Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1550/11.9TBLRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMIDIO FRANCISCO SANTOS
Descritores: PROVA EM MATÉRIA CIVIL
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
FUNDAMENTAÇÃO
Data do Acordão: 05/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - POMBAL - JUÍZO EXECUÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 342º DO CÓDIGO CIVIL, 668º Nº 4 E 713º DO CPC
Sumário: I - A prova não tem por função demonstrar a certeza absoluta de um facto.

II – A exigibilidade da obrigação exequenda deve ser aferida em face do título executivo.

III – A parte que arguir a nulidade como fundamento do recurso tem o ónus de fundamentar a arguição.

Decisão Texto Integral:







Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

A..., SA, instaurou execução para pagamento de quantia de 16 597,02, que compreende capital em dívida e juros, contra B... , Lda, C... e D... .

A execução teve por base a livrança junta a fls. 71. Nos termos do requerimento executivo, tal título foi assinado pela executada B... na qualidade de subscritora e por C... e D... na qualidade de avalistas da subscritora.  

A executada D... opôs-se à execução pedindo:

1. Se declarasse inepto o requerimento inicial;

2. Se declarar-se que ela, executada, era parte ilegítima;

3. Se declarasse sem força executiva o título;

4. Se julgasse procedente a oposição e que, em consequência, se absolvesse a executada da instância e dos pedidos.

Sustentou estas pretensões alegando em resumo:

1. Que não se depreendia do requerimento executivo qual o título executivo apresentado;

2. Que a livrança que servia de base à execução não foi assinada por ela, executada.

O exequente contestou, pedindo se julgassem improcedentes os embargos. Alegou que a livrança foi assinada pela executada; que a executada foi notificada de que ia ser feito o preenchimento da livrança.

No despacho saneador, o tribunal a quo julgou improcedente tanto a arguição de ilegitimidade como a de ineptidão do requerimento executivo.

O processo prosseguiu os seus termos e após a realização da audiência final, foi proferida sentença que julgou improcedentes os embargos.

A embargante não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo “a revogação da sentença com todas as consequências daí resultantes”.

Os fundamentos do recurso consistiram, em resumo, no seguinte:

1. Na impugnação da decisão relativa à matéria de facto;

2. Na imputação à sentença da violação dos seguintes artigos: 342.º e 374.º, ambos do Código Civil; 154.º, 668.º (actual 615.º), n.º 1, alíneas b), c) e d), do Código de Processo Civil; 13.º, 20.º, 202.º, 204.º e 205.º da Constituição da República Portuguesa.

A recorrida respondeu, pedindo se julgasse improcedente o recurso. Alegou, em resumo, que devia manter-se a decisão de facto e que a decisão recorrida não violou os artigos indicados pela recorrente.


*

Considerando que o recurso suscita questões de facto e de direito e que a resolução daquelas questões tem precedência lógica sobre a resolução destas, iremos começar o julgamento do recurso pelo conhecimento da impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

A recorrente começa por impugnar a decisão de julgar não provados os factos enunciados na decisão relativa à matéria de facto sob números 1, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9. Estão em causa as seguintes alegações feitas na oposição à execução:

1. Que o nome e a assinatura da executada não constam na livrança dada a execução;

2. Que a executada não apôs a sua assinatura na livrança;

3. Que a executada nunca foi notificada do preenchimento da livrança;

4. Que a executada nunca assinou nem nunca autorizou que assinasse por si nenhuma convenção de preenchimento da livrança em branco;

5. Que a executada nada deve ao exequente, nem se obrigou a pagar ao exequente qualquer dívida;

6. Que o título apresentado à execução nunca foi do conhecimento da executada;

7. Que nunca foi dado conhecimento à executada do preenchimento da livrança;

8. Que a executada nunca assinou qualquer compromisso com o exequente;

9. Que a executada esteja divorciada do executado C... ; que estejam há muito separados; que não façam vida em comum desde 2003 e que desde essa data que, em conjunto com o executado C... , não assina qualquer documento ou garantia, nomeadamente a livrança que serve de base à execução.

A recorrente pede se julguem provados estes factos.

Os fundamentos da sua pretensão foram os seguintes:

1. Que do exame feito à letra da executada apenas resultou como provável que tenha sido a mesma a apor a sua assinatura e que o provável não significa certeza; que o exame não deu a certeza absoluta porque, na realidade, não foi a executada quem assinou o título dado à execução; 

2. Que resultava do depoimento da executada D... que a mesma não assinou nenhum documento relativo à sociedade gerida pelo seu ex-marido (o executado);

3. Que resultou do depoimento da testemunha E... que a executada nunca interveio em qualquer assunto relacionado com a empresa, nem assinava documentos relacionados com a mesma;

4. Que o tribunal firmou-se exclusivamente no relatório pericial.

Antes de entrarmos na apreciação da argumentação da recorrente, importa dizer que ela versa apenas sobre a questão de saber se foi a executada quem escreveu no verso da livrança, por baixo dos dizeres “dou o meu aval à firma subscritora”, o seu nome ( D... ). Daí que, apesar de a recorrente ter declarado o seu inconformismo em relação a vários segmentos da decisão de facto, a questão de facto essencial é aquela que indicámos acima: saber se foi a executada quem escreveu no verso da livrança, por baixo dos dizeres “dou o meu aval à firma subscritora”, o seu nome ( D... ).

Entrando, agora, na apreciação da mencionada argumentação, importa começar por dizer que é exacto que o perito que procedeu à comparação da escrita que se sabe pertencer à executada [escrita constante de fls. 75 a 78] com a escrita “suspeita” [constituída pela assinatura com o nome de D... , aposta no verso da livrança, e pela assinatura com o mesmo nome, aposta no documento de fls. 73, da proposta de concessão de uma abertura de crédito] foi de parecer que, numa escala com vários graus de probabilidade [pouco provável, pode ter sido, provável, muito provável, muitíssimo provável e praticamente provada], era apenas provável que a letra suspeita fosse da executada.

E é exacta ainda a alegação da recorrente de que o parecer do perito não significa uma certeza absoluta quanto à autoria da assinatura. Com efeito, de acordo com a tabela de significância usada pelo perito, “provável” significa, em termos de percentagem, uma percentagem acima de 50%, mas inferior a 70%.

Esta circunstância não determina, no entanto, que se julgue não provado que foi a executada quem escreveu o seu nome no verso da livrança, nem muito menos, como pretende a recorrente, se julgue provado que não foi ela quem escreveu o seu nome no verso da livrança.

É que a prova, qualquer que ela seja, não tem por função demonstrar a certeza absoluta de um facto. Segundo o artigo 341.º do Código Civil, as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos. Socorrendo-nos das palavras de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, Limitada, página 420, “… a demonstração da realidade de factos … não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta, sob pena de o Direito falhar clamorosamente na sua função essencial de instrumento de paz social e de realização da justiça entre os homens. A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade, essenciais à aplicação da prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”.

Segue-se do exposto que, no caso, não estava em causa a obtenção da certeza absoluta quanto à autoria da assinatura imputada à executada. Estava em causa a certeza relativa, apoiada em critérios de razoabilidade.

Ora, no caso, é de afirmar esta certeza relativa.

Esta certeza relativa tem apoio, em primeiro lugar, nas muitas semelhanças que existem entre a escrita suspeita e a assinatura feita pela executada no seu bilhete de identidade cuja cópia está junta a fls. 28, ou seja, em relação a uma escrita em relação à qual se sabe que pertence à executada (sabe-se porque a executada não a impugnou).

Estas semelhanças são um elemento muito importante para a convicção deste tribunal, pois estão em causa escritas separadas no tempo por cerca de 2 anos e meio. A assinatura aposta no bilhete de identidade foi efectuada em Janeiro de 2002; a assinatura suspeita foi feita em Junho de 2004.

Esta certeza relativa apoia-se, em segundo lugar, na circunstância de ser normal, à luz das regras da experiência comum, a existência de diferenças entre escritas pertencentes à mesma pessoa, especialmente quando se trate de escritas feitas em momentos diferentes, como sucede no caso com as que são objecto de comparação.

O caso dos autos é exemplo do que se caba de afirmar. Se comparamos a assinatura constante da cópia do bilhete de identidade de fls. 28 com as assinaturas de fls. 75 a 78 são manifestas as diferenças entre elas. Porém, não há qualquer dúvida de que pertencem à mesma pessoa, no caso, a executada. Serve o exposto para dizer que a circunstância de haver diferenças entre a escrita suspeita e aquela que sabemos pertencer à executada não impede o tribunal de julgar provado que foi a executada quem escreveu o seu nome no verso da livrança.

Em terceiro lugar, a certeza relativa quanto à veracidade da assinatura tem apoio no comportamento da executada, tanto no processo, como fora dele.

Se, na realidade, a assinatura da executada tivesse sido feita por outrem que não ela, tanto na livrança, como na proposta de concessão de abertura de crédito, o que seria normal, à luz das regras da experiência comum, era que, quando tomou conhecimento de que lhe era imputada a assinatura em tais documentos, a executada tivesse denunciado a falsificação, tanto mais que o círculo dos suspeitos da falsificação era bem restrito, o banco e o executado C... , pois eram eles quem beneficiava com a falsificação.

Sucede que não há o mais leve indício de que a executada tenha denunciado a falsificação. Mais: no presente processo, estabeleceu um acordo com a exequente, obrigando-se a pagar a quantia exequenda (fls. 111, 112 e 113), acordo que só foi dado sem efeito por iniciativa da exequente. Ora, invocando mais uma vez as regras da experiência comum, não é normal que a executada se tivesse comprometido a pagar a quantia de € 16 597,72, se não tivesse dado o seu aval à subscritora da livrança.  

A convicção deste tribunal é, pois, a de que foi a executada quem escreveu o seu nome no verso da livrança, imediatamente a seguir aos dizeres: “dou o meu aval à firma subscritora.

Esta convicção não é abalada nem pelo depoimento da executada, ora recorrente, nem pelo da testemunha E... .

O depoimento da executada, prestado na sessão da audiência que teve lugar em 18 de Março de 2014, foi dado sem efeito por decisão proferida em 4 de Dezembro de 2015 (fls. 127 e 128). Logo, não poderá ser tomado em consideração. A verdade é que, mesmo que o pudesse, não abalaria em nada a nossa convicção. É que a executada, ora recorrente, não afirmou, no seu depoimento, que não havia assinado a livrança. Disse que não se recordava de a ter assinado. Ora, uma coisa é dizer que não assinou, outra coisa, diferente, é dizer que não se lembrava de ter assinado, sendo de destacar que não é normal que a executada tenha dito, em audiência, que não se recordava se assinou a livrança, quando na oposição disse e repetiu que não a havia assinado.

Por sua vez, E... , tio da embargante, instado sobre a questão da assinatura, declarou que a (executada) dizia que não se lembrava de ter assinado e que ele acreditava nela, como ela não riscava nada na empresa, se calhar também não assinou.

Com esta resposta, a testemunha mostra que não sabia se a executada tinha assinado a livrança.

Pelo exposto, julga-se improcedente a impugnação da decisão de julgar não provadas as alegações enunciadas sob os pontos números 1, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9 decisão relativa à matéria de facto.

A recorrente impugnou, em segundo lugar, a decisão de julgar provado que a exequente enviou uma carta registada com a/r à executada, datada de 30/12/2009, com os dizeres constantes de fls. 30 [alínea E), dos factos julgados provados].

A recorrente pede se julgue não provada tal matéria. Sustenta, para tanto, que a exequente é uma instituição bancária com contabilidade organizada e com escrituração exigentíssima e que era fácil, para ela, provar o envio da carta registada com aviso de recepção, o que não fez, pois apresentou apenas o que disse ser a missiva de 20/12/2009, nem tendo sido juntos ao processo nem registo nem aviso de recepção.

Como se vê, a recorrente insurge-se contra a decisão de julgar provada a matéria em causa por a exequente não ter juntado aos autos nem a prova do envio da carta sob registo, nem o aviso de recepção.

Pelas razões a seguir expostas é de julgar procedente a impugnação.

O tribunal a quo fundamentou esta matéria em conjunto com a fundamentação da decisão de julgar provada a matéria das alíneas A), B) e D). A justificação que o tribunal deu foi a seguinte: os factos em causa [alíneas A), B), D) e E)] resultavam da prova pericial e documental conjugada com a posição das partes e a prova testemunhal.

Pese embora o respeito que nos merece a decisão da Meritíssima juíza do tribunal a quo, a prova pericial, a prova documental, a posição das partes e a prova testemunhal não sustentam a decisão de julgar provada tal matéria.

A matéria em causa foi alegada pela exequente no artigo 24.º da contestação à oposição. Para prova de tal alegação, apresentou o documento junto a fls. 30, que é da autoria da própria exequente.

Tal matéria deve considerar-se impugnada pela executada, pois está em contradição com o que ela alegou na oposição, designadamente quando alegou que nunca foi notificada do preenchimento da livrança que serve de base a execução (artigo 22.º da oposição à execução).

A prova pericial não se pronunciou sobre tal documento.

A prova testemunhal – depoimento de E... – também nada disse sobre a matéria em questão.

Resta, assim, para prova de tal matéria o documento de fls. 30.

Trata-se meio de prova manifestamente insuficiente para demonstrar a realidade de tal matéria. Com efeito, trata-se de um documento da autoria da exequente, que prova apenas que ela, exequente, fez as declarações que dela constam. Tal documento não prova que o mesmo tenha sido enviado à executada, nem prova que o envio tenha sido feito através de carta registada com aviso de recepção.

Pelo exposto, altera-se a decisão de julgar provado que a exequente enviou uma carta registada cm a/r à executada, datada de 30/12/2009, com os dizeres constantes do documento de fls. 30, julgando-se não provada a referida matéria.


*

Julgada improcedente a decisão relativa à matéria de facto, consideram-se provados os seguintes factos:

A) O banco exequente é portador de um título com a palavra “livrança” nele inscrita, junto a fls. 72, no valor de € 15.815,42, com data de emissão em 9/6/2004, em Ourém, com data de vencimento em 7/1/2010, onde se diz, para além do mais, “no seu vencimento, pagará V. Exas por esta única via de livrança ao “ A... , S.A.” ou à sua ordem a quantia de quinze mil oitocentos e quinze euros e quarenta e dois cêntimos (requerimento executivo);

B) No documento referido em A) após a expressão “dou o meu aval à firma subscritora” encontra-se aposta uma assinatura da opoente;

C) A opoente não pagou a quantia mencionada em A);

D) O documento referido em A) foi entregue à Exequente para garantir o acordado num escrito intitulado de proposta de concessão de uma abertura de crédito, junto a fls. 73 do processo, formalizado em 9/6/2004, sendo proponente a sociedade executada, estando tipificada a operação como abertura de crédito a conceder pelo exequente no valor de quinze mil euros exclusivamente mobilizável no âmbito de: a) conta corrente caucionada; b) desconto comercial; c) garantias bancárias, onde consta, entre outras, a seguinte declaração: “(...) Constituímo-nos fiadores dos proponentes pelo cumprimento das obrigações emergentes deste contrato, que assumimos como principais pagadores. Prestamos também o nosso aval na livrança em branco que aqueles entregam nesta data ao A... , a quem conferimos o necessário mandato de preenchimento, nas mesmas condições dos proponentes (...)”, estando aposta, entre outra, a assinatura da Opoente após tal declaração, também ali constando “(...) sem prejuízo de outras garantias eventualmente já constituídas, que se mantêm em vigor, e para garantia de cumprimento de quaisquer obrigações emergentes deste contrato: a) entregamos nesta data ao Banco uma livrança em branco por nós subscrita e avalisada pelos fiadores acima referidos, mandatando, desde já, o A... para fins do seu preenchimento pelo valor das nossas responsabilidades, vencidas e em dívida, e nas datas que melhor lhe convier para a respectiva emissão, vencimento e fixação do local de pagamento (...)” (arts. 13.o, 22.o da Contestação);


*

Descritos os factos passemos à apreciação dos restantes fundamentos do recurso.

Como se escreveu acima, a recorrente imputou à sentença a violação dos seguintes artigos: 342.º e 374.º, ambos do Código Civil; 154.º, 668.º (actual 615.º), n.º 1, alíneas b), c) e d), ambos do CPC; 13.º, 20.º, 202.º, 204.º e 205.º da Constituição da República Portuguesa.

Pelas razões a seguir expostas, o recurso é de julgar improcedente.

Comecemos pela alegação de que a sentença violou o disposto no artigo 342.º do Código Civil.

Apesar de este preceito compreender várias normas e de a recorrente não ter especificado a norma que foi violada pela decisão sob recurso, deduz-se da alegação que teve em vista a norma do n. 1, cujos termos são os seguintes: “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”.

Segundo a recorrente, a sentença violou a mencionada norma porque a exequente estava obrigada a fazer prova da veracidade da assinatura que imputou à executada e a fazer prova de que enviou a carta com aviso de recepção, mas não fez prova destes factos.

Esta alegação não procede.

Em primeiro lugar, se é exacto que incumbia à exequente, por aplicação do n.º 2 do artigo 374.º do Código Civil, a prova de que fora a executada quem escrevera o nome dela no verso da livrança, debaixo dos dizeres “dou o meu aval à firma subscritora”, já não é exacto que a autora não tenha feito prova deste facto. Está provado que a assinatura da executada aposta no verso da livrança é verdadeira.

Em segundo lugar, é exacto que a exequente não provou que enviou à executada carta com aviso de recepção com os dizeres constantes de fls. 30. Dizeres que se traduzem, em síntese, na comunicação da rescisão do contrato de gestão de tesouraria e do contrato de abertura de crédito; na interpelação da executada para pagar os valores em divida no prazo de 8 dias; e na comunicação de que, no caso de não proceder ao pagamento, a livrança iria ser preenchida.

Segundo a recorrente era condição de exigibilidade do montante aludido no título de crédito, que havia sido subscrita em branco, a interpelação prévia do avalista.

Não assiste razão à recorrente.

Embora um dos requisitos da obrigação exequenda seja a sua exigibilidade, este requisito afere-se em face do título. Era o que resultava do artigo 802.º do CPC de 1961 [em vigor na altura da instauração da execução] na parte em que dispunha que “a execução principia pelas diligências, a requerer pelo exequente, destinadas a tornar a obrigação … exigível …, se o não for em face do título executivo”. Esta solução manteve-se no artigo 713.º do CPC em vigor.

Logo, para responder à questão de saber se a obrigação era exigível, havia que examinar o título. Ora, procedendo a este exame, a conclusão a que se chega é a de que, em face do título dado à execução (a livrança que está junta a fls. 72), a obrigação exequenda era exigível.

A interpelação da executada, enquanto avalista, seria relevante para responder à questão da exigibilidade da obrigação, se o contexto da oposição fosse o seguinte: se a executada, embora reconhecendo, como sua, a assinatura aposta no verso da livrança na qualidade de avalista da subscritora do título, alegasse que, quando a assinou, a mesma estava incompleta (o que era consentido pelo artigo 10.º da Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças) e que ficou acordado com o banco que este, antes de a completar, estava obrigado a interpelá-la a ela, avalista, para proceder ao pagamento em dívida.

Porém, mesmo neste contexto, não era ao banco que competia provar a interpelação da avalista; era à executada, ora recorrente, que cabia provar que o banco preencheu a livrança sem a interpelar previamente, ou seja, que o banco havia completado a livrança contrariamente aos acordos realizados. E cabia-lhe tal ónus por aplicação do n.º 2 do artigo 342.º do CC, na parte em que dispõe que “a prova dos factos impeditivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita”.

Sucede que nem o contexto exposto é o da presente oposição à execução, nem a executada provou que o banco não a interpelou.

O contexto é o oposto: a executada negou que fosse sua a assinatura que lhe era imputada e negou a existência de qualquer acordo quanto ao preenchimento da livrança.

E em matéria de prova da interpelação, o que temos nos autos é a falta de prova de que o banco interpelou a avalista para pagar a quantia em dívida e que lhe comunicou que iria preencher a livrança. Porém, esta falta de prova não significa a prova da realidade contrária ou seja, que o banco não interpelou a avalista para pagar, nem lhe comunicou o preenchimento da livrança que havia sido entregue em branco, sendo que era a prova desta realidade que aproveitaria ao avalista de livrança em branco.

Segue-se do exposto que a circunstância de o exequente não ter provado a alegação de que notificou a executada, por carta registada com aviso de recepção, da data do vencimento e do valor em dívida e de quem, em caso de falta de pagamento, a livrança seria preenchida, não torna a obrigação exequenda inexigível.

Apreciemos, de seguida, a alegação de que a sentença violou o artigo 374.º do Código Civil.

Apesar de não ter indicado a norma deste preceito que segundo ela foi violada (e a indicação justificava-se porque o artigo 374º tem várias normas), resulta da alegação de recurso que está em causa a norma do n.º 2, cujos termos são os seguintes: “se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade”.

A recorrente acusa a sentença de ter violado o artigo 374.º, n.º 2, do Código Civil, não porque discorde da interpretação que dela foi feita pela decisão recorrida, mas porque, no seu entender, a exequente não provou a veracidade da assinatura imputada à executada.

Esta acusação está votada ao fracasso, pois a exequente provou que foi a executada quem escreveu o seu nome no verso da livrança.

Improcede, pois, a alegação de que a sentença violou o artigo 374.º, do Código Civil.

Como improcede a alegação de que a sentença violou o artigo 154.º, do CPC ou incorreu nas causas de nulidade previstas no artigo 668.º (actual 615.º), n.º 1, alíneas b), c) e d), do Código de Processo Civil de 1961.

A nulidade mencionada na alínea b) consiste na falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Esta causa de nulidade está relacionada com o dever de fundamentação das decisões judiciais, enunciado, em ternos gerais, no artigo 154º, do CPC.

A nulidade prevista na alínea c) consiste na oposição entre os fundamentos e a decisão.

Os fundamentos estão em oposição com a decisão, quando aqueles apontam num sentido e a decisão vai em sentido oposto ou pelo menos diferente [cfr. neste sentido Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, Limitada, páginas 671].

A alínea d) fere a sentença de nulidade quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (omissão de pronúncia) ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (excesso de pronúncia).

Esta causa de nulidade está relacionada com o n.º 2 do artigo 660.º do CPC de 1961 (n.º 2 do artigo 608.º, do CPC em vigor) nos termos do qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode conhecer-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

Apesar de não ser fácil definir com rigor o que se deve entender por “questões a resolver”, pode dizer-se que elas consistem fundamentalmente nas pretensões deduzidas pelas partes. Pode dizer-se ainda que, para efeitos do disposto nos artigos 660.º, n.º 2 e 886.º, n.º 1, alínea d) do CPC de 1091 [artigos 608º, n.º 2, e 615.º, n.º 1, alínea d), ambos do Código de Processo Civil em vigor], as questões a resolver não se identificam com os argumentos ou os raciocínios expostos pelas partes em defesa das suas pretensões. Em abono desta interpretação, cita-se Alberto dos Reis, que no Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra – 1981, páginas 143, afirmava a este propósito o seguinte: “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”. Neste sentido cita-se também o acórdão do STJ de 18 de Março de 2010, proferido no processo n.º 10908-C/1977, cujo sumário está publicado no sítio http://www.dgsi.pt/jstj.

Dito sumariamente em que é consiste cada uma das nulidades imputadas à sentença, importa dizer, agora, que a parte que arguir a nulidade como fundamento do recurso [o que lhe é consentido quando a decisão admitir recurso ordinário – artigo 668º, n.º 4, do CPC de 1961] tem o ónus de fundamentar a arguição. Assim, a título de exemplo, se arguir a omissão de pronúncia, há-de indicar as questões que o tribunal deixou de resolver; se acusar a decisão de excesso de pronúncia, há-de especificar as questões que foram conhecidas pelo juiz e que ele não devia ter conhecido [em abono deste entendimento cita-se o acórdão do STJ de 9-10-2008, publicado no sítio http://www.dgsi.pt/jstj].

Deste modo, tendo a recorrente alegado que a sentença havia violado o disposto nas alíneas b), c) e d), do n.º 1, do artigo 668º, do CPC, cabia-lhe fundamentar esta imputação.

Fê-lo apenas em relação à nulidade prevista na alínea b), mediante a alegação de que “lendo atentamente a decisão recorrida, verificava-se que nela não se indicava um único facto concreto susceptível de revelar, informar e fundamentar a real e efectiva situação do verdadeiro motivo do não deferimento da pretensão dos recorrentes” e que “a Meritíssima Juiz limitou-se apenas e tão só a emitir uma sentença “economicista”, isto é, uma decisão onde apenas de uma forma simples e sintética foram apreciadas algumas das questões sem ter em conta, os elementos constantes no processo, a prova produzida nos autos”.

Sobre esta alegação cabe dizer que mal se compreende à luz do dever de boa-fé processual que impende sobre as partes (artigo 8.º do CPC) que a recorrente alegue que a Meritíssima juíza do tribunal a quo não fundamentou de facto e de direito a decisão e que não indicou um único facto concreto susceptível de fundamentar a decisão, quando a sentença discriminou os factos que considerava provados e indicou e interpretou as normas que serviram de fundamento à decisão.

É, assim, destituída de fundamento a acusação de que a sentença violou o disposto no artigo 154º, n.º 1, do CPC - que diz respeito ao dever de fundamentação das decisões - e o disposto no artigo 205º, da Constituição da República Portuguesa, designadamente o seu n.º 1, que se refere ao dever de fundamentação das decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente.    

Quanto às restantes nulidades, apesar de não fundamentadas, sempre se dirá que a decisão não padece da prevista na alínea c), pois os respectivos fundamentos apontam inequivocamente no sentido em que foi proferida a decisão, nem da prevista na alínea d), pois a sentença conheceu de todas as questões que lhe cabia conhecer.

Em síntese, não tem o mais leve fundamento a acusação de que a decisão padece das causas de nulidade mencionadas nas alíneas b), c) e d) do n.º 1, do artigo 668.º, do CPC de 1961.

Por fim, não pode deixar de observar-se o seguinte sobre a acusação feita à sentença de ter incorrido nas causas de nulidade previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC. Sabendo-se que a alínea b) prevê, como causa de nulidade, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e que a alínea c) prevê, como causa de nulidade, a oposição entre os fundamentos e a decisão, compreende-se mal, à luz do princípio da boa-fé processual, que a recorrente acuse a sentença de incorrer simultaneamente na nulidade prevista na alínea b) e na prevista na alínea c), do n.º 1 do artigo 668.º do CPC. Com efeito, não se vê – e a recorrente também não explica – como é que uma sentença pode ser simultaneamente nula por falta de fundamentos de facto e de direito e nula por os fundamentos estarem em oposição com a decisão.

Contra a decisão também não procede nenhuma das alegadas violações da Constituição da República [violação dos artigos 13º, 20º, 202º e 204º, todos da CRP].

A alegação de que o tribunal violou o artigo 13º [princípio da igualdade], o artigo 20º [acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva] e o artigo 204º [proibição de os tribunais aplicarem nos feitos submetidos a julgamento normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados] não está sequer em condições de ser conhecida. É que, para tanto, seria necessário que a recorrente alegasse em que é que tinha consistido a violação dessas normas, o que não fez. Como não cabe a este tribunal entrar em conjecturas ou suposições sobre as razões que levaram o recorrente a dizer que as normas foram violadas, não se conhece sequer da arguição.

No que diz respeito à violação do artigo 202º, em causa está a violação do n.º 2, na parte em que dispõe que “na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados”.

Diz a recorrente que a sentença recorrida não assegurou a defesa dos seus direitos porque não fundamentou exaustivamente a decisão e - passamos a citar – “nem se quer aplicar as normas legais aplicáveis ao caso em concreto”.

Esta acusação não tem o mais leve fundamento.

Em primeiro lugar, do artigo 202º n.º 2 da CRP não decorre para os tribunais o dever de fundamentarem exaustivamente as respectivas decisões. O dever de fundamentação das decisões judiciais é imposto pelo n.º 1 do artigo 205º, do mesmo diploma. Quanto à forma de fundamentação, a Constituição remete para “a forma prevista na lei”; a lei – artigos 154.º, n.ºs 1 e 2, e 607.º, n.º 3 do CPC – não prevê o dever de fundamentação exaustiva das decisões.

Em segundo lugar, não se vê que normas é que não foram aplicadas no caso, sendo certo que a recorrente também as não indica.

Por todo o exposto, julga-se improcedente o recurso.

Decisão:

Julga-se improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.

Condena-se a recorrente nas custas do recurso.

Relator:

Emidio Francisco Santos

Adjuntos:

1º - Catarina Gonçalves

2º - António Magalhães