Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
15/15.4GCPNH.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALCINA DA COSTA RIBEIRO
Descritores: AMEAÇA
TIPO OBJECTIVO
MAL FUTURO
Data do Acordão: 01/18/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA (SECÇÃO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DA INSTÂNCIA LOCAL DE PINHEL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 153.º DO CP
Sumário: I - Para aferir se determinado circunstancialismo comporta um mal futuro, de forma a ter-se como verificado o tipo objectivo do crime de ameaça, é indispensável inserir e interpretar o evento no contexto, no marco social, na situação concretamente revelada.

II - Evidencia esse “mal futuro” o caso em que o arguido, depois de ter agredido os assistentes com o pau de uma machada, foi a sua casa buscar uma vara com cerca de dois metros de comprimento, e, sentado próximo dos ofendidos, dirigiu-se a um deles, a quem disse, em voz alta e tom sério: «anda cá cabrão que hei-de cortar-te em postas e deitar-te ao cão».

Decisão Texto Integral:


I. RELATÓRIO

1. A sentença proferida em 20 de Junho de 2016 decidiu:

- Condenar o arguido A... , pela prática, em autoria material e na forma consumada de dois crimes de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do CP, na pena de 90 dias de multa por cada um deles;

- Condenar o arguido A... , pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, na pena de 120 dias de multa;

- Condenar o arguido A... , pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de dois crimes de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 60 dias de multa por cada um deles;

- Condenar o arguido A... , em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas nestes autos, na pena única de 220 (duzentos e vinte) dias de multa à razão diária de € 5,00 (cinco euros), perfazendo o montante global de € 1.100,00 (mil e cem euros);

Mais se decide:

- Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante B... e, consequentemente, condenar o arguido no pagamento àquela da importância global de € 200,00 (duzentos euros), a título de danos não patrimoniais, absolvendo o demandado do demais peticionado;

- Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante C... e, consequentemente, condenar o arguido no pagamento àquela da importância global de € 400,00 (quatrocentos euros), a título de danos não patrimoniais, absolvendo o demandado do demais peticionado;

- Condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC’s, (513º e 514º do Código de Processo Penal e artigo 8º, n.º 9, com referência à tabela III do Regulamento das Custas Processuais);e -Condenar o arguido e os assistentes nas custas quanto ao pedido de indemnização civil, na proporção do respectivo decaimento, e sem prejuízo do preceituado no artigo 4.º, n.º 1, alínea n), do Regulamento das Custas Processuais.

2. Inconformado com a decisão, dela recorrem o arguido e os assistentes, formulando as seguintes Conclusões:

2.1. A...

«A. A distonia que o recorrente pretende demonstrar relativamente à sentença em análise, em sede de recurso quanto à matéria de facto, prende-se com a matéria dada como provada nos pontos 5, 6, 11 a 18 dos factos provados.

B. Assim, devem tais pontos da matéria de facto dada como provada serem considerados como incorretamente julgados e alterados em consonância, ou seja, relegados para os factos não provados, o que ditará a absolvição do aqui recorrente, nesta parte, dando aqui por reproduzidas as transcrições efectuadas no corpo destas alegações e apelando para a audição da gravação da prova, da qual se extrairão tais conclusões.

C. Na realidade, os meios probatórios submetidos à apreciação imediata do Tribunal não permitem tais conclusões, pelo que a matéria de facto considerada provada nos autos é manifestamente insuficiente para a decisão proferida nos autos.

D. O Tribunal incorreu no erro na apreciação da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.

E. A este propósito, basta serem ouvidas as gravações das declarações prestadas pela B... (cujo depoimento, conforme ata de julgamento de 18/05/2016, se encontra gravado em ficheiro próprio no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática CITIUS, entre as 10 horas e 36 minutos e as 10 horas e 42 minutos); pelo assistente, C... ( cujo depoimento, conforme ata de julgamento de 18/05/2016, se encontra gravado em ficheiro próprio no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática CITIUS, entre as 10 horas e 40 minutos e as 11 horas e 30 minutos); e pela testemunha, D... (cujo depoimento, conforme ata de julgamento de 09/06/2016, se encontra gravado em ficheiro próprio no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática CITIUS, entre as 14 horas e 30 minutos e as 14 horas e 40 minutos), para que, Venerandos Desembargadores, concluam de forma inequívoca pela existência de erro de julgamento de facto e concluir que a motivação vertida na sentença recorrida não se adequa aos factos ocorridos e provados, nos termos das alienas a) e c) do n.º 2 do artigo 410º do C. Processo Penal.

F. Tais depoimentos jamais poderão ser tidos como claros e circunstanciados, porque são (e estão) objectivamente em contradição entre si. 

G. Assim, na base do vício a que alude a alínea a) do nº 2 do artigo 410º do C. Processo Penal, encontramos uma insuficiência de factos que podendo e devendo ser apurados o não foram, comprometendo, assim, uma decisão jurídica justa e criteriosa que urge colmatar.

H. Por outro lado, como é sabido, na decisão da matéria de facto deve o Juiz analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que forem decisivos para a sua convicção, não equivalendo o princípio da liberdade de julgamento a uma arbitrariedade da decisão.

I. Deveria, assim, o tribunal a quo explicitar a forma como chegou à decisão, devendo fundamentar a decisão da matéria de facto.

Sem prescindir,

J. Entende-se que os factos provados não permitem concluir no sentido de que a conduta do arguido haja preenchido o tipo objectivo do crime de ameaça agravada pelo qual veio acusado, razão pela qual não existe qualquer razão válida para que se analise do tipo subjectivo de crime, da ilicitude, culpa ou punibilidade do seu ato, sendo manifesto que o mesmo terá de ser absolvido da prática do crime de ameaça agravada pelo qual veio acusado.

K. No caso concreto, tendo-se alegado na acusação (e provado) simplesmente que o arguido se dirigiu ao assistente com uma vara de cerca de 2 metros a dizer que o cortava às postas e o deitava ao cão, tal não é de todo suficiente para que se possa concluir ou interpretar no sentido de que se tratará do anúncio de um mal que seja necessariamente futuro, ou do eventual anúncio de um mal que possa ser iminente.

L. Aliás, da prova produzida resultou até claramente que o arguido, ao dizer ao visado “que o cortava” nada mais fez, pois permaneceu sentado.

M. A sentença recorrida viola a norma constante do princípio da presunção da inocência, consagrado no artigo 32.º, n.º 2 da CRP, encontrando-se violadas as normas dos artigos 410º n.º 2 al. a) e c) do C. P Penal, 127º e 379º/a) do CPP e as normas dos artigos 153º n.º 1, 155 n.º 1 al. b) e artigo 181º do  Código Penal.

2.2. B.....

«A) Os valores fixados na sentença recorrida, pecam por defeito, devendo os mesmos ser fixados em valores muito aproximados do peticionado.

B) Não poderia a Senhora Juiz a quo fixar um montante global, sem primeiro ponderar, de forma parcelar em relação a cada dano, pelo peticionado;

C) Não se encontram minimamente fundamentados, os critérios que levaram à fixação de tão parco montante global, pelo que a Senhora Juiz a quo, deveria ter fundamentado, nesta parte, como chegou a este montante;

D) Os danos sofridos pela recorrente merecem a fixação de um montante indemnizatório superior ao que foi fixado na sentença recorrida, devendo o mesmo ser fixado em montante muito próximo do peticionado

Nos termos expostos e nos mais de direito aplicável, deve julgar-se pela procedência do recurso e, como tal, deverá esse Colendo Tribunal decidir pela fixação de montantes indemnizatório superiores aos fixados na sentença recorrida, condenando em montantes muito próximos dos peticionados».

2.3. C...

«A) Os valores fixados na sentença recorrida, pecam por defeito, devendo os mesmos ser fixados em valores muito aproximados do peticionado.

B) Não poderia a Senhora Juiz a quo fixar um montante global, sem primeiro ponderar, de forma parcelar em relação a cada dano, pelo peticionado;

C) Não se encontram minimamente fundamentados, os critérios que levaram à fixação de tão parco montante global, pelo que a Senhora Juíz a quo, deveria ter fundamentado, nesta parte, como chegou a este montante;

D) Os danos sofridos pela recorrente merecem a fixação de um montante indemnizatório superior ao que foi fixado na sentença recorrida, devendo o mesmo ser fixado em montante muito próximo do peticionado

Nos termos expostos e nos mais de direito aplicável, deve julgar-se pela procedência do recurso e, como tal, deverá esse Colendo Tribunal decidir pela fixação de montantes indemnizatório superiores aos fixados na sentença recorrida, condenando em montantes muito próximos dos peticionados».

  3. A Exma. Senhora Magistrada do Ministério Público e os assistentes respondem ao recurso do arguido, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

4. Sobre os recursos dos assistentes, pronunciou-se o Ministério Público, nos termos que constam a fls. 305, concluindo pela boa fundamentação da sentença.

5. Nesta Relação, o Digno Procurador – Geral Adjunto, secundando a posição assumida pelo Ministério Público, em primeira instância, emitiu parecer sentido do não provimento do recurso interposto pelo arguido.

6. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre, agora, decidir.

II. QUESTÃO A DECIDIR

- Nulidade da sentença;

- Erro notório na apreciação da prova e insuficiência da decisão sobre a matéria de facto;

- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;

- Violação do princípio in dubio pro reo;

- Elementos do crime de ameaça; 

- Admissibilidade do recurso da condenação em indemnização civil.

III. A DECISÃO RECORRIDA

A primeira instância julgou a matéria de facto como a seguir se transcreve:

«Factos provados:

O Tribunal tem como provados os seguintes factos:

1. No dia 28 de Março de 2015, entre as 13:00 e as 14:00 horas, os assistentes B.... e seu filho C... encontravam-se na via pública, na localidade de Carvalhal, concelho de Pinhel, em conversa com familiares do arguido tendo por objecto danos causados por animais e a propriedade de um prédio rústico.

2. Nesse momento apareceu no local o arguido A... , munido com uma machada, dirigiu-se aos ofendidos pelas costas e desferiu com o pau da mesma, uma pancada no ombro e membro superior direito do assistente C... , o qual se virou e levantando o braço, foi novamente atingido com o cabo da machada no braço esquerdo.

3. Acto contínuo o arguido dirigiu-se à assistente B... e desferiu-lhe uma pancada com o pau da machada no ombro direito.

4. Após o que ausentou-se, de imediato, do local e dirigiu-se para a sua residência.

5. Passados alguns minutos, o arguido munido com uma vara de cerca de 2 metros de comprimento sentou-se em lugar próximo onde os ofendidos se encontravam e, dirigindo-se ao assistente C... disse, em tom de voz alto e sério, “anda cá cabrão que hei-de cortar-te em postas e deitar-te ao cão”.

6. Nessa circunstância, o arguido dirigiu-se aos assistentes B... e C... e proferiu as seguintes expressões: “seus cornos, sois uns filhos da puta”.

7. Na sequência da acção do arguido, os ofendidos B... e C... receberam assistência médica no Hospital Sousa Martins na Guarda.

8. Em consequência da acção do arguido a ofendida B... sofreu as seguintes lesões:

-“ - membro superior direito: escoriação com 2cm x 1cm de maior eixo vertical sobre a omoplata circundada de edema”, o que lhe determinou seis dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho em geral e da capacidade de trabalho profissional.

9. Em consequência da acção do arguido o ofendido C... sofreu as seguintes lesões:

-“ - membro superior direito: equimose arroxeada com 10 cm x 6 cm de maior eixo horizontal sobre o omoplata;

- membro superior esquerdo: pequena escoriação na face interna do antebraço no terço inferior circundada por equimose com 6cm de diâmetro” o que lhe determinou seis dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho em geral e da capacidade de trabalho profissional.

10. Ao agir desta forma, quis o arguido A... ofender o corpo e a saúde dos assistentes B... e C... , o que conseguiu, pois provocou-lhe – o que sabia ser consequência directa da sua conduta – mal-estar físico e psíquico, fruto das dores sentidas.

11. Com as referidas expressões o assistente C... sentiu inquietação, receio e medo de vir a sofrer qualquer acto atentatório contra a sua vida ou integridade física.

12. Agindo da forma descrita e com o propósito concretizado de utilizar tal expressão, sabia o arguido que tal expressão era adequada a produzir medo, inquietação e receio no ofendido C... e limitar-lhe a sua liberdade de decisão e acção, o que conseguiu.

13. Ao proferir as expressões aludidas em 6, o arguido teve a intenção de atingir o com nome e dignidade dos assistentes.

14. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por Lei Penal.

15. A assistente B... em resultado das agressões de que foi alvo do arguido sente ainda hoje dores e sentiu e sente receio de vir a sofrer qualquer acto atentatório da sai vida e integridade física.

16. Em resultado das expressões proferidas aludias em 6, em frente de várias pessoas e do seu filho, a assistente B... sentiu-se enxovalhada, humilhada e triste em frente de várias pessoas e do seu filho.

17. A assistente B... , em resultado das agressões de que foi alvo do arguido sente ainda hoje dores e sentiu e sente receio de vir a sofrer qualquer acto atentatório da sai vida e integridade física.

18. Em resultado das expressões proferidas aludias em 6, o assistente C... sentiu-se enxovalhado, humilhado e em frente de várias pessoas e da sua mãe.

19. O arguido não tem antecedentes criminais registados.

Mais se provou que:

20. O arguido faz distribuição de produtos alimentares.

21. Aufere cerca de € 550,00 a título de vencimento mensal.

22. É solteiro.

23. Vive sozinho numa barraca.

24. Não tem filhos.

25. Tem um empréstimo ao banco relativamente ao qual paga uma prestação mensal de cerca de e 200,00.

26. Tem o 4.º ano de escolaridade.


*

Factos não provados:

a) A conduta do arguido descrita em 2 a 5 apenas cessou face à intervenção da patrulha da GNR de Freixedas que compareceu no local.

b) Em consequência das agressões aludidas em 2 e 3 a assistente B... despendeu a quantia de € 50,00 na deslocação no veículo próprio ao INML na cidade da Guarda.

c) Em consequência das agressões aludidas em 2 e 3 o assistente C... despendeu a quantia de € 50,00 na deslocação no veículo próprio ao INML na cidade da Guarda.

d) Sentiu-se enxovalhado, humilhado e em frente de várias pessoas e da sua mãe.

e) Tais expressões são lembradas ainda hoje pelos assistentes com humilhação.


*

Não se provaram nem não provaram outros factos ou alegações contidos nas acusações e no pedido de indemnização civil por conterem conceitos de direito, conclusivos, repetitivos ou se encontrarem em contradição com os factos provados.

*

Motivação:

A convicção do Tribunal quanto à factualidade considerada provada radicou na análise crítica e ponderada da prova produzida em julgamento, apreciada segundo as regras da experiência comum, razoabilidade e bom senso e o princípio da livre convicção do julgador (artigo 127.º do Código Processo Penal).

O arguido quis prestar declarações mas negou a prática dos factos que lhe vêm imputados. Não obstante, as suas declarações não mereceram qualquer credibilidade, mormente no confronto com a demais prova produzida.

Assim, para convencimento da prática dos factos descritos em 1 a 6, o Tribunal alicerçou a sua convicção nas declarações coincidentes e convergentes prestadas pelos assistente B... e C... , que, apesar de estrem de relações cortadas com o arguido, prestaram declarações que se nos afiguraram espontâneas e verdadeiras, apesar da animosidade latente que as mesmas denotaram, sobretudo as da assistente B... , o que não abalou a sua credibilidade.

Para além disso, para prova da indicada matéria de facto, o Tribunal atentou ainda nos depoimentos das testemunhas D... , agricultor, marido e pai, respectivamente, da assistente B... e de C... , bem assim o depoimento de F... , mãe da assistente B... , que se encontrava, nas circunstâncias de tempo e lugar supra descritas e presenciaram a prática dos factos em apreço nos autos, corroborando, pois, de modo crível, circunstanciado e fundamentado, as suas declarações dos assistentes, não deixando dúvidas quanto à verificação dos factos nos moldes dados como provados. Não obstante o depoimento da testemunha F... tenha sido um pouco cristalizado e parcial, eventualmente atenta a sua já avançada idade, bem assim a revolta sentida relativamente ao sucedido com a sua filha e o neto, o que é compreensível à luz daquilo que resulta das regras da experiência, tal não significa que o mesmo não seja verdadeiro, sendo que o Tribunal ficou convencido de que falou com verdade, sendo, nessa medida convincente e credível.

Por outro lado, para prova da indicada facticidade, o Tribunal atentou e valorou o relatório do episódio do serviço de urgência da ULS da Guarda de fls. 17, de onde resulta que no dia da prática dos factos, pelas 15:40, a assistente B... deu entrada naquele serviço médico para ser assistida, assim como as declarações de fls. 52 e 53, o que reforça a credibilidade das declarações dos assistente bem assim das já indicadas testemunhas e que é compaginável com o sucedido.

Para além disso, o Tribunal levou em consideração os relatório de perícia de avaliação de dano corporal dos assistentes, juntos aos autos a fls. 69 e 70 e 73 e 74, o que levou a que se desse como assente a matéria de facto inserta nos pontos 7, 8, 9 e 10.

Relativamente ao descrito em 11 a 14 e 15 a 18 resultaram das declarações credíveis dos assistentes, aliados ao que resulta das regras da experiência critérios de normalidade de onde decorre inequivocamente que tais condutas geram receio e inquietação, provocam  dores e mal-estar físico e psíquico e são atentatórias do bom nome e dignidade qualquer pessoa, deixando-a triste, humilhada e enxovalhada.

Que o arguido agiu livre voluntária e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida pro lei penal.

Tal resulta das regras da experiência comum e de critérios de normalidade, não tendo resultado da audiência de julgamento que o arguido não tivesse essa compreensão da realidade e que não fosse capaz de tomar uma decisão em conformidade.

De resto importa referir que os depoimentos das testemunhas G... , irmã do arguido, H... , sobrinho e afilhado do arguido, que afirmaram ter estado presentes nas circunstâncias de tempo e lugar acima descritas, prestaram depoimento cristalizados, parciais, comprometidos que não deixaram dúvidas de que não corresponderam à verdade material dos factos e visaram apenas e só ilibar o arguido das acusações que lhe foram feitas, tendo sido notória a conflitualidade existente entre estes e os assistentes e seus familiares, associados a problemas relacionados com um muro.

Tal convicção foi reforçada pela acareação efectuada pelo Tribunal oficiosamente entre o assistente e a testemunha H... . Com efeito, se o primeiro manteve e confrontou H... com os factos, o segundo recusou-se a falara para o assistente, nem sequer fazendo contacto com o olhar e assumindo uma postura de altivez que não deixou margem para dúvida sobre quem falava verdade (o assistente) e quem mentiu (a testemunha H... ).

Quanto às condições pessoais e socioeconómicas do arguido, o Tribunal deu como provadas as mesmas tal como declaradas pelo arguido (cfr. pontos 20 a 26)

Relativamente aos antecedentes criminais (ponto 19 dos factos assentes), o Tribunal atentou no certificado de registo criminal junto aos autos a fls. 223.

Não se provou o descrito em a) a d) porquanto nenhuma prova documental, testemunhal ou outra, foi produzida nesse sentido».

IV. DO MÉRITO DO RECURSO

A. Do recurso do arguido

1. Nulidade da sentença

O arguido/recorrente, de uma forma subtil, invoca a nulidade da sentença, em virtude de não explicitar quais os meios de prova que formaram a convicção do tribunal para os factos nºs 5, 6, 11 a 18 (Conclusões A, H, I e M).

Mas sem razão.

É sabido, que em processo penal, a forma que a lei prevê para cumprir o dever de fundamentação de uma sentença, [um acto decisório, que toma forma de acórdão quando for proferido por um tribunal colegial – artigo 97º, nº 1, al. a) e nº2], é a que consta na previsão do artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal (diploma a que, de ora em diante nos referiremos sem menção do contrário).

De acordo com este normativo, a sentença deve, sob pena de nulidade, conter as seguintes menções:

a) A enumeração dos factos provados e não provados;

b) A exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para criar a convicção do tribunal.

Ou seja, depois de enumerados os factos, impõe o artigo 374º, nº 2, que a sentença contenha uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentara a decisão.

A motivação de facto não se basta, assim, com a enumeração dos factos provados e não provados, antes deve descrever, da maneira mais completa possível, as razões de facto e de direito que justificaram a decisão, fazendo a análise critica, global e conjugada da prova que foi utilizada para formar a convicção do tribunal.

A análise crítica consiste na elucidação do processo de formação do convencimento do julgador, consubstanciado nos motivos pelos quais e em que medida um ou mais meios de provas foram valorados em determinados sentido e outros o não foram.

Tanto não significa que se exija, uma análise crítica e exaustiva dos meios de prova, nomeadamente, «com apelo sistemático ao conteúdo concreto da prova. Esta vertente apenas se impõe na medida do necessário para a compreensão da decisão, da sua lógica intrínseca, de modo a que não possa apresentar-se como arbitrária ou injustificada, não porque o fosse mas porque demonstrada a sua justificação.

Se é verdade que a fundamentação não se basta com a simples indicação de provas, também é verdade que a análise critica destas deve apenas ser necessária e suficiente para dar a conhecer porque decidiu o tribunal em determinado sentido.

A análise critica da prova impõe-se sobretudo relativamente a meios de prova oral porque é em relação a estes que, pela sua natureza e especificidade, se torna necessário explicitar a convicção, (desde logo a imediação é essencial para a sua avaliação). Já no que refere a documentos ou prova pericial reveste-se o seu teor de um carácter objectivo e certo que na maioria dos casos dispensa considerações sobre o seu conteúdo, porque este se impôs sem que existam questões delicadas de credibilidade ou razão de ciência a equacionar. Ou seja, se o texto do documento ou o relatório de perícia permitem, só por si, compreender a decisão do tribunal, na verdade não se exige qualquer dissertação sobre eles, patente no processo, imutável e cuja interpretação depende apenas da declaração que contém» - Acórdão da Relação de Coimbra proferido no processo nº 72/07.7JACBR.C1. 

O exame crítico das provas deve ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente e o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Abril de 2000, processo nº 141/2000-3ª, SASTJ, nº 40, 48.

No caso em apreço, o tribunal a quo, deu como provados os pontos de facto 5 e 6, com base «nas declarações coincidentes e convergentes prestadas pela assistente B... (…) e C... (…), que, apesar de estarem de relações cortadas com o arguido, prestaram declarações que se nos afiguram espontâneas e verdadeiras, apesar da animosidade latente que as mesmas denotaram, sobretudo as da assistente B... , o que não abalou a sua credibilidade. (…).

Atendeu, ainda nos depoimentos das testemunhas D... , marido e pai, respectivamente, da assistente B... e do C... , bem assim o depoimento de F... , mãe da assistente B... , que se encontrava nas circunstâncias de tempo e lugar supra descritas e presenciaram a prática dos factos no autos em apreço, corroborando, pois de modo credível, circunstanciado e fundamentado as (…) declarações dos assistentes».

Os pontos de facto nº 11 a 18, resultaram das declarações credíveis dos assistentes, aliados ao que resulta das regras da experiência critérios de normalidade de onde decorre inequivocamente que tais condutas geram receio e inquietação, provocam dores e mal estar físico e psíquico e são atentórias do bom nome e dignidade de qualquer pessoa, deixando-a triste, humilhada e enxovalhada».

Esta descrição clarifica o processo lógico de formação da convicção do julgador para ter como certos os factos que deu como provados.

A explanação do tribunal recorrido não deixa qualquer dúvida sobre os meios de prova que fundamentaram a sua decisão - as declarações do assistente e das testemunhas, e, de outro, a, analisados à luz das regras da experiência comum - cumprindo, assim, o dever de fundamentação previsto no artigo 379º, nº 1 e 374º, nº 2, do Código de Processo Penal.

Não assiste, assim, razão ao recorrente.

2. Insuficiência da matéria de  facto e erro notório na apreciação da prova

A decisão sobre a matéria de facto pode ser impugnada, como se sabe, pelo meio previsto no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal  – em que, em confronto com a prova produzida, se coloca em crise os próprios factos  (provados ou não provados) -  ou, então, através da arguição de vícios da própria decisão, como previsto no artigo 410º, nº 2, do mesmo diploma.

Trata-se de dois modos de impugnação que não se confundem, com âmbitos de aplicação bem diferenciados.

No caso em apreço, defende o recorrente que o Tribunal a quo, ao valorar, como valorou, as declarações dos assistentes e da testemunha, D... , incorreu em dois dos vícios a que alude, o nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal: a insuficiência para a decisão de facto e o erro notório na apreciação da prova.

Mas, adiante-se sem razão.

Como vem insistentemente afirmado pela doutrina e jurisprudência, aqueles os vícios têm que resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade – do texto da decisão recorrida - sem recurso a quaisquer outros elementos que lhe são externos, para o fundamentar, como por exemplo, quaisquer dados existentes no processo, advindos do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 15ª edição, pág.822; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, pág. 339, e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, pág. 77).   

Trata-se de uma imposição legal a que o o artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal alude de forma expressa. Os vicios fundamento do recurso -  a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada,  b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e, c) o erro notório na apreciação da prova -   devem resultar – como se lê na última parte do nº 2, do preceito citado - do texto da decisão recorrida por si ou conjugada com as regras da experiência comum.

São vícios intrínsecos da própria sentença, que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente - cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 15ª edição, pág. 822; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª edição, pág. 339.

«Isto significa que não se pode ir fora da decisão buscar outros elementos para fundamentar o vicio invocado, nomeadamente ir à cata de eventuais contradições entre a decisão e outras peças processuais, como por exemplo recorrer a dados do inquérito ou do próprio julgamento»-Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 4ª edição, pág. 79.

A insuficiência para a decisão da matéria de facto dá-se, quando o tribunal não tiver considerado os factos relevantes para a decisão que foram alegados na acusação ou na defesa ou de que deles possa e deva conhecer, nos termos do artigo 358º, nº 1, ou dito de outro modo, quando a factualidade apurada é insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não tenha investigado toda a matéria com interesse para a decisão.

Quando o texto da decisão recorrida não contém, na factualidade que elenca, factos que, podendo e devendo ter sido indagados, são necessários para a formulação de um juízo seguro de condenação ou absolvição, compromete-se a própria decisão de direito. Os factos julgados pelo tribunal recorrido - provados e não provados – não chegam, são insuficientes para a tomada de posição sobre a absolvição ou condenação do arguido.  

É necessário, como refere o Prof. Germano Marques da Silva (Ob. citada, pág. 339) «que a matéria de facto dado como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada».

A insuficiência para a matéria de facto provada «nada tem a ver com a eventual insuficiência de prova para a decisão proferida (questão do âmbito do principio da livre apreciação da prova, enquadrado nos termos do artigo 127º do Cód. Proc. Penal), sendo que o vicio em questão só pode ter-se como existente quando os factos provados forem insuficientes para justificar a decisão final» - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Abril de 2013.

A insuficiência da matéria de facto ocorre, assim, quando a factualidade apurada é exígua para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não tenha investigado toda a matéria com interesse para a decisão.

Recorde-se que, aqui, estamos perante a ausência de factos essenciais para apoiar a decisão de direito e não já a insuficiência de prova para sustentar as respostas positivas ou negativas que foram dadas aos factos que foram submetidos a instrução e discussão, na audiência de julgamento.

O «vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado de cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva e evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal (…).

Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidenciam aos olhos de um homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, pág. 74)».

Este tipo de erro a ressaltar do teor da decisão, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, não se confunde com o erro de julgamento.

Este, consagrado no artigo 412º, n.º 3, resulta da forma como o tribunal teria valorado a prova produzida. A simples discordância do recorrente sobre a decisão da matéria de facto não leva ao vício do erro notório que, ora se analisa.

Este erro de julgamento «ocorre, quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova produzida deveria ter sido considerado provado.

Neste caso de situação de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em primeira instância, havendo que a ouvir em 2ª instância» (Acórdão da Relação de Coimbra, proferido no processo nº 72/07.7JACBR.C1).

Aqui, os poderes de cognição do tribunal de recurso não se restringem ao texto da decisão recorrida (como acontece com o vicio do erro notório da apreciação da prova), alargando-se à apreciação do que contém e pode extrair da prova documentada e produzida em audiência, sempre delimitada pelo recorrente através do ónus da especificação a que alude o artigo 412º, n.º 3 a 6.

«O erro de julgamento pressupõe que a prova produzida, analisada e valorada, não podia conduzir à fixação da matéria de facto provada e não provada, nos termos em que o foi; o erro notório na apreciação da prova, para além de ser ostensivo, prescinde da análise da prova produzida, para se ater tão-somente ao texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, o que significa impossibilidade de recurso a outros elementos, ainda que constantes no processo» [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 15 de Julho de 2004, processo nº 2150/04-5ª citado por Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 15ª Edição, página 828).

Como tem vindo a ser repetidamente afirmado na doutrina e jurisprudência:

 «Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.

E é exactamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo que o recorrente deverá expressamente indicar, é que se impõe a este ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412º, n.º3, do Código de Processo Penal:

«Quando a impugnação da decisão proferida verse sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas».

A dita especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam na sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, só se satisfazendo tal especificação com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida» (Acórdão da Relação de Coimbra, proferido no processo nº 72/07.7JACBR.C1).

Além disso, dispõe o n.º 4 do mesmo preceito:

«Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado em acta, nos termos do n.º 2, do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação».

Neste caso, «o tribunal procede à audição e visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa» (artigo 412º, n.º 6, do Código de Processo Penal).

«Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Fixação de Jurisprudência n.º 3/2012, in D.R. n.º 77, Série I de 18-04-2012

Posto isto e de regresso ao caso concreto, vejamos qual a posição que o recorrente assume, no recurso da matéria de facto.

Depois de elencar quais os factos que considera erradamente julgados o recorrente invoca (5, 6, 11 a 18), expressamente, os vícios previstos no artigo 410º, nº2, al. a) e c), do Código de Processo Penal.

Para o efeito, invoca, as declarações prestadas pelas assistentes e pela testemunha, D... , nas partes concretamente especificadas na Conclusão E.

O mesmo é dizer, que o recorrente se socorre da impugnação ampla prevista no artigo 412º, n.º3, do Código de Processo Penal e não dos vícios assinalados no artigo 410º, já que alude expressa, concreta e indubitavelmente a factores externos, exógenos à sentença.

Donde, resta apreciar, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 412º, n.º 3, do Código de Processo Penal, sendo que não se vislumbra no texto da sentença recorrida, qualquer vício dos apontados pelo recorrente.

 

3. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

Na Motivação e Conclusões, afirma o recorrente que «os meios probatórios submetidos à apreciação imediata do Tribunal e nos quais firma a sua convicção, não permitem dar como provados os factos 5, 6, 11 a 18 (fls. 269 e 270 e Conclusões C e E), sugerindo a sua intenção de impugnar cada um daqueles factos.

Porém, todos argumentos aduzidos, em especial os meios concretos de prova especificados, dirigem-se apenas e só, às palavras insertas nos pontos de factos 5 e 6 - «anda cá cabrão que hei-de cortar-te em postas e deitar-te ao cão» e «seus uns cornos, sois uns filhos da puta» - sendo omissos em relação à factualidade restante.

Vale isto para dizer que não cumpre o recorrente o ónus da especificação quanto à primeira parte do ponto de facto nº 5, nem quanto aos factos provados sob os nºs 11 a 18, o que leva à rejeição do recurso, nesta parte.

Consequentemente, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto incide apenas sobre os pontos de facto provados nºs 5, in fine e  6, que contém as palavras acima referidas.

E, quanto a estes, insurge-se o recorrente contra a forma como o tribunal a quo valorou a prova produzida em audiência, designadamente, as declarações dos assistente e da testemunha D... , que confirmaram que as palavras «seus uns cornos, sois uns filhos da puta» não foram dirigidas à B... e C... , sendo o próprio D... que admite que a expressão «anda cá cabrão que hei-de cortar-te em postas e deitar-te ao cão» lhe foi dirigida a ele

Tais factos foram julgados como provados pelo tribunal recorrido, com base na credibilidade conferida aos assistentes que, «apesar de estarem de relações cortadas com o arguido, prestaram declarações espontâneas e verdadeiras, apesar da animosidade latente que a mesmas denotaram, sobretudo as da assistente B... , o que não abalou a sua credibilidade».

Reapreciada a prova oral produzida em audiência, dúvidas não ficam que os assistentes, confirmaram que o arguido dirigiu palavras não apenas a um, mas a ambos.

B... , ao longo do seu depoimento, descreve as circunstâncias em que o arguido proferiu expressões para o filho: «Sentado lá no muro ao pé do caixote do lixo, com a vara, ele disse que o cortava aos pedaços» ou «às peças» e os «deitava ao cão», tendo, também esclarecido,  que o marido também foi ameaçado de ser atirado para uma valeta.

C...   veio confirmar que o arguido, depois de o ter agredido a ele e à mãe pelas costas, fugiu para casa, de onde regressou com uma vara. E, encostado ao caixote do lixo, disse-lhe, a ele, assistente, «anda cá, filho da puta, hei-de cortar-te  em postas e dar-te aos cães». O arguido, também se dirigiu ao pai, dizendo-lhe, que «quando   o apanhasse de mota o ia meter numa valeta». Neste momento, apenas se dirigiu a ele e ao pai.

A credibilidade conferida a estes depoimentos não foi abalada pelas declarações prestadas por D... , quando afirmou que tais expressões lhe foram dirigidas.

Com efeito, se de um lado, afirmou que as expressão «anda cá cabrão que hei-de cortar-te em postas e deitar  ao cão e (…) quando andares de mota deito para uma valeta» lhes foram dirigidas a ele, declarante, de outro, esclareceu que aquelas expressões só poderiam ser para si, porque o filho não anda de mota. Trata-se, assim, da opinião/visão do declarante formada no contexto de conflito em que ocorreram os factos. Ora, se local estavam dois homens (pai e filho) e um deles  já tinha sido agredido pelo arguido com o cabo de uma machada, não admira, nem contraria as regras da experiência comum, que o arguido se tenha dirigido aos dois, de formas diferentes: a um dizendo que o cortava às postas e deitava ao cão e a outro que se o apanhasse na mota o deitava para a valeta.

As declarações de D... poderiam formar uma convicção diferente da que formou o tribunal recorrido, mas não a impõem.

Improcedem, por isso,   estas declarações.

De igual modo, improcede o segundo argumento.

Nenhuma dúvida subsiste que o arguido se dirigiu a todos os presentes,  com várias expressões, de entre as quais, cornos, sois uns filhos da puta, e não apenas ao pai do assistente e marido da B... .

O arguido no meio da discussão chamou todos os nomes que quis e ameaçou todos os presentes, como descrevem os assistentes e as testemunhas.

Tal é confirmado por B... , quando diz: «Traz uma vara comprido da altura dele…Chamou nos filhos da puta, cornos e isso..e que nos havia de matar e ao meu filho que havia de o cortar em peças e dá-los ao cão. Era cornos filhos da puta…Assentou-se ao pé do caixote do lixo e em cima de uma parede que ele fez…

E ao meu filho a dizer que o havia de cortar em peças…e ao meu marido também o ameaçou que o havia de atirar para uma valeta…».

Ou seja, depois de auditada a prova oral produzida em audiência, não restam dúvidas que os assistentes confirmaram que o arguido, munido de uma vara com 2 metros de comprimento, proferiu as expressões referidas no ponto de fcato nº 5, drigindo-as a C... , como  apelidou de cornos e filhos da puta ambos os assistentes.

Bem andou assim o tribunal a quo em julgar provados os factos impugnados não se vislumbrando qualquer violação das regras de direito probatório, em especial, o princípio da livre convicção.

4. Violação do princípio in dubio pro reo

Defende, ainda, o recorrente que o tribunal recorrido o deveria ter absolvido por aplicação do in dubio pro reo.

A violação do princípio in dubio pro reo, «só se verifica quando, seguindo o processo decisório, se chega à conclusão que o tribunal, tendo ficado na dúvida, decidiu contra o arguido ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis» - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.10.2012, www.dgsi.pt.

Na sentença sob recurso e nesta instância, não se evidencia que, no final do julgamento, o tribunal se tenha debatido com qualquer dúvida - razoável e/ou insanável - e que perante ela tenha decidido em desfavor do arguido ou, muito menos, que, perante a prova que foi produzida e examinada, essa dúvida devesse ter subsistido.

Desta feita e perante a inexistência dessa dúvida razoável, não faz sentido apelar à aplicação do princípio in dubio pro reo, improcedendo, assim, esta pretensão do recorrente.

Do que precede, mantém-se a decisão sobre a matéria de facto proferida pela primeira instância.

5. Crime de ameaças

Para o recorrente, a conduta  do arguido – com uma vara de cerca de dois metros diz para ao assistente que o cortava às postas e o deitava ao cão – «não é de todo suficiente para que se possa concluir ou interpretar no sentido de que se tratará do anúncio de um mal que seja necessariamente futuro, (…) iminente».

Dispõe o artigo 153.º do Código Penal:

«1. quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação.

2. Se a ameaça for com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias».

A questão sobre o que deve entender-se por anúncio de mal futuro ou iminente como elemento objectivo do tipo de crime de ameaça, não é nova, e, quanto a ela, mantemos a posição que assumimos, no Acórdão desta Relação, proferido no processo nº 500/13.2GBPBL.C1, onde, então, escrevemos.

«A ameaça é um crime contra a liberdade pessoal (Título I, Capítulo V, da parte especial do Código Penal). Para que se possa dar como verificado o tipo objectivo do ilícito em causa é necessário averiguar o preenchimento dos seguintes elementos:

▪ desde logo, que exista uma ameaça, é dizer, mal, futuro, cuja ocorrência dependa da vontade do agente;

▪ a ameaça deve ser com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor;

▪ a ameaça deve ser adequada a provocar no sujeito passivo do crime medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação.

Para que ocorra, é, assim, necessário que o agente use um qualquer expediente adequado a «provocar no sujeito passivo medo ou inquietação ou a prejudicar-lhe a sua liberdade de determinação. Acresce, ainda, como já se teve oportunidade de referir, que a ameaça deve ser adequada a provocar no ameaçado medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, segundo o critério da adequação objectivo – individual: objectivo, no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é susceptível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa (critério do “homem comum”); individual, no sentido de que devem relevar as características psíquico - mentais da pessoa ameaçada (…)

A conclusão a tirar é, assim, a de que a ameaça é a adequada quando, de acordo com a experiência comum, é susceptível de ser tomada a sério pelo ameaçado» - Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 348.

 Note-se que perfilhamos o entendimento segundo o qual o crime de ameaça, após a Revisão de 1995, deixou de ser um crime de resultado e de dano, passando a crime de mera acção e de perigo, o que equivale a afirmar que não se exige, por um lado, a intenção do agente de concretizar a ameaça nem, por outro lado, a ocorrência do resultado/dano (o ameaçado ter ficado com medo ou ter sido efectivamente perturbado na sua liberdade) – (Vd. entre outros, o Acórdão da Relação do Porto de 30.09.2009, e Acórdão da Relação de Lisboa de 19.09.2007, ambos in www.dgsi.pt.).

O que nos permite, desde logo, inferir que o bem jurídico visado proteger com a incriminação desta conduta é a liberdade de decisão e de acção. Com efeito, ninguém deve ser colocado em situação de não poder decidir ou fazer algo por receio de um mal que lhe foi prometido.

Como refere Américo Taipa de Carvalho, «as ameaças, ao provocarem um sentimento de insegurança, intranquilidade ou medo na pessoa do ameaçado, afectam naturalmente, a paz individual que é condição de uma verdadeira liberdade.» (Comentário Conimbricense ao Código Penal, Coimbra Editora, Tomo I, pág. 342).

Ora, tal receio da concretização de um mal é indissociável do carácter futuro desse mesmo mal anunciado. Se a «ameaça» é iminente, a liberdade de determinação nunca chega a ser afectada. Se se concretizar, terá sido praticado o crime anunciado. Se não se concretizar, a vítima não fica inibida ou receosa de decidir ou fazer o que quer que seja, porque a possibilidade de sofrer o mal é algo que já não existe, por fazer parte do passado.

Isto significa, assim, que o «mal, objecto da ameaça, não pode ser iminente, pois, que nesse caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respectivo acto violento, isto é, do respectivo mal» (TAIPA DE CARVALHO, in ob. cit., pág. 343).

Este ilícito exige, portanto, a anunciação de um mal necessariamente futuro, a cometer, de execução protelada e diferida num tempo que há-de vir, não cabendo na previsão legal deste tipo as expressões e verbalizações ameaçatórias que anunciem a prática de um mal presente, de execução eminente, contemporânea ao gesto ou à sua anunciação.

Segue-se o expendido no Acórdão da Relação de Guimarães de 27 de Março de 2006, in CJ 2006, Tomo II, pág. 282, segundo o qual, «a verdade da imagem relatada na acusação não deve ser procurada na sua versão semiótica, simplesmente formal, mas na relação socialmente vivida pelos dois antagonistas, ou seja, na sua versão pragmática, que bem melhor preside aos intentos interpretativos».

Para aferir se a situação é ou não o anúncio de um mal futuro, é indispensável inseri-la e interpretá-la no contexto, no marco social, na situação em que foi vivida.

Para tanto, não podemos atender, em abstracto, às expressões proferidas, mas a todas as circunstâncias em que foram pronunciadas».

No caso em apreço, o arguido depois de ter agredido os assistentes com o pau de uma machada, vai até sua casa, buscar uma vara com cerca de dois metros de comprimento, e, sentado próximo dos ofendidos, dirige-se  a C... , em voz alta e séria: «anda cá cabrão que hei-de cortar-te em postas e deitar-te ao cão».

Ou seja, o arguido não contente em ter batido aos ofendidos, ainda foi a casa buscar uma vara para, com ela, confrontar os assistentes que estavam no local, dizendo aquelas expressões.

Neste circunstancialismo, qualquer pessoa, como o ofendido, que tivesse sido agredida pelas costas e se deparasse com o agressor munido de uma vara de dois metros de comprimento na mão, dizendo em tom sério e alto, «anda cá cabrão, hei-de cortar-te às postas e deitar ao cão» sentir-se-ia receoso pelo mal que lhe pudesse vir a acontecer e anunciado.

  Por outro lado, é impossível conceber (mesmo segundo as regras do normal acontecer), que o recorrente não se tenha dirigido ao assistente para o intimidar que, tal como já o havia agredido pelas costas, era bem capaz de o matar, cortando-o depois às postas.

No contexto em que o arguido agiu, as expressões que utilizou constituem o anúncio de mal futuro (pelo menos o de matar o visado).

Em suma, as palavras utilizadas pelo arguido configuram o anúncio de um mal futuro do visado, sendo, no contexto em que forma proferidas, aptas a causar no ofendido, medo, receio e inquietação, propósito este que o recorrente visava atingir e atingiu.

Estão, pois, reunidos todos os elementos do crime de ameaça previsto e punido pelo artigo 153º, nº 1, do Código Penal, não assistindo razão ao recorrente.

B. Recursos dos Assistentes

1. Admissibilidade do recurso da condenação em indemnização civil

Os assistentes, não concordando, com a indemnização civil fixada, dela interpuseram recurso.

Os assistentes peticionam a condenação do arguido a pagar a cada um deles:

- A quantia de 1 850,00€, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais causados pelos factos constantes da acusação pública (fls. 143 a 145, e de fls. 146 a 148).

- A quantia de 750,00€, por danos não patrimoniais causados pelos factos constantes da acusação particular (fls. 178 e 182 e 183).

Dispõe o artigo 400º, nº 2 do CPP, só é admissível recurso relativo à indemnização civil, quando enxertada em processo penal:

«desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada».

São, pois, dois os pressupostos cumulativos para que o recurso seja admissível: 1) valor do pedido superior à alçada do tribunal recorrido e 2) a sucumbência do pedido há-de ser superior a metade do valor daquela alçada. 

«Em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de (euros) 30 000 e a dos tribunais de primeira instância é de (euros) 5 000» (artigo 44.º, nº 1, da Lei 62/2013, de 26 de Agosto).

A alçada do tribunal recorrido - primeira instância - é de 5 000,00€.

Como o valor do pedido cível de cada um dos ofendidos é de 2 550,00€ - inferior a 5 000,00€ - há que concluir que é inferior ao valor da alçada do tribunal a quo.

O mesmo é dizer, que a decisão que condenou o arguido a pagar aos assistentes, B... e C... , aos assistentes, respectivamente, as quantias de 200,00€ e 400€, é irrecorrível.

A decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula, o tribunal superior, nada obstando, assim, a esta instância, conhecer e apreciar os pressupostos de admissibilidade da Impugnação, conforme dispõe o artigo 414º, nº 3, do Código de Processo Penal.

Os recursos da condenação do arguido nas indemnizações cívis devem, nos termos do artigo 420.º, n.º 1, al. b), segunda parte e artigo 414º, nº 2, do Código de Processo Penal, ser rejeitado, o que se decide.

V. DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação:

a) Negar provimento ao Recurso interposto pelo arguido, A... ;

b) Rejeitar os recursos interpostos por B.... e C... .

c) Custas da parte criminal pelo arguido, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCS:

d) Custas da parte cível por cada um dos recorrentes/assistentes.

Coimbra, 18 de Janeiro de 2017

(Alcina da Costa Ribeiro - relatora)

(Cacilda Sena - adjunta)