Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
244/09.0TBLSA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: USUCAPIÃO
BALDIOS
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Data do Acordão: 05/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - INSTÂNCIA CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DL 39/76 E 40/76, AMBOS DE 19 DE JANEIRO, E LEI N.º 68/93, DE 4 DE SETEMBRO
Sumário: I. Decorre do regime jurídico consagrado pelos DL 39/76 e 40/76, ambos de 19 de Janeiro, mantido, nos seus traços essenciais, pela Lei n.º 68/93, de 4 de Setembro (alterada pelas Leis n.º 89/97, de 30 de Julho e Lei n.º 72/14, de 2 de Setembro, com a rectificação 46/2014, de 29 de Outubro) que lhes sucedeu, que os baldios são, desde 1976, inalienáveis e insusceptíveis de apropriação privada por qualquer título, incluída a usucapião.
II. Não obstante, sendo o art.º 2.º do DL 39/76, de 19 de Janeiro uma norma inovatória que, como tal, só dispõe para o futuro, no domínio de vigência do Código de Seabra e do CA de 1940, e ainda nos primeiros anos de vigência do actual Código Civil, os baldios puderam ser objecto de apropriação e entrar no domínio privado pela via da usucapião, designadamente no domínio privado das autarquias.

III. Na vigência do Código de Seabra a posse não titulada era sempre “juris et de jure” de má-fé, pelo que a prescrição aquisitiva só se consumava ao fim de 30 anos, nos termos dos art.ºs 476 e 529.

IV. Não adquiriu por usucapião parcela de terreno destacada de baldio aquele que a ocupa desde 1953 sem título.

Decisão Texto Integral:

1. Relatório

A Junta de Freguesia da A... com sede no (...), na Lousã, por si e em representação dos Compartes dos Baldios de B..., instaurou contra C... e esposa, D... , acção declarativa de condenação, a seguir a forma ordinária do processo comum, pedindo a final que, na sua procedência:

a) fosse declarado que o prédio descrito no art.º 1.º da petição inicial [prédio rústico composto de pinhal e mato e outro arvoredo, sito em (...), B... , freguesia e concelho da Lousã, inscrito na matriz predial respectiva sob o art.º 14537 e aí designado por baldio, e não descrito na Conservatória do Registo Predial da Lousã, com uma área superior a um hectare] é terreno baldio, propriedade, possuído, gerido e fruído pela comunidade e, portanto, pelo universo de compartes da freguesia da Lousã, nos termos e para os efeitos do disposto na Lei n.º 68/93, de 4 de Setembro, alterada pela Lei n.º 89/97, de 30 de Junho, e que esta comunidade e a Autora, esta em nome da comunidade, tem direito a possui-lo, geri-lo e frui-lo e a dele retirar todas as utilidades, com exclusão de outrem;

b) fosse declarado que deste prédio fazem parte integrante todas as parcelas de terreno ocupadas pelos demandados e descritas nos artigos 22.º a 36.º da petição, com a área total de cerca e não menos de 1680,00 m2, e que é a evidenciada na planta e fotografias juntas e, portanto, que tais parcelas não lhes (aos demandados) pertencem, constituindo terreno baldio que faz parte integrante do prédio baldio descrito no art.º 1.º da petição inicial, pertencente à comunidade local da freguesia da Lousã, designadamente do lugar de B... ;

c) fosse ordenada a demolição de todas as construções e plantações efectuadas pelos demandados nas mesmas parcelas;

d) fossem os demandados condenados a tudo reconhecerem e a procederem às referidas demolições e a entregarem à autora todas as parcelas por si ocupadas, livres e devolutas de pessoas e bens e a absterem-se de nelas praticarem quaisquer actos que impeçam ou dificultem o exercício dos direitos respectivos por parte da Autora, da Assembleia de Compartes e da comunidade que constitui a freguesia da Lousã;

e) a reconhecerem que a autora tem a seu cargo a administração do baldio;

f) no pagamento de indemnização à autora pelos prejuízos que com a ocupação descrita causaram e venham a causar àquela, à assembleia de compartes e comunidade da freguesia da Lousã, indemnização esta ainda não determinável, por não ter terminado a ocupação e, por isso, a liquidar em execução de sentença;

g) fossem declarados nulos e de nenhum efeito o modelo 129 de 13/2/2001 (…) e a inscrição na matriz sob o artigo matricial urbano n.º 8459 da freguesia e concelho da Lousã referida no art.º 54.º; a escritura pública de justificação celebrada em 3 de Abril de 2001, lavrada no Cartório Notarial da Lousã e constante de fls. 101 a 102 v.º do L.º de Notas para escrituras diversas n.º 151-D; e ainda nula e de nenhum efeito, nomeadamente por falta de objecto, a escritura de compra e venda de 27 de Dezembro de 1982, lavrada no Cartório Notarial da Lousã, de fls. 44 v.º a fls. 45, do L.º de Notas para escrituras Diversas n.º 5-C; e também, no que se refere ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 2756 (verba n.º 6 da escritura), também por falta de objecto, ser declarada nula e de nenhum efeito a escritura de partilha lavrada no mesmo dia e Cartório, exarada de fls. 76 v.º a 79 v.º, no Livro de Notas para escrituras diversas n.º 92-B e nula e de nenhum efeito a inscrição na matriz urbana sob o artigo 2756;

h) fosse ordenado o cancelamento de todas as inscrições matriciais na Repartição de Finanças e de todas as descrições registrais na Conservatória do Registo Predial da Lousã referentes aos prédios ou partes do prédio baldio descrito no artigo 1.º da petição inicial, inscrito na matriz sob o artigo 14537, nomeadamente, o cancelamento das inscrições matriciais n.ºs 8459/urbano e 2756/urbano, ambos da freguesia e concelho da Lousã, e de todas e quaisquer outras inscrições existentes e referentes ao mesmo prédio, nomeadamente o cancelamento das descrições n.ºs 5816 e 8093 da respectiva freguesia e respectivas inscrições G1-Ap3/970403, G2-Ap4/970403 e G1-Ap.8/010509 e de todas as inscrições em favor dos RR existentes na Conservatória do Registo Predial da Lousã referentes aos mesmos prédios.

Em fundamento alegou, em síntese, ter a seu cargo a administração -por força do art.º 22.º da Lei n.º 68/93, de 4 de Setembro e deliberação nesse sentido tomada pela Assembleia de Compartes dos Baldios de B... , cuja cópia juntou- dos terrenos baldios sitos na freguesia da Lousã e, nomeadamente, da totalidade do prédio conhecido e designado por Baldio do B... , composto por prédio rústico de pinhal, mato e outro arvoredo, sito em (...), B... , freguesia e concelho da Lousã, inscrito na matriz predial sob o artigo 14537 e aí designado por baldio, não descrito na Conservatória do Registo Predial da Lousã, e que tem uma área superior a um ha.

O prédio assim identificado desde há mais de 40, 50 e de 100 anos que se encontra continuamente, e sem interrupção, na posse, uso, gozo e fruição exclusiva dos habitantes da freguesia da Lousã, em especial dos moradores do lugar/povoação de B... , onde se localiza, e que nele vêm plantando pinheiros e recolhendo matos, estrumes, lenhas, terra e saibro, actos que praticam de forma conjunta e indiscriminada, segundo os usos e costumes da população daquele lugar, tudo embora sem prejuízo da utilização e fruição da comunidade da freguesia da Lousã, atendendo a que a assembleia de compartes do baldio de B... aderiu, através da autora, ao sistema de gestão florestal de grupo designado por “ BB.... ”. São assim as autoras quem, no uso de poderes delegados e em nome da comunidade da Lousã, vêm explorando economicamente tal terreno, aplicando as receitas obtidas em benefício das povoações da freguesia da Lousã.

Mais alegou que o aludido prédio tem uma área superior a um hectare, com a configuração, localização e confrontações constantes da planta que fez juntar, vindo os RR, abusiva e gradualmente, a ocupar desde há anos diversas parcelas que o integram e que neste momento ascendem a uma área superior a 1680 m2, a qual fizeram delimitar por muros.

Especificando, alegou que cerca do ano de 1973 o pai da ré D... , de seu nome H... , e um seu cunhado, I... , iniciaram e concluíram, no aludido prédio baldio, uma construção de rés-do-chão, composta por duas partes, com a área, cada uma delas, de 77 m2, ocupando uma parcela com a área total de 144m2. Após a morte do referido H... , e por força das escrituras de partilha e de compra e venda celebradas no escritório notarial da Lousã no mesmo dia 27/12/1982, a aludida construção, então já inscrita na matriz sob o artigo 2756, foi adjudicado aos RR na proporção de metade, tendo o demandado marido adquirido o restante por compra a E... .

Na sequência da outorga das aludidas escrituras, passaram os RR a ocupar a referida área de 144 m2, nela tendo iniciado, no ano de 1984, a edificação de uma única casa de habitação com rés-do-chão e cave. Cerca do ano de 1999, procederam à ampliação, para sul, da referida construção, executando novas construções em anexo à primeira, com as quais ocuparam mais 100 m2 de área, estendendo a ocupação até aos limites assinalados a vermelho no croquis junto aos autos a fls. 53, parcelas que afectaram a quintal, nelas plantando produtos hortícolas e videiras, ali tendo procedido ainda à construção de um poço. Decorridos cerca de cinco anos, procederam os mesmos RR à edificação de dois outros anexos, e depois de um terceiro, a poente das demais construções, delimitando as áreas ocupadas com a construção de muros dos lados norte e nascente, assim se apoderando ilicitamente da referida área total de 1680 m2, que bem sabiam integrar o baldio de B... , contrariando a vontade da autora e dos compartes.

Conhecedores dos factos descritos, os demandados, tendo em vista a apropriação abusiva das descritas parcelas de terreno, mediante a apresentação pelo réu marido no Serviço de Finanças competente da declaração modelo 129, declararam falsamente a inscrição de um prédio urbano sito em B... , freguesia e concelho da Lousã, descrevendo-o como terreno de mato situado dentro do aglomerado urbano, a confrontar do norte com estrada, sul com baldio, nascente com estrada e C... , e do poente com baldio, com a área descoberta de 1762 m2. Mais declararam falsamente, no aludido requerimento, que o prédio em causa fora pelo réu herdado do sogro, H... , falecido há mais de 20 anos, alegando ainda que o mesmo fazia parte do quintal da casa de habitação inscrita na matriz predial urbana sob o art.º 2756, então já descrita na Conservatória do Registo Predial da Lousã sob o n.º 5816 e aí inscrita em favor dos RR na proporção de metade para a ré mulher, por lhe ter sido adjudicada em partilha a que se procedeu por óbito do pai, e metade para o réu marido, por compra que fizera a E... .

Tendo obtido, pelo assinalado expediente, uma nova inscrição matricial, fizeram os RR justificar notarialmente o direito de propriedade sobre o prédio urbano inscrito na matriz respectiva da freguesia da Lousã sob o artigo 8459, tendo afirmado falsamente na escritura realizada que o mesmo lhe fora doado verbalmente por seu pai e sogro H... e mulher. Tal prédio, inscreveram-no posteriormente a seu favor na Conservatória do Registo Predial da Lousã, na qual se encontra descrito sob o n.º 8093.

As declarações feitas pelos RR nos identificados documentos são, na sua totalidade, falsas, conforme os declarantes não podiam desconhecer, pois que as áreas ocupadas integram, na sua totalidade, o baldio de B... , daí decorrendo a sua imprescritibilidade.

Com tais fundamentos peticionou a final a restituição das parcelas ocupadas nos termos que se deixaram acima transcritos ou, caso assim não venha a ser entendido, sempre deverão os RR ser condenados no pagamento à autora do valor do terreno ocupado pelas construções e à restituição da restante área.
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Regularmente citados, os RR contestaram nos termos da peça que consta de fls. 19 a 25 dos autos.

Em sede exceptiva invocaram a ilegitimidade da autora, uma vez que estando os baldios da freguesia da Lousã, desde há mais de 30 anos, sob a administração da Assembleia de Compartes da freguesia da Lousã, a qual sempre abrangeu a comunidade local da povoação de B... , não se vê como possa ter sido validamente constituída uma Assembleia de Compartes dos baldios do B... , cujo processo organizativo padece de vício que compromete irremediavelmente a sua validade e eficácia. Por assim ser, não se encontrando validamente constituídos os órgãos dos denominados baldios de B... , não podia operar-se validamente qualquer delegação de poderes dos respectivos compartes na Junta da freguesia da A.... , daí carecer esta de legitimidade activa para a propositura da presente acção.

A tal acresce, segundo os termos da alegação que produziram, a circunstância do terreno baldio a que a autora se refere ter uma área de 4800 m2, tal como consta da certidão matricial a ele relativa -prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia da Lousã sob o artigo 14537- nela se mencionando como titular inscrito o Município da Lousã. Tal terreno, com configuração declivosa, de natureza areenta e saibrosa, nunca teve qualquer aptidão agrícola, nele crescendo espontaneamente ao longo dos tempos alguns pinheiros e mato, ralo e fraco, de modo que sempre foi utilizado pela Câmara Municipal da Lousã apenas e só para a extracção de saibro de uma saibreira nele existente, de modo que nunca a autora, por si ou em nome da pseudo assembleia de compartes, possuiu o denominado baldio de B... , com o que impugnaram a factualidade alegada pela autora em adverso.

Mais alegaram que o pai da contestante mulher, o referido H... , também conhecido por H... , adquiriu à Câmara Municipal da Lousã no ano de 1953, entidade para a qual então trabalhava como pedreiro, e juntamente com seu cunhado I... , uma parcela de terreno com a área de cerca de 1800 m2, a qual foi então destacada do baldio e devidamente demarcada, a qual passaram a usar e fruir, nela tendo edificado duas moradias de rés-do-chão, ocupando uma área de 144 m2, e alguns anexos na parte restante.

O prédio em causa, com a referida área, veio a ser adquirido pelos RR, metade por partilha da herança aberta por óbito do pai e sogro, o referido H... , a outra metade por compra ao irmão e cunhado E... , que, por seu turno, a havia adquirido por doação efectuada por seu tio I... (1/4) e por compra aos herdeiros de V.... , sogra deste (1/4). Após a celebração de tais escrituras aproveitaram os demandados a referida área de edificação das duas moradias em conjunto para edificar uma única, o que ocorreu em 1984, na qual passaram a viver após a sua conclusão, cultivando no terreno de quintal e logradouro os mais variados produtos agrícolas, tudo fazendo à vista de toda a gente, sem qualquer oposição e naturalmente convencidos que exercitavam um direito próprio, de modo que adquiriram por usucapião, que expressamente invocaram, o prédio com a construção, anexos e área de logradouro que se encontra perfeitamente delimitada por muros.

Invocaram por último ter preenchido o referido modelo 129 tendo em vista a regularização matricial e registral da área de quintal e logradouro, que não se mostrava englobada na inscrição matricial do art.º 2756, processo natural no termo do qual o terreno junto à casa, com a área de 1762 m2, ficou inscrito como prédio urbano sob o artigo matricial 8459 da freguesia da Lousã. Obtida tal certidão matricial, celebraram os RR escritura de justificação judicial no Cartório Notarial da Lousã em 3 de Abril de 2001, tendo em vista justificar o seu direito de propriedade e, reconhecendo agora que tal título enferma de inexactidões das quais então não se aperceberam e a cuja inclusão são alheios, subsiste, ainda assim, como título válido, de tudo resultando a improcedência da acção.
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Replicou a autora, insistindo na sua legitimidade para a causa, a qual lhe é conferida pelo disposto nos art.ºs 4.º, n.º 3, 11.º e 15.º da Lei n.º 63/93, de 4 de Setembro, e ainda pelo art.º 34.º, n.º 1, al. c) e n.º 6, al. m) da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro.
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Foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade, prosseguindo os autos com selecção dos factos assentes e organização da base instrutória, peças que se fixaram sem reclamação das partes.
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Teve lugar audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo que da acta consta, após o que foi proferida sentença que, na parcial procedência da acção:

a) declarou que o prédio identificado no ponto A) da fundamentação de facto é terreno baldio, propriedade, possuído, gerido e fruído pela comunidade e, portanto, pelo universo de compartes da freguesia da Lousã, nos termos da Lei n.º 68/93, de 4 de Setembro, e que a comunidade e a Autora, esta em nome da comunidade, tem direito a possui-lo, geri-lo e frui-lo e a dele retirar todas as utilidades, com exclusão de outrem e, em consequência, condenou os RR a reconhecerem tal prédio como terreno baldio de B... ;

b) declarou que os prédios inscritos na matriz predial da freguesia da Lousã sob os artigos 2756 e 8459 fazem parte integrante do prédio referido em A) e, em consequência, condenou os RR a reconhecerem tais prédios como terreno baldio do B... ;

c) declarou nulas e sem quaisquer efeitos a escritura pública de justificação celebrada em 3 de Abril de 2001, lavrada no Cartório Notarial da Lousã e constante de fls. 101-102 v.º do livro de notas para escrituras diversas n.º 151-D; a escritura pública de compra e venda celebrada em 27 de Dezembro de 1982, lavrada no Cartório Notarial da Lousã a fls. 44 v.º e 45 do Livro de Notas para escrituras diversas n.º 5-C e a escritura de partilha lavrada no mesmo dia e cartório, exarada de fls. 76 v.º a fls. 79 v.º do livro de Notas para escrituras diversas n.º 92-B e, em consequência, que nenhum dos RR adquiriu, por via de tais escrituras -por nulas- o direito de propriedade sobre os prédios inscritos na matriz predial da freguesia da Lousã sob os artigos 2756 e 8459, condenando os RR em tal reconhecimento;

d) determinou, em consequência do decidido em c), o cancelamento das inscrições matriciais nºs 8549/urbano e 2756/urbano, ambos da freguesia e concelho da Lousã, e das descrições n.ºs 5816 e 8093 da respectiva freguesia e respectivos averbamentos (G1-Ap3/970403, G2-Ap4/970403 e G1-Ap08/010509) e outras subsequentes que hajam sido efectuadas.
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Inconformados, apelaram os RR da sentença e, tendo apresentado as suas alegações, remataram-nas com as seguintes necessárias conclusões:

“1) – A matéria de facto contida na alínea B) dos Factos Assentes não pode ser dada como provada, visto não ter sido admitida por acordo, uma vez que foi impugnada especificadamente pelos RR., no art.º 28º da contestação;

2) – A matéria de facto articulada e vertida na B. I. cuja decisão judicial se impugna, nestas alegações, relativa aos pontos de facto indicados e considerados erro de interpretação e/ou aplicação, por incorrectamente julgados, com base nos meios probatórios constantes do processo, deverá ser reapreciada e impondo-se decisão diversa, sendo as respostas alteradas em conformidade, com o, ora, aqui, pugnado;

3) – De todo o modo a A., Junta de Freguesia A.... não dispunha legitimamente de poderes para proceder à gestão e administração dos designados Baldios de B... ;

4) – O processo constitutivo dos Baldios de B... padece de vício genético que afecta irremediavelmente a sua validade;

5) – Não se encontrando validamente constituída a Assembleia dos Compartes dos designados baldios de B... , não era juridicamente possível aos pretensos Compartes fazerem a “delegação” da administração dos baldios, na A., Junta de Freguesia A.... ;

6) – O prédio identificado no ponto A) da fundamentação de facto não é terreno baldio, propriedade, possuído, gerido e fruído pela comunidade e, portanto, pelo universo de compartes da freguesia da Lousã, nos termos da Lei n.º 68/93 de 4 de Setembro e por isso a comunidade e a A., esta em nome da comunidade, não tem direito a possui-lo, geri-lo e frui-lo e a dele retirar todas as utilidades;

7) – Cumprindo salientar que a freguesia da Lousã abrange, na sua área administrativa, muitas outras povoações, para além da pequena povoação de B... , cujas populações, algum tempo após a publicação dos Decs. Leis n.ºs 39/76 e 40/76 de 19/01, se organizaram, nos termos legais, tendo os respectivos compartes constituído os conhecidos Baldios A.... ;

8) – Os RR. sempre possuíram os prédios urbanos inscritos na matriz da freguesia da Lousã sob os artigos 2756 e 8459 na melhor boa-fé, usando-os e fruindo-os, extraindo deles todas as suas utilidades, à vista de toda a gente, continuadamente, sem oposição e absolutamente convencidos que exerciam um direito próprio;

9) – Por erro de interpretação e/ou de aplicação, não se mostram correctamente analisados, interpretados e aplicados os princípios gerais atinentes e os comandos legais aplicáveis, violando-se o disposto no art.º 22.º da Lei n.º 68/93 de 04/09 e nos art.ºs 615º, alínea c) e 617º do C.P.C”.

Com os aludidos fundamentos pretendem a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por decisão que julgue a acção totalmente improcedente e não provada.

Contra alegou a autora, pugnando pela manutenção do julgado.
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Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, as questões submetidas à apreciação deste Tribunal são:

i. determinar se a autora é parte legítima;

ii. indagar da existência de erro de julgamento no que respeita à decisão proferida sobre os factos constantes da al. B) e artigos 1.º a 5.º e 50.º da BI.

iii.  decorrência da modificação da decisão proferida sobre a matéria de facto,  concluir que os RR adquiriram por usucapião o direito de propriedade sobre os prédios inscritos na matriz predial sob os artigos 8549 e 2756 da freguesia e concelho da Lousã, com a consequente improcedência da acção.
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i. da legitimidade activa

Dada a precedência das questões processuais com aptidão para conduzir à absolvição da instância, pela excepção da ilegitimidade que os apelantes sustentam verificar-se se começará a apreciação do recurso interposto (cf. art.º 608.º, n.º 1 do CPC, aplicável aos acórdãos ex vi do disposto no n.º 2 do art.º 663.º do mesmo diploma legal).

A excepção em causa havia sido invocada pelos RR aquando da apresentação da contestação, tendo sido julgada improcedente. Insistem agora os mesmos RR, nas vestes de apelantes, que o Tribunal decidiu com menos acerto, tendo, para além do mais, omitido pronúncia sobre arguida nulidade.

E argumentam nestes termos:

- A Mm.ª juiz decidiu que a A. não carecia de qualquer delegação de poderes por parte dos Compartes para propor a presente acção, na medida em que a sua legitimidade lhe é conferida expressamente pela disposição legal do artigo 4º da Lei n.º 68/93 de 4 de Setembro.

- Por tal motivo a A. ter-se-ia limitado a agir unicamente ao abrigo desse normativo (art.º 4º da Lei n.º 68/93 de 04/09).

- Isto sem que o Tribunal se tivesse detido na análise da alegada delegação de poderes por parte do Conselho Directivo do Baldio de B... e que havia sido impugnada e posta em crise pelos RR. na sua contestação.

- É que, ao instaurar a presente acção, a A. afirmou actuar nos termos do disposto no art.º 22.º da Lei n.º 68/93 de 04/09 ou seja, no uso de poderes que lhe terão sido delegados nos termos da deliberação de uma alegada Assembleia de Compartes constante do documento intitulado “Acta n.º 2”, a fls. 27 dos autos.

- Como é sabido, há mais de trinta anos, na plena vigência dos Dec. Lei n.ºs 39/76 e 40/76 de 19 de Janeiro, os terrenos baldios existentes, na área territorial da freguesia da Lousã, ficaram, na sua generalidade, sujeitos à administração dos respectivos compartes.

- Os quais, nos termos da lei, se organizaram autonomamente em Assembleia de Compartes, passando a ser conhecidos, na gíria da sua actividade, como “Baldios A.... ”, que ainda hoje se mantém com os seus órgãos próprios de gestão (assembleia de compartes, conselho directivo e comissão de fiscalização, esta última só existindo a partir da Lei n.º 68/93 de 04/09), no exercício das suas funções e sem qualquer interferência da Junta de Freguesia da Lousã.

- Sendo certo que essa Assembleia de Compartes dos Baldios da Lousã sempre abrangeu e incluiu também a comunidade local do B... .

- Por isso mesmo, face ao teor de tal “Acta n.º 2”, não se vê como uma reunião realizada em 21 de Julho de 2006, sob a égide da Junta de Freguesia da Lousã e na sua própria sede – o que revela uma dissidência e cisão em relação aos Baldios da Lousã – poderá ter sido constituída validamente uma assembleia de compartes do pretenso baldio de B... .

- Para além de se desconhecerem quais os verdadeiros compartes de B... – não se mostra elaborado qualquer recenseamento dos mesmos, como seria legalmente mister – emerge dessa mesma acta que o processo organizativo e constitutivo dos baldios de B... , feito à revelia dos Baldios da Lousã e com o respaldo da Junta de Freguesia da Lousã, está inquinado de grave vício genético, que afecta irremediavelmente a sua validade e eficácia e a pretensa delegação de poderes de gestão na Junta de Freguesia da Lousã. O que configura uma nulidade.

- Desta forma, não se encontrando validamente constituídos os órgãos dos denominados Baldios de B... , não podia operar-se, por falta do necessário pressuposto legal, qualquer delegação de poderes dos compartes na Junta de Freguesia A..., e muito menos na pessoa dos seus membros executivos, aí identificados, como reza a citada acta.

- Pelo que a A. não era titular dos poderes de administração que se arroga, na medida em que não lhe foram validamente delegados pela pretensa Assembleia de Compartes dos designados Baldios de B... .

- De resto, é bom notar que o prédio rústico identificado em A) se encontra inscrito na respectiva matriz da freguesia da Lousã em nome do Município da Lousã, o que é bem elucidativo, uma vez que (…) a gestão dos baldios municipais, como o, ora, designado Baldio de B... , pertenciam à Câmara Municipal do concelho da Lousã, em cuja área se situava”.

Cumprindo apreciar este fundamento recursivo impõe-se, antes de mais, assinalar, que não é rigorosa a afirmação de que a autora veio a juízo fundando a sua legitimidade para instaurar a presente acção apenas na delegação de poderes operada pela Assembleia de Compartes dos baldios de B... , antes tendo expressamente invocado que tal legitimidade lhe era igualmente conferida pelo n.º 3 do art.º 4.º da Lei n.º 68/93, de 4 de Setembro. E foi por assim considerar que a Mm.ª juíza que apreciou a excepção, constatada a natureza da presente acção -fundada na nulidade dos actos de apropriação levados a cabo pelos RR- entendeu prejudicado o conhecimento, dada a sua irrelevância, das demais questões suscitadas. E com acerto o fez, desde já se adianta.

De todo o modo, em respeito pelas conclusões do recurso, sempre se dirá que, tendo por referência a lei em vigor à data da constituição da Assembleia de Compartes do Baldio de B... , os baldios eram legalmente definidos como os terrenos possuídos e geridos pelas comunidades locais, entendidas estas como o universo dos compartes, sendo compartes os moradores de uma ou mais freguesias ou parte delas que, segundo os usos e costumes, tivessem direito ao uso e fruição do baldio (vide art.º 1º da Lei 68/93, de 4 de Setembro, na redacção anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 72/14, de 2 de Setembro, rectificada nos termos da rectificação 46/2014, de 29 de Outubro[1]).

Possuídos e geridos por comunidades locais, com a composição referida, o gozo, uso e fruição dos baldios, beneficiando embora de forma igualitária todos os compartes (art.º 5.º, n.º 2), não era arbitrário, mas antes disciplinado (cfr. art.ºs 5.º, n.º 1, 6.º e 15.º, n.º 1, al. d) do citado diploma).

Assim, dispunha o art.º 11.º que “1- Os baldios são administrados, por direito próprio, pelos respectivos compartes, nos termos dos usos e costumes aplicáveis ou, na falta deles, através de órgão ou órgãos democraticamente eleitos.

2. As comunidades locais organizam-se para o exercício dos actos de representação, disposição, gestão e fiscalização relativos aos correspondentes baldios, através de uma assembleia de compartes, um conselho directivo e uma comissão de fiscalização.

3. Os membros da mesa da assembleia de compartes, bem como do conselho directivo e da comissão de fiscalização, são eleitos por um período de dois anos, renováveis, e mantêm-se em exercício de funções enquanto não forem substituídos”.

O assim preceituado entroncava na exigência antes formulada pelo art.º 6.º do DL 39/76, de 19 de Janeiro, o qual fazia depender a entrega ou devolução dos baldios aos compartes da sua prévia organização em assembleia de compartes. Deste modo, a lei previa que a administração dos baldios se fizesse através dos órgãos democraticamente eleitos[2], sem prejuízo embora da possibilidade de delegação, prevista no art.º 22.º do diploma a que nos vimos reportando.

À assembleia de compartes, constituída por todos os compartes nos termos do art.º 14.º, atribuía a lei as competências definidas no preceito imediato, competindo-lhe, além do mais ali previsto, eleger um conselho directivo (cf. al. b) do n.º 1 do art.º 15.º). A este órgão, por seu turno, para além do mais elencado no art.º 21.º, cabia “(...) recorrer a juízo e constituir mandatário para defesa de direitos ou interesses legítimos da comunidade relativos ao correspondente baldio e submeter estes actos a ratificação da assembleia de compartes” (cf. al. h) do preceito).

Invocam os apelantes que, na ausência de recenseamento, são desconhecidos os verdadeiros compartes do denominado Baldio do B... , assim resultando inquinado o processo de constituição da Assembleia de Compartes, a eleição dos respectivos órgãos e, consequentemente, as deliberações tomadas. Vejamos da pertinência de tal argumento.

O art.º 33.º (hoje revogado), dispondo sobre o recenseamento, previa que, através dele, fossem identificados e registados os compartes (vide n.º 1), sendo válidos os recenseamentos provisórios previstos no n.º 2 do art.º 22.º do DL 39/76, de 19 de Janeiro[3] e, no caso de inexistência destes, fazia recair sobre as entidades subsequentemente identificadas a obrigação de ao mesmo proceder: assembleia de compartes, quando para o efeito convocada; grupos de 10 membros da comunidade local usualmente reconhecidos como compartes; e, finalmente, a junta de freguesia, quando tivesse decorrido um ano sobre a data da entrada em vigor do diploma sem que o recenseamento houvesse sido feito por iniciativa dos anteriores (cfr. o teor dos nºs 2, 3 e 4).

Como solução última, previa ainda a lei que “Em caso de renitente inexistência de recenseamento dos compartes, por inércia de todas as entidades referidas nos nºs 3 e 4 e até ao suprimento efectivo dessa falta, aplicam-se as regras consuetudinárias, quando inequivocamente existam e, na falta delas, supre a falta do recenseamento dos compartes o recenseamento eleitoral dos residentes na comunidade local a que o baldio pertence, com as adaptações e correcções aprovadas nas reuniões da assembleia de compartes convocadas com base nele”. Tal era o regime consagrado no n.º 6 do preceito, dispondo por último o n.º 7 que “A convocação prevista na parte final do número anterior compete ao conselho directivo, quando exista, ou, na sua falta, a grupos de 10 membros da comunidade local usualmente reconhecidos como compartes, constituídos em comissão “ad hoc”.

Flui do regime legal em vigor ao tempo da organização em Assembleia de Compartes dos compartes do Baldio do B... , que a referida qualidade derivava da circunstância de se ser morador numa das freguesias ou parte delas, que, segundo os usos e costumes, tivesse direito ao uso e fruição do baldio, não dependendo portanto do recenseamento, que até poderia ter sido omitido, conforme se alcança do transcrito art.º 33.º, omissão a suprir por algum dos modos ali previstos.

Atento o que se vem de explanar, impõe-se considerar que fundamental para ser considerado comparte de um determinado baldio era (é ainda[4]) a pertença a uma comunidade local, enquanto nela morador com direito ao uso e fruição dos baldios, de harmonia com os usos e costumes. Deste modo, e independentemente de saber -que não se sabe- se existiu ou não o aludido recenseamento (que a lei hoje não exige, face à eliminação do citado art.º 33.º), a verdade é que tal não contende com a validade da assembleia de compartes, constituída, nos termos do citado art.º 14.º, por todos os compartes, ou

 seja, pelo conjunto de moradores com direito ao uso e fruição dos baldios enquanto “logradouro comum, afecto designadamente à apascentação de gado, recolha de lenhas e matos, culturas e outras fruições, nomeadamente de natureza agrícola, silvícola, agro-pastoril ou apícola” como taxativamente se dispunha no art.º 3.º da mesma Lei, qualidade que, sublinha-se, não vem questionada em relação a nenhuma das pessoas identificadas na dita acta n.º 2.

Em síntese, nada indiciando a irregularidade do processo organizativo em assembleia por banda dos compartes dos denominados baldios de B... , como válida há-de ter-se a subsequente eleição dos respectivos órgãos de gestão, não sendo seguramente a eventual ausência do aludido processo de recenseamento a afectar a validade de tais actos.

Por outro lado, e respondendo à segunda objecção levantada pelos apelantes, se nada obsta a que uma assembleia de compartes abranja várias comunidades[5], igualmente nada impede que compartes de um mesmo baldio abandonem a primitiva assembleia, formando uma outra que só a eles diga respeito, tal como terá acontecido no caso vertente. Com efeito, mesmo a admitir -o que, em todo o caso, não se mostra adquirido no processo- que o Baldio do B... se encontrasse sob a administração da Assembleia de Compartes dos Baldios da Lousã, nada obstava a que os compartes daquele baldio se organizassem autonomamente, sem que daí resulte qualquer irregularidade.

Por último, e face ao que dispunha o n.º 1 do art.º 22.º da Lei 68/93, na sua redacção ao tempo, é manifestamente irrelevante que o titular do prédio baldio no Serviço de Finanças fosse o Município da Lousã, seguramente reminiscência dos tempos em que competia a esta autarquia a respectiva administração.

Decorre do que se deixou exposto que, competindo aos compartes do Baldio de B... a respectiva administração, e estando aqueles dotados dos órgãos próprios para os representar (cf. art.º 11.º do diploma a que nos vimos reportando), ao conselho directivo competia recorrer a juízo em defesa dos interesses da comunidade (al. h) do art. 21.º), sem prejuízo da possibilidade de delegar essa competência, como fez, na junta de freguesia em cuja área o baldio se localiza, nos termos prevenidos no art.º 22.º.

Sem embargo do que vem de se dizer -e, de algum modo, concluindo a análise deste fundamento recursivo da forma como se iniciou- a verdade é que, tal como foi considerado pela Mm.ª juíza “a quo” e os apelantes não questionam, independentemente dos compartes do dito Baldio do B... se terem ou não organizado autónoma e validamente em Assembleia e da consequente eventual irregularidade da delegação de poderes na autora, tendo a presente acção por objecto a declaração de nulidade de actos e negócios jurídicos de apropriação de terrenos baldios, a legitimidade para a sua propositura era por lei atribuída ao M.P., ao representante da administração central, regional ou local da área do baldio, aos órgãos de gestão desta ou a qualquer comparte (cf. art.º 4.º, n.º 2 da Lei n.º 68/93). Nestes termos, e porque a lei conferia à autora, órgão representativo da administração local da área do baldio, expressa e directamente, legitimidade para instaurar as acções desta natureza, não carecia de invocar qualquer delegação de poderes para o efeito de justificar a sua legitimidade activa, bastando a invocação do dito art.º 4.º, conforme também fez.

Por outro lado, e contrariamente ao que os apelantes (só) agora nas suas alegações parecem pressupor, eventuais irregularidades do processo de organização do dito baldio de B... em Assembleia de Compartes distinta da Assembleia de Compartes dos Baldios da Lousã não se assumem como uma questão autónoma com pertinência para a decisão. Com efeito, tendo a acção por objecto a declaração de nulidade dos actos e negócios apropriativos imputados aos demandados, tal só depende da demonstração de que tais actos incidem sobre terreno baldio, independentemente de quem assegura a sua gestão, conforme resulta desde logo da circunstância da lei ter atribuído legitimidade para o efeito a um conjunto alargado de entidades.

Improcedem, pelo exposto, as conclusões recursivas 3.ª, 4.ª, 5.ª e 7.ª.
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ii. da impugnação da matéria de facto

Impugnaram também os recorrentes a decisão proferida sobre a matéria de facto, pretendendo ter sido indevidamente considerada como assente a factualidade vertida na al. B), porquanto, tratando-se de matéria proveniente da alegação da autora nos artigos 4.º a 8.º a petição inicial, foi a mesma especificadamente impugnada pelos RR no art.º 28.º da contestação.

Ademais, alegam, ocorreu erro de julgamento no que se refere às respostas dadas aos artigos 1.º a 5.º da base instrutória que, tendo sido positivas, pretendem sejam alteradas para outras de sinal contrário, insurgindo-se ainda contra a inclusão no elenco dos não provados do facto de os RR terem actuado na convicção de serem legítimos e exclusivos donos da parcela triangular existente a norte e recentemente delimitada, o qual pretendem seja incluído nos factos provados.

Apreciando:

Aquando da selecção da matéria de facto assente e organização da base instrutória, foi dado desde logo como assente nos autos que “Desde tempos imemoriais, há mais de 100 anos, que o prédio identificado em A) [prédio rústico sito em (...), B... , freguesia e concelho da Lousã, a confrontar a norte com K... e outros, a sul com W... , a nascente com estrada e a poente com Y... , descrito como baldio, com a área total de 0,480000 hectares, inscrito na matriz predial rústica do Serviço de Finanças da Lousã sob o artigo 14537 a favor do Município da Lousã] constitui parte integrante dos baldios do concelho da Lousã, pertencendo tal prédio, suas matas, pinhais, restante arvoredo e demais utilidades e bens nele existentes à colectividade da Lousã.

Tal facto, ao contrário do que os apelantes agora pretendem, foi por eles expressamente reconhecido -cfr. artigos 17.º e 24.º da contestação- motivo pelo qual foi, e bem, dado como assente aquando da prolação do despacho de condensação. O reconhecimento de tais factos, aglutinados na dita al. B), não abrangeu a alegação da autora no sentido do referido prédio ter área superior a um hectare e se encontrar sob a sua gestão, os quais, por especificadamente impugnados pelos RR, vieram a dar origem ao artigos 1.º e 4.º da base instrutória.

Atento o exposto, e porque correctamente dado por assente, atenta a confissão dos RR, mantém-se a dita al. B).
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No que se reporta aos factos vertidos nos artigos 1.º a 5.º, invocam os apelantes que a prova produzida e invocada pela Mm.ª juíza “a quo” é manifestamente insuficiente para sustentar as respostas positivas que lhes foram dadas.

Relembremos o teor dos artigos cujas respostas vêm impugnadas:

1.º- O prédio rústico identificado em A) tem uma área superior a um hectare?

Provado.

2.º- A assembleia de compartes do baldio de B... aderiu ao sistema de gestão florestal de grupo, designado por “ BB.... ”?

3.º- … comprometendo-se a realizar as orientações de gestão florestal específicas estabelecidas no Plano de Intervenção Operacional elaborado para a respectiva área?

Provados.

4.º- É a Autora Junta de Freguesia A.... e os compartes do baldio de B... quem exploram economicamente tal prédio?

5.º- … aplicando as suas receitas nas povoações da freguesia da Lousã?

Provados.

Afirmam os impugnantes, no que concerne à resposta positiva dada ao art.º 1.º, que a generalidade das testemunhas declarou desconhecer a área do terreno em causa e aquelas que à mesma aludiram fizeram-no em termos imprecisos e inconcludentes, ilustrando tal alegação com um excerto do testemunho prestado por F... , de 00m45s a 03m30s, que transcrevem. Mais assinalam a estranheza provocada pelos termos da alegação que na petição inicial foi feita pela autora, afirmando que o baldio tinha área superior a 1 hectare, mas sem fazer uma indicação precisa de tal área, o que, aliado ao teor do relatório pericial, impedia a resposta positiva que pelo Tribunal foi dada ao artigo em causa.

Antes de mais cabe salientar que, tal como os apelantes reconhecem, nenhum dos meios de prova produzidos tendo em vista a demonstração do facto aqui perguntado tem um valor legalmente fixado, estando, todos eles, sujeito ao princípio da livre apreciação pelo julgador (cf. n.º 5 do art.º 607.º do CPC). Depois, a verdade é que a Mm.ª juiz justificou cabalmente a resposta dada. Com efeito, reconhecendo, também ela, terem sido imprecisos os depoimentos prestados quanto às medidas rigorosas do baldio e de pouca valia a perícia realizada, não deixou de assinalar terem as testemunhas indicado os limites daquele terreno, tendo por referência as estradas que os ladeiam e marcos existentes -elementos delimitadores que consignou ter confirmado em sede de inspecção judicial ao local- o que fizeram em termos coincidentes com a mancha desenhada no levantamento topográfico junto, conferindo credibilidade à área aqui encontrada. Efectivamente, faz-se notar, a circunstância das testemunhas se terem mostrado incapazes de indicar quantos metros ocupa o terreno baldio não invalida que conhecessem os respectivos limites, assim permitindo o achamento da respectiva área.

Decorre do que se deixou dito que o depoimento da dita testemunha F... , na passagem transcrita, não tem virtualidade para contrariar o decidido, atendendo a que, conforme a lei exige, teria o impugnante de especificar “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (cf. al. b) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC, sendo nosso o destaque), o que não é manifestamente o caso.

No que se reporta às respostas positivas que mereceram os artigos 2.º e 3.º, argumentam os apelantes com a escassez da prova testemunhal produzida e excessivo relevo atribuído ao documento de fls. 30, esquecendo, aparentemente, também aqui, que uma conseguida impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto não pode assentar em mero inconformismo com a apreciação que pelo julgador foi feita dos meios de prova produzidos (afora a violação de regras de direito probatório material, aqui não verificada).

E a verdade é que nada obstava a que a Mm.ª juíza fizesse relevar o documento de fls. 30, uma vez que ficou estabelecida a sua genuinidade, sendo certo que não é a circunstância da adesão não ter tido qualquer sequência ou desenvolvimento, conforme os recorrentes alegam, que infirma o facto da associação de compartes do Baldio de B... ter efectivamente aderido ao sistema de gestão florestal de grupo, designado por BB.... , conforme o dito documento atesta.

No que respeita especificamente aos artigos 4.º e 5.º, afirmam os apelantes que, “em seu parecer, não foi feita prova bastante de que a A. – Junta de Freguesia A... e os Compartes do Baldio de B... tenham explorado economicamente o prédio em causa” e de que “não se fez a mínima prova de que a Junta de Freguesia A... e os Compartes do baldio de B... tenham aplicado quaisquer receitas provenientes da exploração do prédio nas povoações da freguesia da Lousã”, destacando que das “testemunhas oferecidas pela A., F... e G... , sendo primos directos do Réu marido, declararam andar desentendidos com os RR., o que é deveras significativo e não pode deixar de afectar a credibilidade dos seus depoimentos”.

Ora, repetindo o que de algum modo se deixou dito, atentando no específico ónus que o art.º 640.º já citado faz recair sobre o impugnante da matéria de facto, fácil se torna concluir que a mera afirmação de que, no entender dos impugnantes, não foi produzida prova suficiente, ou que os depoimentos das indicadas testemunhas não deveriam ter sido considerados devido à má relação que mantêm com os RR, não satisfaz o referido ónus.

Assim, e por um lado, o facto das aludidas testemunhas se encontrarem de mal com os RR -o que, aliás, de pronto reconheceram- não as torna inábeis para depor, antes constituindo circunstância a ser atendida aquando da apreciação dos testemunhos prestados; depois, basta atentar na extensa e esclarecedora motivação que a Mm.ª juiz fez consignar em abono da decisão proferida sobre a matéria de facto para concluir que o testemunho prestado por F... -e apenas este é invocado no que respeita à matéria vertida nos artigos 4.º e 5.º, nenhuma referência sendo feita à testemunha G... - foi considerado, sim, mas a par de outros. Conforme ali se refere, para além daquela testemunha, também J... , L... , M... , N... , O... e P... depuseram sobre a matéria em discussão, tendo resultado dos testemunhos por todos prestado que o terreno baldio, a despeito da pobreza do solo, vinha sendo fruído nas suas utilidades pelos populares, que ali recolhiam matos e a lenha de alguns pinheiros, que usavam depositar na área triangular por último ocupada pelos recorrentes, a par da exploração da saibreira que vinha sendo feita pela Câmara Municipal, também esta revertendo em favor das gentes do lugar e freguesia. Nestes termos, e porque os motivos invocados pelos apelantes não impõem, sobre os pontos invocados, decisão diversa da proferida, mantêm-se as respostas dadas.

Por último, pretendem os RR que seja dado como demonstrado que actuaram na convicção de serem legítimos e exclusivos donos da parcela triangular existente a norte e recentemente delimitada, e isto atendendo ao preenchimento e apresentação, no Serviço de Finanças da Lousã, do Modelo 129 de 13/02/2001, da nova inscrição matricial urbana da freguesia da Lousã sob o artigo 8459, e da celebração da escritura de justificação notarial de 03/04/2001, de tudo resultando ser absolutamente crível e natural que os RR estivessem inteiramente convencidos de que eram legítimos donos de tal parcela de terreno, a norte, tanto mais que se trata de pessoas simples e modestas.

Previamente, assinala-se que, pondo em causa a resposta negativa (ainda que restritiva) que mereceu o artigo a este propósito formulado (cf. art.º 50.º), não questionam os recorrentes a, com a sua pretensão contraditória, resposta conjunta dada aos art.ºs 13.º, 14.º e 15.º, que consta do elenco da sentença sob a al. W), com o seguinte conteúdo “Os RR sabiam que ao menos a parcela triangular a norte (designada de bico) que vedaram com muro num comprimento de 23,60 mt e portão, e o local onde implantaram o anexo indicado sob a al. B) do esquisso de fls. 53 -para lá do muro de delimitação- não lhe pertenciam, mas antes à comunidade da freguesia da Lousã, e que a ocupavam contra a vontade da autora e dos compartes da comunidade da freguesia da Lousã”. De todo o modo porque, a ser julgada procedente a impugnação deduzida, o facto agora transcrito entraria em confronto directo com aquele que os recorrentes pretendem ter sido indevidamente julgado, terá que se entender que também a resposta aos ditos artigos 13.º, 14.º e 15.º se encontra impugnada.

Todavia, evidente é, em nosso entender, que os documentos invocados pelos recorrentes em abono da sua pretensão modificativa, ao invés de a apoiarem, antes a contrariam. Com efeito, e conforme os RR reconhecem na sua contestação, o prédio inscrito na matriz sob o artigo o art.º 2756 e inscrito a seu favor na Conservatória do Registo Predial competente, contemplava apenas uma área de 144 m2, tendo sido através de um expediente -declaração modelo 129 e subsequente celebração de escritura de justificação notarial- que lograram obter a descrição registral de um novo prédio, com a área de 1762 m2, e a inscrição a seu favor, sendo certo que ambos os documentos, conforme eufemísticamente alegam, contêm inexactidões. Tais inexactidões, contudo, correspondem a inverdades, que a modéstia da sua condição não justifica, irrelevando naturalmente, neste conspecto, que tenha sido concedida licença camarária para edificação do muro de delimitação, que nenhum direito atribui ou retira. Aliás, conforme resulta dos testemunhos a que a Mm.ª juiz fez apelo na motivação da decisão -e os próprios RR deram conta logo na sua contestação- a ocupação progressiva de terreno não se vinha fazendo sem oposição dos moradores no local, donde não poder de maneira nenhuma sustentar-se a boa-fé dos recorrentes, pelo menos no que respeita à área triangular ultimamente apropriada, dado que, conforme se apurou, vinha sendo utilizada pelas gentes do local para depositarem lenhas e mato que recolhiam do terreno baldio e ainda para acederem a umas “poças” ali existentes, utilização que os RR naturalmente não podiam desconhecer. Improcede, assim, também esta pretensão modificativa.

Por último, e salvo melhor opinião, afigura-se que nem a total procedência deste segmento do recurso teria aptidão para inverter o sentido da decisão. Com efeito, essencial à sorte do litígio foi a consideração que as áreas ocupadas pelos RR integravam o baldio do B... , sendo para este efeito irrelevante que o mesmo tenha uma área total de 4800 m2, conforme consta da certidão matricial -documento que, conforme é pacífico, não faz prova da realidade das áreas, nem das confrontações- ou de 10 000m2, conforme se apurou. E a verdade é que os RR não impugnaram o aludido facto, tornando irrelevante a discussão sobre a respectiva área ou entidade que o administra.
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II. Fundamentação

De facto

Imodificada a decisão proferida sobre a matéria de facto, é a seguinte a factualidade a considerar (agora lógica e cronologicamente ordenada):

1. Encontra-se inscrito na matriz predial rústica do Serviço de Finanças da Lousã a favor do Município da Lousã sob o artigo 14537, o prédio rústico sito em (...), (...), freguesia e concelho da Lousã, a confrontar a norte com K... e outros, a sul com W... , a nascente com estrada e a poente com Y... , descrito como baldio, com a área total de 0,480000 hectares, conforme consta do documento junto aos autos com a contestação a fls. 27, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (al. A).

2. O prédio rústico identificado em 1. tem uma área superior a um hectare.

3. Desde tempos imemoriais, há mais de 100 anos, que o prédio identificado em 1. constitui parte integrante dos baldios do concelho da Lousã, pertencendo tal prédio, suas matas, pinhais, restante arvoredo e demais utilidades e bens nele existentes à colectividade da Lousã (al. B).

4. O prédio descrito em 1. era uma terreno declivoso, de natureza areenta e saibrosa, sem qualquer aptidão agrícola, desenvolvendo-se nele, ao longo dos tempos, apenas alguns pinheiros de reprodução espontânea, bem como algum mato (resposta ao art.º 25.º).

5. Tal terreno foi sempre utilizado pela Câmara Municipal da Lousã apenas para a extracção de saibro de uma saibreira nele existente, para as obras que tinha a seu cargo na área deste concelho (resposta ao art.º 26.º).

6. Porque tal terreno nada mais produzia, além de matos e lenhas (resposta ao art.º 27.º).

7. A assembleia de compartes do Baldio de B... aderiu ao sistema de gestão florestal de grupo, designado por “ BB.... ”, comprometendo-se a realizar as orientações de gestão florestal específicas estabelecidas no Plano de Intervenção Operacional elaborado para a respectiva área (respostas aos art.ºs 2.º e 3.º).

8. É a autora Junta de Freguesia A... e os compartes do Baldio de B... quem explora economicamente tal prédio, aplicando as suas receitas nas povoações da freguesia da Lousã (resposta aos art.ºs 4.º e 5.º).

9. O pai da Ré, H... , que também era conhecido por H... , ocupou, cerca do ano de 1953, com a anuência da Câmara Municipal da Lousã, e juntamente com o seu cunhado, I... , uma parcela de terreno com área não concretamente determinada, confinando com estrada pública, e que fazia parte do prédio mencionado em 1., destinando-a a construção (resposta ao art.º 28.º).

10. Tal parcela veio a ser destacada fisicamente do terreno baldio, chegando a estar demarcada por implantação de marcos do lado poente, com vários marcos em viga de cimento implantados no solo (resposta aos art.ºs 29.º e 30.º).

11. Os referidos H... e I... procederam ao desaterro e preparação do terreno para construção (resposta ao art.º 38.º).

12. E em data não concretamente apurada concluíram a edificação de duas moradias de rés-do-chão e cave com a área global de 144m2, que passaram a habitar (respostas aos art.ºs 39.º e 40.º).

13. A partir da ocupação e edificação das casas, após 1953, os referidos H... e I... passaram a deter, usar e fruir uma parcela de terreno correspondente à área de implantação da casa, anexos, quintal a sul, e quintal das traseiras (a poente) e, bem assim, parte de quintal, não concretamente determinada, do lado norte (aquém do bico triangular), à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, continuadamente e na convicção de exercerem um direito legítimo ignorado que, ao ocuparem tal área com autorização, lesassem os direitos de outrem (respostas aos art.ºs 31.º, 32.º, 33.º, 34.º, 35.º e 36.º).

14. Tendo também construído alguns anexos na parte restante do referido prédio (resposta ao art.º 41.º).

15. Na convicção de usufruírem e possuírem coisa sua, distinta e destacada do antigo todo (resposta ao art.º 42.º).

16. Ainda no ano de 1973, o pai da Ré D... , o referido H... (casado com Z...), e o cunhado deste (irmão da Z.... ), de nome I... , fizeram inscrever na matriz uma construção de rés-do-chão, composta por duas partes, com a área global de 144 m2 (cento e quarenta e quatro metros quadrados) no prédio identificado em 1. (resposta restritiva ao art.º 6.º).

17. Nesse ano de 1973 foi inscrita na Repartição de Finanças da Lousã a favor de H... e I... , na proporção de metade para cada, a casa de habitação composta de r/c e cave, com a superfície coberta de 144m2, sendo-lhe atribuído o artigo matricial urbano n.º 2756 e aí passou a estar inscrita (al. D).

18. A referida construção foi ocupada pelos Réus após a morte do referido H... , ocorrida em 29 de Agosto de 1980 (resposta ao art.º 7.º).

19. O titular do mesmo prédio, inscrito na matriz predial urbana da freguesia e concelho da Lousã sob o artigo n.º 2756, é hoje o réu C... , conforme consta do documento de fls. 88 (al. C).

20. Por escritura de habilitação e partilha celebrada em 27 de Dezembro de 1982 por óbito de H... , foram adjudicados aos ora Réus, além do mais, metade de uma casa de habitação de r/c e cave, sita em (...) , inscrita na respectiva matriz sob o artigo n.º 2756, conforme resulta do documento junto aos autos a fls. 83-87, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (al. E).

21. Através de escritura de compra e venda, celebrada em 27 de Dezembro de 1982, E... declarou vender e os ora Réus declararam comprar, metade indivisa da casa de habitação sita em (...) , inscrita na respectiva matriz sob o artigo n.º 2756, conforme resulta do documento junto aos autos a fls. 80-82, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (al. F).

22. O E... adquirira, através de doação efectuada por seu tio I... no ano de 1974, uma quarta parte da casa, vindo a adquirir em 1978 uma outra quarta parte, desta feita por compra aos herdeiros de Rosa Piedade, sogra de I... (resposta aos art.ºs 43.º e 44.º).

23. No ano de 1984 os RR realizaram obras na casa de habitação referida em 17., construindo uma única edificação constituída por casa de habitação de rés-do-chão e cave, com várias divisões, com cerca de 144 m2 (cento e quarenta e quatro metros quadrados) de área coberta (al. G).

24. Os Réus ampliaram para sul a referida construção, mediante execução de novas construções anexas à primeira, com a área de 100 m2 (cem metros quadrados) (resposta ao art.º 8.º).

25. E transformaram em quintal os espaços circundantes à construção aludida, nele plantando produtos hortícolas e videiras, fazendo caminhos para circulação interior, passando a lavrá-los e a cultivá-los, e aí construíram um poço (resposta ao art.º 9.º).

26. Os Réus construíram ainda, em data não concretamente determinada, mas há menos de 9 anos tendo por referência a data da propositura da acção, os dois anexos junto à casa indicados sob as letras C) e D) do esquisso de fls. 53, com paredes em tijolo e cobertura em telhas com a área global de 60 m2 (sessenta metros quadrados), com a finalidade de guardar alfaias e produtos agrícolas (resposta ao art.º 10.º e al. H).

27. Há menos de 9 anos à data da propositura da acção, os RR construíram o anexo, também em tijolo e com a mesma cobertura -assinalado sob a letra E do esquisso de fls. 53- extra muros, e delimitaram todo o espaço circundante a poente e norte, prolongando a delimitação a nascente (idem).

28. Desde 1984 que os Réus cultivam o terreno do quintal e logradouro junto à referida casa, a sul e poente da mesma, e em parte não determinada do quadrilátero a norte, dele colhendo os respectivos frutos (respostas aos art.ºs 46.º e 47.º).

29. E há menos de 9 anos, tendo por referência a data da contestação, construíram os dois anexos junto à casa, com a área global de 60 m2, em área já fruída como quintal, e ainda o outro anexo, também em tijolo, este edificado para além do muro de delimitação, tendo ainda delimitado o prédio a norte e nascente, prolongando o muro já existente a nascente, como resulta da reprodução fotográfica de fls. 54 (resposta ao art.º 48.º).

30. Os RR sabiam que pelo menos a parcela triangular a norte (designada de bico) que vedaram com muro, num comprimento de 26,30 mt, e com portão, e o local onde implantaram o anexo indicado sob a al. E) do esquisso de fls. 53, para lá do muro de delimitação, não lhes pertenciam, mas antes à comunidade da freguesia da Lousã, e que a ocupavam contra a vontade da autora e dos compartes da comunidade da freguesia da Lousã (resposta aos art.ºs 12., 13.º, 14.º e 15.º da BI).

31. Actualmente, os Réus ocupam a área global de cerca de 1.680,00 m2 (mil seiscentos e oitenta metros quadrados), área esta delimitada com os muros que construíram e que têm no sentido norte e nascente 87,50, no limite a poente 68,50 mt e a sul 23,60 mt (resposta aos art.ºs 16.º, 17.º e 18.º).

32. As obras referentes aos muros que ladeiam a nascente e sul a parcela triangular ou bico, foram licenciadas pelos competentes serviços camarários (resposta ao art.º 49.º).

33. O prédio inscrito na matriz sob o artigo urbano 2756 da freguesia da Lousã encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial da Lousã desde 3 de Abril de 1997 sob o n.º 05816/970403 e aí inscrito a favor dos Réus C... e esposa D... , na proporção de metade para cada, conforme consta dos documentos juntos aos autos a fls. 90-94, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (al. C).

34. Os Réus, em 13 de Fevereiro de 2001, e mediante requerimento – modelo 129 – declararam junto do Serviço de Finanças da Lousã a inscrição de um prédio urbano sito em (...) , freguesia e concelho da Lousã, descrevendo-o como terreno de mato situado dentro do aglomerado urbano, a confrontar do Norte com Estrada, Sul com baldio, Nascente com estrada e C... e de Poente com Baldio, com a área descoberta de 1.762 m2, conforme resulta do documento junto aos autos a fls. 95-99, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (al. I).

35. Mais declararam no referido requerimento, que o prédio foi por ambos herdado por morte de H... e que o mesmo faz parte do quintal da casa de habitação inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 2756 (al. J).

36. Por força da apresentação do referido modelo 129 junto do Serviço de Finanças da Lousã, as referidas parcelas de terreno passaram a constar naquele Serviço como um prédio inscrito na matriz sob o artigo 8459, conforme conta do documento junto aos autos a fls. 89, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (al. L).

37. Os Réus celebraram escritura pública de justificação em 3 de Abril de 2001, lavrada no Cartório Notarial da Lousã, onde declararam ser os donos e legítimos possuidores do referido prédio inscrito na matriz predial sob o artigo 8459 e que o prédio lhes fora doado verbalmente por seus sogros e pais H... e mulher Z.... , conforme documento junto aos autos a fls. 100-102, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (al. M).

38. O aludido prédio encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial da Lousã sob o n.º 08093, de 010509 e inscrito a favor dos RR pela inscrição G-1 (Ap. 08/010509), sendo título aquisitivo a usucapião (doc. de fls. 59 a 61).

39. O prédio identificado nos pontos anteriores não foi adquirido pelos Réus por doação verbal de seus sogros e pais H... e mulher Z.... (al. N).

40. Os Réus são pessoas simples e modestas, de reduzida instrução (resposta ao art.º 52.º).

41. A ocupação das parcelas correspondentes ao bico triangular, a norte, que mais recentemente foi vedado por muro, e à construção extra muros, dificultaram a que a autora procedesse à administração e gestão do prédio referido em 1. (resposta aos art.ºs 22.º e 23.º).

42. O valor actual da parcela de 144 m2 varia entre €2160,00 e €2880,00 (resposta ao art.º 20.º).
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De Direito

Conforme se vê das conclusões de recurso, os recorrentes, tendo em consideração os factos dados como provados -decisão sobre a matéria de facto que, na íntegra, aqui se manteve- não questionam propriamente a solução jurídica pela Mm.ª juíza dada ao pleito, antes tendo repristinado nesta via de recurso as questões da ilegitimidade da autora e a -assim qualificada- nulidade do processo de formação da assembleia de compartes do Baldio de B... , já apreciadas.

De todo o modo, face à conclusão que dos factos extraem no sentido de terem adquirido por usucapião os prédios ocupados e que fizeram inscrever registralmente a seu favor, cumpre apreciar este derradeiro fundamento recursivo.

Conforme tivemos já oportunidade de referir[6], determinar a natureza jurídica dos baldios apresentou-se, desde sempre, como um desafio difícil de vencer, dificuldade acentuada pela dispersa e contraditória regulamentação de que o instituto foi sendo alvo ao longo dos tempos, mas que nela também se reflectiu.

Assentando numa classificação tripartida, o Código de Seabra distinguia entre coisas públicas, comuns e particulares, sendo comuns, consoante as definia o art.º 381.º “as coisas naturais ou artificiais não individualmente apropriadas, das quais só é permitido tirar proveito, guardados os regulamentos administrativos, aos indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa, ou que fazem parte de certa corporação pública”, categoria na qual os terrenos baldios eram expressamente integrados (cf. n.º 1 do preceito). Harmonicamente, o art.º 437.º dispunha que “Os pastos, matos, lenhas, e outras substâncias vegetais produzidas nos baldios ou terrenos municipais ou paroquiais, pertencem exclusivamente aos respectivos concelhos e paróquias, mas só podem ser ocupados em conformidade com os antigos usos e costumes, ou dos regulamentos que as câmaras municipais fizerem”.

O Código Administrativo de 1940, por seu turno, tendo dedicado aos baldios o seu título VI, definia-os como sendo “os terrenos não individualmente apropriados dos quais só é permitido tirar proveito, guardados os regulamentos administrativos, aos indivíduos residentes em certa circunscrição ou parte dela” (cf. art.º 388.º), afirmando, no parágrafo único, serem os mesmos prescritíveis.

À luz desta regulamentação, consideravam-se os baldios como estando integrados no “domínio comum das autarquias”, que incluía a “propriedade comunal” dos residentes numa determinada circunscrição administrativa ou parte dela, os quais eram representados pela autarquia local a que pertencessem, que sobre eles exercia meros poderes de administração e de polícia[7].

Com a entrada em vigor do CC de 1966, que nenhuma referência fazia às coisas comuns, omissão interpretada como intenção de abolir a categoria, partindo ainda da consideração de que os baldios não estavam fora do comércio, podendo ser apropriados e adquiridos por usucapião, a par das múltiplas leis que permitiam às autarquias a sua posse e simples alienação, no final do Estado Novo a doutrina tendia a ver nos baldios uma propriedade privada: eles pertenceriam ao domínio privado das autarquias, sujeitos embora à afectação especial de permitirem certas utilizações e fruições tradicionais por banda dos habitantes de determinada circunscrição administrativa ou de parte dela[8].

Revertendo agora ao caso dos autos, resulta a nosso ver evidente dos factos assentes que a parcela pelos RR justificada no ano de 2001 e, bem assim, o prédio inscrito na matriz urbana da freguesia da Lousã sob o artigo 2756, integravam o denominado Baldio de B... , participando da sua destinação e utilização comunitárias -ao que os mesmos factos indiciam sob administração camarária- até ao ano de 1953. Tratava-se, portanto, de terreno baldio que os RR, todavia, pretendem ter adquirido por usucapião.

Revelam os autos que no ano de 1953, com a anuência da Câmara Municipal da Lousã, o pai da ré mulher, H... , que também era conhecido por H... , ocupou, juntamente com seu cunhado I... , uma parcela de terreno com área não concretamente determinada, confinando com estrada pública, e que fazia parte do baldio, parcela destinada à construção (cfr. facto 9). E a verdade é que aí tendo procedido à edificação de duas casas “gémeas”, ocupando uma área de 144 m2, que participaram fiscalmente, encontrando-se tal prédio inscrito na matriz urbana desde o mesmo ano de 1953, mais se apurou que ocuparam outras parcelas, as quais afectaram a quintal e anexos (cfr. ponto 13. da matéria de facto).

O prédio assim descrito veio a ser adquirido pelos aqui RR na sequência da morte do pai da ré mulher, metade na partilha então efectuada, a outra metade por compra a E... , nos termos das escrituras outorgadas no mesmo dia 27 de Dezembro de 1982. E na posse de tal casa, quintais e anexos, procederam os RR à reconstrução da moradia, tornando-a numa única, após o que edificaram outros anexos, culminando com a ocupação de uma área de configuração triangular no extremo norte da parcela, antes nunca ocupada, e que terá sido a causa próxima da propositura da presente acção. De realçar ainda que os RR fizeram justificar notarialmente o direito de propriedade sobre uma área de 1762 m2, prédio que declararam ter-lhes sido verbalmente doado por seu pai e sogro, o dito H... , e que “fazia parte do quintal da casa de habitação inscrita sob o artigo 2756, que por lapso, não foi considerado pela comissão de avaliação”, conforme consta do doc. de fls. 96 a 98.

Pois bem, tendo ficado demonstrada a ocupação autorizada da área destinada à construção, já outro tanto não se apurou no que respeita às demais parcelas que vieram a ser afectadas a quintal e à edificação de anexos, não estando seguramente incluída na autorização concedida a utilização da dita área de configuração triangular por último ocupada pelos recorrentes.

De todo o modo, e conforme decorre do que se deixou antes referido, a verdade é que a venda dos terrenos baldios vinha prevista e regulamentada no CA de 1940, que começava por classificá-los, “atendendo à sua utilidade social e aptidão cultural”, em baldios indispensáveis ao logradouro comum; baldios dispensáveis ao logradouro comum e próprios para cultura; baldios dispensáveis ao logradouro comum e impróprios para cultura; baldios arborizados ou destinados à arborização (cf. § 1.º a 4.º do art.º 390.º).

Prescrevia o art.º 393.º que os baldios aproveitados como logradouro comum pelos moradores de algum concelho ou freguesia que se considerassem indispensáveis, sob essa forma de utilização, à economia local, continuariam a ter o mesmo carácter e destino, explicitando o parágrafo único considerar-se logradouro comum a apascentação de gados, a produção e corte de matos, combustível ou estrume, a cultura e outras utilizações, quando não se verificasse apropriação individual de qualquer parcela dos terrenos e a fruição pertencesse de modo efectivo aos moradores vizinhos.

O art.º 395.º, por seu turno, considerava disponíveis do logradouro comum “os baldios que, por deliberação da Câmara Municipal ou Junta de Freguesia que os administre, e precedendo parecer do organismo oficial competente, assim forem classificados e inscritos nos respectivos inventários”. Previa-se finalmente nos art.ºs 397.º e 398.º que os baldios próprios para cultura considerados dispensáveis do logradouro comum, desde que não reservados para o organismo oficial competente, fossem divididos em glebas com o mínimo de 1 ha e aforados ou vendidos em hasta pública; os impróprios para cultura que fossem igualmente dispensáveis do logradouro comum passariam a integrar o domínio privado disponível do concelho ou da freguesia.

Assim consagrada, não só a prescritibilidade dos baldios, como ainda a possibilidade das autarquias deles se apossarem e procederem à respectiva alienação, a verdade é que foi necessária a publicação do DL n.º 42 258, de 12 de Maio de 1959, para que tal previsão se concretizasse. Não obstante, reúne consenso o entendimento de que no domínio de vigência do Código de Seabra e do CA de 1940 os baldios, podendo ser alienados e apossados pelas autarquias, podiam igualmente ser adquiridos por usucapião.

Sendo os referidos a natureza e o regime jurídico dos baldios até 1974, o assunto voltou à ordem do dia no período posterior à Revolução, assistindo-se a uma discussão marcadamente ideológica, em cujo rescaldo surgiram os DL 39/76 e 40/76, ambos de 19 de Janeiro, diplomas que corresponderam favoravelmente às pretensões reivindicativas das populações em defesa dos baldios, sendo seu declarado intuito “a entrega dos terrenos baldios às comunidades que delas foram desapossadas” (cf. Preâmbulo da denominada Lei dos Baldios).

No seu art.º 1.º, o DL 39/76 definia baldios como “os terrenos comunitariamente usados e fruídos por moradores de determinada freguesia ou freguesias ou parte delas”, afirmando encontrarem-se os mesmos “fora do comércio jurídico, não podendo, no todo ou em parte, ser objecto de apropriação privada por qualquer forma ou título, incluindo a usucapião” (cf. art.º 2.º). Harmonicamente, o Dec. Lei n.º 40/76, da mesma data, declarava anuláveis a todo o tempo os actos ou negócios jurídicos que tivessem por objecto a apropriação de baldios ou parcelas de baldios por particulares, bem como todas as subsequentes transmissões.

Os diplomas acabados de referir vieram a ser revogados pela Lei n.º 68/93, de 4 de Setembro (alterada pela Lei n.º 89/97, de 30 de Julho) que lhes sucedeu na regulamentação dos baldios, aqui os definindo como “os terrenos possuídos e geridos por comunidades locais”, constituindo “em regra, logradouro comum, designadamente para efeitos de apascentação de gados, de recolha de lenhas ou de matos, de culturas e outras fruições, nomeadamente de natureza agrícola, silvícola, silvo-pastoril ou apícola” (cf. arts.º 1.º, n.º 1 e 3.º). Em linha com o anteriormente estabelecido, mas de modo mais rigoroso, veio sancionar com a nulidade os actos ou negócios jurídicos de apropriação ou apossamento, tendo por objecto terrenos baldios, bem como a sua posterior transmissão, exceptuados os casos expressamente previstos na lei (cf. art.º 4.º).

Decorre assim do regime jurídico consagrado nos aludidos diplomas que os baldios são, desde 1976, inalienáveis e insusceptíveis de apropriação privada por qualquer título, incluída a usucapião, sendo administrados pelos compartes, nos termos da lei[9].

Não obstante, e conforme se expôs, no domínio de vigência do Código de Seabra e do CA de 1940, e ainda nos primeiros anos de vigência do actual Código Civil, os baldios puderam ser objecto de apropriação e entrar no domínio privado pela via da usucapião. E isto porque, conforme vem sendo entendido, sendo o art.º 2.º do DL 39/76, de 19 de Janeiro uma norma inovatória que, como tal, só dispõe para o futuro, a aquisição da propriedade de terreno baldio, desde que ocorrida antes da entrada em vigor deste diploma, como válida haverá de ser reconhecida[10].

Assim sendo, para que a tese dos RR lograsse vencimento, teriam que ter feito prova de que, tendo por referência a data de 19 de Dezembro de 1976, já se mostrava constituído a seu favor, por efeito da posse, o direito potestativo à aquisição do direito real de propriedade sobre o prédio inscrito na matriz sob o artigo 2756 e igualmente sobre a parcela mais recentemente justificada (cf. art.º 12 nºs 1 e 2 do Código Civil). Tal prova, todavia, não foi feita, conforme correctamente se considerou na sentença apelada.

Resulta dos factos assentes que a posse sobre a construção e área não apurada afectada a quintal e anexos -seguramente com exclusão da área ocupada com o anexo por último edificado para lá do muro de delimitação e da área triangular no extremo norte- iniciou-se no ano de 1953, em pleno período de vigência do Código de Seabra. Também aqui se previa a aquisição de coisas e direitos pela posse, assim dita prescritiva, determinando a lei “as condições e o lapso de tempo” (cf. art.º 505.º, corpo e parágrafo único).

Declarava-se no art.º 475.º do mesmo diploma legal que a posse, como meio de adquirir, podia ser de boa ou de má-fé, classificação relevante para efeitos da determinação do prazo de prescrição, definindo o art.º 476.º a boa-fé como aquela que procedia de título cujos vícios não fossem conhecidos do possuidor, sendo de má-fé aquela que se dava na hipótese inversa.

Finalmente, estatuía-se no art.º 478.º que a posse se presumia de boa-fé enquanto o contrário não fosse provado, salvo nos casos em que a lei expressamente não admitisse tal presunção. Segundo a doutrina dominante, acolhida na jurisprudência, a boa-fé dependeria da verificação de dois elementos: um elemento positivo - o título - e um elemento negativo - o não conhecimento dos vícios de que o mesmo enfermasse. Daqui decorria, portanto, que quem não tivesse posse titulada não poderia alegar a boa-fé[11].

Para efeitos de prescrição, a posse devia ser titulada, de boa-fé, pacífica, contínua e pública (cfr. art.º 517.º). Todavia, quando tivesse perdurado por trinta anos, dar-se-ia a prescrição sem que pudesse alegar-se a má-fé ou a falta do título, conforme consagrado no art.º 529.º.

No caso em apreço retenha-se que os originários possuidores não dispunham de título, donde ser havida como posse de má-fé aquela que exerceram sobre a parcela por si ocupada, pelo que só o seu exercício pelo período de 30 anos tinha aptidão para lhes conferir o direito potestativo de adquirir por usucapião (então dita prescrição aquisitiva) o direito de propriedade correspondente. Ora, tal prazo não havia ainda decorrido à data da entrada em vigor do DL 29/76, faltando 7 anos para que se completasse. E porque não tinham adquirido o direito não o poderiam ter transmitido aos aqui RR., cujos modos de aquisição, partilha e negócio de compra e venda, são derivados.

Identicamente, considerando agora os prazos estabelecidos no novo Código Civil, atenta a sua entrada em vigor em 1 de Junho de 1967, e mesmo que se considerasse estarem os apelantes e seus antecessores de boa-fé -aqui a boa-fé é psicológica, possuindo de boa-fé quem ignora estar a lesar os direitos de outrem, admitindo-se portanto que uma posse não titulada assuma esta característica (cf. art.º 1260.º) - sendo aplicável o prazo de 15 anos previsto no art.º 1296.º, tal prazo não teria igualmente decorrido (cf. art.º 297.º). 

Em remate, não tendo ocorrido a invocada aquisição por usucapião, são nulos os actos apropriativos levados a cabo pelos recorrentes, tal como foi considerado na sentença apelada. Nestes termos, e para ela se remetendo quanto ao mais, é a mesma mantida nos seus precisos termos.
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III Decisão

Em face a todo o exposto, acordam os juízes da 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente a apelação, mantendo a sentença recorrida.

Custas a cargo dos apelantes.


Maria Domingas Simões (Relatora)
Nunes Ribeiro
Helder Almeida

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[1] Dispondo actualmente o referido art.º 1.º, sem diferenças de grande vulto: 

Artigo 1.º

Noções
1- São baldios os terrenos possuídos e geridos por comunidades locais.
2 - Para os efeitos da presente lei, comunidade local é o universo dos compartes.
3 - São compartes todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes nas comunidades locais onde se situam os respetivos terrenos baldios ou que aí desenvolvam uma atividade agroflorestal ou silvopastoril.
4 - São ainda compartes os menores emancipados que sejam residentes nas comunidades locais onde se situam os respetivos terrenos baldios.
5 - Os compartes usufruem os baldios conforme os usos e costumes locais e gerem de forma sustentada, nos termos da lei, os aproveitamentos dos recursos dos respetivos espaços rurais, de acordo com as deliberações tomadas em assembleia de compartes.
6 - O baldio segue o regime do património autónomo no que respeita à personalidade judiciária e tributária, respondendo pelas infrações praticadas em matéria de contraordenações nos mesmos termos que as pessoas coletivas irregularmente constituídas, com as devidas adaptações.


 
[2] Jaime Gralheiro, Comentário à Nova Lei dos Baldios”, pág. 136
[3] Quis o legislador referir-se ao art.º 18.º, uma vez que a lei para que remete apenas continha 20 artigos, conforme chama a atenção Jaime Gralheiro, na obra citada, a págs. 190.
[4] Nos termos do n.º 3 do art.º 1.º da Lei 68/93, na redacção dada pela Lei n.º 72/14, de 2 de Setembro, “São compartes todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes nas comunidades locais onde se situam os respetivos terrenos baldios ou que aí desenvolvam uma atividade agroflorestal ou silvopastoril”.
[5] Como anota Jaime Gralheiro, na obra que vimos citando, tal prática tem sido aliás corrente, verificando-se a tendência para as primeiras assembleias que se formaram englobarem os baldios de toda a freguesia, seguramente influenciadas pelo modelo anterior de gestão.

[6] Cf. acórdão proferido no Proc. nº 215/11.6TBSCD, do mesmo colectivo, acessível em www.dgsi.pt.
[7] Cf. Marcello Caetano, Manual de Direito Administr3 ativo, tomo II, 9.ª edição, reimpressão, pág. 953.

[8] Tais eram as posições de Rogério Soares, “Sobre os Baldios”, in RDES, e Marcello Caetano, ob. e loc. citados, tal como assinala Menezes Cordeiro, no seu “Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte Geral, tomo II, 2.ª ed. págs. 101-102).

[9] Assentando nestas características, não interessará aqui discutir se os baldios têm hoje natureza de coisa comum, qualificação alicerçada no art.º 82.º, n.º 4, al. b) da CRC e de algum modo repristinada pelo TC, no seu acórdão n.º 325/89, de 4 de Abril, e por isso sujeitos a um regime dito “comunitário”, ou se se trata de coisas que, embora com limitações, designadamente quanto à possibilidade de alienação, se encontram directamente submetidas ao direito privado, com as especialidades decorrentes da sua singular titularidade: o universo dos compartes, posição que se nos afigura a mais correcta. Com efeito, “os baldios estão na titularidade do “universo dos compartes”, sendo certo que esse universo nem é apresentado como uma pessoa colectiva, nem é redutível à soma das pessoas que o componham. E os compartes podem mesmo, pela aquisição de novos terrenos, nos termos do art.º 2.º, n.º 1, al. d), transformá-los em baldios: é a prova definitiva de que a chave reside não nas coisas, mas no sujeito. Temos, aqui, um delicado problema de construção jurídica: um problema que, todavia, se prende com a personalidade colectiva e não com a teoria das coisas” (Prof. Menezes Cordeiro, obra citada, pág. 103).

[10] Constitui entendimento doutrinário e jurisprudencial pacífico (cf. Prof. Oliveira Ascensão, Direitos Reais, 5.ª ed., pág. 174; Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 95 e acórdãos do STJ de 19/6/2014, processo n.º 243/08.9 TBPTL G1.S1; de 15/9/2011. proferido no processo n.º 310/09.1 TBVLN.G1.S1; e de 25/10/2005, processo n.º 05 A 2709, no qual se sintetiza: “X - A jurisprudência tem decidido uniformemente pela prescritibilidade dos baldios desde o Código Civil de Seabra até ao início da vigência do citado DL n.º 39/76, de 19-01 e pela sua imprescritibilidade a partir da entrada em vigor desse diploma, não estando vedada ao Estado a aquisição do direito de propriedade por prescrição aquisitiva (usucapião), se praticar actos de posse susceptíveis de a ela conduzir.”, todos acessíveis em www.dgsi.pt

[11] Cf. Cunha Gonçalves, Tratado do Direito Civil, vol. III, pág. 500. Apontando igualmente tal entendimento, Prof. A. Varela, CC anotado, vol. III, comentário ao artigo 1260.º e Prof. Menezes Cordeiro Da Boa Fé no Direito Civil, volume I, páginas 416 e 417 e nota 24.

Afirmando o entendimento de que na vigência do Código de Seabra a posse não titulada era sempre “juris et de jure” de má-fé, pelo que a prescrição aquisitiva só se consumava ao fim de 30 anos, nos termos dos art.ºs 476 e 529, ainda esta Relação de Coimbra, em acórdão de 10/19/2006, processo n.º 1094/06.0 YRCBR, acessível no mesmo sítio.