Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
246/09.6GCVIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUIS RAMOS
Descritores: CADUCIDADE DO TÍTULO DE CONDUÇÃO PROVISÓRIO
Data do Acordão: 12/15/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 124º E 130º DO CEº E 292º ,Nº1 DO CP
Sumário: O título de condução provisório caduca relativamente a todas as categorias e subcategorias de veículo nele averbadas quando no período da sua validade o seu titular tenha sido condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo artigo 292º, nº1 do CP.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra


Nos autos supra identificados, o tribunal proferiu o seguinte despacho:

“Face à data de obtenção de carta de condução pelo arguido [I] — categorias B e B1 e A e A1, em 24-09-2007 e 09-04-2009, respectivamente, e de acordo com o disposto nos artºs 122º/4 do C. Estrada, face ao crime pelo qual o arguido foi condenado nestes autos, caducou “ope legis” a carta de condução do arguido para as categorias B e B1, o que se declara”


Inconformado com o decidido, o Ministério Público interpôs recurso no qual apresentou as seguintes conclusões (transcrição):



1ª • Vem o presente recurso interposto da decisão do Mmo Juiz a quo que declarou que a caducidade da carta de condução do arguido não abrange a habilitação para conduzir veículos das categorias A e A1 .
2ª• Porquanto tal decisão violou, por errada interpretação, o disposto nos artigos 122, nºs 4 e 5 e 130, nº 1 al.a), ambos do Código da Estrada.
3ª • Na verdade, entendeu o Mmo Juiz a quo que a caducidade e provisoriedade do titulo a que aludem tais normativos se refere individualmente a cada uma das categorias de veículos a cuja condução o agente se encontra habilitado, iniciando-se o período de provisoriedade com a concessão da habilitação para cada uma das categorias e relativamente a cada uma das categorias individualmente consideradas.
4ª• Porém, tal interpretação contraria manifestamente o texto da lei, o qual é claro no sentido de que a caducidade e provisoriedade se reportam ao titulo em si e não ás diversas categorias nele averbadas, logo, a caducidade do titulo abrange todas as categorias nele averbadas, contando-se a provisoriedade do mesmo desde a sua primeira emissão e abrangendo todas as categorias em geral para as quais habilite a conduzir.
5ª. Resultando tal manifesto dos seguintes segmentos dos normativos em análise : « A carta de condução emitida a favor de quem não se encontra já (sublinhado nosso) legalmente habilitado para conduzir qualquer das categorias de veículos nela previstos tem carácter provisório ... » (art. 122, nº 4) e «o titulo de condução caduca quando, sendo provisório, nos termos dos nºs 4 e 5 do artigo 122 ... » (artigo 130, nº 1, al.a).
6ª• Ao contrário do referido pelo Mmo Juiz, o facto de se entender que a lei alude ao titulo de condução, abrangendo, portanto, todas as categorias nele averbadas, não significa • como invocou • que, então, estando o agente habilitado á condução de veículos « há 10, 20 ou mais anos», habilitando-se agora á condução de outra categoria, poderia ficar sem a sua carta de condução, que o habilitava há condução há 10/20 ou mais anos, se cometesse crime punido com proibição de conduzir nos 3 anos posteriores aqueles a que se habilitou para a última das categorias de veículos.
7ª • Na verdade, jamais tal poderia acontecer porque, nesse caso, quando se habilitou á condução de nova categoria de veículos, o agente já tinha título definitivo, pelo que, a concessão de tal nova categoria é também definitiva, não enfermando de qualquer provisoriedade.
8ª. Sendo esse também o único entendimento compatível com a letra dos normativos vindos de referir.
9ª• A interpretação efectuada pelo Mmo Juiz, salvo o devido respeito por opinião contrária, viola o texto da lei, sendo contrária ao art° 9° nº 2 do C.Civil onde se estabelece que não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei o mínimo de correspondência verbal ainda que imperfeitamente expresso.
10ª. Acresce que faz todo o sentido que a caducidade do titulo abranja todas as categorias de veículos que o arguido está habilitado a conduzir, pois que, para o averbamento da nova categoria já depois do cometimento da infracção em causa nestes autos, o arguido beneficiou do titulo que já possuía — provisório — , não tendo, nomeadamente, que submeter-se a provas teóricas.
11ª• Ora o arguido não pode continuar habilitado a conduzir com base num título que caducou.
12ª • Aliás, a não ser assim, seria fácil a qualquer condutor mais expedito e que não fosse julgado de imediato pelo crime que praticou, ludibriar a lei. bastar-lhe-ia providenciar, entretanto, pela obtenção de averbamento para condução de nova categoria de veículos e ficaria sempre habilitado a conduzir pelo menos uma categoria de veículos (a não ser que, entretanto, viesse a cometer nova infracção rodoviária, claro).
13ª • Acresce que a caducidade do titulo nos termos supra referidos é automática, isto é não depende de qualquer declaração nesse sentido, resultando automaticamente da lei desde que verificados os requisitos aí enunciados.
14ª • Pelo exposto, deve revogar-se a decisão em recurso, por violação dos artigos artigos 122, nºs 4 e 5 e 130, nº 1 al.a), ambos do Código da Estrada e ordenar-se a sua substituição por outra que considere que a caducidade da carta de condução do arguido abrange todas as categorias de veículos para as quais se encontra habilitado, inclusive, as obtidas em data posterior ao crime que determinou a caducidade do titulo.

Não houve resposta.


Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela procedência do recurso.


No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal o arguido nada disse.


Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.


Cumpre conhecer do recurso


Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.


É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras).


Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.

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Vejamos:
O arguido I, que obteve carta de condução válida para a categoria B e subcategoria B1 em 24 de Setembro de 2007 e que em 9 de Abril de 2009 passou a ser válida também para a categoria A e para a subcategoria A1, cometeu em 14 de Março de 2009 um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artº 292º, nº 1, do Código Penal.
Perante esta factualidade e tomando em consideração o disposto no artº 122º, nº 4 do Código da Estrada, o tribunal entendeu que a carta de condução caducou apenas no que respeita à categoria B e à subcategoria B1 porque o crime foi cometido, não só antes de terem decorrido três anos sobre a data de sua obtenção, mas também antes de lhe ter sido concedida carta de condução válida para a categoria A e para a subcategoria A1.
Este raciocínio assenta num erro que é o de partir do pressuposto de que a cada categoria ou subcategoria corresponde uma carta de condução quando, pelo contrário, a carta de condução é una, independentemente do número de categorias ou subcategorias de veículos que habilita a conduzir.
É o que resulta claramente do disposto no nº 1, do artº 122º e, muito especialmente, do nº 1, do artº 123º, ambos do Código da Estrada.
Tão clara é a questão, que nos dispensamos de a aprofundar.
Assim sendo, evidenciado que está o erro do tribunal, temos que concluir que assiste razão ao recorrente.
Com efeito, tendo o arguido obtido carta de condução em 24 de Setembro de 2007, a mesma seria provisória até 24 de Setembro de 2009 por força do disposto no artº 122º, nº 4 que nos diz que “a carta de condução emitida a favor de quem não se encontra já legalmente habilitado para conduzir qualquer das categorias ou subcategorias de veículos nela previstas tem carácter provisório (…)
Ora, sendo provisória à data em que o arguido praticou o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artº 292º, nº 1, do Código Penal e correspondendo a este a pena acessória de proibição de conduzir (artº 69º, nº 1, alínea a., do Código Penal), não se converteu em definitiva em conformidade com o determinado no citado nº 4 (“A carta de condução … só se converte em definitiva se, durante os três primeiros anos do seu período de validade, não for instaurado ao respectivo titular procedimento pela prática de crime ou contra-ordenação a que corresponda proibição ou inibição de conduzir”).
Assim sendo, nos termos do artº 130º, nº 1, alínea a., do Código da Estrada, a carta de condução provisória caducou.
Tal efeito repercute-se sobre todo e qualquer averbamento nela inscrito, como é óbvio.
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Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso e ordenar que o tribunal a quo profira despacho que, na sequência do acima exposto, considere que a caducidade da carta de condução do arguido I abrange todas as categorias e subcategorias de veículos nela averbadas e do mesmo dê conhecimento ao IMTT
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Sem tributação.
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Coimbra, 15 de Dezembro de 2010



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