiência de julgamento, quer uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia ( art.358.º do C.P.P.), quer uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia ( art.359.º do C.P.P.).

Nos termos do art.358.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, « Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.».  

Quer na situação de não alteração substancial dos factos, quer na da alteração substancial dos factos, o arguido tem o “direito a ser ouvido”, no sentido de lhe dever ser dada oportunidade efectiva de discutir e tomar posição sobre decisões relativas a essas questões, particularmente as tomadas contra ele.

O art.379.º, n.º1, alínea b), do Código de Processo Penal, estatui, designadamente, que é nula a sentença, « Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º

E acrescenta o seu n.º 2 que « As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo licito ao tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 414.º, n.º4.».  

No caso em apreciação, o recorrente  C... não afirma que foi condenado por factos diversos dos descritos na acusação sem que lhe tenha sido comunicada a alteração dos factos da acusação e sem lhe ter sido concedido tempo para se pronunciar sobre a alteração, pois o Tribunal a quo comunicou-lhe, por despacho proferido na  audiência de julgamento de 11-1-2013, os factos que mais tarde veio a dar como provados na sentença recorrida e concedeu-lhe tempo para se pronunciar sobre a alteração, tendo o recorrente requerido mesmo a inquirição de testemunhas.

Tendo sido comunicada ao arguido  C... a alteração dos factos descritos na acusação e sido concedido ao mesmo o tempo necessário para a preparação da defesa, o Tribunal da Relação entende que foi dado cumprimento ao disposto no art.358.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Consequentemente, a sentença recorrida não padece da nulidade a que alude o art.379.º, n.º1, alínea b), do Código de Processo Penal.

Questão diferente é saber se o despacho que procedeu à comunicação da alteração não substancial, ao não ter fundamentado a alteração dos factos através da indicação dos respectivos meios de prova, respeitou o disposto no art.97.º, n.º5 do Código de Processo Penal, que estabelece que « os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.».

No dizer do Prof. Germano Marques da Silva o objectivo de tal dever de fundamentação, imposto pelos sistemas democráticos, é permitir “ a sindicância da legalidade do acto , por uma parte , e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça , por outra parte , mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando  por isso  como meio de autodisciplina .” [15].

A este respeito importa consignar aqui que o artigo 118.º do CPP estabelece que «a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei» (n.º 1); quando assim não suceder, o acto ilegal é irregular (n.º 2). 

Esta norma enuncia o princípio da tipicidade ou da legalidade, pelo qual só algumas das violações das normas processuais é que têm como consequência a nulidade do respectivo acto, sendo razões de economia processual e boa fé processual as que baseiam tal diferenciação.

Dentro das nulidades, o Código de Processo Penal distingue as nulidades insanáveis (ou absolutas), a que se refere o artigo 119.º, e as nulidades dependentes de arguição (ou nulidades relativas), a que se referem os artigos 120.º e 121.º, regulando o artigo 122.º os efeitos de declaração de nulidade. No artigo 123.º o Código de Processo Penal estabelece o regime das irregularidades.

As nulidades insanáveis são as que constam do artigo 119.º do CPP e ainda as que forem,  como tal, identificadas em outras disposições do código. Os comportamentos elencados nas seis alíneas do artigo 119.º respeitam à constituição do tribunal colectivo ou às regras que regulam a sua composição (alínea a)), à falta de promoção do processo pelo Ministério Público e à ausência deste em actos a que devia estar presente (alínea b)), à ausência do arguido e seu defensor quando devam estar presentes (alínea c)), à falta de inquérito ou de instrução quando sejam obrigatórios (alínea d)), à violação das regras de competência do tribunal, com ressalva do n.º 2 do artigo 32.º (alínea e)), e, por fim (alínea f)), refere a norma, como fundamento de nulidade insanável, o emprego de forma de processo especial em casos não previstos legalmente.

De acordo com o n.º 1 do artigo 120.º, «qualquer nulidade diversa das referidas no artigo anterior deve ser arguida pelos interessados e fica sujeita à disciplina prevista neste artigo e no artigo seguinte».

Por sua vez, o art.123.º, n.º1, do C.P.P. estabelece que « Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes, a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado.».  A arguição deve ter lugar perante o tribunal que cometeu a irregularidade, deste modo lhe possibilitando a respectiva reparação ou, se o não fizer, permitindo ao sujeito processual afectado a interposição do competente recurso ( n.º2).

Como assertivamente esclarece o Cons. Maia Gonçalves, a propósito da anotação ao art.97.º do C.P.P., « A falta de fundamentação dos actos decisórios, quando não tenha tratamento específico previsto na lei, constitui irregularidade, submetida ao regime do art.123.º. Caso de tratamento específico é o da falta de fundamentação da sentença, que importa nulidade ( art.379.º, al. a)).».[16]  

A falta de fundamentação do despacho que comunica em audiência uma alteração não substancial dos factos não tem tratamento específico previsto na lei, pelo que está sujeita ao regime da irregularidade.

Compulsando a acta da audiência de julgamento de 11-1-2013, dela resulta que o despacho de comunicação da alteração não substancial dos factos indica aos arguidos a norma ao abrigo da qual procede à comunicação, mas não especifica sinteticamente os meios de prova que suportam o juízo provisório do Tribunal a quo sobre a alteração dos factos descritos nas acusações.

Com o acórdão do Tribunal desta Relação, mencionado pelo recorrente, diremos que « Esta individualização ou concretização dos meios de prova justifica-se essencialmente quando são produzidas várias provas e possam surgir dúvidas ou dificuldades para o arguido em estabelecer a correspondência entre tais provas produzidas e os novos factos indiciados, dificultando ou impossibilitando a sua defesa de modo eficaz.».

O despacho que vimos referindo não é modelar na fundamentação quanto ao esclarecimento dos meios de prova que sustentam o juízo provisório da decisão comunicada, uma vez que os omite, mas o recorrente não arguiu de imediato e perante o Tribunal a quo a irregularidade que resulta dessa omissão.

A inobservância do disposto no art.97.º, n.º5, do C.P.P. não configura qualquer nulidade, mas uma simples irregularidade. Por esta não haver sido arguida oportunamente na audiência de julgamento, há muito se tem como sanada.[17]

Assim, improcede esta questão.

            Terceira questão: se constitui nulidade o indeferimento pelo Tribunal a quo da inquirição das testemunhas arroladas pelo arguido/recorrente no seguimento da alteração não substancial dos factos.

O recorrente defende que a decisão recorrida violou o disposto no art.340.º do Código de Processo Penal ao indeferir a inquirição das testemunhas por si arroladas, no seguimento da comunicação da alteração não substancial dos factos.

O Tribunal a quo ao não ouvir as testemunhas por si indicadas abalou seriamente as garantias de defesa do arguido.

Vejamos.

O art.340.º do Código de Processo Penal, regulando a admissão da produção da prova na audiência de julgamento, estatuía, à data da sua prolação, designadamente o seguinte:

 « 1. O tribunal ordena, (…) a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.  (…)

    3. (…), os requerimentos de prova são indeferidos por despacho quando a prova ou o respectivo meio forem legalmente inadmissíveis.

     4. Os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que:

         a) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas;

         b) O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa; ou

         c) O requerimento tem finalidade meramente dilatória.».

As provas irrelevantes são aquelas que respeitam a factos que não têm relevo para a decisão, por dizerem respeito a factos que se forem dados como provados em nada podem influenciar a decisão ou, então, nada têm que ver com o objecto do processo.

As provas supérfluas são provas as tidas como desnecessárias, como as que incidem sobre factos de conhecimento público generalizado.

A prova é inadequada quando é imprópria, quando através dela não se pode obter o conhecimento do facto que se pretende.

O meio de prova é de obtenção impossível ou muito duvidosa, quando por razões de tempo útil ou de lugar, seja razoável concluir que não é possível ou muito provavelmente ele não vair ser conseguido.

O requerimento tem finalidade meramente dilatória quando o requerente visa, no essencial, obstar ao normal andamento do processo, o que se pode decidir em face, designadamente, da sua anterior conduta processual interpretada objectivamente.

Retomando o caso concreto, verificamos que o arguido  C... , no seguimento da alteração não substancial dos factos da acusação, apresentou a folhas 746 e seguintes um requerimento para inquirição de 3 testemunhas.

Cumprido o contraditório, o Tribunal a quo, na audiência de julgamento de 23 de Janeiro de 2013, decidiu, por despacho proferido na mesma data, considerar irrelevante a inquirição das testemunhas arroladas pelo requerente  C... e, consequentemente, indeferiu a sua inquirição.[18]

Este despacho foi notificado de imediato ao arguido  C... e dele não foi interposto recurso por parte do interessado, pelo que transitou em julgado.
O art.672.º do C.P.C., aplicável ao processo penal por força do disposto no art.4.º do C.P.P., dispõe que os despachos que recaiam sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo, constituindo o chamado caso julgado formal.
O “ fundamento central do caso julgado radica-se numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do direito. Ainda mesmo com possível sacrifício da justiça material, quer-se assegurar através dele aos cidadãos a sua paz jurídica, quer-se afastar definitivamente o perigo de decisões contraditórias.”. [19]
A autoridade do caso julgado, impedindo decisões contraditórias, credibiliza as decisões judiciais.[20]
No caso em apreciação, não tendo o arguido  C... interposto recurso da decisão de 23 de Janeiro de 2013, que indeferiu a inquirição das testemunhas indicadas no seu requerimento de folhas 746 e seguintes, assim, se conformado com aquela decisão, ficou decido, com caso julgado, que as testemunhas arroladas objecto de indeferimento não eram necessárias para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, por os seus depoimentos se revelarem irrelevantes.
Não pode assim o arguido voltar a colocar ao Tribunal da Relação a mesma questão e, sendo colocada, o tribunal de recurso não pode nem deve dela conhecer, por já estar a coberto do caso julgado.
Assim, improcede também esta questão.

A última questão a conhecer é se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao dar como provadas as expressões constantes da factualidade assacada ao arguido/recorrente, uma vez que não se fez prova que as proferiu, pelo que se impõe absolvição do arguido da prática dos crimes de ameaça e do pedido de indemnização.

Alega para este efeito e em síntese, que o mesmo não prestou declarações e que os depoimentos das testemunhas prestados em julgamento foram generalistas, vagos e imprecisos, sem nunca terem conseguido colocar as expressões imputadas ao arguido num discurso directo.

Não resulta dos depoimentos das testemunhas  F... e  G..., nem do depoimento da testemunha  I... que o arguido tenha cometido, com toda a certeza, os factos que lhe estão assacados.

O tribunal fez tábua rasa da certidão referente ao processo 529/09.5 PBTMR do 1.º Juízo Tribunal Judicial de Tomar, que o arguido juntou. Tal certidão refere-se a um outro processo crime, com os mesmo sujeitos processuais e pelo mesmo crime de ameaça. Face ás dúvidas existentes e vigorando o princípio do in dúbio pro reu, tem o ora recorrente que ser absolvido.

Vejamos.

O arguido  C... não especifica, nas conclusões da motivação, os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, limitando-se a impugnar os factos que lhe são “assacados”.

Uma vez, porém que é facilmente perceptível do recurso que o mesmo impugna “as expressões” que lhe são “assacadas” e que estas constam dos pontos n.s 4 e 5 da factualidade dada como provada na sentença, considera-se que o mesmo impugna estes factos.

Indicando o recorrente as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e procedendo à localização, na acta de julgamento, das passagens dos depoimentos em que funda a impugnação, com transcrição dos respectivos segmentos, o Tribunal da Relação considera que o arguido  C... deu cumprimento mínimo ao estabelecido no art.412.º, n.ºs 3, al. b) e 4 do C.P.P. e, por uma questão de economia processual, mesmo sem convite ao aperfeiçoamento das conclusões da motivação, julga-se apto a modificar a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo, se concluir pela existência de erro de julgamento.

Posto isto, diremos que se é correcta a afirmação do recorrente  C... de que o mesmo não prestou declarações em audiência de julgamento, já não corresponde à realidade a sua afirmação de que as testemunhas  F... e  G... foram incapazes de declarar por sua iniciativa as expressões que o ora recorrente terá dito e que se limitaram a confirmar as perguntas sugestivas que o Ministério Público lhes fez.

Da audição da gravação do depoimento da testemunha  F... resulta que esta declarou muito mais do que os curtos segmentos reproduzidos pelo arguido na motivação do recurso, que não colocam em causa o que a propósito da conduta do recorrente é referido na fundamentação da matéria de facto.

Ainda assim diremos que a testemunha  F..., de forma espontânea, declarou que no dia em que viu o muro deitado abaixo, em Setembro de 2009, ouviu o arguido  C... dizer perante a ofendida  A..., a quem pertencia o muro, que tinha sido ele quem deitou o muro abaixo e que “qualquer dia dou um tiro nos cornos a esta gente toda”. A testemunha declarou ter pensado que as palavras eram para a ofendida  A..., pois dirigiu-se a ela, olhou para esta e era com ela o desentendimento por causa do muro.

Tendo sido perguntado à testemunha  F... se por estes factos já a mesma não tinha vindo antes ao Tribunal para um outro julgamento, respondeu a mesma que não, pois os factos que a tinham antes trazido a tribunal tinham que ver com uma garagem e não com o muro.

A testemunha  G..., marido da testemunha  F..., também não foi vaga, genérica e sugestionada pelo Ministério Público quando confirmou esta conduta do arguido relatada pela mulher. A testemunha  G... foi clara na afirmação de que em 2009, num dia que chegou a casa “antes do almoço”, ouviu barulho e tendo ido ver o que se passava, viu que tinham “desmontado” o muro da ofendida  A... e de  E..., e que o arguido  C... se dirigia à ofendida  A..., dizendo, designadamente, “que dava um tiro a toda a gente” e que “sempre que o arguido  C... entra numa discussão diz que dá um tiro a toda a gente e que mete lá uma bomba”.
Os depoimentos das testemunhas  F... e  G... foram tidos pelo Tribunal a quo, no âmbito da imediação e da oralidade, como credíveis e o Tribunal da Relação, em face dos mesmos depoimentos tem como perfeitamente admissível, por racional e não violador das regras da experiência comum, que nas circunstâncias de tempo e lugar descritas no ponto n.º 4 dos factos dados como provados, o arguido  C... dirigiu à ofendida  A... a expressão ali dada como provada.

Relativamente às expressões dadas como provadas no ponto 5 da sentença recorrida, ou seja, que o arguido  C..., “em data indeterminada de Setembro ou Outubro de 2009, em X..., Tomar, por não concordar com a construção de um muro executado a mando de  E..., o arguido  C... disse-lhe que “se aquilo continuasse, lhe dava um tiro” e que “tinha lá uma barra de ferro para fazer vingança”, resulta da fundamentação da sentença que o facto resultou provado em face dos depoimentos das testemunhas H… e J….

O recorrente  C... não questiona o depoimento da testemunha  H... para o Tribunal a quo dar como provado o facto que consta do citado ponto n.º 5 e quanto à testemunha  I... limita-se a mencionar que o seu depoimento foi generalista, reproduzindo para o efeito apenas a declaração dela em que referiu que “ ele muita vez dizia que dava um tiro nos cornos.”.

Este modo de impugnação, perante o teor da vasta e clara fundamentação da sentença relativa ao ponto 5 da sentença recorrida, não permite concluir, de modo algum, que a convicção do Tribunal a quo para dar como provada aquela factualidade não se mostra objecto de um procedimento lógico e coerente de valoração e que foi violado o princípio da livre apreciação da prova.
Assim, devemos concluir que nenhum erro de julgamento se detecta na apreciação da prova por parte do Tribunal recorrido; designadamente ao nível do princípio do in dubio pro reo, seja para dar como provada a factualidade do ponto n.º4, seja do ponto n.º5 da sentença recorrida. 

Relativamente à pretensão do recorrente de que o mesmo não pode ser julgado neste processo por factos que já foram objecto de desistência da queixa, homologada no processo n.º 529/09.5 PBTMR, do 1.º Juízo Tribunal Judicial de Tomar, diremos apenas que a testemunha  F... deixou claro que os factos dos presentes autos não correspondem aos factos pelos quais já tinha vindo uma vez a Tribunal, sendo diferentes as circunstâncias de tempo por ela descritas e as constantes da acusação deduzida naquele processo. Por outro lado, o Tribunal a quo já decidiu por despacho, proferido na audiência de julgamento de 23 de Janeiro de 2013, que não havia coincidência processual entre os presentes autos e o processo n.º 529/09.5 PBTMR, e tal despacho, negando a litispendência, transitou em julgado.

Não se reconhecendo a existência de erro de julgamento por parte do Tribunal a quo pelo facto de dar como provadas as expressões constantes da factualidade “assacada” ao arguido/recorrente, consideramos definitivamente fixada a matéria de facto tal como foi dada como provada na decisão recorrida.

Não tendo sido violadas na sentença recorrida nenhuma das normas legais invocadas pelo recorrente  C... nas conclusões da motivação, nem havendo motivo para absolver o arguido da prática dos crimes de ameaça e do pedido de indemnização, resta ao Tribunal da Relação confirmar a condenação do recorrente.

            Decisão

       

             Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelos arguidos  D... e  C... e, consequentemente, manter a douta sentença recorrida.

             Custas pelos recorrentes  D... e  C..., fixando em 5 Ucs a taxa de justiça, sem prejuízo do apoio judiciário que lhes foi concedido.

                                                                        


*

Orlando Gonçalves (Relator)

Alice Santos


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.

[4]   cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira , in “Curso de Processo Penal”, Vol. II , pág.300. 
[5]  cfr. Prof. Figueiredo Dias , “Direito Processual Penal”, 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 203 a 205.
[6] Cfr. “Curso de Processo Penal”, Vol. II, Verbo, 5.ª edição, pág.186
[7] Obra citada, páginas 233 a 234

[8] Cfr. entre outros , o acórdão do S.T.J. de 2 e Maio de 1996 , in C.J. , ASTJ , ano IV , 1º, pág. 177  .

[9] “Derecho Processal Penal”, Editores del Puerto, Buenos Aires, pág. 111.
 

[10] C.J. ano XXIII,  2º , pág. 64 e seguintes. 

[11] - Cfr. “Derecho Penal , Parte Especial” , pág. 651.

[12]  "Comentário Conimbricence ao Código Penal" , Tomo I , pág. 612. No mesmo sentido, ainda, entre outros, o  Ac. Rel. de Coimbra , de 5-6-2002 , proc. n.º 1480/02 , in WWW.dgsi.pt..

[13] Proc. n.º 878/07.7TACBR.C1, in www.dgsi.pt 

[14] – cfr. Cons. António Quirino Duarte Soares, “ Convolações”, in C.J. acórdãos do STJ, ano II, pág. 14.

[15]  Obra citada, pág. 294.
[16]  Código de Processo Penal anotado, Almedina , 17.ª edição, pág. 279.

[17] No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13-12-2011, mencionou-se que a comunicação da alteração não substancial dos factos deve ser fundamentada. Mas a declaração da nulidade da sentença resultou da condenação do arguido ter sido decretada por factos que não lhe foram concretamente comunicados. 

[18] Cfr. acta de folhas 753 a 761. 
[19] Prof. Eduardo Correia, “A Teoria do concurso em direito criminal”, Almedina, 1983, pág. 302.
[20] No dizer da Dr.ª Vânia Costa Ramos, “ Enquanto a regra ne bis in idem prossegue a segurança jurídica individual e colectiva, a autoridade do caso julgado protege a força e a credibilidade das decisões judiciais e das autoridades que a proferem.” – in “Ne bis in idem e União Europeia”, Coimbra Editora, pág. 35.