Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
425/11.6TBLMG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CATARINA GONÇALVES
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
CLÁUSULA DE EXCLUSÃO
RECURSO
Data do Acordão: 06/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - LAMEGO - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 34º, Nº 4, DO DL 72/2008, DE 16/04
Sumário: I – Não pode ser atendida, em sede de recurso, a invocação da inoponibilidade (prevista no art. 34º, nº 4, do DL 72/2008, de 16/04) de cláusulas de exclusão da responsabilidade constantes de contrato de seguro (decorrente de atraso na entrega da respectiva apólice), quando, no momento próprio (em 1ª instância), esse atraso não foi alegado e tal questão não foi invocada de modo a que a seguradora tivesse a oportunidade de alegar e provar os factos que, nos termos da lei, poderiam obstar a tal inoponibilidade: a existência de documento escrito assinado pelo tomador de seguro ou a ele anteriormente entregue do qual constassem as aludidas cláusulas.

II – Os recursos destinam-se a obter a revogação ou a alteração de uma decisão proferida, não podendo incidir isoladamente sobre os fundamentos (sejam eles de facto ou de direito) em que ela assentou; a contestação – por via do recurso – dos fundamentos de facto ou de direito de uma decisão há-de constituir sempre – e necessariamente – um meio para alcançar aquela que é a verdadeira finalidade do recurso: a revogação ou alteração da decisão sobre a qual incide o recurso.

III – Daí que o tribunal superior não possa ser chamado – por via da interposição de recurso – a apreciar e alterar a matéria de facto sem que, por via dessa alteração, se pretenda obter a revogação ou alteração da decisão que, com base nela, veio a ser proferida.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

A... , residente na Rua (...) , Matosinhos, intentou a presente acção contra B..., com sede na Rua (...) , Lisboa, alegando, em suma, que, aquando da revisão do seu veículo – efectuada em 20/01/2011 pela G... , em Lamego – o respectivo motor, por razões imputáveis a esta oficina, ficou integralmente danificado, tendo orçado a sua reparação em 13.094,54€; a Ré, para quem aquela a G... havia transferido a sua responsabilidade, assumiu a responsabilidade e procedeu ao pagamento da reparação; todavia, além desse dano – já reparado – sofreu outros prejuízos em consequência daquele facto dos quais ainda não foi indemnizado.

Conclui pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe:

- A quantia de 99,75€ referente à revisão mal efectuada e não usufruída pelo Autor;

- A quantia de 125,00€ a título de deslocação ao Porto para aquisição de turbo;

- A quantia de 250,00€ pelo pagamento do motor turbo;

- A quantia de 100,00€ pelas despesas de comunicação realizadas;

- A quantia de 19.894,78€ a título de indemnização pela privação de uso do veículo;

- A quantia de 64,27€ referente ao imposto único de circulação;

- A quantia de 5.000,00€ a título de danos não patrimoniais;

- Juros vincendos desde a citação até pagamento.

A Ré contestou, impugnando alguns dos factos alegados, declinando a sua responsabilidade e alegando que apenas pagou a reparação do veículo por razões de relacionamento comercial com a sua segurada, sendo certo, porém, que a sua responsabilidade se encontrava excluída do contrato de seguro por estar em causa um erro ou omissão profissional que não estava abrangido nesse contrato.

Conclui pela improcedência da acção.

Na sequência da posição assumida pela Ré, o Autor veio requerer a intervenção principal da segurada da Ré, C... S.A., intervenção esta que veio a ser admitida por despacho de 25/05/2012.

Na sequência da sua citação, a Interveniente veio apresentar contestação, alegando, em suma, que: o dano em causa estava abrangido pelo contrato de seguro, pelo que a Ré é responsável pela sua reparação; não tendo assumido ou declinado a sua responsabilidade no prazo de 30 dias a contar da respectiva participação, a Ré contribuiu para o agravamento do alegado dano do Autor; o Autor também contribuiu para o agravamento do dano por ter demorado cerca de 15 dias a retirar o veículo das instalações da ora Interveniente; os danos peticionados são exagerados.

Alegando que o seguro em causa foi contratado com a empresa de corretagem D... Ldª e alegando que, caso seja condenada, tem direito de regresso contra esta empresa pela sua intervenção culposa, quer na contratação, quer na gestão do sinistro, conclui pedindo a sua intervenção acessória nos termos e para os efeitos do art. 330º do CPC.

Admitida tal intervenção, veio aquela D... , Ldª apresentar articulado, onde sustenta inexistir qualquer direito de regresso, porquanto cumpriu todas as suas obrigações legais e contratuais; foi a C... que escolheu a apólice pretendida e não podia ignorar – já que a proposta apresentava a indicação das exclusões – que estavam excluídos os danos decorrentes para as partes da execução de um contrato e que a cobertura apenas abrangia os danos causados pela viatura a terceiros em consequência de problemas causados pela reparação.

Foi proferido despacho saneador e efectuada a selecção dos factos assentes e base instrutória.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu:

 - absolver a ré B... de todo o peticionado pelo Autor A... ;

- condenar a chamada C... , S.A.” a pagar a A... a quantia de €3.874,75, a título de danos patrimoniais; e a quantia de €3.000,00, a título de danos não patrimoniais; a que acrescem os respectivos juros, à taxa legal, desde a citação para contestar a acção, até integral pagamento;

- absolver a chamada C... do demais peticionado.

Inconformada com essa decisão, C... , S.A., veio interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

I – A ora Recorrente e a Ré seguradora celebraram um contrato de seguro para cobertura da responsabilidade civil da ora Recorrente, com efeitos a partir de 01 de Janeiro de 2011.

II – A apólice de seguro respeitante a esse contrato foi emitida a 01 de Julho de 2011.

III – O sinistro em discussão nos autos ocorreu a 20 de Janeiro de 2011.

IV – Por força do disposto no artigo 34º do DL 72/2008 de 16 de Abril, o teor da apólice não pode ser oponível ao tomador do seguro, ora Recorrente.

V – Por força do contrato de seguro celebrado, incumbe à Ré seguradora o pagamento da indemnização para ressarcimento dos danos sofridos pelo Autor.

VI – Os factos constantes das 21 alíneas de EEE) a ZZZ) da douta sentença estão incorrectamente julgados. Tais factos deveriam ter resultado como não provados.

VII – Não consta dos autos qualquer documento que demonstre que a chamada D... apresentou três propostas à ora Recorrente C... .

VII – Nenhuma testemunha depôs a essa matéria, ou seja, nenhuma testemunha se referiu às três propostas apresentadas à ora Recorrente C... .

VIII – Os documentos juntos aos autos pela chamada D... nem sequer referem a possibilidade de contratar o seguro com a seguradora B...

IX – A Recorrente indicou anteriormente nestas alegações os concretos meios probatórios que impõem decisão diversa da tomada pelo Tribunal a quo.

X – Ao decidir como fez, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 34º do DL 72/2008, de 16 de Abril.

Nestes termos, conclui, deve ser revogada a sentença e substituída por acórdão que condene a Ré seguradora B... a pagar ao Autor a quantia de € 6.874,75.

Subsidiariamente, e apenas por cautela de patrocínio, deve a sentença ser parcialmente revogada, sendo eliminados os factos constantes das 21 alíneas de EEE) a ZZZ), devendo os mesmos ser julgados como não provados, de modo a que a ora Recorrente C... possa posteriormente exercer o direito de regresso sobre a chamada D... .

 A Ré, B... , apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

1. A Recorrente não cumpriu o ónus imposto pelo art. 640º do Cód. Proc. Civil, pelo que deverá o presente recurso ser objecto de rejeição.

2. Salvo o devido respeito, a Recorrente apenas aborda questões despiciendas e descontextualizadas, ignorando por completo o verdadeiro amado da questão jurídico-processual.

3. A sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada (de facto e de direito) devendo, por isso, manter-se inalterada.

Conclui pela improcedência do recurso.

A Chamada, D... , Ldª, apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

1. É verdade que a Recorrente sempre alegou, em sua defesa, que o contrato de seguro em causa deveria incluir situações como a dos autos, já que “foi sempre isso que pretendeu e que, caso esse não fosse o caso, apenas por culpa da correctora de seguros D... tal facto se poderia verificar”.

2. Em sede de Contestação, a Recorrente já havia alegado que

“Bem ciente de todas as actividades a que a Ré C... se dedica e, consequentemente, de todos os riscos que incorre, a D... , Lda celebrou com a Ré B... o seguro em causa nos presentes Autos.”, evidenciando de imediato o equívoco – incompreensível, diga-se - em que a Recorrente se encontrava quanto à situação em análise.

3. Parece-nos evidente que da leitura do texto da Contestação resulta que, no entender da Recorrente, todas as decisões relacionadas com a Apólice de seguro, incluindo a sua contratação, havia sido tratadas única e exclusivamente pela Chamada D... , Lda, desconhecendo a Recorrente o que havia sido decidido nesse sentido.

4. Ao alegar que foi a aqui Recorrida quem celebrou o contrato de seguro com a Ré B... – o que não faz sentido algum quando o tomador do seguro é a C... -, a Recorrente já então tentava “empurrar” a responsabilidade pela escolha da Apólice contratada para a D... , Lda.

Mais!

5. De forma a reforçar o seu entendimento – e assim convencer o douto tribunal a quo – a Recorrente ainda alegou que sempre “esteve convencida – e ainda continua – que a indemnização dos danos em discussão estava transferida para a Ré”, como se a C... não tivesse tido qualquer intervenção na escolha e subscrição da Apólice em vigor.

6. Porém, analisando a prova produzida, cremos que será evidente que a Apelante não logrou provar os termos e condições que a Chamada D... deveria alegadamente ter atendido para a Apólice de Seguro a contratar, em cumprimento das suas “instruções”.

7. A Apelante certamente não esperará que o tribunal se baste com a alegação de que a Apelante sempre “esteve convencida – e ainda continua – que a indemnização dos danos em discussão estava transferida para a Ré”, entenda-se a Seguradora B...

8. Nada consta nos autos que suporte o estado de “convencimento” da Apelante quanto à cobertura do contrato de seguro contratado!

9. Cremos que será igualmente evidente – face à prova produzida - que a escolha final da Apólice a contratar foi feita pela Recorrente – só assim poderia ser -, na pessoa do Dr. F... que à data trabalhava na C... , e não pela aqui Recorrida D... , Lda.

10. No que concerne às “exclusões” previstas na Apólice em análise, cremos que também não cabe razão à Recorrente.

11. Primeiro que tudo, importa ter em consideração a especificidade do contrato de seguro, em que cabe ao tomador do seguro pode escolher a amplitude do risco que a Apólice de seguro deverá cobrir, de acordo com as suas necessidades específicas.

12. Não pretendendo o tomador do seguro uma cobertura total ou muito ampla, a limitação dessa cobertura será feita através das cláusulas de exclusão dos riscos não cobertos. Foi o que sucedeu no caso.

13. Não nos debruçaremos de forma alongada sobre a amplitude da cobertura da Apólice pretendida pela Recorrente, porquanto esta sequer produziu prova quanto aos termos exactos que havia, alegadamente, solicitado para a Apólice de seguro a contratar. Podemos, contudo, concluir que

i) Não se provando a exigência da Recorrente na inclusão da responsabilidade por danos causados por “erros ou omissões profissionais” e

ii) Estando provado que foi a Recorrente quem escolheu o produto final a contratar com a Seguradora B... , não pode ser assacada qualquer responsabilidade à aqui Recorrida D... , Lda e muito menos nos termos pretendidos pela Recorrente.

14. A Apelante vem, ainda, alegar que as exclusões contratuais da Apólice de seguro em análise – e só as exclusões – não podem ser invocadas pela Seguradora contra si, porquanto as mesmas seriam desconhecidas da Chamada C... .

15. A afirmação da aqui Recorrente quanto ao atraso na emissão da Apólice não corresponde à verdade, motivo pelo qual não foi dado como provado pelo tribunal a quo.

16. Também não faz sentido que a Recorrente alegue que só as cláusulas que preveem as exclusões da Apólice é que não lhe são oponíveis, admitindo todo o demais.

17. Mais! Se a Apólice não tinha – alegadamente - sido emitida aquando da ocorrência do sinistro em causa nos presentes autos, por que motivo a Recorrente agiu como se tal Apólice já existisse? Como foi possível que tudo se processasse como se a Apólice já existisse?

18. Por outro lado, e tal como referido supra, não podemos esquecer a especificidade deste tipo de contrato de seguro, em que o tomador do seguro pode escolher a amplitude do risco coberto pela Apólice de acordo com as suas necessidades. Desta forma, a Recorrente não tinha como não conhecer, desde o início, as exclusões que a Apólice tinha de acordo com a amplitude escolhida para a Apólice.

19. Por fim, e quanto à apreciação da prova testemunhal, discordamos uma vez mais da Recorrente. De facto, a forma como a Recorrente apresenta os depoimentos e deles extrai conclusões, desvirtua a realidade e o que foi efectivamente dito. Vejamos melhor!

20. De acordo com a transcrição apresentada nas Alegações de Recurso, o Sr. I... terá afirmado que a Apólice da C... terá sido “negociada, efectivamente, pelo nosso escritório de Viseu, eu não tive intervenção directa nessa negociação.”

21. Parece-nos que a mesma conclusão pode ser aferida do depoimento do Sr. E..., quando afirma que enviou a proposta de Apólices para o Dr. F... , colaborador da C... – conforme consta dos Documentos juntos aos autos na Contestação da Chamada D... , Lda.

22. E ainda que o Sr. E... tenha afirmado que se limitou a reencaminhar o e-mail do Dr. I... para o Dr. F... , tal facto não invalida em nada que a escolha última, como referido por ambos, coube à C... .

23. Não é verdade que ninguém tenha falado com a C... aqui Recorrente!

24. E não é verdade que a negociação da Apólice contratada não tenha sido feita com a C... !

25. Foi à C... que foram apresentadas as propostas e foi esta que escolheu a proposta “vencedora”. Salvo melhor opinião, este processo pode ser entendido como “negociação”!

26. Dúvidas não restam de que foi o Sr. F... da C... quem confirmou que a proposta em causa deveria ser a escolhida para a C... – o que não está em causa. E só depois da confirmação por parte do Dr. F... é que o Sr. E... da Chamada D... informou a Ré B... da Apólice que deveria ser subscrita pela Chamada C... .

27. A Recorrente nunca negou que a Apólice em causa foi subscrita pela C... . Simplesmente entende que a Apólice escolhida não era exactamente o pretendido, motivo pelo qual tenta imputar a responsabilidade à D... , Lda.

28. A Apelante continua presa à discussão dos termos da negociação dos produtos de Apólice que a C... poderia contratar, quando, a final, o que conta efectivamente é o que foi, a final, escolhido pela Apelante.

29. E essa escolha, nem mesmo a Apelante pode pôr em causa quando à data em que esta ocorreu, nada questionou! Não podemos deixar de ter em conta que, caso os produtos apresentados não fossem os pretendidos, certamente a Apelante teria solicitado alternativas à Chamada D... , o que não aconteceu!

30. Não podemos aceitar, de forma alguma, que a Recorrente insista em responsabilizar a aqui Recorrida D... , Lda, pelas decisões tomadas pela Recorrente, ainda que esta não se recorde das mesmas.

31. Por todo o exposto, entende a Recorrida D... , Lda que inexistem fundamentos para que a sentença recorrida seja alterada ou revogada, mantendo-se na íntegra nos termos proferidos.

32. Não existe fundamento para a alteração da matéria de facto provada face prova produzida, não cabendo, cremos, razão aos Apelantes.

Assim, conclui, deve o recurso ser julgado improcedente.


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II.

Questões a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações da Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

• Saber se existiu atraso na entrega da apólice do contrato de seguro celebrado entre a Ré (seguradora) e a Apelante e se, por força desse facto, são ou não oponíveis as cláusulas de exclusão da responsabilidade dela constantes;

• Saber se existiu erro na apreciação da prova e se, em função disso, importa eliminar (por se deverem considerar como não provados) os factos enunciados como provados sob as alíneas EEE) a ZZZ).


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III.

Na 1ª instância, considerou-se provada a seguinte matéria de facto:

A) O Autor é o dono e legítimo possuidor do veículo de marca Mercedes-Benz, com a matrícula HD....

B) No dia 20 de Janeiro de 2011, procedeu à revisão do mesmo nas instalações do G... , em Lamego, nos termos constantes da factura/Recibo n.º O.R. n.º03PL-48582 de 20-01-2011, que aqui se dá aqui por reproduzida.

C) Após sair daquelas instalações, e percorridos alguns quilómetros pelo veículo, na A24, o veículo parou por completo, ficando imobilizado.

D) Situação que levou à imediata recolha do veículo, junto das instalações da referida instituição, em Lamego.

E) Seguidamente, o Autor, não mais confiando nos serviços, entendeu retirar o veículo das instalações do G... , em Lamego e colocá-lo numa oficina da marca, a fim de ser efectuada uma peritagem por técnicos credenciados, o que veio a acontecer na firma “H..., S.A.” sediada no Porto que veio a concluir pela danificação do motor do veículo.

F) A reparação foi orçada no montante de € 13 094,54.

G) O que foi comunicado à Chamada C... , S.A., que, por sua vez, comunicou à Ré seguradora.

H) Numa primeira fase, e mesmo após peritagem do veículo, a Ré seguradora veio declinar todas as responsabilidades pelo ocorrido, disso mesmo dando conhecimento ao Autor.

I) Alguns dias depois, veio a dar ordem de reparação do veículo.

J) O veículo foi totalmente reparado e entregue ao Autor, com o pagamento efectuado pela Ré seguradora.

K) A Chamada C... , S.A. havia celebrado com a seguradora Ré o contrato de seguro titulado pela apólice n.º (...), cfr. documento junto a fls. 43 a 49 e Condições Gerais e Particulares relativas à mesma apólice a fls. 62 a 81, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

L) Decorre expressamente da Condição Particular 2 da apólice, a cobertura da actividade decorrente do posto de abastecimento e do Auto-Center não abrange: “alínea a) erros ou omissões profissionais” , cfr. as mencionadas Condições Gerais e Particulares.

M) O contrato de seguro celebrado entre as partes (a aqui Ré e a Sociedade “ C... SA”), tem por objecto, nos termos dos artigos 2º, nº 1 e 30º, ambos das Condições Gerais da Apólice, “a garantia da responsabilidade civil extracontratual que, ao abrigo da Lei Civil, seja imputável ao Segurado enquanto na qualidade ou no exercício da actividade expressamente referida nas Condições Especiais e Particulares”, cfr. as mencionadas Condições Gerais e Particulares.

N) Resulta das Condições Particulares, que por este contrato de seguro “Fica garantida a responsabilidade civil extracontratual que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao Segurado, por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros, decorrente da exploração do posto de abastecimento e do N..., incluindo o pagamento de indemnizações por danos resultantes de:

a) deslocação de viaturas dentro das instalações, da queda ou de deficiente funcionamento de elevadores próprios, cavaletes, macacos, ou de mecanismos destinados à elevação ou suspensão de viaturas;

b) utilização de car-wash, atribuídos à máquina exclusivamente por anomalia do seu funcionamento e quando no uso das suas funções técnicas”, cfr. as mencionadas Condições Gerais e Particulares.

O) O Autor pagou o valor constante do documento referido em B), no montante de € 99,75.

P) Num primeiro momento, os mecânicos da referida instituição, imputaram o acontecimento para um problema no turbo do veículo.

Q) O Autor deslocou-se nesse mesmo dia ao Porto, através do aluguer de um táxi, para aquisição de um turbo.

R) O Autor assim procedeu, tendo adquirido um turbo no Porto, regressando a Lamego, nesse mesmo dia com o bem.

S) Foi de imediato colocado no veículo

T) Mas mesmo após a substituição, o veículo começou a fazer um barulho estrondoso vindo da parte do motor.

U) Uma vez verificada a situação pela firma H... , acima referida, a mesma foi imputada e assumida pela primeira interveniente G... .

V) Na deslocação ao Porto para comprar o turbo o Autor despendeu a quantia de €125,00.

W) No motor turbo o Autor despendeu o montante de € 250,00, ficando o mesmo sem qualquer utilidade, uma vez que foi removido do local e entregue ao Autor.

X) O Autor esteve privado do seu veículo pelo período de 113 dias.

Y) Período mediado entre a ocorrência do acidente e a entrega efectiva do veículo após reparação, que se efectivou em 13 de Maio de 2011.

Z) O veículo objecto de acidente é o único meio de transporte do Autor.

AA) O Autor, mora em Matosinhos, mas presta serviço de Guarda Prisional em Sintra, na Cadeia do Linhó.

BB) Tendo que se deslocar, todas as semanas em viagem de ida e regresso, a fim de voltar ao lar.

CC) Além das deslocações pessoais de lazer para visitar a sua família residente em Lamego.

DD) No presente período, a situação viu-se agravada e complicada pela circunstância de a sua esposa se encontrar grávida, e ser necessário proceder a deslocações para consultas médicas.

EE) Mesmo a meio da noite.

FF) O que representou um grande transtorno para o Autor.

GG) O imposto único de circulação que havia pago ascendeu ao montante de € 207,60.

HH) O Autor ficou angustiado quando, num primeiro momento, a Ré seguradora negou-se a assumir responsabilidades.

II) A Ré, apenas por estritas razões de relacionamento comercial com a sua segurada, decidiu a título meramente liberal, dar ordem de reparação da referida viatura.

JJ) Assumindo os respectivos custos, mas sem assumir qualquer tipo de responsabilidade, porque essa se encontrava excluída do respectivo contrato de seguro

KK) Num primeiro momento o sinistro em apreço, teve origem na realização (efectuada pela segurada da Ré “ C... SA”) de uma operação de mudança de óleo e filtro de óleo do motor (no referido veículo), na qual foi retirado o pino existente no copo do filtro do óleo, sem ter sido depois, devidamente recolocado.

LL) Tendo assim a segurada na Ré, entregue o veículo ao respectivo proprietário, nas supra aludidas condições, permitindo a sua circulação na via pública, o qual, após circular alguns quilómetros avariou, tendo o mesmo voltado à oficina L’ M....

MM) Num segundo momento e com vista a detectar a causa da referida avaria do veículo, foram executados diversos trabalhos que acabaram por provocar novos danos no motor do sempre aludido veículo.

NN) Tudo resultante da incorrecta actuação dos funcionários da oficina que não colocaram o pino plástico no copo do filtro do óleo.

OO) O funcionário da respectiva oficina, ao efectuar tal tarefa, não procedeu, como devia, à colocação do cartucho do filtro, ficando este sem vedação e permitindo a passagem do óleo através do filtro, sem ser sujeito à necessária pressão, para lubrificar o turbo e arrefecer as saias dos pistões causando, assim, o “agarramento” destes.

PP) Tendo também posteriormente, os funcionários da oficina, na tentativa de colocar o veículo em funcionamento, causado uma nova avaria ao nível da cabeça do motor da viatura, ou seja, a quebra e empeno das válvulas, o que provocou o “descomando” do motor.

QQ) A chamada C... , aquando da contratualização deste e de todos os seguros que tem, recorreu a uma empresa de corretagem de seguros, a saber, a D... , Lda..

RR) Foi esta empresa de corretagem que, em nome da Ré C... , negociou e contratou com a Ré B... o seguro em causa nos presentes autos.

SS) Ciente de todas as actividades a que a Ré C... se dedica e, consequentemente, de todos os riscos que incorre, a D... , Lda. celebrou com a Ré B... o seguro em causa.

TT) Desde o momento em que a Ré C... participou o sinistro que vem discutindo a responsabilidade pelo sinistro com a empresa de corretagem D... , Lda..

UU) A C... participou o ocorrido no dia 25 de Janeiro de 2011.

VV) A Ré seguradora, a 05 de Abril de 2011, comunicou que não assumia a responsabilidade pelo sinistro.

WW) E cerca de um mês depois estava a viatura reparada.

XX) O veículo apenas foi retirado das instalações da C... e deu entrada na H... no dia 07 de Fevereiro.

YY) O Autor foi de lua-de-mel naquele período.

ZZ) Foi o próprio Autor que se predispôs a deslocar-se ao Porto para adquirir o tubo.

AAA) Até porque a C... tem fornecedores a quem recorrer.

BBB) Foi no dia 25 que o Autor decidiu retirar a viatura da C... .

CCC) E, nesse mesmo dia, a C... não assumia qualquer responsabilidade.

DDD) Em qualquer caso, decidiu accionar o seguro uma vez que o Autor havia decidido retirar o veículo das instalações da C... .

EEE) A Chamada D... desenvolveu um trabalho de pesquisa do melhor produto para a Ré C... tendo em conta as necessidades desta, que lhe foi apresentado para escolha.

FFF) A relação profissional da chamada D... com a C... e restantes empresas do Grupo G... durava há algum tempo, tendo sido a chamada a entidade responsável pela escolha das Apólices das empresas do Grupo no ano de 2010.

GGG) A chamada D... era responsável por encontrar, para cada uma das empresas do grupo, o produto de seguros mais adequado às necessidades de cada loja, de acordo com o que era solicitado de forma expressa e o seu conhecimento sobre a actividade da Cliente.

HHH) Foi no seguimento da relação comercial existente entre a Chamada e a C... que se realizou em Dezembro de 2010 uma reunião entre o Sr.I... (em representação da Chamada) e o Sr. J... (em representação da C... .

III) A referida reunião tinha como objectivo a discussão pelo Sr. J... da proposta da Chamada D... para a carteira de seguros das lojas do Grupo G... .

JJJ) Finda a reunião, a Chamada apresentou uma proposta ao Sr. J... , numa tentativa de negociar todos os produtos para cada uma das lojas do Grupo.

KKK) As propostas foram elaboradas pela Chamada D... , tendo como base o seu conhecimento sobre a actividade das Lojas do Grupo G... e uma previsão feita por esta sobre os principais problemas que deveriam ficar cobertos pelo seguro.

LLL) Posteriormente, a Chamada D... remeteu ainda uma proposta para cada uma das lojas, directamente, para que fosse feita uma avaliação individual por parte de cada uma delas.

MMM) No que diz respeito à Ré C... , as propostas apresentadas incluíam, no que diz respeito ao Ramo da Responsabilidade Civil, diferentes produtos, de distintas Companhias de Seguro.

NNN) Mais concretamente:

- Proposta da B... , com a apresentação de 3 opções:

i) Opção Base;

ii) Opção Base + Responsabilidade Civil Garagista – N...;

iii) Opção Base + Responsabilidade Civil Garagista – – N... + Responsabilidade Civil das Oficinas M....

- Proposta da O... com um produto único?

OOO) Após analisar os produtos apresentados, a Ré C... , pela pessoa do Sr. F... , comunicou à D... que esta iria assegurar a gestão dos contratos de seguro da C... .

PPP) Tendo a sua escolha recaído no produto da “Opção 3” da B... por ser o que apresentava o plano mais completo.

QQQ) Prevê a Proposta de Renovação para 2011, elaborada pela Chamada D... para o Grupo O... :

(…) Nestes termos, não se encontra coberta a responsabilidade civil derivada de:

(…)

b) Reclamações que tenham origem meramente em reparações defeituosas ou incorrectas que não tenham tido consequências para terceiros. (…).

RRR) A escolha da Ré C... foi feita de acordo com a informação transmitida pela Chamada D... nas propostas enviadas.

SSS) Que foi posteriormente comunicada à B... , através de e-mail, datado de 12 de Janeiro de 2011, ao cuidado da Sra. D. L... .

TTT) A Chamada D... entendeu que, ainda que o seguro em causa não cobrisse eventuais danos causados aos Clientes, pela Segurada ou seus funcionários por incumprimento ou cumprimento defeituoso, existiria um interesse comercial da sua parte em tentar prestar o auxílio necessário para que o Cliente não ficasse muito prejudicado.

UUU) O mesmo se passou com a Ré B...

VVV) A ocorrência foi-lhe comunicada em 03 de Fevereiro de 2011.

WWW) Tendo a D... comunicado de imediato à B... para análise e reencaminhado a documentação de que dispunha em 11 de Fevereiro de 2011, via e-mail, endereçado à Sra. D. L... , solicitando a análise da Seguradora com brevidade.

YYY) Por se tratar de um Cliente de referência para a Chamada D... , esta desenvolveu um esforço adicional no sentido de apressar a conclusão do processo, solicitando, assim, a melhor atenção da B... quanto à resposta que deveria ser dada à Ré C... .

ZZZ) A D... também salientou a relevância deste Cliente, apelando à especial sensibilidade da B... , também esta interessada em manter este Cliente.


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IV.

A sentença recorrida condenou a ora Apelante a pagar ao Autor a quantia global de 6.874,75€, acrescida de juros – e absolveu a Ré, B... , desse mesmo pedido – considerando, para o efeito, que:

• O Autor tem direito a uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, no valor global de 6.874,75€, emergentes do cumprimento defeituoso de um contrato de empreitada (tendo por objecto a revisão de um veículo) que havia sido celebrado entre o Autor e a C... (Apelante);

• Não obstante ter sido celebrado um contrato de seguro entre a Apelante e a Ré, B... , esta seguradora não é responsável pelo pagamento da aludida indemnização, porquanto tal indemnização é fundada em situação que estava excluída do contrato de seguro, razão pela qual recai sobre a Apelante a obrigação de pagar a referida indemnização.

Mais se referiu – na fundamentação da sentença – que a Apelante é a única responsável, não lhe assistindo qualquer direito de regresso contra a Chamada, D... .

 

No recurso que veio interpor da sentença, a Apelante ( C... ) não põe em causa os pressupostos do direito de indemnização estabelecido a favor do Autor e tão pouco põe em causa o seu quantitativo, sendo que o seu recurso incide apenas sobre a responsabilidade da Ré seguradora e sobre o seu direito de regresso contra a Chamada, D... , Ldª.

Como decorre das suas alegações, a Apelante suscita no presente recurso duas questões:

Sustenta, em primeiro lugar, que a apólice do seguro foi emitida em 01/07/2011, após o acidente e depois do prazo fixado no art. 34º do DL 72/2008, de 16/04, pelo que, ao abrigo desta norma, o seu teor – e mais concretamente as cláusulas de exclusão – não lhe podem ser oponíveis, razão pela qual recai sobre a Ré seguradora a obrigação de pagar ao Autor a indemnização que lhe foi fixada.

E sustenta, em segundo lugar, que, caso assim não se entenda e caso se considere que é ela (Apelante) a responsável pelo pagamento da aludida indemnização, devem ser considerados como não provados os factos constantes das alíneas EEE) a ZZZ) – por terem sido incorrectamente julgados – para que possa posteriormente exercer o direito de regresso sobre a Chamada, D... , Ldª.

São essas, portanto, as duas questões que integram o objecto do recurso e que passamos a analisar.

Oponibilidade das cláusulas de exclusão do contrato de seguro

Tal como referimos, sustenta a Apelante que a apólice do seguro foi emitida em 01/07/2011, após o acidente e depois do prazo fixado no art. 34º do DL 72/2008, de 16/04, pelo que, ao abrigo desta norma, o seu teor – e mais concretamente as cláusulas de exclusão – não lhe podem ser oponíveis.

Importa notar, em primeiro lugar, que a Apelante não põe em causa, no presente recurso, que a situação dos autos se encontra, efectivamente, excluída do seguro, como se considerou na sentença recorrida; sustenta apenas que, pelas razões acima mencionadas, essa exclusão não lhe é oponível e que, como tal, a seguradora deverá responder pelo pagamento da indemnização.

Dispõe o art. 32º do citado Dec. Lei 72/2008:

1 - A validade do contrato de seguro não depende da observância de forma especial.

2 - O segurador é obrigado a formalizar o contrato num instrumento escrito, que se designa por apólice de seguro, e a entregá-lo ao tomador do seguro.

3 - A apólice deve ser datada e assinada pelo segurador”.

E dispõe o art. 34º do mesmo diploma:

1 - A apólice deve ser entregue ao tomador do seguro aquando da celebração do contrato ou ser-lhe enviada no prazo de 14 dias nos seguros de riscos de massa, salvo se houver motivo justificado, ou no prazo que seja acordado nos seguros de grandes riscos.

2 - Quando convencionado, pode o segurador entregar a apólice ao tomador do seguro em suporte electrónico duradouro.

3 - Entregue a apólice de seguro, não são oponíveis pelo segurador cláusulas que dela não constem, sem prejuízo do regime do erro negocial.

4 - Havendo atraso na entrega da apólice, não são oponíveis pelo segurador cláusulas que não constem de documento escrito assinado pelo tomador do seguro ou a ele anteriormente entregue.

5 - O tomador do seguro pode a qualquer momento exigir a entrega da apólice de seguro, mesmo após a cessação do contrato.

6 - Decorrido o prazo referido no n.º 1 e enquanto a apólice não for entregue, o tomador do seguro pode resolver o contrato, tendo a cessação efeito retroactivo e o tomador do seguro direito à devolução da totalidade do prémio pago”.

Resulta, portanto, das citadas disposições legais que, ainda que o segurador seja obrigado a formalizar o contrato num instrumento escrito (a apólice de seguro), a falta desse documento não interfere com a validade do seguro, já que, como se diz expressamente no art. 32º, nº 1, a validade do contrato não depende da observância de forma especial.

Mas, como se disse, o segurador está obrigado a emitir a apólice, tal como está obrigado a entregá-la ao tomador do seguro dentro do prazo a que alude o nº 1 do art. 34º e o incumprimento dessa obrigação implicará que o tomador do seguro possa resolver o contrato com efeito retroactivo e com direito à devolução da totalidade do prémio pago e implicará ainda que não sejam oponíveis pelo segurador quaisquer cláusulas que não constem de documento escrito assinado pelo tomador do seguro ou a ele anteriormente entregue.

Pretende a Apelante aproveitar-se desta inoponibilidade, alegando, para o efeito, que a apólice foi emitida em 01/07/2011 (depois do prazo fixado na lei).

Acontece que a matéria de facto provada é totalmente omissa no que respeita a esses factos, porquanto dela não consta nem a data da celebração do contrato, nem a data da emissão da apólice e respectiva entrega ao tomador do seguro.

É verdade que, como se depreende dos autos, o contrato de seguro estava em vigor à data do sinistro (ninguém põe isso em causa) e, portanto, terá sido celebrado em data anterior a 20/01/2011, resultando, por outro lado, da apólice junta a fls. 43 e segs. que ela está datada de 01/07/2011.

Mas, ainda que daí se pudesse concluir que a apólice havia sido emitida e entregue ao tomador do seguro com atraso (relativamente aos prazos estabelecidos na norma supra citada), isso não bastaria para concluir que as cláusulas em causa nos presentes autos não eram oponíveis à Apelante. Para que tal sucedesse, seria ainda necessário que tais cláusulas não constassem de documento escrito assinado pelo tomador do seguro ou a ele entregue anteriormente e a verdade é que não sabemos se isso acontecia ou não, porque nada consta da matéria de facto a esse propósito.

E ainda que se entendesse que essa matéria se relaciona com o cumprimento/incumprimento dos deveres de informação a cargo do segurador (impostos pelo art. 18º e segs. do citado diploma) e ainda que se entendesse (como determina o 5º, nº 3 do Dec. Lei nº 446/85 de 25/10, a propósito da comunicação das cláusulas contratuais gerais) que cabia à seguradora o ónus de provar a existência de documento escrito assinado pelo tomador do seguro ou a ele entregue anteriormente do qual constassem as aludidas cláusulas, não poderia proceder a pretensão que a Apelante pretende fazer valer no presente recurso.

E não podia, porque, para que tal acontecesse – ou seja, para que a seguradora pudesse ser onerada pelas consequências decorrentes da falta de prova de um facto cuja alegação e prova estava a seu cargo – era necessário que tivesse sido confrontada com a possibilidade de esse facto ser relevante para a decisão da causa, o que não aconteceu, já que a Apelante nunca invocou – nos seus articulados – o atraso na emissão e entrega da apólice e a consequente inoponibilidade das cláusulas dela constantes e, portanto, a seguradora nunca foi confrontada com a necessidade/utilidade de alegar e provar que, não obstante o atraso na entrega da apólice, existia um documento escrito assinado pelo tomador do seguro ou a ele entregue anteriormente do qual constavam as aludidas cláusulas.

Na verdade, a questão que a Apelante vem suscitar é uma questão nova, que não foi apreciada na sentença recorrida e não foi objecto de qualquer discussão, porquanto a Apelante não a invocou em 1ª instância. E, não a tendo invocado oportunamente, parece que não será oportuno vir agora invocá-la, em sede de recurso, já que, como refere Abrantes Geraldes[1], “os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas e não a analisar questões novas, salvo quando…estas sejam de conhecimento oficioso e o processo contenha os elementos imprescindíveis”.

E não se argumente – como faz a Apelante ao sustentar que o Tribunal a quo ignorou essa questão – que a inoponibilidade das cláusulas do contrato por atraso na entrega da apólice pode ser conhecida sem necessidade de invocação expressa, por corresponder apenas à aplicação da norma legal que estabelece essa inoponibilidade. Com efeito, a aplicação da norma em questão pressupunha que existissem todos os elementos de facto que lhe estão subjacentes e, portanto, seria necessário que estivessem provados os factos dos quais depende a sua aplicação ou, não estando esses factos provados, seria necessário que alguma das partes pudesse ser onerada com as consequências negativas emergentes do incumprimento do ónus da prova que estava a seu cargo. Mas a verdade é que isto apenas poderia suceder se a parte onerada com esse ónus tivesse tido a oportunidade de alegar e provar o facto ou factos em questão.

No caso sub judice, ainda que se pudesse extrair dos autos (apesar de não constar da matéria de facto) que a apólice não foi entregue no momento oportuno, para que esse facto implicasse a inoponibilidade de determinadas cláusulas do contrato seria ainda necessário – como referimos – que tais cláusulas não constassem de documento assinado pelo tomador do seguro ou a ele anteriormente entregue. Mas esse facto não está provado e ainda que se entendesse – nos termos supra mencionados – que recaía sobre a Ré o ónus de provar a existência desse documento, a verdade é que esta não pode agora ser onerada com as consequências emergentes do incumprimento desse ónus, porquanto ela nunca foi confrontada com a necessidade de alegar e provar esse facto, na medida em que a ora Apelante não invocou, no momento próprio, a inoponibilidade dessas cláusulas e nem sequer invocou que a apólice lhe havia sido entregue em data posterior àquela que estava definida na lei.

Assim, e no que toca a esta questão, terá que improceder o recurso, confirmando-se a decisão que absolveu a Ré (seguradora) do pedido contra ela formulado e que condenou a Apelante a pagar ao Autor a indemnização ali fixada.

Direito de regresso sobre a Chamada, D... , Ldª e impugnação da matéria de facto.

Subsidiariamente e para o caso de se considerar – como considerámos efectivamente – que é ela (e não a Ré seguradora) a responsável pelo pagamento da aludida indemnização, pretende a Apelante que sejam considerados como não provados os factos constantes das alíneas EEE) a ZZZ) – por terem sido incorrectamente julgados – de modo a que possa posteriormente exercer o direito de regresso sobre a Chamada, D... , Ldª.

A verdade, porém, é que tal questão não pode ser apreciada, uma vez que ela não tem qualquer reflexo na decisão e apenas esta pode ser objecto de recurso.

Com efeito, ainda que a sentença recorrida tenha aludido a esta questão, na respectiva fundamentação (afirmando, com base na matéria de facto provada, que não existia aquele direito de regresso), a verdade é que nada decidiu a esse propósito; a decisão proferida não condenou, nem absolveu a D... , Ldª e tão pouco declarou a existência ou inexistência do referido direito de regresso, limitando-se a absolver a Ré (seguradora) e a condenar a ora Apelante. E a sentença recorrida nada decidiu relativamente à D... , Ldª porque não tinha que o fazer, já que, contra ela, não havia sido formulado qualquer pedido ou pretensão. Na verdade a D... , Ldª, não é parte principal nos presentes autos, apenas tendo sido admitida a sua intervenção acessória, como auxiliar na defesa no que toca às questões que aqui estavam em discussão (relacionadas com o pedido do Autor) e que constituíam um dos pressupostos da acção de regresso a instaurar posteriormente pela Apelante. Com efeito, ainda que a admissibilidade de tal intervenção exija um juízo acerca da viabilidade da acção de regresso e da sua dependência das questões a decidir na causa (art. 322º do CPC), a presente acção não se destinava a exercer, a reconhecer e a efectivar esse direito, sendo que a intervenção da D... , Ldª apenas visava obter a sua vinculação ao caso julgado que aqui se formasse no que toca às questões inseridas no objecto da causa das quais dependia o direito de regresso da Apelante a invocar em ulterior acção de indemnização (cfr. art. 323º, nº 4). Veja-se, a este propósito, Salvador da Costa[2], quando afirma “o interveniente não é, pois, condenado nesta primeira acção, e apenas fica vinculado, em regra, a aceitar os factos dos quais derivou a condenação do primitivo réus propriamente dito, isto é, o que implementou o chamamento” e quando afirma que “este incidente permite que se estendam ao chamado os efeitos do caso julgado da sentença, de modo a que não seja possível nem necessário que na subsequente acção de indemnização proposta pelo réu contra o chamado se voltem a discutir as questões já decididas no anterior processo”.

A D... , Ldª não era, portanto, uma parte principal e, como tal, não poderia ser aqui condenada ou absolvida.

E não foi.

Mas, se nada se decidiu a esse propósito – a decisão proferida não condenou nem absolveu a D... , Ldª e tão pouco declarou a existência ou inexistência de direito de regresso – qual seria o objecto do recurso a propósito do qual a Apelante vem suscitar esta questão, já que a Apelante também não sustenta que deveria ter sido proferida decisão sobre essa matéria?

Importa notar que, a propósito desta questão, a Apelante não pede a alteração de qualquer decisão que tenha sido proferida e apenas pede a eliminação de determinados factos que foram considerados provados sem qualquer repercussão na decisão efectivamente proferida.

Ora, salvo o devido respeito, não é essa a finalidade dos recursos.

Com efeito, os recursos destinam-se apenas a obter a revogação ou alteração de uma decisão que não é favorável – ou não é a mais favorável – aos interesses do recorrente, não se enquadrando no nosso sistema de recursos a possibilidade de o tribunal superior apenas ser chamado a apreciar e alterar a matéria de facto sem que, por via dessa alteração, se pretenda obter a revogação ou alteração da decisão.

Ainda que a Apelante discorde daquela matéria de facto e ainda que essa matéria lhe seja desfavorável, a verdade é que os recursos não podem incidir apenas sobre os factos e argumentos – ou seja, sobre os fundamentos – em que se baseia a decisão; os recursos incidem sempre sobre uma decisão que se pretende ver revogada ou alterada e a contestação – por via do recurso – dos seus fundamentos de facto ou de direito constituem sempre – e necessariamente – um meio para alcançar aquela que é a verdadeira finalidade do recurso: a revogação ou alteração da decisão sobre a qual incide o recurso.

De facto, e tal como refere Abrantes Geraldes[3], o mecanismo de recurso “…não foi criado para satisfazer interesses meramente subjectivos do recorrente, para dirimir questões puramente académicas ou para mero conforto moral, sem qualquer repercussão no resultado da lide, antes para alterar ou revogar a decisão final com o cortejo de efeitos que dela emanam. Deste modo, ainda que a parte destinatária de uma decisão favorável seja confrontada com uma resposta negativa a algum ou a todos os argumentos que usou não fica legitimada a interpor recurso”.

E bem se compreende que assim seja, porquanto, a mera apreciação e alteração dos fundamentos da decisão, sem qualquer repercussão na decisão, não tem, em termos reais e objectivos, qualquer interesse para o recorrente, até porque o caso julgado não se forma isoladamente sobre os fundamentos da decisão.

A este propósito refere também Alberto dos Reis[4] que “…o recurso não pode interpor-se das razões, de facto ou de direito, em que a decisão se baseie, mas sim, e apenas, da parte dispositiva ou decisória do julgado, pois é esta que vincula as partes, que as obriga…”.

Ora, não obstante pretender a alteração da decisão da matéria de facto, a Apelante não retira daí quaisquer consequências ao nível da decisão, porquanto não pede, com esse fundamento, qualquer revogação ou alteração da decisão proferida. A questão aqui suscitada pela Apelante não foi objecto de qualquer decisão e a Apelante também não sustenta que deveria ter sido (e, como referimos, não tinha que ser).

A Apelante pretende apenas ver alterada a matéria de facto para que – como diz – “possa posteriormente exercer o direito de regresso sobre a chamada D... ”; a Apelante não pretende, portanto, a alteração da decisão recorrida e, como tal, a sua pretensão não pode proceder, já que, reafirma-se, os recursos apenas se destinam a revogar ou alterar decisões proferidas e não a alterar – isoladamente e sem qualquer repercussão na decisão – os fundamentos (de facto ou de direito) que a sustentam.

A decisão proferida limitou-se a absolver a Ré (seguradora) e a condenar a Apelante a pagar ao Autor uma determinada indemnização.

A matéria de facto que a Apelante pretende ver alterada é totalmente inócua para essa decisão, pelo que a alteração dessa matéria não teria a virtualidade de determinar a revogação ou alteração da decisão.

Tal matéria de facto apenas teria relevância para efeitos de existência ou não do direito de regresso da Apelante sobre a D... , Ldª, sendo certo, porém, que essa questão não está abrangida no objecto da presente acção, não cabendo aqui proferir qualquer decisão sobre essa matéria; tal decisão apenas pode e deve ser proferida em acção posterior que a Apelante venha a instaurar contra a D... , Ldª e no âmbito da qual esta ficará vinculada – por força da sua intervenção acessória nos presentes autos – ao caso julgado que aqui se formou, no que toca à existência, valor e fundamentos da obrigação da Apelante relativamente ao Autor, enquanto pressuposto do direito de regresso que lhe possa assistir e que terá que exercitar em posterior acção, onde deverá alegar e provar os demais pressupostos desse direito.

Refira-se que, e salvo melhor opinião, a circunstância de a sentença recorrida ter considerado provados os factos que a Apelante pretendia ver eliminados e a circunstância de ter afirmado, na respectiva fundamentação, que a Apelante não tinha qualquer direito de regresso não terá a virtualidade de formar caso julgado e de vincular as partes em posterior acção que venha a ser intentada para exercer e efectivar esse direito.

Com efeito, ainda que se afaste uma teoria puramente restritiva dos limites objectivos do caso julgado – segundo a qual o caso julgado abrange apenas a parte injuntiva da decisão e nada mais – e ainda que se adopte um conceito mais amplo ou mitigado do caso julgado (como nos parece que tem vindo a ser entendido maioritariamente), os limites do caso julgado não poderão ser alargados ao ponto de abranger isoladamente a matéria de facto que foi dada como provada que não tenha qualquer relação com a decisão que veio a ser proferida.

Parece-nos, de facto, que o caso julgado incide, essencialmente, sobre a decisão proferida, sendo que os respectivos fundamentos (designadamente os fundamentos de facto) apenas serão por ele abrangidos se e na medida em que os mesmos constituam um antecedente lógico e necessário da decisão proferida.

Veja-se a este propósito Antunes Varela[5], quando diz que “…a eficácia do caso julgado…apenas cobre a decisão contida na parte final da sentença (…), ou seja, a resposta injuntiva do tribunal à pretensão do autor ou do réu, concretizada no pedido ou na reconvenção e limitada através da respectiva causa de pedir. A força do caso julgado não se estende, por conseguinte, aos fundamentos da sentença, que no corpo desta se situam entre o relatório e a decisão final” e, embora admitindo (a págs. 715), que “…os fundamentos da sentença podem e devem ser utilizados para fixar o sentido e o alcance da decisão contida na parte final da sentença, coberta pelo caso julgado”, afirma (a págs. 716), que “os factos considerados como provados nos fundamentos da sentença não podem considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado, para o efeito de extrair deles outras consequências, além das contidas na decisão final”.

Veja-se, por outro lado, Castro Mendes[6], quando afirma que “…os pressupostos da decisão são cobertos pelo caso julgado enquanto pressupostos da decisão”.

E veja-se ainda Pais de Amaral[7], quando, citando Rodrigues Bastos, afirma que “a posição predominante actual é favorável a uma mitigação do conceito de caso julgado no sentido de, considerando embora o caso julgado restrito à parte dispositiva do julgamento, alargar a sua força obrigatória à resolução das questões que a sentença tenha necessidade de resolver como premissa da conclusão formada”, concluindo que, “…embora as premissas da decisão não adquiram, em regra, força de caso julgado, deve reconhecer-se-lhes essa natureza, quer quando a parte decisória a elas se referir de modo expresso, quer quando constituírem antecedente lógico, necessário e imprescindível, da decisão final”.

Assim, e conforme se considerou no Acórdão do STJ de 05/05/2005 (processo 05B691) e no Acórdão da Relação de Coimbra de 17/05/2005 (processo 1005/05)[8], os fundamentos de facto de uma determinada decisão não adquirem valor de caso julgado quando autonomizados da respectiva decisão e, como tal, não podem ser considerados – com aquele valor – para efeitos de deles se extrair outras consequências além das contidas na decisão final, designadamente para efeitos do seu aproveitamento em outros processos judiciais entre as mesmas partes.

 É certo, portanto, que, também nesta perspectiva, não teria qualquer utilidade a alteração da matéria de facto que é pretendida pela Apelante, porquanto essa matéria de facto não tem qualquer relação com a decisão que foi proferida e, como tal, não poderá considerar-se abrangida pelo caso julgado que com ela se formou.

De qualquer forma – reafirma-se – a alteração dessa matéria de facto nunca poderia determinar a revogação ou alteração da decisão recorrida, porquanto, não sendo susceptível de alterar a decisão de absolver a Ré (seguradora) e de condenar a Apelante, também não poderia motivar (pelas razões supra explanadas) qualquer decisão que tivesse por objecto o reconhecimento do alegado direito de regresso da Apelante sobre a D... , Ldª.

Além do mais, reafirma-se, a Apelante apenas pretende ver alterada a matéria de facto sem que, com fundamento nessa alteração, sustente dever ser alterada a decisão proferida e, como se referiu, os recursos apenas se destinam a alterar decisões e não a alterar isoladamente os respectivos fundamentos (sejam eles de facto ou de direito) sem que com isso se pretenda obter a revogação ou alteração da decisão sobre a qual incide o recurso.

Assim sendo, improcede esta questão, sem qualquer necessidade de apreciar a impugnação deduzida relativamente à matéria de facto.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

I – Não pode ser atendida, em sede de recurso, a invocação da inoponibilidade (prevista no art. 34º, nº 4, do DL 72/2008, de 16/04) de cláusulas de exclusão da responsabilidade constantes de contrato de seguro (decorrente de atraso na entrega da respectiva apólice), quando, no momento próprio (em 1ª instância), esse atraso não foi alegado e tal questão não foi invocada de modo a que a seguradora tivesse a oportunidade de alegar e provar os factos que, nos termos da lei, poderiam obstar a tal inoponibilidade: a existência de documento escrito assinado pelo tomador de seguro ou a ele anteriormente entregue do qual constassem as aludidas cláusulas.

II – Os recursos destinam-se a obter a revogação ou a alteração de uma decisão proferida, não podendo incidir isoladamente sobre os fundamentos (sejam eles de facto ou de direito) em que ela assentou; a contestação – por via do recurso – dos fundamentos de facto ou de direito de uma decisão há-de constituir sempre – e necessariamente – um meio para alcançar aquela que é a verdadeira finalidade do recurso: a revogação ou alteração da decisão sobre a qual incide o recurso.

III – Daí que o tribunal superior não possa ser chamado – por via da interposição de recurso – a apreciar e alterar a matéria de facto sem que, por via dessa alteração, se pretenda obter a revogação ou alteração da decisão que, com base nela, veio a ser proferida.


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V.
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da Apelante.
Notifique.

Maria Catarina Gonçalves (Relatora)

Maria Domingas Simões

Nunes Ribeiro


[1] Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª ed. Revista e actualizada, pág. 94.
[2] Os Incidentes da Instãncia, 4ª ed., Actualizada e Ampliada, pág. 144.
[3] Ob. cit., pág. 65.
[4] Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Reimpressão, 1984, págs. 266 e 267.
[5] Manual de Processo Civil, 2ª ed. (1985), pág. 714.
[6] Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, pág. 157.
[7] Direito Processual Civil, 7ª ed., págs. 432 e 433.
[8] Disponíveis em http://www.dgsi.pt.