Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
292/08.7TBSAT-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO COSTA
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL
EXEQUENTE
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 11/09/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SÁTÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.819, 266, 456 CPC
Sumário: 1 – A responsabilidade civil do exequente pelos danos culposamente causados ao executado, nos termos do artº 819º do C.P.C., depende da verificação cumulativa de uma tríplice ordem de requisitos: a) que a penhora tenha sido efectuada sem a citação prévia do executado; b) que o executado haja deduzido oposição à execução, imputando ao exequente uma conduta dolosa ou com negligência grosseira, tendente a causar-lhe danos ou prevendo a possibilidade desse resultado; c) que o juiz não só acolha os fundamentos invocados na oposição, como, além disso, reconheça que o exequente agiu sem a prudência normal exigível;

2 - Não age com culpa o exequente que dá determinado valor à execução, baseado em letras de câmbio que junta, vindo a quantia exequenda a ser reduzida, em decorrência da parcial procedência da oposição deduzida;

3 - Não deve ser condenado como litigante de má o exequente pelo simples facto de, na sequência do julgamento da oposição à execução, vir a ser reduzida a quantia exequenda constante do requerimento inicial da execução.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO

J P (…), executado nos autos de execução comum que correm pelo Tribunal Judicial da Comarca de Sátão, veio deduzir a presente oposição à execução contra:

- JM (…), ali exequente, pedindo que se determine, desde já, a suspensão da execução e, depois, a sua redução ao valor de € 1.478,56, que o oponente reconhece ainda não ter pago, o que se propõe, desde já liquidar; devendo, contudo, o exequente ser condenado a indemnizar o executado pelo valor global de € 1.500,00, com juros a partir da notificação, e como litigante de má fé.

Alegou, para tanto, em resumo, que cada uma das letras juntas pelo exequente como títulos executivos correspondem a sucessivas reformas da letra imediatamente anterior, estando vedado ao exequente somar o valor das cinco letras; o oponente sempre pagou as diferenças existentes entre as sucessivas reformas da letra inicial, bem como os respectivos juros e despesas; o acto de penhora foi realizado em horário de funcionamento da clínica dentária que o oponente possui, o que lhe causou danos não patrimoniais.

Contestou o exequente, aduzindo, em síntese, que não corresponde à verdade o alegado pelo oponente, na medida em que a dívida era de € 23.020,00 e não de € 2.733,12, como pretende o executado.

Proferiu-se o despacho saneador e dispensou-se a fixação da base instrutória.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, finda a qual se proferiu despacho a fixar a matéria de facto provada, sem reclamações.

Seguidamente, verteu-se nos autos sentença que, julgando a oposição parcialmente procedente, reduziu a quantia exequenda para o montante de € 2.733,12, absolvendo o exequente do demais peticionado, incluindo o pedido de condenação como litigante de má fé.

Inconformado com o assim decidido, interpôs o executado/oponente recurso para este Tribunal, o qual foi admitido como de apelação e efeito meramente devolutivo.

Alegou, oportunamente, o apelante, o qual finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1ª - “O recorrente, à luz, do art. 685°-B - 1, a) e b) do CPC, pretende ver reapreciada a matéria de facto que sustentou a sentença, mais especificamente a resposta ao 8° item da petição inicial, por considerar que este foi incorrectamente julgado, em virtude de existirem nos autos meios de prova que, sobre este ponto, impunham decisão diversa da recorrida;

2ª - No entendimento de que o 8° item da oposição não ficara provado, a douta sentença considerou que a quantia exequenda deveria ser reduzida ao valor titulado na letra, junta sob doc.1 do req. Exec., no valor de 2.733,12€, entendimento esse de que o recorrente, mesmo assim, discorda;

3ª - Porquanto, dos documentos juntos com a oposição e da informação bancária fornecida pelo ... resulta que, após o dia 15/10/2007 (data de emissão da letra de 2.733,12€), foram efectuados vários depósitos pelo executado, mais concretamente 550,00€, em 02/11/2007; 300,00€, em 29/01/2008; 600,00€, em 24/03/2008; 140,00€, em 07/07/2008 e 220,00€, em 29/08/2008;

4ª - Por força do disposto no art. 646°-4 do CPC, tais pagamentos têm que dar-se como assentes, maxime, quando essa mesma informação bancária foi considerada importante para a resposta aos factos constantes do art. 17° da contestação à oposição;

5ª - Relativamente à improcedência do pedido de condenação do exequente, nos termos do art. 819° do CPC, entende o executado que estão reunidos todos os pressupostos para a sua aplicação, pelo que a Exma Juiz fez uma interpretação errada deste preceito legal;

6ª - Desde logo, porque a pretensão manifestada pelo exequente consubstancia-se na prática de um acto ilícito, pois, nada na lei o legitima a multiplicar a obrigação constante de uma única letra através das suas sucessivas reformas;

7ª - E, relativamente à culpa, não há dúvida de que o exequente deduziu pretensão notoriamente infundada, alterou a verdade dos factos e fez um uso manifestamente reprovável dos meios processuais para lograr um fim contrário à lei e a todos os princípios ético-sociais;

8ª - Do que resulta ser, no mínimo, descabido atribuir-se a culpa da execução e da penhora ao próprio executado, apenas porque este, de boa fé e com recta intenção, reconhecera dever uma pequena parte do que lhe fora exigido;

9ª - Se tal comportamento poderia inicialmente ser entendido como um uso juridicamente errado dos títulos executivos que possuía, deixou de o ser a partir da contestação, pois alterou a verdade dos factos com o objectivo de alcançar um fim proibido por lei, (e lembramos que, no seu requerimento executivo, afirmou peremptoriamente que nenhuma das letras em mérito tinha sido paga, em vez de reconhecer o erro), tentando por todos os meios justificar a sua actuação e convencer o tribunal da posição que tinha assumido;

10ª - Chegando ao cúmulo de afirmar, nos itens 14° e 15° da contestação, que os depósitos que o executado dizia ter feito, e cujos comprovativos juntara aos autos, “nada tinham a ver com as despesas de reforma das letras ajuizadas”, dificultando-lhe injustificadamente a prova de factos que sabia serem verdadeiros, e que, por via disso, apenas vieram a comprovar-se com a referida informação do ...;

11ª - Discorda-se do entendimento manifestado na sentença, segundo o qual, o exequente se limitou a utilizar de forma juridicamente errada os títulos que possuía, como se ignorar a lei fosse uma causa de exclusão da culpa ou da ilicitude e o seu desconhecimento justificasse a sua violação;

12ª - Ainda para mais, quando ali se deixa implícito que o exequente o fizera de propósito, ao referir que lhe estava vedado “multiplicar a obrigação constante de uma letra através das suas sucessivas reformas, de forma a facilitar a cobrança da quantia exequenda, sem necessidade de uma maior exposição no requerimento executivo” e, ainda, que “...tal comportamento faria com que o exequente mantivesse em seu poder outras letras todas elas relativas à mesma relação subjacente, as quais poderiam ser executadas para cobrança de uma quantia já paga com esta execução”;

13ª - Actuou, pois, o exequente com dolo directo, pois sabia perfeitamente que a lei não lhe permitia deduzir uma execução nos termos supra referidos, de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de extorquir o indevido, não se abstendo, ainda assim, de levar por diante a sua conduta;

14ª - O nexo de causalidade entre a conduta do exequente e os danos dela resultantes é evidente, não se aceitando o argumento de que, pelo facto de o executado ter confessado uma parte (mínima) da dívida, a penhora seria inevitável;

15ª - Na verdade, sempre existiria a possibilidade de o mesmo a reconhecer e, nos termos do disposto no art. 916° do CPC, fazer cessar a execução, pagando as custas e a dívida, mesmo no acto da penhora, sem prejuízo da possibilidade de celebrar um acordo tendente ao pagamento em prestações conforme se prevê nos arts 882° e seguintes do mesmo código, e de uma destas formas evitar a penhora e todos os danos e inconvenientes daí resultantes;

16ª - Mas para isso seria imprescindível que o exequente tivesse exigido apenas o devido e possível atendendo aos títulos executivos de que dispunha;

17ª - Não o tendo feito, sempre o executado teria que deduzir oposição à execução, sob pena de estar a reconhecer a quantia peticionada, de 9.865,73€, assim se vendo que a penhora poderia ter-se evitado se o exequente não deduzisse pretensão ilícita;

18ª - Do mesmo modo, não se aceita que os danos se tenham por insignificantes, a pontos de se considerar que os mesmos não merecem, sequer, a tutela do direito, principalmente quando na sentença recorrida se dão como assentes os factos levados aos itens 3, 4 e 5 do seu ponto II;

19ª - Além destes danos - que só por si, já justificariam a tutela do direito - existem outros, mesmo notórios, que não necessitam sequer de alegação e de prova, como são os muitos incómodos sofridos pelo executado, as custas processuais e todas as despesas inerentes a um processo judicial com o valor da apensa execução;

20ª - Verificam-se todos os pressupostos para aplicação dos arts 456° e seguintes, pois, da própria procedência desta oposição, já se retira que se trata de uma pretensão manifestamente infundada, tendo o exequente exigido mais 7.132,61€ do que o devido, tendo em conta os títulos apresentados;

21ª - Alterou a verdade dos factos no requerimento executivo e na contestação, referindo inicialmente que o executado não tinha pago nenhuma das letras que serviram de título e que os depósitos que afirmou ter feito nada tinham a ver com a quantia exequenda, para confessar, depois, nos itens 16° a 18° da contestação, que a suposta dívida tinha uma origem diversa da alegada;

22ª - Mentiu, também, quando afirmou que a dívida inicial era de 23.020,00€ e que resultava de uma cessão de quotas, quando se demonstrou que tal negócio foi celebrado por 2.500,00€, que já havia recebido;

23ª - Além disso, omitiu factos essenciais para o mérito da decisão, até ao final da produção de prova, designadamente toda a informação bancária de que dispunha desde o início do processo, por ser titular da conta onde a letra estava a ser descontada, praticando assim omissão indesculpável do dever de cooperação;

24ª - Da resposta ao facto vertido no art. 17° da contestação e da própria documentação fornecida pelo ..., conclui-se que a suposta dívida se refere apenas a juros e despesas decorrentes das várias reformas da letra inicial e não à falta de pagamento de qualquer uma delas, como afirmou desde o início da execução;

25ª - Portanto, contrariamente ao entendimento recorrido, o exequente não se limitou a utilizar de forma juridicamente errada os títulos que possuía, porque, não tinha qualquer título executivo que lhe permitisse intentar a execução pela forma como o fez, pois as letras só titulam as quantias nelas inseridas e não os encargos que possam acarretar;

26ª - Deixando, assim, por um lado, de conhecer de questões que ali cumpria apreciar e conhecendo de outras que não podia tomar conhecimento, e, por outro, porque os fundamentos estão em clara oposição com a decisão, mostra-se a douta sentença recorrida incursa na nulidade prevista no art. 668°-1, c) e d) do CPC”.

Não foi apresentada contra-alegação.


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ÂMBITO DO RECURSO

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, nos termos do disposto nos artºs 684º, n.º 3, e 685º-A, n.º 1, do C. de Proc. Civil, na versão introduzida pelo Dec. Lei nº 303/2007, de 24/8.

De acordo com as apresentadas conclusões, as questões a decidir por este Tribunal são as de saber:

- Se é de alterar a decisão sobre a matéria de facto;

- Se a sentença recorrida é nula;

- Se ao apelante assiste o direito a ser ressarcido dos danos que invoca derivados da efectivação da penhora; e

- Se o apelado litiga de má fé.

Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.


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OS FACTOS

Na sentença recorrida foram dados com provados os seguintes factos:

1º - O exequente é portador, na qualidade de sacador, de 5 letras, entregues e aceites pelo executado, na qualidade de sacado, nos valores de €2.733,12; €2.186,50; €1.965,00; €1.465,00 e €1.150,00, respectivamente com as seguintes datas de emissão 15/10/2007; 23/11/2007; 30/01/2008; 24/03/2008 e 27/06/2008, conforme documentos constantes de fls. 4 a 9 do apenso de execução, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos;

2º - Cada uma das letras acima referidas[1] correspondia à reforma da letra imediatamente anterior;

3º - O oponente é bem considerado no meio onde vive e (que)[2] ficou vexado com a penhora que lhe foi realizada nos autos a que estes são apensos;

4º - A penhora recaiu sobre instrumento de trabalho do oponente e (que) [3]foi realizada em horário de funcionamento do seu consultório médico, o que gerou perguntas por parte de alguns dos seus clientes e funcionários;

5º - O oponente, em consequência do processo de execução apenso, viu-se obrigado a remarcar algumas consultas para se deslocar ao banco, ao tribunal e ao escritório do seu advogado;

6º - Por escritura pública de cessão de quotas, o exequente, na qualidade de primeiro outorgante, declarou ceder ao segundo outorgante a sua quota na sociedade “Clínica (…) Limitada”, pelo valor nominal da mesma, ou seja dois mil e quinhentos euros, que também declarou já ter recebido, ao executado, na qualidade de segundo outorgante o qual declarou aceitar, tudo conforme documento de fls. 26 a 29 que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos;

7º - O executado emitiu a favor do exequente o cheque n.° ..., sobre a ..., no montante de €23.020,00;

8º - O exequente é portador, na qualidade de sacador de mais 10 letras, entregues e aceites pelo executado, na qualidade de sacado, nos valores de €23.020,00; €15.502,50; €13.950,00; €12.000,00; €9.695,00; €8.595,00; €7.495,00; €4.796,00; €3.796,00 e €3.036,80, respectivamente com as seguintes datas de emissão 9/12/2005; 13/06/2006; 14/07/2006; 17/08/2006; 17/10/2006; 20/11/2006; 15/12/2006; 16/03/2007; 17/05/2007 e 31/01/2007, tudo conforme documentos de fls. 30, 33, 35, 37, 39, 41, 42, 44, 46 e 48, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos;

9º - Das diversas reformas que foram efectuadas sobre as letras referidas supra até à liquidação final em juros e despesas decorrentes das mesmas o valor total seria de €28.894,35, tendo o oponente efectuado depósitos no montante total de €20.848,00, bem como (que)[4] em 27/07/2006 foi sacada nova letra para pagamento das despesas em falta no montante de €1.761,37 que originou despesas em juros, comissões e impostos no montante de €2.760,11 e que, nesta operação o oponente efectuou depósitos no montante de €410,00.


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O DIREITO

1 - A decisão sobre a matéria de facto

“ (…. )”

Assim, esta Relação considera como fixados os factos dados como provados na 1ª instância. E, mantendo-se inalterados os factos, soçobra a pretensão do apelante em ver reduzida a quantia exequenda.

2 - A nulidade da sentença recorrida

Refere o apelante, sem o fundamentar, que a sentença recorrida é nula por ter deixado de conhecer de questões que lhe cumpria conhecer e conhecido de outras que não podia tomar conhecimento, bem como por os respectivos fundamentos estarem em oposição com a decisão.
Confunde-se, amiúde, nulidades da sentença com erros de julgamento, que são coisas totalmente distintas. O que o apelante, no fundo, quer fazer crer é que a sentença errou no julgamento. Mas daí parte para arguir toda uma série de nulidades da sentença que, na realidade, não ocorrem. Vejamos.
De acordo com o disposto na al. c) do nº 1 do artº 668º do C. de Proc. Civil, é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão. Segundo o acórdão da Relação do Porto de 13/11/74[5], apenas ocorre a nulidade da sentença prevista na citada al. c), quando os fundamentos invocados pelo juiz deveriam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que vier expresso na sentença.

Por outras palavras, como ensinava o Prof. Alberto dos Reis[6], ocorre esta nulidade quando “a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto”.

Ora, salvo o devido respeito, não vemos que os fundamentos da sentença, tanto de facto como de direito, estejam em contradição com a respectiva decisão. Ao invés, os fundamentos e a decisão da sentença recorrida estão em inteira sintonia, sendo certo até que tais fundamentos e decisão, como adiante se verá, colhem o nosso inteiro apoio.

Segundo prescreve a al. d) do citado art.º 668.º, “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

A primeira parte deste comando legal refere-se, como facilmente se depreende dos termos legais, à omissão de pronúncia e a segunda parte ao excesso de pronúncia.

A omissão de pronúncia traduz-se no incumprimento, por parte do juiz, do dever prescrito no n.º 2 do artº 660.º do referido código, nos termos do qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.

Por sua vez, o excesso de pronúncia ocorre quando o juiz se ocupa de questões que não foram suscitadas pelas partes, salvo se a lei lho permitir ou se essas questões forem de conhecimento oficioso (v. cit. artº 660.º, n.º 2).

Como escreveu Abílio Neto[7], aquela norma suscita, de há muito, o problema de saber qual o sentido exacto da expressão «questões» ali empregue, o qual é comummente resolvido através do recurso ao ensinamento clássico de Alberto dos Reis[8] que escreve: «… assim como a acção se identifica pelos seus elementos essenciais (sujeitos, pedido e causa de pedir) (…), também as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado».

No âmbito lógico deste raciocínio, doutrina e jurisprudência distinguem, por um lado, «questões», e, por outro, «razões» ou «argumentos», e concluem que só a falta de apreciação das «questões» integra a nulidade prevista no aludido normativo, mas já não a mera falta de discussão das «razões» ou «argumentos» invocados para concluir sobre as questões[9].

Ora, salvo sempre o devido respeito, a sentença recorrida não deixou de apreciar nenhuma das questões que ao tribunal foram submetidas pelas partes nem tão pouco conheceu de qualquer questão por elas não suscitada e que lhe fosse vedado conhecer.

A sentença debruçou-se sobre os fundamentos da oposição e decidiu em conformidade com a factualidade que foi dada como provada. Não extravasou os limites do que lhe era dado conhecer nem tão pouco deixou alguma questão, no sentido supra explicitado, por apreciar e decidir.

Não enferma, pois, a sentença recorrida das apontadas nulidades.

3 - Se ao apelante assiste o direito a ser ressarcido dos danos derivados da efectivação da penhora

Peticionou o executado a condenação do exequente, ao abrigo do preceituado no artº 819º do C. de Proc. Civil, a pagar-lhe uma indemnização de € 1.500,00, sendo € 1.000,00 a título de danos não patrimoniais sofridos com a realização pouco discreta da penhora, em hora de funcionamento do estabelecimento, o que terá originado perguntas incómodas por parte de alguns clientes e funcionários; e € 500,00 por se ter visto obrigado a desmarcar algumas consultas para se deslocar ao Banco, ao Tribunal e ao escritório do seu Advogado, no que diz ter perdido, pelo menos, dois dias de trabalho.

A sentença recorrida julgou improcedente este pedido. E bem, há que reconhecê-lo.

De acordo com o referido artº 819º, “procedendo a oposição à execução sem que tenha tido lugar a citação prévia do executado, o exequente responde pelos danos a este culposamente causados …”.

A incorrência naquela responsabilidade depende da verificação cumulativa de uma tríplice ordem de requisitos: a) que a penhora tenha sido efectuada sem a citação prévia do executado; b) que o executado haja deduzido oposição à execução, imputando ao exequente uma conduta dolosa ou com negligência grosseira, tendente a causar-lhe danos ou prevendo a possibilidade desse resultado; c) que o juiz não só acolha os fundamentos invocados na oposição, como, além disso, reconheça que o exequente agiu sem a prudência normal exigível[10].

Ora, como é evidente e resulta da sentença recorrida, cuja fundamentação neste ponto se perfilha, não se mostram preenchidos no caso presente, de forma manifesta, estes dois últimos requisitos. Desde logo, a oposição não procedeu na sua totalidade, mas apenas em parte. Além disso, não decorrem dos factos provados que o exequente tenha causado danos ao executado e muito menos de forma culposa.

A execução prossegue, ainda que em menor medida da que o exequente pretendia, e a penhora tem inteira justificação. Não faz, por isso, qualquer sentido invocar prejuízos decorrentes de uma penhora que, não obstante a parcial procedência da presente oposição, sempre tem justificação bastante. É o próprio apelante a reconhecer que está em dívida com o apelado. Só que por quantia menor àquela que veio a ser reconhecida na sentença recorrida.

Improcede, pois, também aqui, a apelação.

3 - A litigância de má fé

O apelante pugna pela condenação do apelado, enquanto litigante de má fé, em multa e numa indemnização condigna.

A sentença recorrida, debruçando-se sobre a questão da má fé invocada pelo ora apelante, concluiu pela respectiva improcedência. E tal decisão também não merece censura.

De acordo com o disposto no artº 456º, n.º 2, als. a), b), c) e d) do C. de Proc. Civil, diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

O que prescreve este artigo constitui o reverso do dever de cooperação aflorado nos artºs 266º e 266º-A, do referido código. As partes devem agir de boa fé e cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.

Ora, salvo o devido respeito por entendimento diverso, não vemos que ressaltem dos autos elementos bastantes que permitam concluir ter o apelado conscientemente deduzido pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, alterado a verdade dos factos ou feito do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade ou entorpecer a acção da justiça.

É certo que o apelado deduziu uma execução por determinado montante, o qual veio, com o julgamento da oposição, a revelar-se insubsistente em parte, de modo que foi reduzida a quantia exequenda. Mas isso não faz incorrer, sem mais, o apelado na situação de litigante de má fé.

É que, não obstante o dever geral de probidade, imposto às partes pelo citado artº 266.º, a litigância de má fé pressupõe, para além do mais, a violação da obrigação de não fazer do processo um fim manifestamente reprovável. «Não basta, pois, o erro grosseiro ou culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição conscientemente infundada», de tal modo que a «simples proposição da acção ou contestação, embora sem fundamento, não constitui dolo, porque a incerteza da lei, a dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, podem levar as consciências mais honestas a afirmarem um direito que não possuem ou a impugnar uma obrigação que devessem cumprir; é preciso que o autor faça um pedido a que conscientemente sabe não ter direito; e que o réu contradiga uma obrigação que conscientemente sabe que deve cumprir»[11].

Ora, não emerge dos autos que o apelado se propusesse alcançar um fim ilegal, impedir a descoberta da verdade ou entorpecer a acção da justiça.

O apelado, ao deduzir o seu requerimento inicial da execução, podia estar convencido de que os factos aí invocados eram verdadeiros, tanto mais que os fez suportar nos títulos exequendos. A circunstância de, em sede de oposição, se vir a demonstrar que a quantia exequenda não era a que ele indicava, mas uma quantia inferior, não implica que ele estivesse a alegar factos que sabia serem falsos.

Como refere a sentença recorrida, o exequente “se limitou a utilizar de forma juridicamente errada os títulos executivos que possuía, tendo-se, no entanto, provado que este é credor do executado de quantia equivalente à quantia peticionada na presente execução, sem que contudo tenha junto título executivo que pudesse atestar tal, sendo que é o título executivo que estabelece os limites da execução”.

Improcedem, assim, as conclusões da alegação do recorrente, pelo que a douta sentença recorrida terá de se manter.


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Sumário:

1 - A incorrência do exequente em responsabilidade civil pelos danos culposamente causados ao executado, nos termos do artº 819º do C.P.C., depende da verificação cumulativa de uma tríplice ordem de requisitos: a) que a penhora tenha sido efectuada sem a citação prévia do executado; b) que o executado haja deduzido oposição à execução, imputando ao exequente uma conduta dolosa ou com negligência grosseira, tendente a causar-lhe danos ou prevendo a possibilidade desse resultado; c) que o juiz não só acolha os fundamentos invocados na oposição, como, além disso, reconheça que o exequente agiu sem a prudência normal exigível;

2 - Não age com culpa o exequente que dá determinado valor à execução, baseado em letras de câmbio que junta, vindo a quantia exequenda a ser reduzida, em decorrência da parcial procedência da oposição deduzida;

3 - Não deve ser condenado como litigante de má o exequente pelo simples facto de, na sequência do julgamento da oposição à execução, vir a ser reduzida a quantia exequenda constante do requerimento inicial da execução.


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DECISÃO

Nos termos expostos, decide-se julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.

Custas pelo apelante.

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Emídio Costa ( Relator )
Gonçalves Ferreira
Virgílio Mateus


[1] Rectificou-se o erro de concordância, já que na sentença ficou a constar «referida».
[2] O pronome «que» está aqui deslocado.
[3] Também o «que» se mostra aqui deslocado.
[4] Mais uma vez, o «que» está deslocado.
[5] B.M.J. n.º 241º, 344.
[6] C.P.C. Anotado, vol. 5º, 141.
[7] C.P.C. Anotado, 20ª ed., 925.
[8] C.P.C. Anotado, 5º, 54.
[9] Vide, por todos, o Ac. do S.T.J. de 25/2/97, B.M.J. n.º 464º, 464.
[10] Vide Abílio Neto, CPC Anotado, 20ª ed., 1240.
[11] Alberto dos Reis, CPC Anotado, 2º, 263.