Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4003/08.9TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TÁVORA VÍTOR
Descritores: ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
OBRAS
FALTA
AUTORIZAÇÃO
Data do Acordão: 09/07/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA, JUÍZOS CÍVEIS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 64º, AL. D), DO RAU
Sumário: 1) Sendo arguida uma nulidade da sentença nas alegações de recurso, o Juiz pode e deve supri-la devendo em qualquer caso pronunciar-se sobre a mesma, sendo a omissão desse despacho até motivo para fazer baixar o processo ao Tribunal a quo.

2) Não é permitido resolver o contrato com base na realização de obras não autorizadas no locado levadas a cabo quando o senhorio Autor na acção ainda não era proprietário do prédio. Na verdade o sucessor ex lege não é um mero sucessor do tradens; sub-roga-se na posição dele unicamente desde a data da aquisição e sem prejuízo das regras de registo.

3) Subjacente à resolução do contrato de arrendamento com base na realização de obras não autorizadas no locado está a ideia que se verificou um incumprimento tão grave dos deveres do inquilino de molde a entender-se ser razoável libertar o senhorio do ónus que impendia sobre o seu direito colocando termo ao vínculo contratual.

4) Será assim em termos de relevância da obra sob o ponto de vista interno e externo que casuisticamente se terá que aquilatar da violação do contrato; numa palavra fazendo singelamente apelo pelo carácter substancial ou não das modificações levadas a cabo.

5) Não constituem fundamento da resolução do contrato de arrendamento obras que se limitam a criar uma espécie de hall de resguardo à sala que constitui o cerne da fracção permitindo assim um melhor aproveitamento do espaço para os fins convencionados no contrato, o uso com escritório nomeadamente quando o referido hall se mostra exclusivamente criado com vãos de divisórias amovíveis o que permite que findo o contrato aquelas possam ser removidas sem deixar marcas pelo que a integridade do locado não fica atingida.

Decisão Texto Integral: 1. RELATÓRIO.

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra.

A..., Lda., com sede no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Barcelos, veio propor acção com processo sumário, contra B..., S.A., com sede na ...., pedindo que se declare resolvido o contrato de arrendamento que incide sobre a fracção autónoma designada pela letra “L”, correspondente à sala 2, no 1º andar, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sito na B..., nº ... em Coimbra, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de B... sob o artigo ...º e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o nº .../19680812, condenando-se a ré a despejá-la e dela fazer entrega imediata, livre e devoluta, e a pagar uma sanção pecuniária compulsória em caso de incumprimento dentro do prazo de pelo menos € 50,00 por cada dia de atraso.

Alega para tanto que a dita fracção, que adquiriu em 1996, foi arrendada à Ré, pelo seu então proprietário e possuidor em 1 de Janeiro de 1973, para ser utilizada como escritório, pela renda mensal de 1000$00 e pelo prazo de um ano, sucessivamente renovável por iguais períodos, e que tal contrato se mantém em vigor até ao presente, mediante a renda mensal de € 24,94.

Mais alega que o locado, que se apresentava em 1 de Janeiro de 1973 como um escritório amplo com apenas uma divisão e instalações sanitárias e assim se mantinha quando a Autora a adquiriu e assumiu a posição de locadora, foi, após esta aquisição, objecto de obras não autorizadas e não consentidas pela Autora, que alteraram profunda e substancialmente a estrutura externa e a estrutura e disposição interna da única divisão do locado. Refere concretamente, que a Ré tapou o terraço/varanda aberto, situado a nascente do prédio com uma cobertura e paredes envolventes, criando assim uma nova divisão fechada, onde abriu uma janela e colocou um gradeamento; que na mesma divisão colocou um sistema de ar condicionado e de iluminação, construiu estruturas fixas de paredes e vãos envidraçados e uma nova porta em madeira; construiu um piso superior, prolongando para o efeito o tecto que servia de cobertura às instalações sanitárias; acrescentou uma parede sob esse novo tecto, criando um corredor; e nessa parede abriu uma porta com uma bandeira superior e uma estrutura lateral envidraçados, e construiu uma escadaria para acesso ao novo piso superior.

Conclui que, em resultado destas obras, em lugar de uma sala ampla com instalações sanitárias, a fracção apresenta agora quatro divisões, sendo um corredor, duas salas no primeiro e inicial piso, uma sala no piso/pavimento superior, para além da casa de banho, e que por isso, ao realizar as obras, a arrendatária violou os deveres impostos pelos artsº 1043º, nº 1, e 1074º nº 2 do Código Civil, na sua actual redacção, conferindo à autora o direito de pedir a resolução do contrato de arrendamento.

A Ré contestou alegando no essencial que à data em que arrendou a fracção esta se apresentava já como um espaço composto por uma sala, sanitários e um terraço coberto, com uma janela e divisória de vidro e alumínio com estores e porta que o separava da sala, tendo a cobertura do terraço e a divisória sido colocadas pelo anterior inquilino.

Mais alegou que antes de 1986, porque a fracção apresentava um pé direito de aproximadamente 4 metros, decidiu instalar uma mezzanine logo após a entrada da fracção e por cima das instalações sanitárias, bem como uma pequena escada de madeira, e que realizou tais obras depois de as comunicar e de obter autorização do anterior senhorio.

Alegou ainda que depois de a Autora ter adquirido a fracção se limitou a proceder a obras de conservação do locado, que comunicou à Autora em Janeiro de 2002 e para as quais obteve autorização, que em Novembro de 2004 mandou colocar na janela da fracção uma grade de protecção, modelo lagarto, metálica e lacada a branco, e em Março de 2005 ordenou ainda a realização de alguns trabalhos de melhoramento, que consistiram no fornecimento e aplicação de vão de divisória sob a mezzanine, com estrutura em alumínio, vidro de 5 mm e porta de vidro, estrutura esta facilmente retirável, deslocou a escada que dava acesso à mezzanine para junto da parede da divisão do locado, aplicou dois vãos de divisória com estrutura em alumínio e vidro de 5 mm, bem como uma porta de vidro, entre a sala do locado e o terraço coberto, vãos que se destinaram apenas a substituir a divisória e a porta já existentes, mandou instalar um aparelho de ar condicionado e procedeu à revisão e manutenção geral dos circuitos de tomada e de iluminação.

Invocou que todas as obras realizadas após a Autora ter adquirido a fracção ou foram autorizadas, ou mais não traduzem que deteriorações lícitas, por se tratarem de elementos destinados a assegurar o conforto e comodidade da Ré e que podem ser removidos sem danificar do locado.

Concluiu pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

A Autora apresentou articulado de resposta no qual, essencialmente, reiterou o teor da sua petição inicial.

No saneador conheceu-se da validade e regularidade da instância tendo sido elencados os factos provados e elaborada a Base Instrutória que não foram alvo de reclamações.

Procedeu-se a julgamento e após respostas à matéria de facto, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente por não provada absolvendo a Ré do pedido.

Daí o presente recurso de apelação interposto pela Autora, a qual no termo da sua alegação pediu que se julgue a apelação procedente e em consequência:

                         

I - Ainda que não se modifique a decisão proferida em primeira instância sobre a matéria de facto, e tomando apenas por base a factualidade julgada como provada deverá:

a) Declarar-se nulo, nos termos do disposto no ar­tigo 668º nº 1 alínea d) do Código de Processo Civil, o segmento da sentença recorrida em que a Meritíssima Juiz a quo decidiu incluir as obras descritas no ponto 7 da fundamentação de facto no conjunto das obras que entendeu terem sido realizadas pela Ré/­arrendatária no locado antes da Autora ter adquirido a propriedade do mesmo;

b) Declarar-se que as obras descritas naquele ponto 7 da fundamentação de facto (a que corresponde a alínea G) dos factos assentes) preenchem todos os requisitos do artigo 64º, nº 1 alínea d) do RAU e consequentemente declarar resolvido o contrato de arrendamento entre Ré/arrendatária e Autora/senhoria;

c) Declarar-se que, independentemente, das obras realizadas no locado pela Ré/arrendatária terem sido levadas a cabo antes ou após a Autora ter adquirido a propriedade do mesmo, é-lhe reconhecido o direito de resolver o respectivo contrato de arrendamento com fundamento em todas essas obras, uma vez que tal direito lhe foi transmitido pelo anterior senhorio nos termos do disposto no artigo 1057º do Código Civil;

d) Declarar-se que o fundamento do “melhor aproveitamento” do locado invocado na sentença recorrida não tem qualquer suporte na factualidade provada e assim é nulo, nos termos do artigo 668º nº 1 alínea c) do Código de Processo Civil;

e) Declarar-se que os fundamentos da “amovibilidade” e do “melhor aproveitamento” do locado para o fim contratual convencionado, não são bastantes para no ca­so em apreço afastar o direito de resolução do contrato de arrendamento que aqui exerce a Autora/senhoria.

E assim,

f) Declarar-se que as obras que o Tribunal de 1ª instância deu como provado que a Ré/arrendatária realizou no locado preenchem todos os requisitos do artigo 64º, nº 1 alínea d) do R.A.U. e consequentemente julgar resolvido o contrato de arrendamento entre Autora a Ré, com as legais consequências.

II - Sem prescindir, deverá ainda, nos termos do que se dispõe no artigo 712º do Código de Processo Civil, alterar-se a decisão do Tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto, julgando como Provados os quesitos 2º, 3º, 7º, 8º, 15º e 16 da base instrutória e como Não Provados os quesitos 19º, 21º, 22º e 23º e, consequentemente, declarar resolvido o contrato de arrendamento entre Ré/arrendatária a Autora/senhoria, sempre com as consequências da lei.

A recorrente invocou que a sentença em crise é nula nos termos do artigo 668º nº 1 alínea c) do Código de Processo Civil em virtude de alegadamente existir contradição entre a fundamentação de facto e a decisão na medida eme que se considerou que a realização das obras a que se reporta a alínea G) não poderiam sustentar o pedido de resolução do contrato por as mesmas terem sido anteriores à aquisição do prédio pela Autora quando este facto não resultou provado.

Assim e porque tal lhe incumbia à face da nova redacção do artigo 670º nº 1 do Código de Processo Civil veio o Sr. Juiz proferir despacho em que indeferiu a nulidade em análise.

Então valendo-se do disposto no nº 3 do citado normativo legal veio a apelante alargar o âmbito do recurso apresentando de novo extensas alegações concluindo agora para além do que já havia dito que deve ser declarado nulo o despacho proferido pelo Sr. Juiz a quo em 22-10-2010, porque estava esgotado o seu poder jurisficional e não podia pronunciar-se sobre as nulidades arguidas perante o Tribunal de recurso.

Foram apresentadas as seguintes,

Conclusões.

1) Consta do ponto 7 da fundamentação de facto da douta sentença recorrida que “A ré prolongou o tecto que servia de cobertura às instalações sanitárias (alínea G) dos factos assentes”.

2) Quanto a esta factualidade, diz a Sra. Juiz a quo, na página 14 da sentença recorrida, que “Está ainda assente que a Ré prolongou o tecto que servia de cobertura às instalações sanitárias, por cima destas instalou uma mezzanine – que todavia não consubstancia um novo piso superior – e, para aceder esta, construiu umas escadas em madeira (alíneas A) e H) dos factos assentes e resposta ao quesito 8.º)”. E prossegue a Meritíssima Juiz escrevendo que "Sucede contudo que também se demonstrou que estas obras foram realizadas antes de a Autora ter adquirido a propriedade da fracção, o que sucedeu em 1996 (cfr. respostas aos quesitos 3º e 19º)”.

3) Acontece que em lugar algum da factualidade dada como provada pela Meritíssima Juiz a quo, e elencada na sentença recorrida sob a epígrafe de “fundamentação de facto”, resulta que essa obra de prolongamento do tecto das instalações sanitárias foi realizada pela Ré antes de 1996, ou seja, antes da Autora ter adquirido a propriedade da fracção e, consequentemente, ter assumido a posição de senhoria no respectivo contrato de arrendamento.

4) Existindo por isso, neste particular, uma clara oposição entre a fundamentação de facto constante dos pontos 1 a 30 da douta sentença recorrida e a decisão final proferida pela Meritíssima Juiz a quo. O que, nos termos do artigo 668º nº 1 alínea c) do Código de Processo Civil, é causa de nulidade da sentença por evidente oposição dos fundamentos com a decisão proferida, no que a esse fundamento diz respeito.

5) Mais e sem prescindir, na factualidade dada como provada pela Meritíssima juiz a quo não existe qualquer referência à data, ainda que por aproximação, em que as obras de prolongamento do tecto que servia de cobertura às instalações sanitárias foram realizadas. O que significa que quanto a tal facto não foi possível fazer qualquer prova nos autos.

6) Ora, no âmbito do entendimento seguido pela Meritíssima Juiz a quo para decidir a presente acção, e segundo o qual as obras realizadas pela Ré/arrendatária antes da Autora ter adquirido a propriedade do locado não podem servir de fundamento à sua pretensão de resolução do contrato de arrendamento – entendimento com o qual não concordamos mas que aqui representaremos por mera necessidade de raciocínio – o facto das obras realizadas no locado terem sido levadas a cabo pela Ré antes da Autora ter adquirido a propriedade do mesmo só pode ser entendido como um facto impeditivo do direito de resolução do contrato de arrendamento que aqui pretende exercer a Autora.

7) E enquanto facto impeditivo do direito invocado pela Autora era à Ré que cabia a ónus da sua prova (cfr. artº 342º, nº 2 do Código Civil).

8) Existindo assim a dúvida sobre se tais obras foram realizadas antes ou depois da Autora ter adquirido a propriedade do lesado, tal dúvida terá de ser resolvida contra a parte a quem aproveitaria o facto (cfr. artº 516º do Código Processo Civil); e, no âmbito do entendimento seguido pela Meritíssima Juiz a quo, tal facto aproveitaria à Ré, logo na dúvida é de decidir contra a Ré.

9) Concluindo, se provado ficou que “a Ré prolongou o tecto que servia de cobertura às instalações sanitárias (alínea G) dos factos assentes)” e se a Ré não foi capaz de provar que tais obras foram realizadas antes da Autora ter adquirido a propriedade do locado, ainda que seguindo inteiramente o entendimento jurídico vertido na douta sentença recorrida quanto à transmissão da posição do locador, existe fundamento para julgar procedente a presente acção e declarar resolvido o contrato de arrendamento entre Autora e Ré.

10) É que as obras de prolongamento do tecto que servia de cobertura às instalações sanitárias preenchem todos os requisitos de que o artigo 64º, nº 1 alínea d) do RAU faz depender o exercício pelo senhorio do direito de resolução do contrato de arrendamento. Alteraram substancialmente a disposição interna do locado, uma vez que modificaram as suas dimensões, como resulta claramente da resposta ao quesito 12º da base instrutória. E não fez a Ré qualquer prova de que tais obras tenham sido autorizadas pelo senhorio, como era seu ónus (cfr. artº 342º nº 2 do Código Civil).

11) Dispõe o artigo 1057º do Código Civil, sem fazer qualquer ressalva, que “o adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador, sem prejuízo das regme do registo”. Optou assim o nosso legislador por consagrar a regra segundo a qual o adquirente do direito com base no qual o contrato de arrendamento foi celebrado sucede em todos os direitos e obrigações inerentes à posição de locador e que no momento da transmissão existem e subsistem na esfera jurídica do transmitente (anterior senhorio).

12) Só assim não será, pela própria natureza das coisas, se o direito já não existir na esfera jurídica do transmitente – ou porque já foi exercido pelo anterior senhorio, ou porque este expressa ou tacitamente renunciou a exercê-la, ou porque já caducou –, uma vez que não se poderá transmitir o que já não existe.

13) Existindo o direito na esfera jurídica do transmitente a sua não transmissão será uma situação excepcional, que como tal terá de justificar-se por uma qualquer especificidade também ela excepcional e que assim seja capaz de justificar o afastamento daquela que é a regra da transmissão dos direitos do locador consagrada no artigo 1057º do Código Civil.

14) É o caso do direito a exigir o pagamento das rendas. Sendo estas a contrapartida pela disponibilização do locado pelo senhorio ao arrendatário e seu uso e fruição por este, por determinado período de tempo perfeitamente localizado, estão indissociavelmente ligadas ao período de tempo a que respeitam.

15) É por isso justo que cada renda seja paga àquele que no período de tempo a que ela respeita era titular do direito sobre o locado, uma vez que foi este que nesse mesmo período de tempo teve o seu direito sobre o locado restringido e onerado pelo contrato de arrendamento. E assim, em caso de não pagamento de rendas, também apenas ao titular do direito a recebê-las deve ser reconhecido o direito de resolver o contrato de arrendamento com fundamento em tal incumprimento.

16) Solução esta, de não transmissão do direito de resolução do contrato de arrendamento com fundamento em rendas já vencidas e não pagas, que se justifica ainda em face da interpretação conjugada dos artigos 1057º, 434º nº 2 e 1058º todos do Código Civil, e assim em obediência ao princípio da unidade do sistema jurídico (cfr. artº 9º do Código Civil).

17) Razões que não se verificam quanto ao direito de resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio com fundamento na realização pelo arrendatário de obras ilícitas no locado. Quanto a este direito do senhorio nenhuma especificidade existe que consiga justificar o afastamento da regra da transmissão consagrada no artigo 1057º do Código Civil, que aqui vale inteiramente.  

18) É por isso que, invariavelmente, é a estas situações de não pagamento de rendas que a doutrina se refere quando nega ao senhorio o direito de resolver o contrato de arrendamento com fundamento em facto ocorrido no período de execução do contrato anterior à transmissão. E também todos os autores citados pela Meritíssima juiz a quo na sentença recorrida quando falam em transmissão dos direitos respeitantes à execução futura do contrato têm em mente tão só este direito a rendas anteriormente vencidas.

19) Da lei e da doutrina resulta apenas justificada a não transmissão do direito de resolução com fundamento em rendas vencidas e não pagas. Quanto aos restantes direitos inerentes à posição de locador, vale inteiramente a regra da transmissão para o novo senhorio consagrada no artigo 1057º do Código Civil.

20) Pelo que ainda que parte das obras que a Ré realizou no locado tenham sido levadas a cabo antes da Autora adquirir a propriedade do locado, esta mantém o direito de pedir a resolução do contrato de arrendamento com fundamento nessas mesmas obras. E assim porque quando adquiriu a propriedade do locado, a Autora (que naturalmente o supôs tal como ele é descrito na matriz e no Registo Predial) sucedeu nesse direito ao anterior senhorio.

21) Até porque a Ré não conseguiu, como lhe competia nos termos do artigo 342º nº 2 do Código Civil, fazer prova de que para a realização dessas obras tenha obtido o necessário consentimento escrito do anterior senhorio, N..., ou que sequer lhas tenha dado a conhecer. Na verdade essas obras sempre foram desconhecidas, quer do anterior senhorio quer da Autora, até ao ano de 2008.

22) Do que se retira que no momento da transmissão da posição de locador o respectivo direito de resolução do contrato de arrendamento não tinha caducado (cfr. art. 65º, nº 1 do RAU), não tinha nem podia ainda ter sido exercido pelo anterior senhorio que também a ele não teve sequer oportunidade de renunciar, tácita ou expressamente. Ou seja, não estava exaurido ou esgotado tal direito de resolução; ele existia na esfera jurídica do anterior senhorio e foi ex lege transmitido à Autora (cfr. art. 1057º. do Código Civil), que validamente o exerce na presente acção.

23) Mais a terem aquelas obras ilícitas sido realizadas pela Ré em momento anterior ao da transmissão da posição de locador, é inegável que tal violação do contrato de arrendamento perdurava quando em 1996 a Autora adquiriu a propriedade da fracção. Na verdade as obras realizadas pela Ré no locado perduram até hoje, e assim persiste, até hoje, a Ré na violação do dever de respeito pela integridade do locado que lhe é imposto pelo artº 1043º do Código Civil, não o mantendo – como tinha de o manter – no estado em que o recebeu.

24) E enquanto perdurar a violação dos deveres impostos ao arrendatário, mantém o senhorio o correspectivo direito de resolver o contrato de arrendamento.

25) Acresce ser também inegável que tais obras – as que a Meritíssima Juiz a quo considerou que a Ré realizou no locado antes da Autora ter adquirido a sua propriedade, descritas nos pontos 8, 9, 10, 18 e 19 da fundamentação de facto – alteraram substancialmente quer a estrutura externa, quer a disposição interna do locado. Uma vez que, entre outras alterações, transformaram um terraço aberto num espaço totalmente fechado criando no locado uma nova divisão antes inexistente.

26) Sendo certo que quanto a estas obras nem sequer se pode tentar argumentar com o critério da amovibilidade, uma vez que estas foram realizadas com materiais de carácter permanente, fixo e sólido, passando mesmo pelo levantamento de “paredes” antes inexistentes.

27) Resulta do exposto que também quanto a estas obras, descritas nos pontos 8, 9, 10, 18 e 19, estão reunidos todos os requisitos de que o artigo 64º nº 1 alínea d) do RAU faz depender a resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio

28) Ainda que como teoria geral é também inaceitável o entendimento seguido na douta sentença recorrida e que nega a transmissão do direito de resolução do contrato de arrendamento com fundamento em obras ilícitas realizadas pelo arrendatário em momento anterior à aquisição do direito com base no qual foi celebrado o contrato de arrendamento. Pois que tal entendimento significa na prática perdoar, injustificadamente, ao arrendatário a violação dos deveres que lhe são impostos pela lei. Significaria dar ao arrendatário incumpridor um benefício que este não merece.

29) É por isso irrelevante a distinção que ficou feita na douta sentença recorrida entre obras realizadas pela Ré antes e obras realizadas pela Ré depois da Autora ter adquirido a propriedade do locado.

30) É também inegável que as obras descritas nos pontos 13, 14, 15, 16, 20, 21 e 23 da fundamentação de facto, e que a Meritíssima Juiz a quo aceitou e deu como provado terem sido realizadas pela Ré já depois da Autora ter adquirido a propriedade do locado, e assim, depois desta ter assumido a posição de senhoria, alteraram substancialmente a disposição interna do locado. Com aquelas obras, onde antes existia uma única divisão ampla, a Ré criou um novo corredor ou hall de entrada e uma nova divisão (sala) autónoma antes inexistentes.

31) Ainda assim a Meritíssima Juiz a quo entendeu negar à Autora a resolução do contrato de arrendamento com fundamento nestas obras, julgando-as justificadas pelo facto de, no seu entendimento, representarem “um melhor aproveitamento daquele espaço para os fins convencionados (o uso como escritório)” e ainda porque, segundo ela, estas foram realizadas com materiais “amovíveis”.

32) Quer o critério do “melhor aproveitamento” do locado, quer o carácter “amovível’ não são fundamentos bastantes para tornar aquelas obras lícitas e afastar o direito de resolução da Autora/senhoria.

33) Desde logo não se compreende que só depois de 32 anos a usar e fruir o locado é que a Ré/arrendatária tenha sentido necessidade de realizar obras para dele fazer um “melhor aproveitamento”. Nem se aceita que depois de 32 anos de execução do contrato o fundamento de adaptação do locado ao fim do contrato de arrendamento possa ser usado para justificara a realização pelo arrendatário de obras não autorizadas e que alteram substancialmente a sua disposição interna. Não é de todo razoável impor tal ónus ao senhorio.

34) A adaptação do focado ao fim do arrendamento só poderia eventualmente servir de justificação às obras realizadas pelo arrendatário, sem o

35) A adaptação do focado ao fim do arrendamento só poderia eventualmente servir de justificação às obras realizadas pelo arrendatário, sem o consentimento escrito do senhorio, se realizadas imediatamente após a celebração do contrato. Só nesse momento inicial de execução do contrato é razoável entender que, em face do fim contratual estipulado e em face das características do espaço que dá de arrendamento, está o senhorio, a autorizar, ainda que tacitamente, o arrendatário a realizar as obras necessárias à prossecução do fim contratualizado.

36) Além disso não podemos nunca esquecer que o arrendatário tem sobre o locado apenas um direito pessoal de gozo, um direito de uso e fruição do locado tal como este lhe é entregue pelo senhorio. Já o senhorio tem sobre o locado, neste caso, o direito real fundamental da propriedade privada (cfr. art. 62º. da Constituição da República Portuguesa). Assim, confrontando estes dois direitos, só se poderão justificar as obras realizadas pelo arrendatário, que alteram substancialmente a disposição interna do locada e que não foram autorizadas por escrito pelo senhorio, se elas se mostrarem necessárias à realização do fim contratualizado, ou seja, se sem elas esteja impedido o fim contratual acordado por senhorio e arrendatário.

37) Nunca se poderão justificar obras que alteram a disposição interna do locado e que não foram autorizadas pelo senhorio só porque elas representam um “melhor aproveitamento” do locado.

38) Na fundamentação de facto da douta sentença recorrida não existe qualquer elemento que permita dizer que o locado não se adequava ao fim contratual e que necessitava de obras que permitissem um “um melhor aproveitamento daquele espaço para os fins convencionados (o uso como escritório)”.

39) Está por isso aquela fundamentação desprovida de qualquer suporte factual. O que significa que também neste particular e quanto a esta fundamentação da douta sentença recorrida, ocorre nulidade da mesma por oposição entra a sua fundamentação de facto e a decisão proferida (cfr. artº 668º nº 1, c) do Código de Processo Civil).

40) Em face da radical alteração que as obras descritas nos pontos 15, 20, 21 e 23 da fundamentação de facto da douta sentença recorrida representaram para a disposição interna do locado nunca poderão as mesmas justificar-se em face do critério da amovibilidade dos materiais utilizados.

41) A aplicação e remoção dos materiais introduzidos pela Ré no locado implica, inegável e inevitavelmente, desgaste dos elementos permanentes e estruturais do locado (paredes, chão e tectos). É por isso inegável que a colocação e remoção desses materiais sempre representará uma deterioração do locado, ainda que esta não seja visível após as reparações possíveis.

42) Por outro lado a amovibilidade ou reparabilidade das obras realizadas pelo arrendatário sempre servirá para afastar o direito de resolução reconhecido pela lei ao senhorio, pois que qualquer obra é susceptível de ser repristinada. Com maiores ou menores intervenções no locado será sempre possível repor o estado de coisas anterior às alterações realizadas pelo arrendatário.

43) E assim ao aceitar-se o funcionamento daquele critério da amovibilidade ou da reparabilidade deixa-se sem qualquer conteúdo útil a disposição legal da alínea d) do nº 1 do artigo 64º do RAU.

44) Não se pode aceitar que um critério tão abrangente como o da amovibilidade seja susceptível de negar ao senhorio o direito de resolver o contrato de arrendamento quando em causa está a realização pelo arrendatário de obras não autorizadas que alteram substancialmente a disposição interna do locado.

45) Uma correcta apreciação e valoração da prova – testemunhal, documental e da inspecção ao local – produzida em sede de audiência de discussão e julgamento impõe a alteração das respostas dadas pela Meritíssima Juiz a quo aos quesitos 2º, 3º, 7º, 8º, 15º, 16º da base instrutória que, ao contrário do que foi decidido, deverão ser julgados como Provados.

46) Incorrectamente julgados foram ainda os quesitos 19º, 21º, 22º e 23º da base instrutória, aos quais, em conformidade com a prova produzida nos autos, deverá ser dada uma resposta de Não Provado.

47) E assim, especialmente, por referência aos depoimentos das testemunhas D... , E... , F... , G... e H...e I... , cujos depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento ficaram registados em gravação em CD e que agora, na parte que aqui nos interessam, vão transcritos no Anexo junto a estas alegações e que delas faz parte integrante.

48) As testemunhas D ..., E ... e G ... estiveram dentro do locado em Marco de 2004, e todas foram consensuais ao descrevê-la sem qualquer hesitação como um espaço composto apenas por uma sala ampla, instalações sanitárias e terraço. Ou sejam, descreveram o locado com a mesma disposição que tinha quando em 1973 foi dado de arrendamento à Ré.

49) Ora, se em Março de 2004, quando estas testemunhas entraram no locado, este mantinha a mesma disposição, sem qualquer alteração, que tinha em 1973 é evidente que também assim se mantinha quando em data anterior – no ano de 1996 – a Autora adquiriu a propriedade do locado.

50) Ao depoimento destas três testemunhas deve ser dada uma credibilidade acrescida, uma vez que estas, ao contrário de todas as testemunhas indicadas pela Ré, não têm, nem nunca tiveram qualquer vínculo, qualquer relação profissional, comercial, negocial ou outra, quer com a Ré quer com a Autora.

50) As fotografias apresentadas pela Ré na sessão de julgamento de dia 15.10.2009, são insusceptíveis de contrariar a prova que resulta do depoimento destas testemunhas, uma vez que, permitindo as máquinas fotográficas configurar a data e hora da forma que o utilizador pretender, nenhuma garantia exista que a realidade retratada naquelas fotografias corresponda à realidade existente no locado em 13.11.2001, data aposta nas mesmas.

51) Também a testemunha G... que esteve no locado por volta do ano de 2001, o descreveu como sendo composto por uma sala ampla, uma casa de banho e terraço. Assim como a testemunha H..., que esteve no locado em 1996, o descreveu com essa mesma composição.

52) Ao contrário do que escreveu a Meritíssima Juiz a quo na fundamentação das respostas que deu aos quesitos, em nenhum momento a testemunha H... afirmou que o terraço da fracção já se encontrava coberto quando em 1996 o visitou. Na verdade esta testemunha nem sequer se referiu a esse terraço. Nunca o fez.

53) Ora se o locado era, em 1996, em 2001 e em 2004, composto, tal como em 1973, de uma sala ampla e instalações sanitárias, obviamente que todas as obras que a Ré realizou no locado – nomeadamente as que ficaram assentes nas alíneas G) e H) e ainda as descritas nos quesitos 3º, 4º, 5º e 6º – foram realizadas depois da Autora ter adquirido a propriedade do locado em 1996.

54) Prova de que resulta a resposta de Provado a dar ao quesito 2º da base instrutória.

55) Disseram ainda as testemunhas D ..., E ... e G... que em Março de 2004 e por volta de 2001, quando estiveram no locado, a separar a sala ampla aí existente do terraço existia, não o vão de divisória em alumínio que aí agora se encontra, mas uma verdadeira parede. Do que se retira que foi necessariamente depois dessas datas, e assim depois de em 1996 a Autora ter adquirido a propriedade do locado, que a Ré/arrendatária tapou o terraço aberto, situado a nascente do prédio, com uma cobertura e paredes envolventes.

56) Desta prova resulta a resposta de Provado a dar ao quesito 3º da base instrutória e a resposta de Não Provado a dar ao quesito 23º.

57) Mais disseram as testemunhas D ..., E ... e F ... que em Março de 2004 o tecto que servia de cobertura às instalações sanitárias não estava prolongado até à entrada da fracção como se apresenta actualmente. Disseram que o locado tinha, também à entrada a até às instalações sanitárias um pé direito de 4 metros e que por cima daquelas existia apenas um pequeno espaço, que designaram de “buraco” que aparentemente servia para arrumas. E ainda que no locado não viram nessa altura quaisquer escadas.

58) Sendo que só depois de em Março de 2004 terem estado no locado, é que se aperceberam de que aí foram realizadas obras, porque aí ouviram “martelar”, “picar paredes” e viram entulho como “bocados de lixo, de tijolos” à entrada do locado. E agora quando encontram a porta do locado aberta notam que o tecto, à entrada, se encontra mais baixo do que em Março de 2004.

59) Resulta desta prova que as obras de prolongamento do tecto que servia de cobertura às instalações sanitárias para ai instalar uma mezzanine e colocação das escadas de acesso àquela, foram feitas depois de em 1996 a Autora ter adquirido a propriedade do locado. O que fundamenta a resposta de Provado a dar ao quesito 7º da base instrutória e de Não Provado aos quesitos 19º e 21º.

60) O que todos – Mandatários das partes e Meritíssima Juiz a quo – puderam ver durante a inspecção ao local, por cima das instalações sanitárias, foi um espaço perfeitamente funcional, uma nova área útil antes inexistente e que já não se apresenta nem se destina a ser um mero espaço de arrumas. É um espaço que se destina a ser usado por pessoas e para o efeito está devidamente organizado, aí tendo sido colocado e funcionalmente disposto o necessário mobiliário de escritório: mesas, cadeiras, armários.

61) Resulta ostensivamente da inspecção ao local a resposta de Provado a dar aos quesitos 8º e 15º da base instrutória.

62) É absolutamente inexistente nos autos qualquer indício de prova da existência de qualquer autorização dada pela Autora para as obras realizadas pela Ré no locado e descritas nas alíneas G), H), I), J), M), N), 0) e P) dos factos assentes e nos quesitos 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º e 15º da base instrutória. Pelo que ao quesito 16º da base instrutória só pode ser dada uma resposta de Provado sem qualquer restrição.

63) Quanto ao quesito 22º da base instrutória dir-se-á que o carácter amovível ou não amovível das obras realizadas pela Ré no focado não é um facto mas antes uma qualificação, e como tal uma questão de direito. Pelo que tal quesito nem sequer deveria ter sido levado ao elenco da factualidade provada. Além disso amovível pode ser qualquer alteração realizada no locado, e por isso a classificação das obras realizadas pela Ré/arrendatária como amovíveis não é determinante para a decisão da presente acção.

64) A sentença de que se recorre decidiu em infracção, aplicou ou inaplicou incorrectamente, entre mais do douto suprimento de Vossas Excelências, as normas dos artigos 9º; 342º/2; 434º/2; 1043º; 1057º; 1058º do Código Civil; 64º/1, d); 65º/1 do RAU. e 516º; 653º/2; 655º; 668º./1, c) do Código de Processo Civil.

Alargamento do âmbito do recurso.

1) No caso dos presentes autos, admitindo a sentença de primeira instância recurso ordinário, as nulidades que lhe são apontadas só podem ser arguidas perante o Tribunal de recurso, o Tribunal da Relação de Coimbra e por este apreciadas e decididas – artigo 668º nº 4 do Código de Processo Civil.

2) Foi o que fez a Autora, que ao interpor recurso de apelação da sentença invocou perante o Tribunal da Relação de Coimbra e para conhecimento deste as respectivas nulidades.

3) É por isso inadmissível e nulo o despacho proferido pela Meritíssima Juiz a quo em 22.02.2010 em que conclui “Pelo exposto, e nos termos do artº 670º, nº 1 do Código de Processo Civil, indefiro a arguição das nulidades suscitadas pelo recorrente”, por aí se pronunciar sobre questões de que não podia tomar conhecimento (cfr. artsº 666º nº 1, 668º nº 4 4, 201º nº 1, 666º, nº 3 e 668º nº 1, d) do Cód. Proc. Civil).

4) Mas, ainda que assim se não entenda – o que não se concede mas aqui se representa por cautela de patrocínio – desde já declara a Autora que, nos termos do nº 3 do artº 670.º do Cód. Proc. Civil, e através do presente requerimento vem alargar o âmbito do recurso de apelação por si previamente interposto e alegado ao douto despacho da Meritíssima Juiz a quo proferido em 22.02.2010, com o qual não se conforma.

5) Não existe qualquer lapso de escrita na resposta dada pela Meritíssima Juiz a quo ao quesito 19.º da base instrutória que afaste a nulidade arguida pela autora/recorrente.

6) A eventualidade de um tal lapso de escrita é afastada pela forma como a Meritíssima Juiz a quo respondeu a tal quesito empregando a expressão restritiva “apenas”, querendo nitidamente e voluntariamente afastar da resposta de provado parte das obras referidas em tal quesito. Além de que a existir tal lapso o mesmo poderia ter sido corrigido aquando da prolação da sentença, o que não aconteceu.

7) Quanto à nulidade da sentença por oposição entre a fundamentação de facto e a decisão proferida na medida em que esta fundamenta as obras realizadas pela Ré no locado num “melhor aproveitamento daquele espaço para os fins convencionados”, dir-se-á que sendo este um juízo conclusivo teria necessariamente de estar alicerçado em factos que o sustentassem. O que não acontece na douta entença recorrida.

8) Nos termos aqui alegados reafirma a Autora/ recorrente as nulidades da sentença de primeira instância já invocadas nas alegações de recurso de apelação e que deverão ser apreciadas e decididas por Vossas Excelências Venerandos Juízes Desembargadores.

9) O Despacho da Meritissima Juiz a quo pmferido em 22.02.2010 viola as normas dos arts. 201.º, n.º 1, 666.º, 668.º, n.º 1 ais. c) e d) e n.º 4, 670.º, n.º 1, 678.º, n.º 3 al. a) do C6d. Proc. Civil.

Contra-alegou a apelada pugnando pela confirmação da sentença.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

                      *

2. FUNDAMENTOS.

2.1. Reapreciação da matéria de facto.

Insurge-se a apelante contra as respostas conferidas aos quesitos 2º, 3º, 7º, 8º, 15º, e 16º, 19º, 21º, 22º e 23º da Base Instrutória.

Perguntava-se nos quesitos em análise respectivamente o seguinte:

Quesito 2º: A fracção "L" mantinha-se apenas como uma divisão para além das instalações sanitárias sem qualquer alteração desde que foi comprada quando em 1996 a Autora a adquiriu?

Quesito 3º: Posteriormente a Ré tapou o terraço/varanda aberto situado a nascente do prédio com uma cobertura e paredes envolventes?

Quesito 7º: A Ré instalou a mezzanine e construiu as escadas que a ela dão acesso depois de a Autora ter adquirido a fracção?

Quesito 8º: A mezzanine que a Ré construiu prolongando a parte superior das instalações sanitárias, consubstancia um piso/pavimento superior?

Quesito 15º: A partir da primeira divisão apresenta-se uma escadaria de acesso a uma galeria/piso superior com um novo andar interior?

Quesito 16º: Essas obras foram feitas sem conhecimento e autorização da Autora?

Quesito 19º: As obras referidas nas alíneas G) e H) foram realizadas antes de 1986?

Quesito 21º: A Autora limitou-se a posteriormente deslocar a escada que dava acesso à mezzanine para junto da parede da divisão da fracção?

Quesito 22º: As estruturas e a porta referidas nas alíneas M), O) e P) são amovíveis e podem ser retiradas sem qualquer estrago?

Quesito 23º: A aplicação das estruturas e porta referidas na alínea P) destinaram-se à substituição da divisória?

O Tribunal respondeu aos quesitos em análise pela seguinte forma:

Quesito 2º: Não provado.

Quesito 3º: Provado que depois de 1 de Janeiro de 1973 e antes de a Autora ter adquirido a fracção a Ré tapou o terraço/varanda aberto situado a nascente do prédio com uma cobertura de paredes envolventes.

Quesito 7º: Não provado.

Quesito 8º: Não provado.

Quesito 15º: Provado apenas que "a partir dessa primeira divisão apresenta-se as escadas de acesso à mezazzine referidas nas alíneas I) e J) dos factos assentes.

Quesito 16º: provado que a colocação dos vãos de divisória referidos na alínea o) dos factos assentes foi feita sem o conhecimento e autorização da Autora.

Quesito 19º: Provado apenas que "as obras referidas na alínea H) foram realizadas em 1986.

Quesito 21º: Provado.

Quesito 22º: Provado que "as estruturas e a porta referidas nas alíneas M), O) e P) são amovíveis".

Quesito 23º: Provado.

Pretende a apelante que sejam conferidas aos quesitos em análise as seguintes respostas:

Quesitos 2º, 3º, 7º, 8º, 15º, e 16: "Provados".

Quesitos 19º, 21º, 22º e 23º: "Não provados".

Vejamos:

- À matéria do quesito 2º, não existem elementos que permitam responder de forma positiva ao mesmo. Pela prova inquirida foi indicado que a varanda da fracção fora coberta em data anterior a 1996 quando a Autora adquiriu o locado.

É bem certo que se objecta com o testemunho de D..., F...e G... ao aludirem que a fracção seria constituída por uma sala ampla e genericamente um terraço. Quer a D... quer F... não apresentaram depoimento convincente sobre tal questão mostrando-se o mesmo cheio de contradições e acima de tudo hesitações. No que concerne a F... o mesmo não foi inquirido a esta matéria. Por outro lado também o facto de as testemunhas em análise terem estado no locado apenas em Março de 2004 dificulta de sobremaneira o seu depoimento no sentido de que a fracção permaneceu inalterável entre Janeiro de 1973 e 1996, data em que foi adquirido pela recorrente.

O depoimento das testemunhas oferecidas pela Ré são todavia a nosso ver mais credíveis; é o que se passa com J... , L... M...., todas elas aludindo a um terraço tapado.

- À matéria do quesito 3º diremos a que resposta que lhe foi conferida perfila-se como sequência lógica da que foi dada ao quesito anterior, elucidando-nos nesse sentido o depoimento das testemunhas F..., J ... e L... supra-referidos, nomeadamente referindo que em 1985 o locado já se encontrava na situação em que hoje se encontra. A preferência pelo depoimento destas testemunhas em relação às testemunhas da Autora deve-se à segurança dos respectivos depoimentos quando confrontados com o carácter algo hesitante destas últimas.

- À matéria do quesito 7º entendemos que foi acertada a resposta de não provado que lhe foi conferida. Todavia ela assenta em nosso entender não no cariz contraditório dos depoimentos mas antes na convicção que nesse sentido é formada após inquirição das testemunhas J ..., L... e M .... Não é possível afirmar que a Ré instalou a referida mezzanine e construiu as escadas.

- À matéria dos quesitos 8º e 15º há um elemento fundamental que esta Relação não pode controlar que serviu de esteio à conclusão a que se chegou e que é a inspecção que o Tribunal a quo realizou no local concluindo pela não configuração na fracção de um piso/pavimento superior; contudo também as testemunhas J ..., L... e M ... que corroboraram a conclusão de que o que é possível constatar no locado é uma zona de arrumos e não qualquer piso superior digno dessa qualificação.

- À matéria do quesito 16º: não se levantam problemas na resposta a este quesito.

- À matéria do quesito 19º

Improcede pois a pretensão da recorrente em ver alterada a matéria de facto.

Nesta conformidade entendemos encontrarem-se provados os seguintes,

2.2. Factos.

2.2.1. A Autora é dona da fracção autónoma designada pela Letra "L"  2, no lº Andar, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sito na B..., n.º ..., na cidade, concelho e comarca de Coimbra, o qual se encontra inscrito na respectiva matriz predial urbana da freguesia de B... – Coimbra sob o artigo n.º ....º e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.º .../196SOS12 (alínea A) dos factos assentes).

2.2.2. Por escrituras públicas outorgadas no dia 15 de Fevereiro de 1996 e 6 de Novembro de 1996, a autora comprou os quinhões hereditários ou direito e acção à herança ilíquida e indivisa que ficou por óbito de Generosa Gonçalves Outeiro Henrique, de que essa fracção fazia parte integrante, estando a aquisição da fracção, por compra, inscrita na mencionada Conservatória a favor da autora (alínea B) dos factos assentes).

2.2.3. Por escrito celebrado em 1 de Janeiro de 1973, o então dono da fracção, N...., declarou dá-la de arrendamento, com início nessa mesma data, à sociedade comercial por quotas O...., Lda., que por seu turno declarou tomá-la de arrendamento, para ser utilizada como escritório e pela renda mensal de 1.000$00, pelo prazo de um ano sucessivamente renovável por iguais períodos de tempo (alínea C) dos factos assentes).

2.2.4. A sociedade O ..., Lda. veio a ser objecto de transformação noutro tipo societário, alterando a sua denominação para B..., S.A., e actualmente C... S.A„passando esta a reconhecer-se e a ser reconhecida como a única arrendatária da fracção autónoma acima referida e nas mesmas condições contratuais (alínea D) dos factos assentes).

2.2.5. A renda actual cifra-se em 6 24,94 (alínea E) dos factos assentes).

2.2.6. A fracção arrendada apresentava-se, em I de Janeiro de 1973, como um espaço composto por sala, sanitários e um terraço (alínea F) dos factos assentes).

2.2.7. A ré prolongou o tecto que servia de cobertura às instalações sanitárias (alínea G) dos factos assentes).

2.2.8. Por cima destas instalou uma mezzanine e, para aceder a esta, construiu umas escadas em madeira (alínea H) dos factos assentes).

2.2.9. As escadas actualmente partem do pavimento inicial, no sentido nascente poente/com três ou quatro degraus, até um primeiro patamar, onde tornam o sentido norte/sul, com mais cerca de sete ou oito degraus (alínea I) dos factos assentes).

2.2.10. As escadas têm um gradeamento, que num dos lados limita e protege a mezzanine, e um corrimâo também em madeira (alínea J) dos factos assentes).

2.2.11. Em 8 de Janeiro de 2002 a ré remeteu uma carta à autora a solicitar autorização para proceder a obras de conservação na fracção, tendo a 9 de Janeiro de 2002 remetido à autora fax no qual reiterou o pedido de autorização para realização de obras de conservação, descriminando as seguintes: picagem e reboco da parede posterior pelo interior por baixo da janela; tapagem de fendas; reparação de tecto interior e pintura; pintura geral em paredes e tectos; limpeza da parede exterior e pintura com tinta à base de borracha no exterior abaixo da janela, com colocação de silicone em volta da janela de vedação (alínea K) dos factos assentes).

2.2.12. A autora respondeu à ré através de carta de 21 de Janeiro de 2002, dando autorização para a realização das obras pretendidas (alínea L) dos factos assentes).

2.2.13. No início do mês de Novembro de 2004, a ré mandou colocar na janela da fracção uma grade de protecção, modelo de lagarto, metálica e lacada a branco (alínea M) dos factos assentes).

2.2.14. Em Março de 2005 a ré instalou um sistema de ar condicionado no espaço correspondente ao terraço da fracção e procedeu à revisão e manutenção geral dos circuitos de tomadas e de iluminação da fracção (alínea N) dos factos assentes).

2.2.15. Em finais de Março de 2005 a ré mandou aplicar vãos de divisória sob a mezzanine e junto da entrada da fracção, com estrutura em alumínio e vidro de 5 mm, e uma porta de vidro entre a sala e o terraço da fracção (alínea 0) dos factos assentes).

2.2.16. E ainda dois vãos de divisória, com estrutura em alumínio e vidro de 5 mm, e uma porta de vidro, entre a sala e o terraço da fracção (alínea P) dos factos assentes).

2.2.17. A fracção “L” apresentava em 1 de Janeiro de 1973 apenas uma divisão, para além das instalações sanitárias (resposta ao quesito Iº).

2.2.18. Depois de 1 de Janeiro de 1973, e antes de a autora ter adquirido a fracção, a ré tapou o terraco/varanda aberto situado a nascente do prédio. com uma cobertura e paredes envolventes (resposta ao quesito 3º).

2.2.19. Abriu neste espaço uma janela rectangular, nele colocou vãos envidraçados e uma nova porta em madeira, criando nesse terraço e com ele uma nova divisão fechada (respostas aos quesitos 4º, 5ºe 6º).

I Com os vãos de divisória que colocou sob a mezzanine e junto da entrada da fracção, referidos na alínea 0) dos factos assentes, a ré criou um corredor até cerca de um a dois metros à frente da parede nascente das instalações sanitárias (resposta ao quesito 9º).

2.2.20. Estes vãos de divisória contêm uma porta, com uma bandeira superior envidraçada e são ainda compostos por uma estrutura lateral também envidraçada (respostas aos quesitos 10ºe 11º),

2.2.21. A fracção apresenta actualmente após a entrada um corredor cuja altura máxima é de cerca de 2,20 metros, quando antes do prolongamento do tecto, referido na alínea G) dos factos assentes, a altura existente naquele local era de cerca de 4,20 metros (resposta ao quesito 12º).

2.2.22. Após esse corredor e logo à direita apresenta-se a porta de acesso a uma primeira divisão, que antes era parte integrante de uma única divisão ampla (resposta ao quesito l3º).

2.2.23. Depois dessa primeira divisão apresenta-se a porta de acesso a uma outra divisão fechada, que antes era um terraço/varanda aberto (resposta ao quesito 14º).

2.2.24. A partir dessa primeira divisão apresentam-se as escadas de acesso à mezzanine, referidas nas alíneas I) e J) dos factos assentes (resposta ao quesito 15º).

2.2.25. A colocação dos vãos de divisória referidos na alínea 0) dos factos assentes foi feita sem o conhecimento e autorização da autora (resposta ao quesito 16º).

2.2.26. As obras referidas na alínea H) foram realizadas em 1986 (resposta ao quesito 19ºì'.

2.2.27. A autora limitou-se a, posteriormente, deslocar a escada que dava acesso à mezzanine para junto da parede de divisão da fracção (resposta ao quesito 21 º).

2.2.28. As estruturas e a porta referidas nas alíneas M), 0) e P) são amovíveis (resposta ao quesito 22º).

2.2.30. A aplicação das estruturas e porta referidas na alínea P) destinou-se à substituição da divisória e da porta já existentes.

                      +

2.3. O Direito.

Nos termos do preceituado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:

- Da pretensa nulidade a que alude o artigo 668º nº 1 alínea d) do Código de Processo Civil.

- As obras não autorizadas no locado como fundamento de resolução do contrato.

- Estão preenchidos os requisitos de resolução do contrato de arrendamento a que alude o artigo 74º nº 1 alínea d) do RAU

    - Anterioridade das obras à aquisição do locado pelo actual senhorio.

    - Relevância das obras como fundamento de resolução do contrato.                         

                      +

2.3.1. Da pretensa nulidade a que alude o artigo 668º nº 1 alínea d) do Código de Processo Civil.

A apelante insurge-se contra a sentença apelada na medida em que decidiu incluir as obras descritas no ponto 7 da fundamentação de facto no conjunto de obras que entendeu terem sido realizadas pela Ré/ arrendatária no locado antes de a Autora ter adquirido a propriedade do mesmo. Pede que se declare a nulidade da sentença naquela parte ao abrigo do disposto no artigo 668º nº 1 alínea d) do Código de Processo Civil. Pede ainda que se declare que as obras descritas naquele ponto 7 da fundamentação a que alude a alínea G) dos factos assentes) preenchem todos os requisitos do artigo 64º nº 1 alínea d) do RAU declarando consequentemente resolvido o contrato de arrendamento entre Ré\ arrendatária e Autora senhoria.

Vejamos:

A recorrente não tem razão; efectivamente não é possível separar a matéria que consta das duas alíneas. Na alínea G) dá-se como assente que "a Ré prolongou o tecto que servia de cobertura às instalações sanitárias; e na alínea G) refere-se que "por cima destas instalou uma mezzazine e para aceder a esta, construiu umas escadas de madeira. Contudo se está provado que os factos descritos em H) foram realizados em 1986 necessariamente que aqueles a que se reporta a alínea G) uma vez que suportam os últimos teriam necessariamente que ter sido levados a cabo até 1986. Também a recorrente se insurge contra a sentença na medida em que ali se diz que as obras realizadas visavam um melhor aproveitamento do espaço, o que em seu entender não tem qualquer suporte factual. Ora o que foi expendido foi uma conclusão jurídica pretensamente apoiada em factos provados, pelo que tal conclusão nunca poderá constituir uma nulidade (de natureza necessariamente formal) mas antes um erro de julgamento.

Por último frise-se uma vez mais que ao pronunciar-se sobre as nulidades que a apelante tinha arguido nas suas alegações de recurso o Sr. Juiz nada mais fez do que cumprir a lei; na verdade decorre dos artigos 668º nº 1 alínea c) e 4 e 670º nº 5 do Código de Processo Civil que sendo arguida uma nulidade mesma nas alegações de recurso, o Juiz pode e deve supri-la devendo em qualquer caso pronunciar-se sobre a mesma, sendo a omissão desse despacho até motivo para fazer baixar o processo ao Tribunal a quo. A recorrente salvo o devido respeito parece confundir a sede da reclamação das nulidades obrigatoriamente feita nas alegações quando exista recurso e impossibilidade de o Juiz que proferiu a sentença poder supri-la, não existindo qualquer impedimento a que o faça devendo até fazê-lo sendo caso disso antes de o processo subir ao tribunal superior.

Nesta conformidade a apelante não tem razão ao arguir a nulidade supra-referida.

                      +

2.3.2. As obras não autorizadas no locado como fundamento de resolução do contrato.

O artigo 1038º do Código Civil, que enumera as obrigações do locatário, refere na sua alínea d), que o mesmo não deve fazer da coisa locada uma utilização imprudente. A sanção para o incumprimento deste dever surgia tipicizada no artigo 64º do RAU particularmente no que ao nosso caso tem cabimento, na alínea d) do referido preceito legal onde se confere ao senhorio o direito de resolução do contrato se o arrendatário “Fizer no prédio, sem consentimento escrito do senhorio, obras que alterem substancialmente a sua estrutura externa ou a disposição interna das suas divisões, ou praticar actos que nele causem deteriorações consideráveis, igualmente não consentidas e que não possam justificar-se nos termos do artigo 1043º do Código Civil ou 4º do presente diploma”. Subjacente ao normativo supracitado está pois a ideia que se verificou um incumprimento tão grave dos deveres do inquilino de molde a entender-se ser razoável libertar o senhorio do ónus que impendia sobre o seu direito colocando termo ao vínculo contratual[1].

À luz da citada alínea d) do artigo 64º do RAU, tais obras terão que traduzir-se em 1) alteração substancial da estrutura externa do prédio. 2) Alteração substancial da sua estrutura interna; ou ainda 3) Actos que causem deteriorações consideráveis, igualmente não consentidas e que não possam justificar-se nos termos dos artigos 1043º do Código Civil ou 4º do presente Diploma;

A forma como o normativo em causa está redigido permite uma larga margem de discricionariedade, o que bem se compreende atenta a multiplicidade de aspectos que o caso concreto pode revestir, sendo por isso difícil a enumeração exaustiva de quadros fundamentais contemplando esta problemática para além do que a lei menciona. Foi provavelmente atendendo a isto que a Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro optou por introduzir como norma de subsunção deste tipo de casos uma cláusula geral no nº 2 do artigo do artigo 1083º do Código Civil ao estatuir que “É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente, quanto à resolução pelo senhorio”.

Na vigência do RAU a Doutrina e a Jurisprudência lançou mão de vários critérios para aferir do preenchimento dos pressupostos da resolução do contrato com o fundamento que ora apreciamos. É o que se passou com o critério da irreparabilidade das obras efectuadas no locado que alguns sectores consideram necessário para aferir da viabilidade da resolução do contrato com o fundamento que ora apreciamos. Tal critério é frágil, já que em princípio toda a obra é reparável mesmo que tal implique a sua reconstrução total; por isso há quem propenda para um juízo de perenidade de acabamento no sentido que o texto legal se basta com o facto de a obra ter alterado de modo definitivo a configuração do prédio[2]. Mas também este critério não salienta, só por si, o relevo das obras como justificativo da resolução do contrato; a obra não obstante a sua perenidade pode ser insignificante. Quer isto dizer que será em termos de relevância da obra sob o ponto de vista interno e externo que casuisticamente se terá que aquilatar da violação do contrato; numa palavra fazendo singelamente apelo ao carácter substancial ou não das modificações levadas a cabo. Aliás este critério preenche duas exigências do direito locatício que se impõe conciliar: por um lado o respeito pelo direito do senhorio de como tal ser ele em princípio a realizar as obras que se impõem; mas por outro o reconhecimento de que o contrato de locação pode exigir para que seja usufruído com vantagem, a possibilidade de realizar ajustamentos sem os quais não se alcança o objectivo que lhe esteve subjacente no momento da respectiva outorga[3].

Eram estas no fundo as exigência legais face ao RAU (ora aplicável) e terão que ser também a pedra de toque no domínio da nova lei que confiou à Doutrina e Jurisprudência o preenchimento da verificação dos pressupostos da resolução contratual. Com isto não se pretende tornar irrelevantes outros critérios supra-expostos; todavia eles terão sempre que ser ponderados como índices a valorar no caso concreto na fisionomia que lhe dá a sua configuração global.

                      +

2.3.3. Estão preenchidos os requisitos de resolução do contrato de arrendamento a que alude o artigo 74º nº 1 alínea d) do RAU?

A questão que nos cumpre apreciar traduz-se fundamentalmente em saber se os factos que vêm provados preenchem os requisitos da alínea d) do artigo 74º nº 1 do RAU.

A Autora sustenta que a acção com esta factualidade provada terá que proceder. A Ré, ao contrário, propugna a improcedência da acção na sequência do que foi aliás decidido em 1ª instância.

A primeira questão que importa dilucidar é a de apurar se é permitido resolver o contrato com base na realização de obras não autorizadas no locado quando o senhorio Autor na presente acção ainda não era proprietário do prédio.

Nem sempre houve unanimidade de critério acerca desta questão, tendo já havido respostas positivas a esta questão. Pelo nosso lado entendemos que a pedra de toque para dirimir esta problemática reside na essência da transmissão de direitos inter vivos que não pode confundir-se com a sua aquisição através da sucessão mortis causa. Na verdade "o sucessor ex lege não é um mero sucessor do tradens; sub-roga-se na posição dele unicamente desde a data da aquisição e sem prejuízo das regras de registo como se diz no artigo 1057º do Código Civil. Pelo contrário na sucessão universal mortis causa ocorre pelo contrário uma simples substituição da pessoa do locador falecido pelas dos herdeiros que lhe sucedem não chegando a conformar-se uma verdadeira situação de modificação da relação de arrendamento"[4].

Pelo exposto, havendo infracções ao contrato de arrendamento praticadas pela Ré antes da transmissão da propriedade do locado à Autora, não se transmitiu a esta última o direito de com base nas mesmas intentar a acção tendente à resolução do contrato com base nas mesmas. É o que no caso que analisamos se passa com a criação de uma nova sala através da cobertura do terreço e a construção da mezzanine já que realizadas e concluídas antes da data da transmissão do direito com base no qual foi celebrado o contrato de arrendamento à ora Autora.

Resta agora indagar se as obras realizadas após a Autora haver adquirido a propriedade do locado poderão ser consideradas de molde a conduzir à resolução do contrato ou se constituirão tão só meras intervenções do estatuído no artigo 4º do RAU que permite ao "(…)  ao arrendatário realizar pequenas deteriorações no prédio arrendado, quando elas se tornem necessárias para assegurar o seu conforto ou comodidade".

Está provado que em Novembro de 2004 a Ré mandou colocar na janela da fracção uma grade de protecção, modelo lagarto, metálica e lacada a branco, que em Março de 2005 instalou um sistema de ar condicionado no espaço correspondente à varanda e procedeu à revisão e manutenção geral dos circuitos das tomadas e de iluminação da fracção (alíneas M) e N) dos factos assentes).

A colocação de uma grade de protecção, que é amovível, a instalação de um sistema de ar condicionado e a revisão do sistema eléctrico e de iluminação traduzem pequenas deteriorações, inerentes a uma prudente utilização, e que se destinam a assegurar o conforto e comodidade do inquilino, constituindo assim intervenções lícitas nos termos do artº 4º do RAU, e que por isso não podem legitimar a resolução do contrato.

Encontra-se ainda assente que, em finais de Março de 2005, a Ré mandou aplicar vãos de divisória sob a mezzanine e junto da entrada da fracção, tendo-se apurado que estes vãos contêm uma porta com uma bandeira superior e uma estrutura lateral envidraçadas, e que com os mesmos criou um corredor até cerca de um a dois metros à frente da parede nascente das instalações sanitárias (alínea 0) dos factos assentes e respostas aos quesitos 9º e 10º).

De igual modo está provado que nessa mesma ocasião a Ré colocou dois vãos de divisória, com estrutura em alumínio e vidro de 5 mm e uma porta de vidro entre a sala e o terraço da fracção (alínea P) dos factos assentes), tendo-se contudo provado que a aplicação de tais estruturas se destinou tão só à substituição da divisória e da porta já existentes, e que haviam sido aplicadas antes da aquisição da propriedade da fracção pela autora (respostas aos quesitos 5º e 23º), não consubstanciando assim obras que alterem a estrutura interna da fracção.

Temos, pois, que a única obra que possui a virtualidade de constituir fundamento de resolução do contrato de arrendamento consiste na aplicação dos vãos de divisória que a ré, em Março de 2005, colocou sob a mezzanine e junto da entrada da fracção, e com os quais esta criou um novo corredor. Mas aqui também entendemos com a 1ª instância que mau grado esta obra haver propiciado a criação de uma corredor, ou hall de entrada, anteriormente inexistente, assim alterando a disposição interna das divisões da fracção, não atinge o relevo ou importância exigida pelo artº 64º, al. d), do RAU para fundamentar a solução drástica da resolução do contrato. É que as obras limitam-se a criar uma espécie de hall de resguardo à sala que constitui o cerne da fracção permitindo assim um melhor aproveitamento do espaço para os fins convencionados no contrato, o uso com escritório. Por outro lado o referido hall exclusivamente criado com vãos de divisórias amovíveis o que permite que findo o contrato aquelas possam ser removidas sem deixar marcas pelo ue a integridade do locado não fica atingida, salvaguardando-se assim o interesse do senhorio[5].

Nesta conformidade haverá que confirmar na íntegra a sentença em crise.

Poderá pois à guisa de sumário e conclusões assentar-se no seguinte:

1) Sendo arguida uma nulidade da sentença nas alegações de recurso, o Juiz pode e deve supri-la devendo em qualquer caso pronunciar-se sobre a mesma, sendo a omissão desse despacho até motivo para fazer baixar o processo ao Tribunal a quo.

2) Não é permitido resolver o contrato com base na realização de obras não autorizadas no locado levadas a cabo quando o senhorio Autor na acção ainda não era proprietário do prédio. Na verdade o sucessor ex lege não é um mero sucessor do tradens; sub-roga-se na posição dele unicamente desde a data da aquisição e sem prejuízo das regras de registo.

 3) Subjacente à resolução do contrato de arrendamento com base na realização de obras não autorizadas no locado está a ideia que se verificou um incumprimento tão grave dos deveres do inquilino de molde a entender-se ser razoável libertar o senhorio do ónus que impendia sobre o seu direito colocando termo ao vínculo contratual.

4) Será assim em termos de relevância da obra sob o ponto de vista interno e externo que casuisticamente se terá que aquilatar da violação do contrato; numa palavra fazendo singelamente apelo pelo carácter substancial ou não das modificações levadas a cabo.

5) Não constituem fundamento da resolução do contrato de arrendamento obras que se limitam a criar uma espécie de hall de resguardo à sala que constitui o cerne da fracção permitindo assim um melhor aproveitamento do espaço para os fins convencionados no contrato, o uso com escritório nomeadamente quando o referido hall se mostra exclusivamente criado com vãos de divisórias amovíveis o que permite que findo o contrato aquelas possam ser removidas sem deixar marcas pelo que a integridade do locado não fica atingida.

                      *

3. DECISÃO.

Pelo exposto acorda-se em julgar a apelação improcedente confirmando assim a sentença apelada.

Custas pela apelante.


Távora Vítor (Relator)
Nunes Ribeiro
Hélder Almeida

[1] Cfr. as considerações de Menezes Cordeiro in “Acção de  Despejo. Obras sem autorização do senhorio. Exercício do direito de resolução” in Revista “O Direito” Ano 120, 1988 I-II pags. 203 ss: Henrique de Mesquita Anotação ao Ac. da Rel. Coimbra de 25-2-1997 in RLJ Ano 130 pags. 187 ss.

[2] Cfr. Menezes Cordeiro Ob. cit. pags 238 e Ac. da Rel. de Lisboa de 18-3-1993 (R. 5262) in Col. de Jur., 1993, 2, 113.

[3] Cfr. de algum modo neste sentido José Oliveira Ascensão e Luís Menezes Leitão "Resolução do Arrendamento com fundamento na Realização de Obras Não Autorizadas" in Revista "O Direito", 1993, III-IV Ano 125, pags. 417 ss.

[4] Cfr. Pinto Furtado "Manual de Arrendamento Urbano" II, Almedina, Coimbra, 4ª Edição, pags. 600. Pires de Lima e Antunes Varela Código Civil Anotado II, 4ª Edição pags. 400 ss.

[5] Cfr. Ac. do S.T.J. de 12-11-1996 (P. 475/96) in Bol. do Min. da Just., 461, 424; da Rel. de Lisboa de 11-11-1986 (R. 23 801) in Col. de Jur., 1986, 5, 115; de 26-02-2002 (R. 1430/01) in Col. de Jur., 2002, 1, 125