Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
299633/11.7YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUIS CRAVO
Descritores: CONFISSÃO
INDIVISIBILIDADE
EMPREITADA
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 02/19/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: OURÉM 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.352, 360, 428, 799, 1214 CC, 264, 563 CPC
Sumário: 1.- A confissão pode incidir tanto sobre factos alegados pela parte contrária, como sobre factos não alegados.

2.- Quando a “declaração confessória” é acompanhada da narração de factos ou circunstâncias impeditivos, modificativos ou extintivos dos efeitos do facto confessado, isto é, quando ocorre uma declaração complexa de factos favoráveis e factos desfavoráveis, à luz do disposto no art. 360º do C.Civil impõe-se à parte que requereu a produção de tal meio de prova uma tomada de posição, sob pena de se operarem efeitos jurídico-processuais que lhe podem ser adversos.

3.- O que engloba os “factos instrumentais” que validamente podem e devem ser considerados (cf. art. 264º, nº2 do C.P.Civil).

4.- Para que a excepção de não cumprimento do contrato (cf. art. 428º do C.Civil) possa ser invocada, necessário é que a parte do preço, cujo pagamento se recusa, seja proporcional à desvalorização provocada pela existência do defeito, conforme o exigem os ditames da boa fé no cumprimento das obrigações.

5.- Cabe à parte que pretende utilizar a exceptio perante o cumprimento defeituoso, aqui o dono da obra, a demonstração que os defeitos existentes, pela sua relevância, tornam inadequada a prestação, em termos de justificarem o recurso à exceptio.

Decisão Texto Integral:             Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

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1 - RELATÓRIO

A(…), Unipessoal, Ld.ª”, NIPC ..., com sede na Urbanização x... Coimbra, veio propor contra F (…), residente em y..., Ourém, a presente acção especial destinada ao cumprimento de obrigação pecuniária, pedindo seja o Réu condenado no pagamento da quantia global de € 6.130,16 [seis mil, cento e trinta euros e dezasseis cêntimos] acrescida de juros vencidos e nos entretanto vencidos e vincendos.

Alega para tanto e em síntese que no exercício do seu objecto social a pedido do Réu, forneceu equipamentos e prestou a este bens e serviços, o qual os recebeu, e deles não reclamou nem os devolveu, tendo ela Autora emitido as facturas respectivas, sendo todavia certo que o Réu não efectuou o pagamento do montante titulado por tais facturas.

Conclui do por si alegado pela procedência da acção e a consequente condenação do Réu no pagamento da quantia peticionada.

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Regularmente citado, veio o Réu apresentar a sua contestação, através da qual sustenta, em síntese, que efectivamente solicitou à Autora o fornecimento de produtos e a prestação de serviços da sua actividade profissional o que veio a suceder como por esta alegado; todavia, alega que o montante global envolvido era bem superior ao que nos autos surge peticionado, tendo efectuado o pagamento da quantia de € 11.646,00 [onze mil, seiscentos e quarenta e seis cêntimos]; o remanescente do preço inicialmente acordado só não foi pago – o que confessa – pela circunstância de os trabalhos efectuados não o terem sido de forma correcta, subsistindo defeitos que cumpre eliminar, bem como foram aplicados em obra produtos distintos daqueles inicialmente acordados; do por si alegado sustenta ser lícito recusar o pagamento em falta [recusar a sua prestação] até que sejam a final eliminados os defeitos por si invocados, termos em que concluiu, assim, pela improcedência da acção.

De referir que o Réu deduziu ainda pedido reconvencional, indeferido pelo despacho prolatado a fls. 37, oportunamente transitado em julgado.

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Findos os articulados foi designada data para realização da audiência de julgamento, mantendo-se válida e regular a instância.

A audiência de julgamento teve lugar com observância do legal formalismo, como aliás se alcança da respectiva acta.

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Na sentença, considerou-se, em suma, que em relação ao contrato de empreitada em causa na situação vertente, que o fornecimento e montagem teve oportunamente lugar, no final do qual foram emitidas pela Autora, entre outras, as facturas ajuizadas e que se é certo que o Réu havia entretanto reclamado junto da Autora a existência de defeitos nos produtos e trabalhos efectuados, sucedia que face ao concreto factualismo apurado, não lhe assistia razão para que recusasse a sua contraprestação à Autora, na medida em que fora aquele a determinar a efectivação dos trabalhos que agora reclama, termos em que se concluiu por afirmar a total improcedência da tese sustentada pelo Réu, face ao que se julgou a acção procedente, por provada, com a condenação do Réu a pagar a quantia de € 6.028,16, acrescida de juros moratórios à taxa legal até integral e efectivo pagamento.

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Inconformado, apresentou o Réu recurso de apelação contra a mesma, cuja alegação finaliza com as seguintes conclusões:

1. É ilegal a decisão recorrida, mormente quanto à demonstração dos factos constantes dos pontos 8, 10, 11, 12 e 13, que assenta em prova obtida através de meio não admitido.

2. Efectivamente, o Tribunal a quo teve como “rainha das provas” o depoimento de parte da A., que serviu para “provar” todos os factos que lhe são favoráveis, designadamente os constantes dos pontos 8, 10, 11, 12 e 13.

3. O uso do depoimento de parte que não tenha por objectivo o reconhecimento e qualquer facto desfavorável ou cujo ónus da prova recaia sobre a parte contrária traduz-se num uso indevido desse meio de prova, por falta de correspondência funcional e teleológica entre o meio processual e o objecto do meio de prova fixado na lei.

4. Da audiência de discussão e julgamento, e a propósito, demonstrado ficou apenas que “as máquinas de aspiração aplicadas não são da marca “Sachs” acordada entre Autora e Ré”.

5. Nos autos, não está demonstrada a gama das máquinas fornecidas, e muito menos por comparação com as contratadas. Sobre as “características”, “qualidade” ou “potência” das mesmas, nada se provou.

6. É nula a decisão do Tribunal a quo, que decide contra os factos provados e sem qualquer base de sustentação real, como evidencia a fundamentação: “No que concerne à aplicação de máquinas de marca distinta da acordada efectivamente assim sucedeu mas que dai não derivou prejuízo algum para o Réu posto que as máquinas aplicadas têm características idênticas às “Sachs” contratadas seja no que concerne à sua qualidade seja à potência que disponibilizam”.

7. Tendo sido contratada uma máquina de determinada marca, o fornecimento de uma máquina de outra marca não satisfaz. Não cumpre. É que, se alguém contrata a compra de um Mercedes, a entrega de um BMW não cumpre.

8. O Tribunal a quo extravasa abundantemente os factos provados nos autos, presumindo, assumindo e conjecturando uma realidade que nada tem que ver com a que está sub judice, fazendo errada apreciação da matéria de facto.

9. O facto provado em 10. é incompreensível. Não pretendesse o Réu “a colocação em funcionamento do sistema de aspiração central”, e não teria contratado com a Autora a prestação desse serviço. É inadmissível que essa legítima e contratualmente estipulada pretensão do Réu justifique, para o Tribunal a quo, um procedimento defeituoso da Autora, que laborou em violação do que sabe “dever ser” à luz das regras próprias da actividade que exerce, colocando um fio eléctrico no interior de um tubo.

10. Não existe prova validamente produzida que demonstre o facto 10., assente em “testemunho” de parte. Porém, ainda que tivesse sido provada a matéria ali vertida, tal não afastaria a responsabilidade da Autora que violou as leges artis da actividade que exerce.

11. Os contratos devem ser escrupulosamente cumpridos, “ponto por ponto”, conforme decorre do princípio pacta sunt servanda, entre nós consagrado no artigo 406.º do Código Civil, que define a inviolabilidade dos contratos.

12. O contrato celebrado entre as partes e em discussão nos autos, à semelhança dos demais contratos, está sujeito aos princípios gerais que presidem ao cumprimento das obrigações que postulam o seu cumprimento pontual, só podendo modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos previstos por lei.

13. A A. não cumpriu o contrato nos termos a que se obrigou, designadamente porque não forneceu as máquinas de aspiração contratadas.

14. Assim, não tendo a A. cumprido a prestação que lhe cabia, tem o Réu a faculdade de recusar a sua prestação, nos termos previstos no art. 428.º do Código Civil.

15. Ao decidir em sentido contrário ao postulado nos supra citados preceitos normativos, o Tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação da lei.

---- Termos em que, concedendo provimento ao recurso, Vossas Excelências farão Justiça.

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Apresentou a Autora as suas contra-alegações a fls. 95, nas quais formula as seguintes conclusões :

1. O n.º 2 do art. 552.º CPC obsta a que o depoimento de parte recaia sobre factos não discriminados no requerimento probatório, mas não impede que sobre tais factos sejam prestados esclarecimentos que transcendam o texto do articulado.

2. O princípio da livre apreciação da prova, no âmbito do qual actuou o tribunal a quo ao qualificar um depoimento como “extremamente útil” e outro como “conveniente”, não ser poder subvertido para conveniência do Recorrente.

3. Encontra-se actualmente ultrapassada a concepção de que o depoimento de parte se destina exclusivamente à obtenção da confissão, podendo o julgador apreciar livremente o depoimento de parte não confessório.

4. Cumpre lembrar que para a formação da convicção do tribunal a quo contribuíram o depoimento de parte, prestado pelo representante legal da Recorrida, e os depoimentos das testemunhas, carecendo de fundamento a alegação do Recorrente de que a sua condenação se baseou num meio de prova não permitido.

5. A convicção do tribunal a quo de que a instalação de máquinas de aspiração de marca diversa da inicialmente acordada, isto é, da “Sachs”, não causou prejuízo ao Recorrente baseou-se na prova produzida durante a audiência de discussão e julgamento.

6. Tanto o legal representante da Recorrida, como as testemunhas por estas apresentadas, se pronunciaram acerca da qualidade e potência das máquinas de aspiração aplicadas, pelo que não se encontram preenchidos os requisitos da nulidade previsto na alínea d) do art. 668.º CPC.

7. Não aceita a Recorrida que, resultando a desconformidade entre os trabalhos executados e os termos do contrato das modificações exigidas e dos entraves levantados pelo Recorrente, lhe seja assacada qualquer responsabilidade.

8. Atentos os factos provados nos pontos 8, 10, 11 e 13 da douta sentença, ficou claro que a Recorrida agiu em conformidade com as regras próprias da actividade.

9. Seguindo a linha de pensamento do Recorrente, deveria a Recorrida, para cumprir pontualmente o contrato, ter ignorado as directivas que lhe foram dadas, retirado os móveis e a betonilha colocando, respectivamente, na cozinha e numa das casas de banho. Esta interpretação transcende os deveres do empreiteiro, resultem estes da lei, do princípio geral da boa fé ou das leges artis.

10. O princípio da boa fé contratual gera obrigações para ambos os contraentes, não sendo lícito ao Recorrente invocar que a prestação, efectuada segundo as suas indicações, é defeituosa apenas porque não quer pagar o preço.

---- Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, com base em todo o supra alegado, confirmando-se a douta Decisão a quo, assim se fazendo JUSTIÇA.

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De referir que quanto à arguição de nulidade da sentença, o Exmo. Juiz que prolatou a mesma, indeferiu a sua verificação (cf. fls.105).

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            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 684º, nº3 e 685º-A, nºs 1 e 3, ambos do C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no art. 3º, nº3 do C.P.Civil:

- erro da decisão sobre a matéria de facto quanto aos pontos 8), 10), 11), 12) e 13) da matéria dada como provada, designadamente por ter sido considerado para tanto um meio de prova ilegal/não permitido (depoimento de parte do legal representante da Autora, relativamente a factos favoráveis à sua representada);

- nulidade da sentença por violação do disposto na al. d) do art. 668º do C.P.Civil;

- incumprimento do contrato pela Autora;

- excepção de não cumprimento do contrato (enquanto fundamento para o não pagamento do preço pelo Réu).

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3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1 – Como ponto de partida, e tendo em vista o conhecimento dos factos, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado/fixado pelo tribunal a quo, obviamente sem olvidar que tal enunciação terá um carácter “provisório”, na medida em que o recurso tem em vista a alteração parcial dessa factualidade.  

            São então os seguintes os factos que se consideraram provados na 1ª instância:

1 - A Autora, no exercício da sua actividade comercial, a solicitação do requerido forneceu bens e prestou serviços a este que os recebeu e não devolveu.

2 - Foram emitidas as facturas n.º 20102320, com data de 10-12-2010, no montante de €201,97; n.º 1575/2011, emitida em 08.09.2011 no montante de €1.230,00 e n.º 1711/2011 emitida em 03.10.2011 no montante de €4.489,50, importando em €5.921,47 o montante global referente a tais facturas.

3 - Fornecidos os bens o Réu foi interpelado para liquidar a quantia em divida.

4 - O requerido não procedeu ao pagamento do montante em divida aludida em “2”.

5 - No âmbito do acordo celebrado a Autora forneceu igualmente ao Requerido os produtos e prestou os serviços titulados pelas facturas n.º 2352, no montante de €4.416,50; n.º 2775, no montante de €3.600,00 e n.º 20202117 no montante de €3.630,00.

6 - O pagamento dos montantes titulados pelas facturas aludidas em “5” ocorreu no dia de emissão das mesmas.

7 - O requerido reclamou junto da Autora e reportou a esta a existência de defeitos nos serviços por esta prestados, designadamente referiu ter ocorrido a aplicação de termostatos analógicos, ao invés de termóstatos digitais; terem sido aplicadas máquinas de aspiração na cave de outra marca que não as acordadas “Sachs”; da existência de fios eléctricos no interior do tubo de aspiração; da deficiente aplicação de piso radiante; da troca de máquinas das garagens com os apartamentos a que deveriam corresponder; da falta de colocação de piso radiante na casa de banho do lote 2; da falta de colocação de aspiração na cozinha do lote 1; da falta de fixação do arco do termóstato do T2 do lote 3; da falta de funcionamento de alguns termóstatos e do facto de alguns aros de termóstatos estarem soltos e a cair.

8 - Os termóstatos analógicos aplicados foram os encomendados pelo Réu que os escolheu por serem mais baratos.

9 - As máquinas de aspiração aplicadas não são da marca “Sachs” acordada entre Autora e Ré.

10 - O fio eléctrico colocado no interior do tubo foi ali colocado a pedido do Réu que pretendia a colocação em funcionamento do sistema de aspiração central.

11 - O piso radiante na cozinha foi aplicado em função da presença de móveis que impediam a passagem de fios por debaixo deles.

12 - A Autora forneceu gratuitamente duas máquinas de aspiração para minorar a troca ocorrida nas garagens sendo todavia alheia a tal troca.

13 - Numa das casas de banho não foi aplicado piso radiante porque o Réu determinou a colocação de betonilha que impediu que a Autora o aplicasse.

14 - Alguns dos termóstatos aplicados poderão apresentar defeitos de funcionamento.

                                                                       *

3.2 – O Réu/Recorrente começa por sustentar ter havido erro da decisão sobre a matéria de facto quanto aos pontos 8), 10), 11), 12) e 13) da matéria dada como provada, designadamente por ter sido considerado para tanto um meio de prova ilegal/não permitido (depoimento de parte do legal representante da Autora, relativamente a factos favoráveis à sua representada):

Acontece que se bem confrontarmos o que ficou efectivamente consignado na sentença em termos de “motivação” dos factos dados como provados, desde logo se pode constatar que para além da relevância dada ao dito depoimento de parte (de (…)) se valorou igualmente os depoimentos das duas demais testemunhas da A., (…)[relativamente ao qual se disse que corroborou integralmente o depoimento do legal representante da A., sendo que  “(…) na qualidade de vendedor de sistemas de aspiração central se revelou extremamente útil no processo de formação da convicção do Tribunal. E assim se revelou pelo facto de ter desenvolvido na obra trabalhos vários denotando assim conhecimento pessoal e directo dos factos sobre os quais foi chamado a depor.(…)”] e (…) [relativamente ao qual se disse que “(…) foi comercial ao serviço da Autora, funções que já não desenvolve e acompanhou as negociações tidas entre Autora e Réu. Denotou menor conhecimento dos factos mas no essencial confirmou a versão dos factos apresentada pelo legal representante da Autora e pela antecedente testemunha.(…)”].

Mas mais importante que isso será decidir se efectivamente ocorreu erro de decisão neste particular, mormente em virtude da ilegal valoração de meio de prova (depoimento de parte), mais concretamente se foi ou não correcta a valoração desse depoimento “para prova de factos que tinha o ónus de provar e que lhe eram favoráveis”.

Ao assim pretender, esquece o Réu/Recorrente o verdadeiro e efectivo “recorte” dogmático do meio de prova que é o depoimento de parte e da sua operacionalização face ao conteúdo do que for dito pelo depoente no momento da sua prestação, designadamente face ao princípio jurídico da “indivisibilidade da confissão”, a que aludem os arts. 360º do C.Civil e 563º do C.P.Civil.

Senão vejamos.

Desde logo a confissão pode incidir tanto sobre factos alegados pela parte contrária, como sobre factos não alegados.[1]

Depois, quando à afirmação de que a parte só pode ser ouvida sobre factos que lhe sejam desfavoráveis, tal é até questionável.[2]

Mas mais importante que isso é a circunstância de que, quando a “declaração confessória” é acompanhada da narração de factos ou circunstâncias impeditivos, modificativos ou extintivos dos efeitos do facto confessado, isto é, quando ocorre uma declaração complexa de factos favoráveis e factos desfavoráveis, se impõe à parte que requereu a produção de tal meio de prova uma tomada de posição, sob pena de se operarem efeitos jurídico-processuais que lhe podem ser adversos.

Que foi o que ocorreu no caso vertente.

De facto, no aspecto que ora releva, o depoimento de parte em referência constituiu uma narração de factos e circunstâncias sob os apontados defeitos na obra executada/montagem dos equipamentos, através do qual o depoente deu a sua explicação para tudo o sucedido e qual a justificação para o que efectivamente reconhecia existir ou estava menos bem.

Perante tal, o Requerido/Réu não tomou qualquer posição processual.[3]

Ora, ao omitir qualquer declaração face ao depoimento de parte tal como produzido – designadamente “prescindindo” do mesmo ou reservando-se expressamente a contra-prova face aos “novos” factos e explicações circunstanciais dadas – impunha-se ao Réu/Recorrente “estabelecer a prova do contrário”, no quadro do disposto no art. 347º do C.Civil, sob pena de tais (novos) factos ou circunstâncias, que lhe eram desfavoráveis, ficarem plenamente provadas.[4]

Será que se deve entender que o Réu/Recorrente o fez com a sua prova testemunhal?

O Réu/Recorrente apenas invoca a testemunha (…).

Ora, quanto a esta, verdadeiramente apenas se insurge quanto à sua “desvalorização” pelo Exmo. Juiz a quo, em termos do seu grau de “credibilidade”[5], sem alegar nem sustentar minimamente com base em que concretos segmentos ou pontos do depoimento deste se podia ou devia ter formado convicção de sinal contrário à consignada na sentença recorrida, o que constitui um frontal desrespeito do ónus que se lhe impunha (cf. art. 685º-B, nº 1, al.b) e 2 do C.P.Civil); em todo o caso, confrontando a “razão de ciência” apresentada por esta testemunha, não pode deixar de se constatar que se ele invocou ter “acompanhado” a obra, já não afirmou ter estado presente nos momentos e actos de decisão, nomeadamente quanto às escolhas dos equipamentos e “discussão” dos preços/orçamentos por parte do dono de obra (seu pai), nem ter presenciado as opções do dono de obra perante a Autora face aos problemas surgidos na execução, donde um testemunho “indirecto” na sua maior parte…   

Também o Requerido/Réu nem sequer reclamou da “assentada” feita e que se encontra consignada na acta da audiência (cf. fls. 46-47), pelo confronto da qual se pode constatar a directa “fonte” que tal constituiu para o que se consignou sob os ora questionados factos 8), 10), 11), 12) e 13).

Sendo certo que aí se detectam “factos instrumentais” em relação ao que estava alegado nos autos, mas tal válida e legitimamente podia ser feito (cf. art. 264º, nº2 do C.P.Civil).[6]   

Assim, bem andou o tribunal a quo em valorar relevantemente tal meio de prova e nos precisos termos em que o fez[7], tanto que mais que para formar a sua convicção valorou crítica e conjugadamente a restante prova testemunhal produzida pela Autora (as testemunhas (…)).

Sem embargo do vindo de dizer, não deixamos de detectar algumas incorrecções de redacção em três dos pontos de facto (pontos de facto 10. 12. e 14.), que se traduzem, quanto ao 1º deles, em ser deficiente (obscura/imprecisa), quanto ao segundo deles, em contemplar juízo conclusivo ou de facto, acrescendo mostrar-se excessivo o “esclarecimento” feito, já que não autorizado, lógica e racionalmente, pela “motivação” apresentada, e quanto ao terceiro deles, por apresentar um juízo hipotético, o que tudo se encontra em violação das boas regras de direito.

Assim, porque todos os elementos convocados pelo tribunal a quo constam do processo, mormente o registo áudio dos depoimentos, e na medida em que se entende que da sua conjugação e devida ponderação se impõe a revaloração correspondente, para além da clarificação do sentido das respostas (cf. art. 712º, nº1, als. a) e b) e nº2 do C.P.Civil), entende-se corrigir a resposta dada sob os ditos pontos de facto 10., 12. e 14., os quais passarão a ter o seguinte teor:

“10 - O fio eléctrico colocado no interior do tubo foi ali colocado como solução de recurso face a vandalização por terceiros, mediante prévio conhecimento do Réu, que não abdicou da colocação em funcionamento do sistema de aspiração central sem custos acrescidos para si.”;

“12 – Ocorreu uma troca de máquinas das garagens com os apartamentos, que é decorrente da opção do Réu na finalização da obra e composição das fracções para venda”;

“14 - Alguns dos termóstatos aplicados apresentam defeitos de funcionamento.”.
                                                           *

3.3 – O Réu/Recorrente pugna, na sequência, pela verificação da nulidade da sentença por violação do disposto na al. d) do art. 668º do C.P.Civil:

            Neste ponto entendemos que o faz de forma não suficientemente fundamentada, sendo, em qualquer caso, em termos que não permitem dar-lhe acolhimento.

Senão vejamos.

Segundo o dito artigo 668º, nº1, al.d), é nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento".

            Estando em causa nesta sede quer o vício designado por “omissão de pronúncia”, quer o do “excesso de pronúncia”, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no nº 2 do artº 660 do C.P.Civil, que é, por um lado, o de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas em que a lei lhe permite delas conhecer oficiosamente).

Ora, como se infere do que já deixámos referido, o “excesso de pronúncia” pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes.

Por outras palavras, haverá “excesso de pronúncia”, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido[8].

Por outro lado, se bem percebemos o suscitado pelo Réu/Recorrente neste particular, questiona ele verdadeiramente a “justificação” dada no enquadramento jurídico da sentença para o ocorrido quanto ao fornecimento de uma diversa marca das máquinas de aspiração (não foi as da marca “Sachs” contratada entre as partes)!

Acontece que o que se detecta como tendo ocorrido na sentença, foi o perfilhar de um certo enquadramento de direito, designadamente com recurso a factos e argumentos não autorizados ou suportados no conspecto factual dado como assente/apurado, mas isso não configura claramente a nulidade a que se reporta este dispositivo.

Explicitando: o que foi citado em termos de fundamentação jurídica pelo tribunal a quo, poderá significar um alegado erro de julgamento (de direito) sobre a questão sub judice, mas não um vício estrutural da sentença, que tivesse virtualidades para conduzir à nulidade da mesma.

Ora, perante esta explicitação do conceito e sentido da nulidade em apreciação, não vislumbramos de todo – a não ser por manifesto lapso ou deficiente compreensão dos conceitos legais – como é que se pode invocar e sustentar que a sentença incorreu no referenciado vício, na medida em que, nomeadamente, a mesma conheceu, sem excesso ou omissão, das questões devidas.

Termos em que improcede também esta via de argumentação aduzida pelo Réu/Recorrente como fundamento para a procedência do recurso.

                                                           *

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1– Cumpre agora entrar na apreciação da questão seguinte supra enunciada, esta já directamente reportada ao mérito da sentença, na vertente da fundamentação de direito da mesma, a saber, ter havido incumprimento do contrato pela Autora:

Compulsando as alegações recursórias, conseguimos nelas percepcionar que o incumprimento se verifica neste particular com referência a duas temáticas: execução da obra com violação das “legis artis” pela Autora (em correlação com os “defeitos” da obra que invoca) e não fornecimento dos termóstatos digitais (programados) e das máquinas de aspiração “Sachs” tal com em relação a ambos contratado.

Cremos que a solução para ambas estas sub-questões passa pela prévia definição do regime jurídico aplicável ao caso sub judice, pelo que o passo seguinte deste acórdão vai ocupar-se de tal.

Parece-nos inquestionável que no caso vertente está em causa um contrato de  empreitada de bens móveis, a executar pela A. para o R., sendo que a prestação daquela tinha como objecto o fornecimento de bens com trabalhos de instalação.

Contudo em nosso entender não lhe é aplicável o regime jurídico da “empreitada de consumo” como podia ser liminarmente equacionado.

Muito sumariamente pode-se definir a “empreitada de consumo” como aquela que é estabelecida entre alguém que destina a obra encomendada a um uso não profissional e outrem que exerce com carácter profissional uma determinada actividade económica, a qual abrange a realização da obra em causa mediante remuneração (cf. art. 2º, nº1 da Lei nº 24/96 e 1º, nº1 do DL nº 67/2003 de 8 de Abril).

Tendo em conta que o regime “protectivo” do legislador tem na sua base uma relação contratual subjectivamente desiquilibrada, bem se percebe que “(…) fora do campo de aplicação do regime da empreitada de consumo ficam os contratos celebrados entre o empreiteiro profissional e o dono da obra profissional, entre o empreiteiro não-profissional e o dono da obra não-profissional e entre o empreiteiro não-profissional e o dono da obra profissional.[9]

Por outro lado, também é pacificamente entendido que afastada está a possibilidade de o “consumidor” ser uma pessoa colectiva[10], acrescendo que, mesmo em relação à “pessoa singular”, não deve, ela ser considerada “consumidora” se “tiver experiência técnica e negocial na área em que se situa o contrato de empreitada por si celebrado como o dono de obra, o que sucederá, se ela exercer ou tiver exercido recentemente a mesma actividade económica que a sua contraparte”.[11]

Reconhecemos toda a pertinência a estes doutos ensinamentos e é precisamente à sua luz e dando-lhes acolhimento que ao caso vertente entendemos não ser aplicável o dito regime da “empreitada de consumo” (matricialmente constante do citado DL nº 67/2003 de 8 de Abril), pois que resulta inequivocamente dos autos ser o Réu um empresário da construção civil, sendo certo que não corresponde à satisfação de uma necessidade pessoal ou familiar, aquele que obtém ou utiliza bens e serviços para satisfação das necessidades da sua profissão ou empresa.[12]

Assim sendo, será aplicável ao caso vertente o regime comum e normal do Código Civil, o que acaba por nem ter consequências de grande monta, na medida em que não está em causa nos autos o uso dos meios edilícios[13] pelo Réu/dono de obra face aos “defeitos” invocados como existentes.[14]

Vejamos então da primeira temática supra enunciada, a saber, da execução da obra com violação das “legis artis” pela Autora (em correlação com os “defeitos” da obra invocados pelo Réu/dono de obra).

Para tanto, comecemos por enunciar o que resulta efectivamente da factualidade apurada/provada relevante para este efeito:

 “10 - O fio eléctrico colocado no interior do tubo foi ali colocado como solução de recurso face a vandalização por terceiros, mediante prévio conhecimento do Réu, que não abdicou da colocação em funcionamento do sistema de aspiração central sem custos acrescidos para si.”

“11 - O piso radiante na cozinha foi aplicado em função da presença de móveis que impediam a passagem de fios por debaixo deles.”

“12 - Ocorreu uma troca de máquinas das garagens com os apartamentos, que é decorrente da opção do Réu na finalização da obra e composição das fracções para venda.”

“13 - Numa das casas de banho não foi aplicado piso radiante porque o Réu determinou a colocação de betonilha que impediu que a Autora o aplicasse.”

“14 - Alguns dos termóstatos aplicados poderão apresentar defeitos de funcionamento.”

“Quid iuris”?

É certo que, como princípio geral, a responsabilidade contratual pressupõe a “culpa”, daí que a responsabilidade contratual do empreiteiro também exige um nexo de imputação da existência do defeito a um comportamento censurável deste, sem prejuízo de essa culpa se presumir – como, aliás, sucede nos casos de responsabilidade contratual por cumprimento defeituoso (cf. art. 799º, nº1 do C.Civil) – sendo certo que o estabelecimento desta presunção resulta do facto de, sendo a culpa, segundo as regras da experiência, normalmente inerente ao incumprimento contratual, deve competir ao devedor (leia-se, ao “empreiteiro”) provar a verificação da situação anormal de ausência de culpa.

Em decorrência deste funcionamento das coisas, bastará, em geral, ao dono da obra provar a existência do defeito, presumindo-se a culpa do empreiteiro, o qual para a sua responsabilidade terá então que demonstrar que o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua.

Obviamente que para esse efeito não lhe bastará provar que agiu diligentemente, antes tendo o empreiteiro que provar a causa do defeito, a qual lhe deve ser completamente estranha, sendo que as causas do incumprimento das obrigações susceptíveis de afastar a responsabilidade do devedor, ou se situam num comportamento de outrem (que pode ser o próprio credor, como quando, v.g., o defeito tem origem no projecto, previsões, estudos ou materiais relativos à obra a executar, fornecidos pelo dono da obra, ou em instruções dadas por este ou por pessoas por si mandatadas para o efeito), ou em factor de ordem natural (que impossibilite o devedor de cumprir a sua prestação sem defeitos).

Particularmente quanto ao primeiro núcleo de situações, a doutrina tem apontado como ficando excluída a responsabilidade do empreiteiro se este detectou o erro de concepção e informou o dono da obra das consequências nefastas da execução desta segundo o projecto, ou com os materiais fornecidos pelo dono da obra, ou de acordo com as suas instruções, tendo o dono da obra insistido pela realização da construção encomendada; o que igualmente pode suceder se o defeito em imóvel resultar de anomalia do terreno pertencente ao dono da obra onde aquele foi implantado, quando o empreiteiro detectou o vício do solo, e o dono da obra insistiu pela realização da construção nos termos projectados, apesar de alertado pelo empreiteiro para as consequências dessa edificação naquele terreno.[15]      

Por outro lado, importa não olvidar que no caso de empreitada relativa a coisa imóvel – como sucede no caso vertente – sendo o solo ou a superfície pertença do dono da obra, esta é sempre sua propriedade, mesmo que o empreiteiro forneça os materiais, considerando-se que estes se consideram adquiridos por aquele à medida que vão sendo incorporados na construção, pelo que o empreiteiro estará isento de qualquer responsabilidade relativamente aos defeitos causados por evento não imputável a qualquer das partes, correndo o risco por conta do dono da obra.[16]

Finalmente, também é de sustentar a exclusão da culpa do empreiteiro pelos defeitos na obra em caso de normalidade no tipo de construções em que ocorrem (atento o estado actual da evolução da técnica de realização das mesmas e a inevitabilidade do defeito face ao grau de perícia que se podia exigir do empreiteiro), sendo particularmente de considerar que se o “defeito”, apesar de ser tecnicamente evitável na época, ocorre normalmente naquele tipo de obras (atenta a técnica usualmente utilizada), no caso de se pode sustentar que a ocorrência do defeito foi tácita ou expressamente prevista no contrato de empreitada, ou em acordo posterior complementar, então a culpa do empreiteiro estará excluída, uma vez que se trata de situação idêntica ao cumprimento de projecto do dono da obra, após informação dos seus resultados perniciosos.[17]    

Face a este conspecto normativo-interpretativo, e revertendo ao caso vertente, temos então desde logo que competia ao Réu/dono da obra provar a existência dos “defeitos”.

Ora, mesmo admitindo só por necessidade de raciocínio que o fez em relação a todas as situações materiais descritas nos ditos factos 10), 11), 12), 13) e 14), importa agora então decidir se a A./empreiteira logrou afastar a sua culpa no sucedido (que se presumia).

É precisamente isso que cremos poder afirmar-se neste caso, com uma pequena excepção, que é precisamente a última das situações em referência.

Na verdade, quanto à situação do fio eléctrico colocado no interior do tubo de aspiração, temos que é manifestamente um caso em que os riscos da vandalização por terceiros corriam por conta do Réu/dono de obra, pelo que se este não quis suportar os custos acrescidos que a sua resolução implicava, apesar de não ter podido deixar de se aperceber dos efeitos perniciosos que a solução de recurso que veio a ser implementada implicava, nela insistindo com a sua posição de princípio irredutível, com tal ficou excluída a culpa da A./empreiteira, pois que aquele tacitamente conheceu e assentiu que o defeito normalmente sobreviria[18] ; quanto ao modo de colocação do piso radiante na cozinha, temos que também é um caso de exclusão da culpa da A./empreiteira, que se limitou a seguir os projectos do Réu/dono de obra, sendo um “defeito” que ocorre normalmente naquele tipo de obras (atenta a técnica usualmente utilizada), estando a  ocorrência do defeito tácita ou expressamente prevista no próprio contrato de empreitada; no que à troca de máquinas das garagens com os apartamentos, também aí se pode e deve concluir que teve origem em acto do próprio Réu/dono de obra, a que a A./empreiteira se tem que considerar completamente alheia/estranha; idem se diga, e com a mesma ordem de razões por último alinhada, quanto à situação da não colocação numa das casas de banho de piso radiante.

Resta-nos assim a situação dos termóstatos aplicados apresentarem defeitos de funcionamento: efectivamente, nesta parte, a A./empreiteira não logrou afastar a sua culpa no sucedido, mas reservamos a apreciação da relevância desta situação e suas eventuais consequências, por uma questão metodológica, e de economia processual na apreciação conjunta das questões, para quando infra apreciarmos a matéria da excepção de não cumprimento do contrato (enquanto fundamento para o não pagamento do preço pelo Réu/dono da obra).        

                                                           *

Prosseguindo nesta parte, vejamos agora da dilucidação da temática da “não conformidade”, obviamente face ao que resulta efectivamente com relevância da factualidade apurada/provada, a saber:

“8 - Os termóstatos analógicos aplicados foram os encomendados pelo Réu que os escolheu por serem mais baratos.”

“9 - As máquinas de aspiração aplicadas não são da marca “Sachs” acordada entre Autora e Ré.”

            Nesta parte importa ter presente que, como princípio, o empreiteiro não pode efectuar alterações ao projecto da obra integrante do contrato de empreitada, sem, o acordo do seu dono (cf. art. 1214º, nº1 do C.Civil), sendo que se o fizer, a obra é considerada defeituosa (nº 2 do mesmo normativo).

            Ora, quanto à situação dos termóstatos analógicos, temos que tendo havido acordo do Réu/dono da obra nessa concreta opção de fornecimento, não vemos como se posa dar acolhimento a qualquer reclamação que agora apresenta.

            Já quanto à situação das máquinas de aspiração aplicadas não serem da marca “Sachs” acordada entre as partes, ocorreu efectivamente uma “desconformidade” na execução da empreitada, determinante da sua qualificação como “defeituosa”, isso mesmo que essa alteração tivesse eventualmente valorizado a obra.[19]

            Acontece que sendo então legítimo nessa parte ao Réu/dono da obra utilizar alguns dos direitos que a lei lhe confere (vg., recusa da obra, eliminação do defeito, resolução do contrato e indemnização, consoante os casos), não estava obviamente o mesmo dispensado do “ónus da prova da diminuição do valor da obra, provocada pela existência de defeitos e da impossibilidade ou desproporcionalidade da sua eliminação e repetição da prestação, ou do incumprimento definitivo das obras de reparação ou nova construção (art.º 342.º, n.º1 do C.C.)”.[20]

            Ora, subsistindo validamente esta via de defesa do Réu/dono da obra sob a veste de “excepção”, acontece que o mesmo nem alegou – nem muito menos provou – esta referenciada diminuição do valor da obra por via da troca na marca das máquinas de aspiração fornecidas.

            Soçobra assim também o sustentado nesta via recursória pelo Réu/Recorrente.

                                                                       *

            4.2– Cumpre então finalizar com a apreciação da questão da excepção de não cumprimento do contrato (enquanto fundamento para o não pagamento do preço pelo Réu/dono da obra):     

            Resulta da exposição até agora feita que apenas se reconheceu razão ao Réu/dono da obra ora Recorrente quanto ao aspecto dos termóstatos aplicados apresentarem defeitos de funcionamento.

 Será então que é de dar procedência, ainda que só fundamentada nessa parte, à “excepção de não cumprimento do contrato” que pelo mesmo foi oportunamente invocada?

Como posição de princípio, face ao incumprimento da A./empreiteira, mormente de não reparação do defeito que os termóstatos apresentam, assistiria ao Réu/dono da obra o direito de não efectuar o pagamento do parcial remanescente do preço contratado.

Obviamente tendo presente que “a exceptio só pode ser oposta após o dono da obra ter denunciado os defeitos e manifestado a sua opção pelo direito que pretende exercer, salvo o direito de resolução, cujos efeitos não são compatíveis com aquele meio de dilação de pagamento.[21]

Ora, não pode deixar de se entender que na situação ajuizada o Réu/dono da obra, denunciou oportunamente este defeito em causa (cf. facto 7.)

Assim, a invocação da dita “exceptio” parece efectivamente colher plena actualidade e pertinência.[22]

Por ser a solução que melhor realiza e concretiza a ideia de sinalagma/nexo de interdependência que prende as obrigações de uma e outra parte – e que estava em causa no contrato bilateral ajuizado – o que com a “excepção de não cumprimento do contrato” o Réu/dono da obra pretendeu trazer à colação.

Acresce que na jurisprudência tem sido entendido que “A exceptio non adimpleti contractus vale tanto para a falta integral de cumprimento como para o cumprimento parcial ou defeituoso.[23]

Aresto onde igualmente se sustentou o que, com “data venia”, se vai passar a transcrever:

 “Nos termos do artigo 428.º, n.º 1, do Código Civil, «Se, nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo». Os pressupostos da excepção de não cumprimento do contrato são: a existência de um contrato bilateral, a não existência da obrigação de cumprimento prévio por parte do contraente que invoca a excepção, não cumprimento ou não oferecimento do cumprimento simultâneo da contraprestação; não contrariedade à boa fé.
Esta excepção é o meio de assegurar o respeito pelo princípio do cumprimento simultâneo das obrigações sinalagmáticas – (cf. Dr. José João Abrantes, A excepção de não cumprimento do contrato, 1986, págs. 39 e seguintes). Como se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Dezembro de 1984, onde se citam diversos elementos da doutrina, “A excepção de inadimplência «é um reflexo do sinalagma funcional», «um corolário da interdependência das obrigações sinalagmáticas». Correspondendo a «uma concretização do princípio da boa fé», «é um meio de compelir os contraentes ao cumprimento do contrato e de evitar resultados contraditórios com o equilíbrio ou equivalência das prestações que caracteriza o contrato bilateral». Apesar de a lei apenas prever a hipótese de não haver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, entende-se comummente que a excepção pode ser invocada ainda que haja vencimentos diferentes, por aquele dos contraentes cuja prestação deva ser feita depois da do outro; só não poderá opô-la o contraente que devia cumprir primeiro” – (cf. Bol. Min. da Justiça, n.º 342, págs. 355 e seguintes, nomeadamente, pág. 357).

Acontece que se detecta um decisivo óbice à procedência de uma tal via de tutela para a pretensão do Réu/dono da obra.

É ela a de que não é dispensável uma ideia de proporcionalidade no funcionamento deste instituto jurídico.

Com efeito, se necessário é para o funcionamento deste instituto que a obrigação de pagamento de preço não seja de vencimento anterior ao da entrega da obra (cf. art. 428º do C.Civil), também o é que a parte do preço cujo pagamento se recusa seja proporcional à desvalorização da obra provocada pela existência do defeito (requisito este exigido pelos ditames da boa-fé no cumprimento das obrigações – cf. art. 762º, nº2 do C.Civil).

Desta forma, será de admitir que nos casos em que o preço não tenha que ser integralmente pago em momento anterior ao da entrega da obra, o dono desta possa suspender o pagamento duma parte proporcional à desvalorização provocada pela existência de defeitos (enquanto estes não tenham sido eliminados, ou não tenha sido realizada nova obra, ou o dono da obra não tenha sido indemnizado dos prejuízos sofridos).

Como critério a ter em conta para a determinação de um tal proporcionalidade, já foi doutamente proposto que fosse tido como referência aquele que foi indicado para apurar o valor de redução do preço da obra, por defeitos não supridos.[24]

Não dispomos de uma tal possibilidade no caso vertente, por tal meio edilício não ter sido accionado…

O único elemento que validamente detectamos nos autos para este efeito é o que se extrai da “tabela” de preços dos termóstatos, junta validamente em audiência (cf. fls. 58 dos autos), pelo confronto da qual se pode constatar que um termóstato analógico como os ora ajuizados ascendia ao valor unitário de € 13,98.

No caso vertente nem sequer sabemos quantos desses termóstatos aplicados estão efectivamente com defeito de funcionamento, nem tão pouco se esse defeito de funcionamento é total ou parcial, nem se é intermitente/pontual ou permanente/definitivo.

Quid iuris”?

Parece-nos ser de sustentar que cabe à parte que pretende utilizar a exceptio perante o cumprimento defeituoso a demonstração de que os defeitos existentes tornam inadequada a prestação, em termos de justificarem o recurso à exceptio.[25]

O que implica desde logo que os defeitos não podem ter escassa importância.[26]

No conspecto fáctico apurado, não podem os defeitos em causa serem considerados como relevantes para o efeito de consubstanciarem um incumprimento defeituoso da prestação com gravidade bastante para justificar a recusa de cumprimento do preço.

Sendo que no caso vertente o juízo de proporcionalidade devia ser efectuado entre o preço reclamado e em falta (€ 5.921,47) e o proveito, para o dono da obra, que reveste a eliminação dos defeitos nos termóstatos, logo, se conclusão se pode retirar neste particular, é a de que existe efectivamente uma manifesta desproporção.

Acresce que no caso concreto o Réu/Recorrente não alegou – nem muito menos provou – que por causa dos termóstatos não esteja a funcionar o sistema do aquecimento por “piso radiante”, donde, não pode o que se reporta aos termóstatos ser considerado como relevante para o efeito de consubstanciar um incumprimento defeituoso da prestação, nem consequentemente para o efeito de ser invocado pelo Réu/Recorrente como recusa de cumprimento da sua prestação.[27]

Assim, como cabia ao Réu/dono da obra a prova de que os defeitos existentes justificam a exceptio, nada tendo alegado nem provado nesse sentido, não tem o mesmo motivos nesse particular para recusar a sua prestação com base na excepção de não cumprimento do contrato.

                                                                       *

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I – A confissão pode incidir tanto sobre factos alegados pela parte contrária, como sobre factos não alegados.

II – Quando a “declaração confessória” é acompanhada da narração de factos ou circunstâncias impeditivos, modificativos ou extintivos dos efeitos do facto confessado, isto é, quando ocorre uma declaração complexa de factos favoráveis e factos desfavoráveis, à luz do disposto no art. 360º do C.Civil impõe-se à parte que requereu a produção de tal meio de prova uma tomada de posição, sob pena de se operarem efeitos jurídico-processuais que lhe podem ser adversos.

III – O que engloba os “factos instrumentais” que validamente podem e devem ser considerados (cf. art. 264º, nº2 do C.P.Civil).

IV – Para que a excepção de não cumprimento do contrato (cf. art. 428º do C.Civil) possa ser invocada, necessário é que a parte do preço, cujo pagamento se recusa, seja proporcional à desvalorização provocada pela existência do defeito, conforme o exigem os ditames da boa fé no cumprimento das obrigações.

V – Cabe à parte que pretende utilizar a exceptio perante o cumprimento defeituoso, aqui o dono da obra, a demonstração que os defeitos existentes, pela sua relevância, tornam inadequada a prestação, em termos de justificarem o recurso à exceptio.

                                                                       *

6 - DISPOSITIVO

            Pelo exposto, decide-se julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença impugnada, ainda que com base em diversos fundamentos.

Custas do recurso pelo Réu/recorrente.

                                                                       *

Luís Filipe Cravo ( Relator )

Maria José Guerra

Albertina Pedroso


[1] Cf. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, in “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4ª ed.,a  págs. 313.
[2] Na doutrina, veja-se sobre tal LEBRE DE FREITAS, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª ed. Coimbra Editora, 2008, respectiva nota [5.], a págs. 506-507.
[3] Aliás nem quis qualquer “esclarecimento” no quadro do previsto no art. 562º, nº1 do C.P.Civil.  
[4] Assim LEBRE DE FREITAS, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª ed. Coimbra Editora, 2008, respectiva nota [2.], a págs. 516.
[5] Na sentença recorrida foi neste particular aduzido que sendo o mesmo filho do Réu/Recorrente, havia ele feito um depoimento “conveniente”.
[6] Também neste sentido LEBRE DE FREITAS, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 2ª ed. Coimbra Editora, 2008, respectiva nota [4.], a págs. 507.
[7] O depoimento de parte em referência foi qualificado na sentença recorrida como “extremamente esclarecedor”.
[8] Na doutrina, veja-se ALBERTO DOS REIS, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, pág. 49 e ss”; ANTUNES VARELA, in “Manual de Processo Civil”, págs. 672/673; ANSELMO DE CASTRO, in “Direito Processual Civil Declaratório”, Vol. III, pág. 143 e LEBRE DE FREITAS, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, pág. 670; na jurisprudência, inter alía, o Ac. do T.R.Coimbra de 30-11-2010, proc. nº 2345/09.5TBFIG.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc.
[9] Citámos J. CURA MARIANO, in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 2ª Edição, Livª Almedina, Novº 2005, a págs. 209).
[10] cf., neste sentido, João CALVÃO DA SILVA, in “Compra e Venda de coisas Defeituosas -  conformidade e Segurança”, 5ª ed. Livª Almedina, Combra, 2005, a pags. 122).
[11] cf. o já citado J. CURA MARIANO, in obra citada, a págs. 211, em cuja nota [457] referencia expressamente o “caso do empresário da construção civil que, como dono da obra, celebra contrato de empreitada com terceiro, seu colega de profissão, tendo como objecto a construção duma casa de férias para si em local distante da sua área de actividade”.
[12] Neste sentido, veja-se o Ac. do S.T.J. de 11/03/2003, no Procº nº 02A4341, consultável in www.dgsi.pt.
[13] E não o está, desde logo, porquanto a reconvenção deduzida pelo Réu/dono de obra tendo em vista a reparação/eliminação dos invocados defeitos não ter sido admitida, por razões meramente processuais – estar-se no âmbito de uma acção especial destinada ao cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, “ex vi” do DL nº 269/98 de 1 de Setembro (cf. fls. 37).

[14] Estávamos desde logo a reportar-nos ao facto de que enquanto no âmbito do DL nº 67/2003 os direitos do dono de obra consumidor são independentes uns dos outros, estando a sua utilização apenas restringida pelo dever de serem respeitados os princípios da boa fé, dos bons costumes e a finalidade económico-social do direito escolhido (respectivo nº5 do art. 4º), isto é, em princípio (apenas com os limites impostos pela proibição geral do abuso do direito – art. 334º do C.Civil) perante a existência de faltas de conformidade na obra realizada, o dono desta pode exercer livremente qualquer dos direitos conferidos pelo art. 4º, nº1 do mesmo DL nº 67/2003, no regime do C.Civil vigoram regras rígidas que estabelecem várias relações de precedência e subsidiariedades entre aqueles direitos que condicionam severamente o seu exercício: na verdade, face ao regime civilístico, em caso de “defeito”, o primeiro direito que assiste ao dono de obra é o da sua eliminação (art. 1221º, nº1, 1ª parte do C.Civil), sendo este o direito principal/preferencial, o “direito-regra”.
[15] Seguimos de perto nesta exposição J. CURA MARIANO, in obra citada, a págs. 72-86, cumprindo ainda destacar, no mesmo sentido, os arestos citados na respectiva nota [133], a págs. 78-79.
[16] Assim o mesmo J. CURA MARIANO, in obra citada, a págs. 82, sob item c).
[17] Também neste sentido se pronuncia o já referido J. CURA MARIANO, in obra citada, a págs. 84-85.
[18] Sendo certo que o Réu/dono da obra não sustentou, nem muito menos provou, que não previu a verificação de um tal defeito (veja-se quanto a este ponto o mesmo J. CURA MARIANO, in obra citada, a págs. 84-85, na nota [146].
[19] Assim o antes referido J. CURA MARIANO, in obra citada, a págs. 69.
[20] Citámos o mesmo J. CURA MARIANO, in obra citada, a págs.125. 
[21] cf. novamente o referenciado J. Cura Mariano, in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, mesma obra citada, a pags. 169.

[22] Com efeito, é entendimento pacífico, quer a nível doutrinal, quer a nível jurisprudencial, que a exceptio non rite adimpleti contractus só pode ser exercida pelo dono da obra se este tiver já, junto do empreiteiro, denunciado os defeitos da obra e exigido a sua eliminação: neste sentido, veja-se, por todos, PEDRO ROMANO MARTINEZ, in Cumprimento defeituoso, em especial na compra e venda e na empreitada, Colecção Teses, Almedina, pág. 328, e Acs. do STJ, de 26-11-2009 no proc nº 674/02.8TJVNF.S1 e de 10-12-2009, no proc nº 163/02.0TBVCD.S1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt/jstj.
[23] Cf. Ac. da Rel. de Coimbra de 06-03-2007, proc. nº 971/03.5TBFND.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc; em igual sentido se sustentou no Ac. da Rel. de Coimbra de 11-09-2007, proc. nº 5670/04.8TBLRA.C1, igualmente acessível em www.dgsi.pt/jtrc.
[24] Assim o antes referido J. CURA MARIANO, in obra citada, a págs. 168.
[25] Assim o entende também MENEZES LEITÃO, in “Direito das Obrigações”, volume II, 6ª edição, Livª Almedina, 2008, a págs. 264.
[26] Vincando este aspecto, veja-se o Ac. do S.T.J. de 08.06.2010, no proc. nº 135/07.9YIVNG.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt/jstj.

[27] Propugnando solução semelhante, para um caso com similitude, veja-se o Ac. da Rel. do Porto de 20-03-2012, no proc. nº 179/10.3TBVPA.P1, acessível em www.dgsi.pt/jtrp.