Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
80785/12.8YIPRT-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA INICIAL
INJUNÇÃO
ACÇÃO ESPECIAL
CONVITE
Data do Acordão: 01/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - PENACOVA - INST. LOCAL - SEC. COMP. GEN. - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 570 CPC, 7 Nº6 RCP, DL 269/98 DE 1/9
Sumário: Na acção declarativa transmutada do procedimento de injunção, decorrido o prazo previsto no artigo 7º, nº 6, do Regulamento das Custas Processuais, sem que o autor comprove o pagamento dessa taxa de justiça, deve o tribunal recorrer aos mecanismos previstos nos nºs 3 e 5 do artigo 570º do Código de Processo Civil e só esgotados estes, sem eficácia, ordenar a retirada da petição (artigo 20º do Regime Anexo ao DL nº 269/98, de 1 de Setembro).
Decisão Texto Integral:

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

O presente recurso incide sobre a decisão proferida a 28.01.2015, quando esta releva a falta de pagamento tempestivo da taxa de justiça devida pela transmutação da injunção em ação especial, por considerar a impossibilidade de comprovar se houve ou não falha do sistema informático, considerando ainda que a Autora já havia pago a taxa de justiça inicial com o requerimento de injunção e acabou por juntar o devido complemento.

O recorrente apresenta as seguintes conclusões de recurso:

            1. O despacho em crise, que decide relevar a intempestividade do pagamento da taxa de justiça devida pela Autora é nulo por omissão de pronúncia.

2. Salvo o incontido respeito, o tribunal a quo não se reuniu dos elementos bastantes à boa decisão da questão, não tendo respondido ou sequer debruçado sobre o cerne da questão levantada pelo Réu.

3. Crendo pouco clara a informação requerida pelo tribunal e prestada pelo IGJEF (em que se respalda a decisão), incumbia ao tribunal munir-se de mais e melhores esclarecimentos para cabal apuramento da verdade.

4. De todas as formas, poderia o tribunal a quo ter desde logo constatado,

pela argumentação do Réu (desconsiderada) e pela prova junta (bastante), que não houve qualquer lapso/deficência informática no Citius no período referido pela A. que justifique o seu atraso.

5. Sucedeu sim que a A., Advogada de profissão-mas mera mandante e demandante nos autos-não consultou, como deveria ter feito, as pautas públicas de distribuição relativamente à injunção a que o Réu se opôs, a fim de efetuar devidamente, como parte, o complemento da taxa de justiça por si devida, não obstante ter sido expressamente notificada para o efeito pelo Balcão Nacional de Injunções, com nota das consequências da sua omissão.

6. A A., ao invés, valeu-se erradamente dos seus privilégios como advogada e nessa qualidade, que não lhe assistia no processo, consultou, não as pautas públicas de distribuição, disponíveis online em http://www.citius.mj.pt/portal, mas sim a distribuição dos processos para os quais se encontrava efetivamente mandatada por outrem, em http://citius.tribunaisnet.mj.pt/habilus, confundindo pois o portal citius (aquela 1ª hiperligação) com o portal habilus (esta 2ª hiperligação).

7. Por tal facto, mas a si exclusivamente imputável, a A. não se apercebeu em devido tempo da distribuição pública, não tendo feito o pagamento tempestivo da taxa de justiça devida.

8. O não pagamento do complemento da taxa de justiça devida pela A. no prazo de dez dias a contar da distribuição de processos, corretamente disponibilizada (que o Réu, com apoio judiciário, consultou e constatou), implica o desentranhamento da petição por si apresentada.

9. Foram violados na decisão em apreço os artigos 152º, 154º, 411º do CPC, o artigo 20º do DL 269/98, de 1 de setembro e o artigo 7º, nº6 do Regulamento das Custas Processuais.


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            Não foram apresentadas contra-alegações.

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            As questões a decidir são as seguintes:

Nulidade da decisão por omissão de pronúncia;

Justificação da intempestividade;

Consequências processuais da intempestividade.


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Os factos:

A injunção inicial foi transmutada para ação declarativa especial.

No prazo legal, após a distribuição desta, ocorrida em 26.06.2012, a Autora não juntou o comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida (complemento).

O tribunal considerou o pagamento desta intempestivo mas relevou a falta, por considerar a impossibilidade de comprovar se houve ou não falha do sistema informático.


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No caso, nos termos dos arts.16º, nº 1, do Regime Anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro e 7º, nº 6, do Regulamento das Custas Processuais, era devido o pagamento de taxa de justiça pela Autora, no prazo de 10 dias a contar da data da distribuição.

Este pagamento é imposto a ambas as partes.

Trata-se do início de uma instância declaratória jurisdicional, sendo certo que a requerente já tinha liquidado antes a taxa relativa ao procedimento injuntivo.

Apesar do início daquela instância, o processo não está propriamente na fase da petição. No caso inclui já a oposição.


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            Nulidade da decisão por omissão de pronúncia.

            Justificação da intempestividade.

Nenhuma das partes ou o tribunal considerou tempestivo o pagamento daquela taxa de justiça (complemento).

O tribunal entendeu relevar o atraso, considerando a impossibilidade de comprovar se houve ou não falha do sistema informático.

Esta falha tinha sido arguida pela Autora e contestada pelo Réu.

O tribunal orientou-se pela perspetiva do facto que aceitou (impossibilidade de comprovar se houve ou não falha do sistema informático) e, por isso, não vendo necessidade de avaliar todo o argumentário apresentado pelo Réu, concluiu que o atraso era justificado.

Nesse contexto e sequência formal, a decisão não padece de nulidade.

Porém, a decisão está errada, por assentar em erro de facto (quanto à comprovação da falha informática) e erro de direito (quanto à justificação).

Em primeiro lugar, quanto ao erro de facto, considerando que a resposta junta a fls. 99 nada permitia concluir, “pois não respondeu com clareza ao solicitado”, a decisão nesse pressuposto também não podia concluir logo pela impossibilidade de comprovar se houve ou não falha do sistema informático.

Se o tribunal recorrido entendia que a resposta não era clara, a sua obrigação era procurar primeiro clarificá-la.

Mas a comunicação em questão responde ao solicitado. A resposta do IGFEJ, de 03.09.2014, comprova não ter havido qualquer falha informática. Esta comunicação distingue o Portal Citius, local aberto de publicação da distribuição, e a funcionalidade relativa aos processos associados ao advogado. No Portal ficou publicada a distribuição logo a 26.06.2012.

Em segundo lugar, quanto ao erro de direito, o tribunal (sem que o trate assim expressamente) considerou (mal) o “justo impedimento”.

“Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do ato.”

O artigo 140º, nº1, do Código de Processo Civil define assim o conceito, de forma idêntica ao anterior artigo 146º, aquele que era referência no momento da sua invocação, que também não foi expressa.

A redacção do preceito pelo Decreto-Lei nº 329-A/95 eliminou o requisito de evento “normalmente imprevisível”, como constava anteriormente.

Como se salienta no Código de Processo Civil Anotado de L. de Freitas, J. Redinha e R. Pinto, em anotação ao artigo, passou-se “o núcleo do conceito de

justo impedimento da normal imprevisibilidade para a sua não imputabilidade à parte ou ao seu mandatário”, pretendendo-se, como consta do preâmbulo do Decreto-Lei nº 329-A/95, flexibilizar “a definição conceitual de «justo impedimento», em termos de permitir a uma jurisprudência criativa uma elaboração, densificação e concretização, centradas essencialmente na ideia de culpa, que se afastem da excessiva rigidificação que muitas decisões, proferidas com base na definição constante da lei em vigor, inquestionavelmente revelam.”

A flexibilização fez-se “de modo a permitir abarcar situações em que a omissão ou o retardamento da parte se haja devido a motivos justificados ou desculpáveis que não envolvam culpa ou negligência séria” (página 273 da obra citada).

Conforme a lei referida, a parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.

Conferindo este enquadramento com o caso, verificamos que a Autora não prova a alegada falha informática.

E, de qualquer maneira, a alegada falha (entre 23.6.2012 e 1.7.2012) não impossibilitava consultas depois do dia 1.7.2012; a alegada falha não impossibilitava também a consulta direta ao tribunal, o que a Autora acabou por fazer, sem que esclareça quando o fez. A Autora só reagiu no início de setembro de 2012, quando o prazo tinha terminado a 6.7.2012.

Este contexto revela uma falta grave de cuidado da parte, negligência séria e indesculpável, especialmente quando aquela é Sra. advogada. Não podemos aceitar a justificação do atraso.


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Consequências da intempestividade.

            Tendo razão o recorrente nas suas conclusões 4ª a 7ª, não a tem no que respeita à conclusão 8ª.

Relativamente ao art.20º do Regime anexo ao DL nº269/98, consideramos válida a jurisprudência que podemos sintetizar do seguinte modo (ac. da R. Lisboa de 30.11.2010, 8.2.2011 e 26.6.2012, nos processos nºs 39357/10.82YIPRT.L1-1, 214835/09.2YIPRT-L1-7 e 157518/11.4YIPRT.L1-7, em www.dgsi.pt):

Sendo certo que o artigo 11º, nº 1, alínea f), daquele Regime, quanto ao requerimento de injunção, já comina com a sua recusa a hipótese de se não mostrar paga a taxa devida, o art.20º deste Regime, colocado onde está, só pode estar a referir-se ao momento seguinte à transmutação do requerimento em ação. (O valor deste argumento esbate-se quando encontramos no artigo anterior uma norma relativa à entrega do requerimento de injunção, momento que estaria aqui já ultrapassado.)

Poderá dizer-se que o referido art.20º resulta da eliminação dos anteriores nºs 4 e 5 do art.19 e o desentranhamento imediato estava ali previsto para a peça inicial do autor. Porém, a mudança pode ser interpretada no sentido da solução ser agora idêntica para ambas as partes. A lei nova fez desaparecer a diferença aparente entre a falta do autor e a falta do réu. Assim, ajustando a lei especial à lei geral expressa no Código de Processo Civil, sendo certo que após a transmutação a posição das partes é idêntica (tendo o autor já antes liquidado o devido pela injunção), os mecanismos de reação processual devem ser idênticos para as partes – solução adequada ao princípio da igualdade.

Nas últimas reformas sobre custas, o legislador procurou localizar nas leis de processo as suas regras fundamentais. Os referidos mecanismos de reação processual deverão encontrar-se naquelas leis de processo.

Também nas opções que o legislador vem fazendo nos sistemas processual e tributário-judicial, ele tem procurado assegurar a eliminação de “preclusões de índole tributária” (porque são de ordem puramente formal), introduzindo diversas possibilidades para as partes cumprirem ainda as suas obrigações (ver arts. 150º-A, 476º, 486º-A, 685º-D, todos do Código de Processo Civil anterior à Lei 41/2013; nesta nova lei, de teor idêntico, ver os arts.145º, 560º, 570º e 642º).

Estas soluções são mais consentâneas com a defesa do acesso ao Direito.

Sendo assim, se os referidos mecanismos de salvaguarda estão previstos na lei geral, se as partes estão colocadas em patamar idêntico aquando da transmutação da injunção em ação, então o art.20º, que se manteve no Regime Anexo ao DL nº 269/98, não pode ser de aplicação imediata e apenas contra o autor.

(O Tribunal Constitucional (Ac. 760/2013, DR 1ª série, de 22.11.2013) já declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do artigo 20.º do Regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, quando interpretado no sentido de que o "não pagamento da taxa de justiça devida pelo réu, na sequência da notificação da distribuição do procedimento de injunção em tribunal judicial para continuar a ser tramitado como ação declarativa especial, constitui causa de desentranhamento liminar da oposição à injunção sem se conceder ao réu as opções previstas no artigo 486.º-A do Código de Processo Civil".)

Sendo assim, a consequência da falta em análise não é a imediata retirada da petição do processo, como está defendido pelo Réu.

Antes disso, deve o tribunal recorrer, de forma paralela à prevista para o Réu, aos mecanismos dos nºs 3 e 5 do artigo 570º do Código de Processo Civil.

No caso, convida-se a Autora a comprovar o pagamento de uma UC, a título de multa, no prazo de dez dias.


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Decisão.

Julga-se a apelação parcialmente procedente, revoga-se a decisão recorrida e notifica-se a Autora para, no prazo de dez dias, comprovar o pagamento de uma UC, a título de multa, nos termos do artigo 570º, nº 3 e 5 (primeira parte), do Código de Processo Civil.

Custas por ambas as partes, em partes iguais.

Coimbra, 2016-1-12


Fernando Monteiro ( Relator )

António Carvalho Martins

Carlos Moreira