Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
158/10.0T2AVR-A.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARVALHO MARTINS
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
DANO APRECIÁVEL
Data do Acordão: 11/08/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - AVEIRO - J DO COMÉRCIO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.396, 397 CPC, 58, 63, 248 CSC
Sumário: 1. O procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais ( art.396 CPC ) depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (1) ser o requerente sócio da sociedade que a tomou; (2) ser essa deliberação contrária à lei ou ao pacto social e (3) resultar da sua execução dano apreciável.

2. O primeiro requisito constitui pressuposto da legitimidade activa e os dois restantes são elementos integrantes da causa de pedir.

3. A qualidade de sócio e a ilegalidade da deliberação bastam-se com um mero juízo de verosimilhança, mas, quanto ao “dano apreciável”, exige-se, pelo menos, uma probabilidade muito forte da sua verificação.

4. Por sócio tem de entender-se, naturalmente, aquele que já o era no momento da deliberação impugnada e conserva esta qualidade ao tempo da impugnação.

5. A exigência legal de demonstração de que a execução da providência pode causar “dano apreciável” reclama a alegação de factos concretos que permitam aferir da existência dos prejuízos e da correspondente gravidade.

6. O “dano apreciável” não é toda ou qualquer possibilidade de prejuízo que a deliberação ou a execução em si mesmas comportam, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora da acção de anulação, pois a providência cautelar visa prevenir o “periculum in mora”, ou seja, acautelar a utilidade prática da sentença de anulação da deliberação social contra o risco da duração do respectivo processo.

7. O dano apreciável” tanto pode referir-se a danos morais, como a danos patrimoniais, sejam eles da sociedade ou dos sócios.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

Requerente: P (…)

Requerida: J (…) & Ca., Lda..

Procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, visando as deliberações da R. de 30/10/2009 que aprovaram a destituição com justa causa do gerente J (…) da gerência da R. e a nomeação de (…) como novo gerente.

Fundamentos do pedido: A) O requerente, apesar de titular de quota representativa de 50% do capital da R., a notária que o acompanhava e sua ajudante foram impedidos de participarem na assembleia de 30/10/2009, tendo as deliberações sido aprovadas apenas com os votos favoráveis de (…) titular de quota representativa de 25% do capital social.

B) Ocorreu falsificação da acta onde foram lavradas as deliberações e que serviram de base ao seu registo, já que essa acta (n°23) não consta do verdadeiro livro de actas da R..

C) O gerente destituído tem sido a alma da gestão rigorosa da R., ao passo que o gerente nomeado não tem competência para o exercício de tal cargo.

D) Mais, em função do volume de negócios da R., tem depositada a quantia de € 130.000,00, gerando no seu dia-a-dia vários milhares euros de receitas, tendo o A. legítimo receio de que, não sendo suspensas as deliberações em causa, o sócio Dr. (…), em conluio com o pai e com a recém-nomeado gerente, retirem os dinheiros depositados e destruam a empresa.

Fundamentos da contestação: A) Ilegitimidade do A., por não ser sócio da R., pois a alegada aquisição de 50% da quota não foi consentida pela R., em violação do seu pacto social.

B) Ineptidão da petição inicial, por não terem sido alegados factos de onde se infira que a execução da deliberação possa causar dano apreciável à R..

C) A alegada cedência da quota de 50% por parte do sócio (…) ao A. foi simulada, por não corresponder à vontade real dos outorgantes, que antes tiveram a intenção de evitar as deliberações em causa, porquanto o primeiro estaria impedido de votar, simulando a cessão para que o A. participasse na assembleia e impedisse a aprovação das deliberações.

D) Caso assim não se entenda, essa cessão consubstancia fraude à lei, porque efectuada com o conhecimento de que, com ela, se ultrapassava o impedimento de voto do sócio (…).

E) No dia designado para a realização da assembleia, pelas 9:15 horas, foi entregue na sede da R., a mando do gerente J (…), um dos livros de actas numerado e selado da R..

F) Impossibilidade de suspensão das deliberações em causa por terem sido já executadas, ou seja, devidamente registadas.

G) O sócio J (…) tem actuado permanentemente em violação da lei e do pacto social, omitindo elementos essenciais ao gerente (…) recusando-se a reunir com ele, dirigindo sozinho todas as questões da sociedade, com prejuízos para esta, não apresentando as contas dos exercícios de 1997 a 2007, a não ser na sequência de acção judicial, na qual as contas não foram aprovadas.

H) Por isso, não existe qualquer dano com a eventual não suspensão das deliberações em causa.

1) Acresce que os gerentes (…) e (…) são pessoas idóneas para o cargo.

*

Ao A. foi concedida a possibilidade de se pronunciar sobre as excepções invocadas na oposição, o que fez por articulado de fls. 180 e segs., no qual, em suma, alegou que: A) O mandato forense conferido pela R. é irregular, por ter sido assinado por (…)..

B) A cessão de quotas não é eficaz para com a sociedade enquanto não for consentida por esta, a não ser que se trate de cessão entre cônjuges, ascendentes, descendentes ou entre sócios, sendo que estes não devem considerar-se estranhos, para efeitos de interpretação do pacto social da R., acrescendo que a cessão foi transmitida à R..

C) Não há fundamento para a ineptidão da petição inicial, nos termos do art. 193.° do CPC.

D) Os presentes autos não são o meio processual próprio para suscitar a simulação, que terá de ser arguida em acção própria e no tribunal competente. A doação da quota, para além disso, correspondeu à vontade real dos outorgantes.

E) O registo das deliberações não impede a apresentação e procedência do pedido de suspensão da sua execução.

*

Por decisão de 1/2/2010, foi julgado regular o mandato outorgado pela R. e a providência cautelar foi julgada manifestamente improcedente, em síntese, porque as deliberações haviam já sido registadas.

O Ac. do TRC de 11/5/2010 revogou a referida decisão, na parte que julgou o procedimento cautelar improcedente.

Oportunamente, foi proferida decisão onde se consagrou que

Pelo exposto, julgando procedente o procedimento cautelar, o Tribunal decide suspender a execução das deliberações tomadas na assembleia geral da R. de 30/10/2009.

Custas pela R., a atender na acção principal, fixando-se o valor da acção no montante indicado na petição inicial (arts. 446.° e 453.°/2 do CPC).

J (…) & Cª LDA, não se conformando com a sentença que decretou a providência cautelar, dela veio interpor recurso de apelação, alegando e concluindo que

(…)

P (…), A devidamente identificado nos autos supra referidos, veio, por sua vez, interpor recurso subordinado da sentença proferida, alegando e concluindo que:

(…)

Não foram produzidas contra alegações.

II. Os Fundamentos:

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida:

1)      Segundo resulta da certidão do registo comercial, o A. é sócio da R., sendo detentor de uma quota com o valor nominal de € 12.469,95, correspondente a 50% do capital social dela, sendo os restantes sócios (…) e filho, (…), cada um detentor de uma quota representativa de 25% do capital social da R..

2) Com data de 25/5/2010, foi registada a transmissão da quota pertencente ao gerente (…)  a favor do seu filho, (…).

3) A R. obriga-se com a assinatura de ambos os gerentes, sendo a gerência, desde 1973, assegurada por (…) e (…).

4) Por carta de 14/10/2009, foi convocada, a pedido do sócio Dr. (…), a realização de assembleia-geral extraordinária da R., para o dia 30/10, na sede da R., com a seguinte ordem de trabalhos:

a) Deliberar sobre a destituição com justa causa do gerente J (…) da gerência da R.;

b) Nomeação de um novo gerente a indicar pelos sócios na Assembleia-Geral.

5) Com data de 21/10/2009, J (…) declarou ceder gratuitamente a quota de que é titular na R. ao A., que declarou aceitar a cessão, nos termos que constam de fls. 24ss dos autos e cujo teor restante se dá por reproduzido.

6) A transmissão foi no mesmo dia inscrita no registo comercial da R..

7) No dia seguinte, o A. comunicou à R., na pessoa dos dois gerentes, a referida transmissão de quota.

8) Na mesma data (22/10/2009), o A. informou a R., na pessoa dos dois gerentes, que requeria a presença na referida assembleia da Sr. Dra. (…), a fim de que a acta fosse lavrada por notário.

9) À hora marcada para a realização da assembleia-geral, no dia 30/10/2009, o A., a referida Notária e sua Ajudante abeiraram-se das instalações da sede da R., pedindo ao Dr. (…) que lhes fosse facultada a entrada, a fim de participarem na assembleia.

10) No entanto, foram impedidos de entrarem na sede da A. e de participarem na assembleia pelo referido sócio, que se manteve no interior com a porta fechada à chave.

11) O A. pretendia participar nessa assembleia e aí votar contra as propostas de deliberação de destituição de gerente do seu pai, (…), e de nomeação de novo gerente.

12) O Dr. (…) permaneceu nas instalações da R. e aí realizou, sozinho, sem a presença ou a representação de qualquer outro sócio, a assembleia geral em causa, votando a aprovação das deliberações de destituição do gerente J (…), com invocação de justa causa, e de nomeação de (…) como novo gerente, nos termos da designada acta n°23, cuja cópia certificada consta a fls. 49ss e cujo teor restante se dá por reproduzido.

13) Com base em fotocópia certificada dessa acta, foi requerido e realizado o registo das citadas deliberações.

14) No entanto, a referida acta não consta do livro de actas da R., junto por linha aos presentes autos, nem constava no dia 29/10/2009, sendo que nesse livro constam as actas n°22 (de 31/3/2000), 24 (de 12/10/2001) a 28 (de 11/8/2009) e 29, conforme certificação inclusa a fls. 52ss, e cujo teor restante se dá por reproduzido, e o livro junto aos autos.

15) Como o livro de actas seria desnecessário no dia seguinte, atenta a presença prevista de Notária, ficou o mesmo nas instalações do mandatário do A..

16) No dia 30/10/2009, em resposta a solicitação do Dr. (…), o Dr. (…) nomeado representante legal da R. no processo 1207/08.8TBOVR, informou que o livro de actas da R. se encontra na posse da Notária Dra. (…), a fim de extrair públicas formas de todas as actas constantes do mesmo livro, a pedido do gerente (…).

17) J (…)  tem gerido com dedicação a R. desde a sua fundação.

18) Desde que o posto de abastecimento de combustíveis da R. passou a funcionar na Av. ..., é J (…) quem habitualmente aí se encontra, gerindo o estabelecimento e sendo regularmente o responsável pela sua abertura e encerramento.

19) A R. beneficia de contrato de distribuição de combustíveis e produtos associados com a K..., há cerca de 20 anos, e todos os contactos para a manutenção, renovação e promoção desse contrato sempre foram exclusivamente efectuados por J (…)

20) É J (…) quem, exclusivamente, nesse período, encomenda combustíveis à K..., confere entregas e vendas e procede aos respectivos pagamentos, tendo sido objecto de elogios por parte da K....

21) (…) trabalha na R. como lubrificador e lavador de carros, não tendo experiência e conhecimentos de gestão, sendo cunhado do (…), casado com uma sua irmã.

22) A R. no desenvolvimento da sua actividade, gera no seu dia-a-dia milhares euros de receitas

23) Segundo dispõe o art. 5.° do pacto social da R., A cessão total ou parcial de quotas a estranhos fica dependente do consentimento da sociedade, a qual reserva o direito de preferir.

24) (…) não deu consentimento à cessão de quota referida em 5).

25) E enviou ao A. uma carta, datada de 28/10/2009, na qual informava que não aceitava a eficácia da cessão de quotas, não o reconhecia como sócio e não aceitava a presença dele, e da notária que havia indicado, na assembleia geral.

26) Antes de 30/10/2009, o A. não participou, na qualidade de sócio, em qualquer assembleia geral da R..

27) A acta n°23, mencionada em 11), foi elaborada em livro de actas da R. que contém as actas n°1 a 24, nos termos da cópia apensa por linha aos presentes autos.

28) Em data não determinada, antes da assembleia de 30/10/2009, foi entregue ao Dr. (…) o referido livro de actas numerado e selado da R..

*

Não se provaram os restantes factos alegados, designadamente os que constam dos arts. 5, 17 e segs. (sobre a alegada simulação), 152, 157 a 163 e 170 da contestação, sem prejuízo da matéria acima considerada verificada, sendo os demais considerados irrelevantes para a decisão a proferir.

Nos termos do art. 684°, n°3, e 690°,n°1, do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n°2, do art. 660°, do mesmo Código.

Das conclusões, firmadas por J (…) & Cª LDA, ressaltam as seguintes questões:

1 — O pressuposto do justo e fundado receio de que outrem cause lesão grave e de difícil reparação aplica-se à suspensão das deliberações sociais.

Apreciando, diga-se - inequivocamente - que o direito societário é orientado pela preocupação de protecção das minorias perante a maioria e os seus instrumentos de poder. A lei procura compatibilizar o direito de impugnação de deliberações viciadas com as preocupações de segurança jurídica e de salvaguarda do normal funcionamento da instituição (Ac. RL, de 28.10.1993: Col. Jur., 1993, 5.°-103). Neste contexto, para efeito de suspensão de deliberações sociais, nos termos do art. 396.° do Cód. Proc. Civil de 67, basta um juízo de probabilidade no tocante à ilegalidade da deliberação, mas é necessário um juízo de certeza ou probabilidade muito forte quanto ao dano. Tal providência cautelar visa prevenir o “periculum in mora”, isto é, acautelar a utilidade prática da sentença de anulação da deliberação social contra o risco da duração do respectivo processo (Ac. STJ, de 19.1.1994: JSTJ00021664/ITIJNet).

Naturalmente que a exigência legal de demonstração de que a providência cautelar da suspensão de deliberações sociais pode causar dano apreciável exige a alegação de factos concretos que permitam aferir da existência dos prejuízos e da correspondente gravidade. Em conformidade, deve, pois, o tribunal exigir, a respeito deste requisito, a certeza, ou, pelo menos, a probabilidade muito forte e séria de que a execução da deliberação poderá causar prejuízo apreciável (Ac. RP, de 1.6.2001: JTRP00032495/ITIJ/Net).

 Em função, exactamente, de que o requerente de procedimento cautelar que formula um único pedido — suspensão das deliberações sociais tomadas em determinada assembleia geral — com base numa única causa de pedir, deduz uma única pretensão e coloca uma questão única a qual, para efeitos de recurso, é incindível, podendo a 2.° instância dela conhecer sem quaisquer limitações (Ac. STJ, de 17.6.1993: JSTJ000I9533IITIJ/Net).

Esta sendo a resposta à questão assim formulada em 1, servindo também de proposição para a análise das questões noemáticas que seguem.

2 — Face ao acordo de suspensão da instância por um período de meses efectuado, em data posterior à sentença proferida nos presentes autos, em 01.02.2010, que julgou manifestamente improcedente a providência cautelar, não se verifica o pressuposto do periculum in mora.

O n.° 1 do artigo 279.° do Código de Processo Civil dá ao juiz grande liberdade, podendo ordenar a suspensão quando entenda que há utilidade ou conveniência processual em que a instância se suspenda (Ac. STJ, de 9.6.1987: BMJ, 368.°-491). Situação que nos Autos se processou, como consagrado a pretexto de protestado ensaio de auto-composição de partes, in acto. Deste modo, suspensa a instância, os prazos judiciais deixam de correr e passam a poder só praticar-se os actos urgentes que se destinem a evitar dano irreparável (nomeadamente, produções antecipadas de prova e procedimentos cautelares: arts. 381-1, 382-1 e 520. Ver o lugar paralelo do art. 143-2), sem prejuízo da possibilidade da auto-composição do litígio (por desistência do pedido, confissão do pedido ou transacção) e da desistência da instância, quando não contrariem a razão justificativa da suspensão (Lebre de Freitas, CPC Anotado, Tomo 1º, 2ª edição, p. 549). Em todo o caso a pretexto do art. 283º CPC, a suspensão da instância apenas significa que ficam paradas as funções processuais que operavam (Ac. RC, de 26.4.1989: BMJ, 386.°-523), nesse interlúdio processual, reactivadas quando a marcha do processo se operou, gorado que foi o decisionismo voluntarista expresso. Nada mais senão isso. O que não faculta outro tipo de extrapolações judiciárias.

Esta sendo a resposta à questão com o nº2.

3 — Cabe ao requerente provar, de modo minimamente consistente, o montante, ainda que aproximado, dos danos que a providência visa prevenir.

4 — Da matéria dada como provada, não resulta a prova que a execução das deliberações impugnadas possa causar o dano apreciável quer para sociedade quer para o requerente.

O disposto no art. 396.° do Cód. Proc. Civil visa a obstar aos efeitos danosos da execução de uma deliberação, pelo que o que interessa não é, para os fins da providência, apenas o momento da execução da deliberação, mas a eventualidade dos danos que dessa execução advenham e esses podem produzir-se e continuar a produzir-se enquanto a deliberação se mantenha eficaz porque não suspensa. Assim, uma deliberação a destituir um gerente, se, quanto ao efeito constitutivo dessa qualidade e da “situação” é instantânea, não deixa de poder gerar danos também esparsos no tempo, o que pode suceder com a destituição aqui em causa. Só quando se não prova um dos requisitos da suspensão — a nocividade provável e de grau apreciável — da deliberação — não pode ser a mesma suspensa nos termos do art. 396.°, n.° 1 do Cód. Proc. Civil, não bastando os demais requisitos (Ac. STJ, de 16.5.1995: JSTJ00027410/ITIJ/Net e Col. Jur., 1995, 2.°-85).

Ora, circunstancialmente, tal como assinalado em decisório, verifica-se que -

 “(…) as deliberações foram aprovadas em reunião na qual foi impedido de participar o A., sócio da R. que na assembleia pretendia manifestar a sua posição sobre as propostas.

Esta situação configura violação de lei, visto que, nos termos do art. 248.°/5 do CSC, nenhum sócio pode ser privado, nem sequer por disposição do contrato, de participar na assembleia, ainda que esteja impedido de exercer o direito de voto.

Em consequência, segundo pensamos, as deliberações são anuláveis, mercê do disposto no art. 58.°/1, al. a), do CSC. Aliás, tal sempre seria de reconhecer, por maioria de razão, em face da disposição legal que comina de anulável a deliberação tomada simplesmente sem o prévio cumprimento integral do dever de informação (art. 58.°/1, al. c), do CSC).

Não sem deixar - não obstante - de apreciar, adequadamente, que:

 “A verificação deste vício torna inútil a apreciação dos demais invocados, mas sempre se justifica acrescentar que, a nosso ver, não é relevante a questão da falsidade da acta invocada pelo A., porquanto se apurou a existência de pelo menos dois livros de actas da R., sem atribuição prévia de carácter verdadeiro ou oficial a qualquer deles, não se vislumbrando face aos factos apurados violação ao disposto nos arts. 63.° e 56.°/1, al. d), do CSC”.

Dispondo o art. 36.° da Lei das Sociedades por Quotas que as deliberações dos sócios serão tomadas em assembleia geral, é da própria essência da formação da vontade social, e portanto de natureza imperativa, que à votação preceda discussão oral dos sócios e que os dois actos se efectuem na assembleia. Uma deliberação tomada depois de um dos sócios ter ficado impossibilitado, intelectual e fisicamente, de participar na assembleia e de tomar parte na discussão, está ferida de nulidade, nos termos do art. 280.° do Cód. Civil, por ser contrária a uma exigência da lei. Nesta conformidade, é lícito ao Tribunal da Relação tirar uma ilação de um facto conhecido para outro desconhecido, servindo-se das regras da experiência, desde que não contrarie frontalmente as respostas dadas aos quesitos (Ac. STJ, de 18-4-1985: BMJ, 346. °26). O que, na circunstância, se revelou conforme.

Em tais termos, continua a vincular serem pressupostos essenciais para o decretamento de providência cautelar: 1) que o requerente seja titular de um direito, ao menos em sede de verosimilhança ou probabilidade; 2) que haja justo receio de que alguém pratique factos susceptíveis de causar lesão grave e de difícil reparação a esse direito. O justo receio de lesão é matéria de facto da competência das Instâncias. Sobre deliberações sociais tomadas, pode todo aquele que se entender lesado, ou prejudicado, reagir através dos meios legais previstos especialmente para o efeito, usando os meios legais para prevenir hipotéticos receios (Ac. STJ, de 8.11.1995: JSTJ00028522IITIJINet).

E o que ressuma dos Autos é - por remissão intertextual expressiva que logrou comprovação - que

 “no caso dos autos, dois factores, extraídos dos factos apurados, conduzem-nos a considerar que este requisito também está verificado.

Por um lado, a importância que J (…) tem mostrado na condução dos negócios da R., conforme se provou, mostram que, sem a sua presença, a sociedade corre o risco de entrar em situação de desvalorização acentuada e até grave ruptura. Por outro lado, a instituição da gerência nos termos que resultaram da assembleia de 30/10/2009 aponta para um iníquo desequilíbrio na posição dos sócios quanto à gerência, com manifesto prejuízo para os interesses do A. e iníqua vantagem para os direitos do gerente (…) e do sócio Dr(…).

Neste sentido, é fundado o receio de que, com a execução das deliberações, estas pessoas possam aproveitar-se das receitas da R., em benefício próprio e contra os interesses da sociedade.

De outro passo, é nosso entendimento que as circunstâncias invocadas pela R. a respeito da actuação de J (…) para além de não demonstradas na íntegra, não contendem com a verificação dos requisitos de procedência do procedimento, desde logo porque, sob a sua gestão, a R. mantém-se com um valioso activo e em pleno exercício da sua actividade comercial. De modo que, se algum acto em particular praticado por J (…) for considerado lesivo pelo outro gerente ou pelo sócio Dr. (…) apenas justificará a instauração de processo judicial para a sindicância de tais actos”.

Assim, pois que a deliberação pela qual se elegeram os membros dos órgãos sociais da sociedade requerida, porque a situação criada perdura no tempo, é susceptível de poder gerar danos enquanto não for suspensa. Podendo, pois, sempre, essa deliberação ser objecto da providência cautelar da sua suspensão.

Quanto ao requisito de a execução poder causar dano apreciável, não tem o tribunal de formular um juízo de certeza, bastando um juízo de verosimilhança. A suspensão da deliberação só não procederia se não fossem alegados e provados factos que demonstrassem a danosidade da execução dessa deliberação (Ac, RP, de 12.2.1996: Col. Jur., 1996, 1 .°- 19, JTRP0001t894/ITIJ/Net), bem ao invés do que aconteceu e se fixou em decisório.

Como de resto não podia deixar de ser, em função da prova produzida, que não vem factual e pontualmente controvertida. Em termos que se estribaram, evidenciadamente, confirmados pelo Tribunal da Relação, na circunstância de:

“Para formar a sua convicção sobre a factualidade apurada, o Tribunal teve em consideração, com o sentido julgado apurado, a prova documental junta aos autos, cujo teor e veracidade não suscitaram dúvidas, em conjugação com a prova pessoal produzida em audiência.

Assim, com o sentido, no essencial, considerado demonstrado, depuseram (…), nomeado representante especial da R. em acções de prestação de contas, (…) notária identificada nos factos provados, (…), sua ajudante, (…), advogado, cliente da R. e amigo do pai do requerente, (…), TOC da R., (…)funcionária da referida notária, (…), amigo do A. e que acompanhou a situação da empresa, e (…), operadora de caixa do estabelecimento de venda de combustíveis da R..

A testemunha (…) não denotou conhecimento preciso dos factos, ao passo que o depoimento de (…), na parte em que desacompanhado de outras provas e na parte em que divergiu dos factos considerados verificados, não foi considerado suficiente para formar a convicção do julgador”.

De resto, como escrevem Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, “a Relação não procede à reconstrução ex-novo dos factos em torno dos quais gravita o litígio, antes verifica se, na reconstituição da espécie de facto, não foram violadas, pelo decisor do tribunal a quo, regras de avaliação prudencial (Dos Recursos, pág. 258) - sobre o tema, e no mesmo sentido, podem ver-se os acórdãos do STJ, de 30.04.2002, 25.06.2002 e 14.03.2006 (o primeiro em www.dgsipt — Processo n.°02A4324 — e os restantes na CJ de Acórdãos do Supremo, Ano X, Tomo II, pág.

Verifica-se, assim, que o tribunal apreciou livremente as provas e respondeu segundo a convicção que formou acerca de cada facto, tudo em harmonia com o disposto no art. 655° do Cód. Proc. Civil. Isto porque o regime de prova é dominado pelo princípio da prova livre o tribunal aferir livremente as provas; em qualquer circunstância, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador. Deste modo, pois que o julgador não é arbitrário na apreciação das provas pericial e testemunhal, mas é, legalmente até, livre, na apreciação desses meios probatórios.

A decisão mostra-se, do mesmo modo, conforme ao dictat do que se consigna no a 659°, do CPC, maxime, no seu n°3, pois na fundamentação da sentença, imperativamente, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhé cumpre conhecer. O que, igualmente, observações feitas, se mostra observado.

Demais, o ónus da prova (art. 342° Código Civil) traduz-se, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta. Assim, exactamente, pois que todos os elementos considerados deficitários, alegadamente inconsiderados, pelo recorrente, foram levados em conta, na decisão proferida.

De tudo se podendo inferir, conclusivamente, que tem interesse para prevenir o periculum in mora a suspensão da execução de uma deliberação que destitui um gerente (Ac. RE, de 30.5.1996: BMJ, 457.°-471).

Esta sendo a resposta às questões com os nºs 3 e 4.

5- A suspensão só pode ser decretada, quando não tenha havido execução plena da deliberação e que a mesma, mesmo em caso de execução continuada, não envolva terceiros.

6 - O novo gerente, (…), era trabalhador da recorrente, aceitou a nomeação e praticou diversos actos de gerência e não foi demandado no presente procedimento cautelar e por isso a respectiva nomeação de deliberação não poderia ser suspensa.

Na sequência do que se vem expondo, configura-se como absolutamente incontroverso que tem legitimidade para requerer a suspensão de deliberações sociais de associações ou sociedades apenas quem tiver a qualidade de sócio, desde que, além disso, se mostrem preenchidos dois requisitos de carácter positivo: tratar-se de deliberação ilegal ou anti-estatuária e poder advir dano apreciável da imediata execução da deliberação em causa. Não são de considerar todos os prejuízos que possam decorrer das eventuais delongas na obtenção da decisão anulatória, mas apenas os que possam emergir do facto de, no decurso do respectivo processo, se adoptar qualquer procedimento de carácter executivo; isto é quaisquer actos complementares da deliberação, eventualmente necessários para que se produza o particular efeito jurídico pela mesma visado e, ainda, dos actos a cuja prática os administradores (gerentes) ficam vinculados, logo que produzido (imediata ou mediatamente) esse especial efeito jurídico. A exigência legal de demonstração de que a execução da providência pode causar dano apreciável reclama a alegação de factos concretos que permitam aferir da existência dos prejuízos e da correspondente gravidade. O tribunal deve exigir, a respeito deste requisito a certeza, ou pelo menos uma probabilidade muito forte e séria de que a execução da deliberação poderá causar dano apreciável (Ac. STJ, de 4.5.2000: JSTJ00040783/ITIJ/Net). O que, como se demonstrou, aconteceu.

Ou seja, de novo a insistir, que, de harmonia com o disposto no art. 396.°, n.° 1, do CPC, a suspensão da execução de deliberações sociais depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: ser o requerente sócio da sociedade que a tomou; ser essa deliberação contrária à lei ou ao pacto social e resultar da sua execução dano apreciável. O primeiro requisito constitui pressuposto da legitimidade activa e os dois restantes são elementos integrantes da causa de pedir. A qualidade de sócio e a ilegalidade da deliberação bastam-se com um mero juízo de verosimilhança, mas, quanto ao dano apreciável, exige-se, pelo menos, uma probabilidade muito forte da sua verificação. Por sócio tem de entender-se, naturalmente, aquele que já o era no momento da deliberação impugnada e conserva esta qualidade ao tempo da impugnação. Não mais do que isso.

 Por outro lado, dano apreciável não é toda ou qualquer possibilidade de prejuízo que a deliberação ou a execução em si mesmas comportam, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora da acção de anulação, pois que não faria sentido que o legislador desse relevo, para efeitos da concessão da providência cautelar, à eventualidade de danos diferentes dos originados pelo retardamento da sentença a proferir naquela acção. O juízo sobre a existência ou a gravidade do dano, assente nos factos provados, envolve apreciação da matéria de facto (Ac. STJ, de 20.5.1997: BMJ, 467.°-529, e JSTJ00031852IITIJINet), fixada e determinante nos termos referidos.

No mais, sempre acresceria que, nos termos do art. 26.° do Cód. Proc. Civil, são considerados titulares dos interesses relevantes para efeitos de legitimidade, na falta de indicação da lei em contrário, os sujeitos da relação material controvertida tal como é configurada pelo autor, atendendo fundamentalmente à substância do pedido formulado e à concretização da causa de pedir. Tanto mais que as pessoas físicas que têm a seu cargo decidir e actuar pelas pessoas colectivas são verdadeiros órgãos e não simples representantes dos entes jurídicos, identificando-se com estes tão completamente que os actos por elas praticados dentro dos limites da sua competência se consideram actos das próprias pessoas colectivas (Ac. STJ, de 15.6.1994: BMJ, 438.°-383), e Col. Jur./STJ, 1994, 2.°-148).

O que converte em mera sistemática irrelevante a conteúdo das alegações a este pretexto formuladas, atribuindo resposta negativa às questões em 5 e 6 formuladas.

7 - Não se mostram provados e verificados os requisitos para a suspensão das deliberações sociais em questão.

8 - Violou a douta Sentença recorrida os preceitos do art°. 387° e 396° n° 1, do Código de Processo Civil.

Na providência cautelar de suspensão de deliberações sociais cabe ao requerente oferecer, com o requerimento inicial, as provas atinentes à demonstração da existência de “dano apreciável”, como foi feito e comprovado. Assim, tendo em conta a materialidade dada por provada e os seus termos de sustentação, é exactamente o contrário do que se questiona que sai evidenciado.

Nesta conformidade, as deliberações de destituição do requerente do cargo de gerente a sua substituição por outro não são, por si só, causadoras de um “dano apreciável” na esfera jurídica do requerente ou da requerida, tanto mais que esta só se obriga com as assinaturas de dois gerentes (Ac. RC, de 10.12.2002: JTRCO1861/ITIJ/Net). Mas antes com as demais envolventes configuradas, com destaque para a assinalada circunstância - de novo trazida à colação de ser:

 “(…) fundado o receio de que, com a execução das deliberações, estas pessoas possam aproveitar-se das receitas da R., em benefício próprio e contra os interesses da sociedade (…)”.

Tanto mais que, num procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, a correr pelo Tribunal de Comércio, o “dano apreciável” exigível como requisito para que a suspensão seja decretada, tanto pode referir-se a danos morais, como a danos patrimoniais, sejam eles da sociedade ou dos sócios. Tendo sido invocados factos que podem revelar a existência de tal dano apreciável não pode o requerimento cautelar ser indeferido (Ac. RP, de 7.3.2005: JTRP00037793.dgsi.Net).

O que, do mesmo modo, atribui resposta negativa às questões com os nºs 7 e 8.

III. A Decisão:

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC.

*

No que respeita ao interposto recurso subordinado interposto por P (…), A., consigne-se pressuponentemente, que, na emergência do art. 682º CPC (recurso independente e recurso subordinado), quando conhecer do objecto do recurso principal — e tal assim quer o julgue procedente, quer o julgue improcedente —, o tribunal de recurso deve apreciar também o recurso subordinado (Ac. STJ, de 7.4.2005: Proc.05B205.dgsi.Net). Isto, no pressuposto de que, tendo ficado parcialmente vencidas na acção ambas as partes, interposto recurso principal por uma delas, pode a outra, em vez de se limitar a contraditar a argumentação desenvolvida pela recorrente, interpor recurso (subordinado) quanto à parte da decisão que lhe foi desfavorável. Em tal situação, o tribunal superior reaprecia, na sua totalidade, a decisão impugnada (Ac. STJ, de 9.3.2004: Proc. 0254675.dgsi.Net). Não havendo como arredar que o recurso subordinado pressupõe que as partes recorrentes tenham ficado vencidas, ou seja, que houve uma sucumbência (recíproca) das partes, quer total quer parcial (Ac. RC, de 21.12.2004: Proc. 3314/04.dgsi.Net).

Ora, como já destacado, na decisão proferida consagrou-se que:

 “Pelo exposto, julgando procedente o procedimento cautelar, o Tribunal decide suspender a execução das deliberações tomadas na assembleia geral da R. de 30f10/2009.

Custas pela R., a atender na acção principal, fixando-se o valor da acção no montante indicado na petição inicial (arts. 446.° e 453.°/2 do CPC)”(!..).,

Sem que se revele explícita tal sucumbência (recíproca) das partes, quer total quer parcial. Sendo que o n.° 1 do art. 682º CPC prevê o decaimento de autor e réu (decaimento recíproco ou inverso, na terminologia de CARNELUTTI: ALBERTO DOS REIS, CPC anotado cit., V, p. 285), a ambos permitindo o recurso.

Em todo o caso, há duas possibilidades de interposição de recurso nestes casos: ou ambas as partes interpõem recursos independentes, no prazo do art. 685º, tendo cada um deles autonomia, embora sejam processados em conjunto, ou apenas uma interpõe recurso principal e a outra, notificada da sua admissão, decide também interpor recurso, o qual fica dependente do primeiro na medida em que só é conhecido pelo tribunal ad quem se ele tomar conhecimento do recurso principal (Lebre de Freitas, CPC Anotado, Volume 3º, Tomo I, 2ª edição, pp. 34-35).

Isto dito, e não obstante, das conclusões, firmadas por P (…) A., a pretexto do interposto recurso subordinado

 (das quais haverá de dizer-se - em nome do rigor que sempre há que colocar na hipótese de trabalho judiciário sub judice -, que desenvolvem - de forma profusa e tautológica pontos de apreciação, sem levar em devida conta que, justamente, por conclusões se entendem “as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação” (Alberto dos Reis, CPC Anot., 5.°-359). E, sobretudo, que «as conclusões consistem na enunciação, em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento do recurso. Com mais frequência do que seria para desejar vê-se, na prática, os recorrentes indicarem como conclusões, o efeito jurídico que pretendem obter com o provimento do recurso, e, às vezes, até com a procedência da acção. Mas o erro é tão manifesto que não merece a pena insistir neste assunto. Se as conclusões se destinam a resumir, para o tribunal ad quem, o âmbito do recurso e os seus fundamentos, pela elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões porque devem ser decididas em determinado sentido, é claro que tudo o que fique para aquém ou para além deste objectivo é deficiente ou impertinente (Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 30, 299) -

- , emergem prospectivamente, as seguintes questões elencadas, na sua formulação originária, de parte, a considerar na sua própria matriz:

1. O art°. 397ºN°. 3 do CPCivil determina que “ partir da citação e, enquanto não for julgado em primeira instância o pedido de suspensão, não é lícito à associação ou sociedade executar a deliberação impugnada..

2. Portanto, estando a decisão referida pela Recorrente em recurso, continuava a aplicar-se o disposto no art°. 397º, n°. 3 do CPCivil, estando suspensa a execução das deliberações sociais em causa.

Apreciando, também, e na sequência do que anteriormente se explanou, continua a vincular, na abrangência do art. 397º CPC (contestação e decisão) para ser decretada a suspensão de uma deliberação social, necessário se toma, além do mais, a demonstração da certeza ou probabilidade muito forte de dano eminente, bem como da medida e extensão que permitam avaliá-lo como apreciável. O normativo inserto no art. 396.°, n.° 1, do C.P.Civil, não dispensa a verificação de danos, nem faz presumir a sua existência, antes impondo ao requerente o ónus de alegação e prova de que a suspensão da deliberação constitui o único meio para impedir a verificação de um «dano apreciável» (Ac. RL, de 122.2004: Proc. 270/2004-8.ITIJ.Net). O que foi satisfeito e dimensionado nos termos validados do probatório.

Ou seja, a suspensão de deliberações sociais é um meio de acautelar a utilidade prática da sentença de anulação contra o risco derivado da duração do respectivo processo. Para que ao julgador se coloque, nos termos do n.°3 (2.° parte) do art. 397.° do CPC, a questão de deixar de suspender a deliberação, não obstante o seu carácter ilegal ou anti-estatutário, é mister que estejam verificados os requisitos de que depende a suspensão, e, designadamente, que esteja demonstrado que da execução da deliberação pode resultar dano apreciável (Ac. RL, de 28.10.1993:JTRL00012661/ITlJ/Net, e Col. Jur-., 1993, 5.°-106). Como, in casu, aconteceu.

Configurando-se como impostergável que o procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, quanto ao direito invocado pelo requerente — ilegalidade das deliberações — o tribunal deve pautar a sua decisão por um juízo de simples probabilidade, mas quanto à verificação do dano — periculum in mora — terá que actuar de acordo com um juízo de certeza ou, pelo menos, de probabilidade muito forte (Ac. STJ, de 11.1.2001, P. s 3487100-7.°: Sumários, 47.°). Lá, exactamente, onde se fez consignar - e, aqui, igualmente, haverá que destacar:

 “Neste sentido, é fundado o receio de que, com a execução das deliberações, estas pessoas possam aproveitar-se das receitas da R., em benefício próprio e contra os interesses da sociedade”.

Continuando a vincular, depois de tudo, que é à decisão proferida e não aos seus fundamentos que se deve atender para saber se a parte ficou vencida, para ter legitimidade para recorrer (Ac. RL, de 14.10.1993: Col. Jur,, 1993, 4.°-149).

O que responde afirmativamente às questões em 1 e 2.

3. Com base na suspensão da instância, não pode a Recorrente afirmar que ela afastou o “periculum in mora”.

Naturalmente! Ou como supra já se apreciou, a pretexto do art. 283º CPC, a suspensão da instância apenas significa que ficam paradas as funções processuais que operavam (Ac. RC, de 26.4.1989: BMJ, 386.°-523).

Atribuindo resposta afirmativa à questão em 3.

4.

20)É J (…) quem, exclusivamente, nesse período, encomenda combustíveis à K..., confere entregas e vendas e procede aos respectivos pagamentos, tendo sido objecto de elogios por parte da K....

21)(…) trabalha na R. como lubrificador e lavador de carros, não tendo experiência e conhecimentos de gestão, sendo cunhado do Dr. (…), casado com uma sua irmã.

22)A R. no desenvolvimento da sua actividade, gera no seu dia-a-dia milhares de euros de receitas....”

A este respeito, o que vincula, e a esse título se revela impressivo, é que esse é o elemento redactorial considerado provado em termos factuais no decisório e que, agregadamente, serviu de esteio à orientação da sentença, com o alcance que lhe é implícito.

Sendo essa a resposta à questão com o nº4.

5.

 22.A Recorrente confunde o acto de execução de uma deliberação com o acto do seu registo.

23.A conceder-se no acerto do alegado pela Recorrente, o procedimento cautelar de suspensão das deliberações sociais deixaria de ter qualquer interesse prático.

Sob este aspecto, pode dizer-se que quem pergunta… já responde com a citação que convoca, necessariamente abrangente e alcançável:

“A deliberação social que destitui um gerente de uma sociedade comercial é susceptível de suspensão, pois não é um acto de execução espontânea...” (Ac. Do STJ de 29.06,1993, in Col. Jur. - Acordão do Supremo, 1993 Tomo 2 pág. 169).

A configurar, do mesmo modo, como afirmativa a resposta à questão em 5.

Podendo, deste modo, concluir-se, sumariando, que:

1. Na abrangência do art. 397º CPC (contestação e decisão) para ser decretada a suspensão de uma deliberação social, necessário se toma, além do mais, a demonstração da certeza ou probabilidade muito forte de dano eminente, bem como da medida e extensão que permitam avaliá-lo como apreciável. O normativo inserto no art. 396.°, n.° 1, do C.P.Civil (pressupostos e formalidades), não dispensa a verificação de danos, nem faz presumir a sua existência, antes impondo ao requerente o ónus de alegação e prova de que a suspensão da deliberação constitui o único meio para impedir a verificação de um «dano apreciável». O que foi satisfeito e dimensionado nos termos validados do probatório.

2. Ou seja, a suspensão de deliberações sociais é um meio de acautelar a utilidade prática da sentença de anulação contra o risco derivado da duração do respectivo processo. Para que ao julgador se coloque, nos termos do n.°3 (2.° parte) do art. 397.° do CPC, a questão de deixar de suspender a deliberação, não obstante o seu carácter ilegal ou anti-estatutário, é mister que estejam verificados os requisitos de que depende a suspensão, e, designadamente, que esteja demonstrado que da execução da deliberação pode resultar dano apreciável. Como, in casu, aconteceu.

III. A Decisão:

Pelas razões expostas, concede-se provimento ao recurso subordinado interposto, confirmando-se, para este efeito e nestas específicas circunstâncias, a decisão recorrida.

Sem Custas.

António Carvalho Martins ( Relator )

Carlos Moreira

João Moreira do Carmo