Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1175/18.8T8CTB-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: AÇÃO EXECUTIVA
HONORÁRIOS E DESPESAS DO AGENTE DE EXECUÇÃO
PRECIPUIDADE
APOIO JUDICIÁRIO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
CASO JULGADO
Data do Acordão: 06/28/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE CASTELO BRANCO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 541.º, 620.º, 721.º, N.ºS 1 A 3, 846.º E 847.º DO CÓDIGO PROCESSO CIVIL, E 45.º, N.º 1, DA PORTARIA N.º 282/2013, DE 29-8
Sumário: I – Na ação executiva, os honorários devidos e as despesas efetuadas pelo agente de execução são suportados pelo exequente, sob pena de não prosseguimento da execução, saindo precípuos do produto dos bens penhorados ou, caso tal não seja possível, pedindo o seu reembolso ao executado.
II – Caso, porém, o executado beneficie do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, não tem ele de suportar, nem as custas da execução, nem os honorários devidos ao agente de execução, nem quaisquer despesas por este efetuadas no âmbito do processo executivo, não funcionando, por isso, a regra da precipuidade (nem devendo ocorrer inclusão na liquidação da responsabilidade do executado no caso de pagamento voluntário da quantia exequenda).

III – A tal não obsta – para além de não ofender o princípio da igualdade – o facto de haver, nos autos de reclamação de créditos apensos, sentença, transitada em julgado, onde foi decidido que as custas da execução gozam da garantia da precipuidade, saindo precípuas do bem liquidado, por inexistir ofensa ao caso julgado.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 1175/18.8T8CTB
(Juízo Local Cível de Castelo Branco - Juiz 3)


Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1.Relatório
Requerimentos Ref.ª ...35 de 03.01.2022 e Ref.ª ...97 de 13.01.2022.
Vieram os Executados reclamar da nota discriminativa de honorários e despesas intermédia elaborada pelo Sr. Agente de Execução, no que diz respeito aos juros de mora liquidados e imposto de selo e ainda à imputação dos honorários e despesas de agente de execução por beneficiarem de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o que colide com o direito fundamental de acesso à Justiça.
Terminam requerendo a revisão da nota discriminativa apresentada pelos Agentes de Execução, devendo ser eliminado qualquer quantia a pagar pelos executados.
Mais vieram os Executados, pedir os justificativos da alteração da quantia exequenda de 12.914,64 € para 13 .668,22 €, e reiterar a reclamação já apresentada.
Notificado o Exequente, o mesmo nada veio dizer.
Ouvido o Sr. Agente de Execução, pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação em sede de ref." 2776216 de 26.01.2022, aludindo, em síntese, que no âmbito dos presentes autos foi penhorado o imóvel melhor identificado no auto de penhora datado de 31.10.2018, sendo que o mesmo foi vendido, em sede de negociação particular, pelo valor de 60.000,00 €, conforme escritura junta aos autos em 23.12.2021; tendo resultado valores para o processo, teve-se em consideração o exposto no artigo 541.º do CPC, que designa que as custas da execução, incluindo os honorários e despesas devidos ao agente de execução, saem precípuas do produto dos bens penhorados e mais teve em consideração o disposto no artigo 45.º da Portaria 282/2013, de 29/08.
Concluindo, que as quantias devidas ao Agente de Execução a título de honorários e despesas podem ser satisfeitas pelo produto da venda do bem penhorado, não se deslumbrando que pudesse ser de outra forma, já que a protecção jurídica é um direito das pessoas e das entidades sem fins lucrativos que não tenham condições para pagar as despesas associadas com processos judiciais, sendo que conforme já mencionado no caso em apreço da venda resultou valores para pagar as custas do processo; pelo que deve ser mantida a nota discriminativa intermédia nos termos já apresentada.
Mais informa o Sr. Agente de Execução, quanto ao requerimento apresentado pelos executados em 13 .01.2022, que não se entende o teor do mesmo, uma vez que conforme nota discriminativa intermédia notificada às partes em 23.12.2021, o valor ainda em divida pelos executados ao exequente é de 13.688,22 €, não tendo este valor sofrido qualquer alteração.
Julgado o incidente no Juízo Local Cível ... - Juiz ..., foi proferida a seguinte decisão:
“Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a Reclamação, consignando-se que, não obstante os Executados beneficiarem de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e agente de execução, as custas da execução saem precípuas do produto obtido em cumprimento do art.º 541.º Código de Processo Civil, assim como devem ser incluídas na liquidação da responsabilidade dos Executados ao abrigo dos artigos 846.º e 847.º , ambos do CPC, devendo todos os actos de liquidação de custas observar este princípio.
Valor: 12.020,3 8€ (doze mil, e vinte euros e trinta e oito euros)”.

AA e BB, executados no processo à margem referenciados, notificados que foram do douto despacho da meritíssima Juiz, depositado no CITIUS a 24/02/2022, que julgou improcedente a reclamação apresentada sobre a nota de honorários apresentada pelo digno A.E., não se conformando com tal decisão, interpõem o seu recurso para este Tribunal, alinhavando, assim, as suas conclusões:
1. Os executados beneficiam do apoio judiciário na modalidade de "Dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo", ref. CITIUS 2333785 e 2333798.
2. Reclamaram das custas apresentadas pelo Sr. A.E, nas quais estão inseridas 8.143,94 € de custas de parte! Pedidas a um indivíduo arruinado, abandonado, locatário de um exíguo quarto, vivendo com 359 € por mês. Abaixo do nível da pobreza absoluta.
3. A Juiz de Direito julgou a reclamação improcedente na sua totalidade (despesas, honorários e custas de parte, tudo ficaria a cargo do executado e não do IGFEJ)
4. Os executados aceitaram a bondade da explicação de que a assunção das despesas do A.E. devem ficar a cargo do executado. Mas pedem a apresentação das facturas que as justifiquem.
5. Os executados lembram que o A.E. neste processo já recebeu, só de honorários, 4.839,26 € líquidos. Os executados aceitam-no, mas a sua mandatária espanta-se da disparidade de pagamento dos advogados em processos sob A.J., pois estes, mesmo em processos complicados, recebem entre 200 € e 600 €.
6. Mas os executados não podem aceitar ter de pagar custas de parte em NENHUM outro processo, cível ou penal, se impõe o pagamento ao decaído, beneficiando da dispensa de taxas de justiça e demais encargos com o processo, das custas de parte.
7. Também na nossa humilde análise a meritíssima Juiz não interpretou correctamente o alcance do art. 541 º do CPC, que dispõe :
"As custas de execução, incluindo os honorários e as despesas devidas ao A.E. apensos e respectiva acção declarativa, saem precípuos dos bens penhorados". Ora este artigo não enuncia custas de parte, mas sim honorários e despesas.
8. Salvo erro da nossa parte, o A.E. não indicou nenhum encarregado de venda, e a existência deste estava afastada no acto de penhora.
Pedimos este esclarecimento, com todo o respeito.
9. Também nos parece errada a explicação de que o artigo 20º da CRP não estabelece a gratuidade da justiça.
Obviamente que não.
Mas não é disso que se trata.
Se o AJ é válido para uns (processo civis declarativos e processos penais), tem de ser válido para os outros (processos cíveis executivos), sob pena de violação do princípio da igualdade e não discriminação.
10. Deve, pois, o despacho ser revisto no que respeita às custas de parte, tendo em conta de que aceitamos as razões referentes às despesas do agente de execução, sob reserva de apresentação das respecticas facturas, e que aceitamos, com mágoa, o pagamento retirado das penhoras, que no seu montante não deixa de ser justo, mas parece injusto e até exorbitante em relação às compensações simbólicas pagas pelo IGFEJ aos advogados que, esses, noutros processos, não se podem fazer prevaler de penhoras par receber o preço do seu trabalho.
Esta é a nossa visão, que é estudiosa e honesta, mas V. Ex.as decidirão nos melhores termos do direito e da justiça”.

2. Do objecto do recurso

Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das ale­ga­ções da apelante, cumpre apreciar a seguinte questão:
No caso de o executado gozar de apoio judiciário, podem os honorários e despesas do agente de execução ser reclamados ao executado – os executados apenas pedem que o despacho deve ser revisto no que respeita às custas de parte, aceitando as razões referentes às despesas do agente de execução-, seja pela via do seu pagamento precípuo pelo produto dos bens penhorados, seja pelo pedido de reembolso por parte do exequente que os suportou, mediante a sua inclusão numa Nota de Custas de Parte?
A 1.ª instância ajuizou assim:
Compulsados os autos, com interesse para a presente decisão, resulta que o Sr. Agente de Execução apresentou nota discriminativa intermédia, liquidando as seguintes quantias como responsabilidade do Executado:
- Quantia exequenda: 26.582,86€
- Juros de mora (de 22.06.2018 a 22.12.2021): 3.690,57€
- Imposto de selo: 147,62€
Acrescem àqueles montantes os honorários e despesas de agente de execução no montante de 8.182, 19€ (incluindo nessas despesas registos penhora imóvel, correio registado/e-leilões, encarregado de venda e taxa de justiça no valor de 38,25€) e o montante de 10,26€ a título de comissões bancárias.
Deve-se ainda ter em conta as quantias recebidas e indicadas na liquidação intermédia, no valor global de 66.215,36€, sendo o valor de 60.000,00€ resultante da penhora do imóvel e respectivo produto da venda efectuada nos autos; 5.596,47€, de penhora efectuada nos autos; 618,89€, pagamento voluntário ao exequente.
Mais resulta da aludida conta os valores referentes à Reclamação de Créditos, que se encontra apensa aos presentes autos (Apenso A), no total de 41.290,07€.
- Crédito graduado em 1.º lugar - BPI- 41.086,07€
- Crédito graduado em 2.º lugar - Ministério Público - 204,00€
Ficando o crédito exequendo graduado em 3.º lugar, nos termos da sentença proferida no Apenso A, transitada em julgado, atentos os pagamentos efectuados, resulta ainda que foi pago ao Exequente o montante de 15.222,94€ (v. ref.ª ...36).
Da liquidação intermédia apurada pelo Sr. Agente de Execução, mais resulta que ainda se encontra em dívida pelos Executados a quantia de 13.688,22€ (cfr. ponto 5 da conta de liquidação intermédia em causa).
I. Quanto aos juros de mora, entende-se que os mesmos são devidos atento o disposto no artigo 703.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e atendendo que a sua liquidação pode ser feita quer numa fase intermédia, quer a final por continuarem a vencer-se na pendência da execução, sendo manifesto que foram os Executados quem deram causa à execução, não cessando a mora, pelo que soçobra a sua pretensão.
II. No que respeita às custas de parte reclamadas pelo Sr. Agente de Execução no valor de 8.182, 19€, e o invocado benefício do apoio judiciário na modalidade indicada concedido aos Executados, entendemos que não se constata qualquer violação do direito fundamental de acesso à Justiça como alegado pelos Executados, por aplicável in casu o princípio da precipuidade previsto no artigo 541.º do Código de Processo Civil ainda que os executados beneficiem de apoio judiciário na modalidade descrita.
Não descuramos que nem sempre é fácil conciliar o Código de Processo Civil, o Regulamento das Custas Processuais e o Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais.
Explicando.
Dispõe o n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na sua redacção actual introduzida pela Lei n.º 2/2020, de 31.03 (diploma que estabelece o regime de acesso ao direito e aos tribunais) que: "O sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos. "
Define, assim, esta norma os objectivos do sistema do acesso ao direito e aos tribunais.
Segundo Salvador da Costa, "o acesso à justiça e aos tribunais tem uma dupla dimensão: por um lado, a de garantia de defesa de direitos e, por outro, a de imposição ao Estado do dever de assegurar que ninguém fique impedido de aceder à justiça para essa defesa por insuficiência de meios económicos, em termos que respeitem o princípio fundamental da igualdade, sob a configuração de natureza social a prestações materiais do Estado." - cfr. in "O Apoio Judiciário", Almedina 2012, 8.ª ed., pág. 20.
Mais acrescentando o citado autor: "Ele [o acesso à justiça] não implica, porém, a gratuidade da justiça, cabendo ao legislador, na observância desses e de outros principias, como o da proporcionalidade, definir os custos correspondentes à utilização da máquina da justiça, e como o recurso à justiça não é gratuito, não tem a protecção jurídica de ser concedida a todos os cidadãos. " - cfr. obra cit. pág. 20-21.
Com efeito, nesta esteira e como tem sido entendimento pacífico, o sistema de justiça não é um serviço público gratuito, importando, antes diversos custos.
Usando as palavras do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06-10-2016, proc. 2998/13.0TBVCT-A.O2, relatora Isabel Silva, acessível in www.dgsi.pt:
"O artigo 20. º da Constituição da República Portuguesa (CRP) reconhece o direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, tratando de garantir e vincular o Estado a que, por via legislativa crie os meios necessários a que os cidadãos economicamente carenciados possam aceder aos Tribunais apesar de não terem meios económicos para suportar os custos do serviço público de justiça.
Porém, o artigo 20. º da CRP não postula a gratuitidade do serviço público de justiça, sendo entendimento corrente que «( .. .), a Constituição, pressupondo um sistema não gratuito, limita-se a estabelecer que a justiça não pode ser denegada por insuficiência de meios económicos, impondo tão somente que sejam asseguradas às pessoas economicamente carenciadas formas de apoio que viabilizem a tutela dos seus direitos e interesses (Acórdãos nº467/91, 161/93 e 409/94). (. .. )
Assim, o apoio judiciário só ganha sentido enquanto instrumento para almejar um fim.
E esse fim só pode ser a tutela do direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva plasmado no artigo 20. º da CRP. ".
Assim, como contrapartida da prestação desse serviço, o Estado exige, para si próprio, taxas de justiça a qualquer dos pleiteantes, bem como o pagamento dos encargos que o processo venha a originar.
De acordo com o nosso regime de custas processuais, estas abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte- artigo 529.º, n.º 1 do C.P.C.
Desdobrando tal norma, preceitua no seu n.º 2 que a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais. No seu n.º 3, o que se entende por encargos do processo, sendo todas as despesas resultantes da condução do mesmo, requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz da causa. E por último no seu n.º 4, as custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária, nos termos do R.C.P ..
O artigo 533.º, n.º 1 do Código de Processo Civil dispõe que "Sem prejuízo do disposto no n. º 4, as custas da parte vencedora são suportadas pela parte vencida, na proporção do seu decaimento e nos termos previstos no Regulamento das Custas Judiciais". Este normativo remete para o disposto nos artigos 25.º e 26.º do Regulamento das Custas Judiciais.
O artigo 25.º , n.ºs 1 e 4 do RCJ, inserido no capítulo Custas de Parte e sob a epígrafe Nota justificativa, dispõe o seguinte:
"1 - Até 10 dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respetiva nota discriminativa e justificativa, sem prejuízo de esta poder vir a ser retificada para todos os efeitos legais até 10 dias após a notificação da conta de custas.
2 - (. . .)
3 - ( .. .)
4 - Na ação executiva, a liquidação da responsabilidade do executado compreende as quantias indicadas na nota discriminativa, nos termos do número anterior".
Em face do preceituado no citado artigo 25.º , n.º 4, a responsabilidade do executado a liquidar abrange a quantia paga pelo exequente a título de encargos, de taxa de justiça, de despesas previamente suportadas pelo agente de execução, os honorários deste e os do mandatário.
Por sua vez, por força do disposto no n.º 2 do artigo 533.º do Código de Processo Civil, no conceito de custas de parte compreendem-se, designadamente, as seguintes despesas: as taxas de justiça pagas; os encargos efetivamente suportados pela parte; as remunerações pagas ao agente de execução e as despesas por este efetuadas; os honorários do mandatário e as despesas por este efetuadas.
Sendo estas as regras gerais em matéria de custas, necessário será agora atender ao caso específico dos presentes autos executivos o preceituado no artigo 541.º do Código de Processo Civil que sob a epígrafe "Garantia de pagamento de custas", que estipula: "As custas da execução, incluindo os honorários e despesas devidos ao agente de execução, apensos e respetiva ação declarativa saem precípuas do produto dos bens penhorados. ".
Estabeleceu, assim, o Estado, a seu favor uma garantia de pagamento, precipuidade essa que se deixou consignada na sentença de reclamação de créditos no apenso A, transitada em julgado, tendo sido decidido, além do mais, que as custas da execução gozam da garantia da precipuidade nos termos do artigo 541.º do Código de Processo Civil, saindo as mesmas precípuas do bem liquidado (v. ref.ª ...11).
Defendem os Executados que esta regra não deve valer no caso de beneficiar de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, pois que colide com o direito fundamental de acesso à Justiça, não tendo os executados que pagar custas de parte; alegando, ainda que a não ser assim entendido de nada valeria aos executados beneficiar do apoio judiciário na modalidade citada.
Contudo, em nosso entender, com o devido respeito, não é este o sistema legal vigente.
Conforme resulta da conjugação do disposto no artigo 721.º, n.º 1 CPC, e do art.º 45.º, n.º 1, da Portaria n.º 282/2013, de 29/08, os honorários e despesas do Agente de Execução apenas são suportados pelo Exequente se não poderem ser satisfeitos pelo produto dos bens penhorados.
Parafraseando o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto 11.05.2020, proc. 2835/13.STBGDM-D.Pl, relator Manuel Domingos Fernandes, acessível in www.dgsi.pt. "O princípio da precipuidade significa que sendo penhorados bens do executado, e procedendo-se à liquidação judicial de tais bens, antes de se dar qualquer destino ao produto da liquidação há-de retirar-se a quantia necessária para pagamento das custas, ou seja, o Estado estabeleceu, a seu favor, uma garantia de pagamento. Evidentemente que as custas que saem precípuas serão as da execução, respectivos apensos, nestes se abrangendo as acções declarativas processadas por apenso - ex. oposição à execução, reclamação de créditos e embargos de terceiro-, e as da respectiva acção declarativa. ( .. .) tal precipuidade só funciona se os bens forem efectivamente vendidos (ou adjudicados) na execução a que respeitam tais custas."
Regra esta que não deixa de estar em coerência com as regras gerais.
Com efeito, chegado a este ponto do processo executivo, já se sabe que o executado é a parte vencida pelo que, ao retirar-se do produto da venda os valores necessários a pagar as custas, incluindo os honorários e despesas suportadas pelo agente de execução, é o Executado, parte vencida, quem está a suportar os custos da ação, através do seu património.
Tanto assim que, não sendo esse produto suficiente, a execução pode e deve continuar, com a penhora e posterior venda de outros bens.
A ser como pretendem os Executados, nos casos em que existisse o benefício do apoio judiciário a favor do executado - mesmo que na execução se liquidassem bens com elevado valor que pagasse a quantia exequenda e ainda sobrasse para o executado e para a qual o exequente tivesse que suportar milhares de euros com encargos e com honorários e despesas de Agente de Execução - no final, o exequente limitava-se a receber do Estado o reembolso do valor da taxa de justiça paga (art.º 26.º, n.º 6 do RCP) e arcava com todas as restantes custas.
Não seria esta uma solução legal nem justa, não sendo esta a racio subjacente ao espírito do legislador.
Chamando à colação o exposto supra em sede do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06.10.2016 e o citado artigo 1.º , n.º 1 da Lei do Apoio Judiciário, não decorre do art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa, nem do regime jurídico do apoio judiciário, que qualquer parte processual que beneficie de apoio judiciário tem direito a uma justiça gratuita, ou seja, que tenha direito a que as custas da sua responsabilidade sejam suportadas pelo Estado ou pela contraparte.
O que o Estado assegura aos beneficiários do apoio judiciário é que ninguém fique impossibilitado de aceder aos Tribunais para exercer a tutela efectiva dos seus direitos por motivos de insuficiência económico-financeira.
No caso em apreço, a concessão do apoio judiciário na modalidade referida visou a concretização deste desiderato, o qual efetivamente se mostra cumprido, porquanto nos presentes autos, os executados puderam exercitar plenamente o princípio do contraditório e pugnar pelos seus direitos e interesses, mormente a reclamação que ora apresentam a escrutínio, sem que para tal estivessem impedidos ou condicionados pelas suas dificuldades económicas.
"A concessão de tal beneficio significa apenas uma suspensão do dever de pagar os encargos processuais, pois que, a qualquer momento, se se concluir pela possibilidade de os beneficiários puderem cumpri-lo, o deverão fazer.
Tal entendimento emerge com maior clareza e acuidade no processo executivo, máxime quando nele são penhorados bens aos executados beneficiários do apoio judiciário. Estando neste processo os direitos e deveres já declarados e definidos, se ao beneficiário forem encontrados bens devem estes responder pelo pagamento das custas. " - cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13.03.2007, proc. 965/2007-1, relator Carlos Moreira, disponível in www.dgsi.pt.
Neste conspecto, a regra da precipuidade das custas em nada colide com a garantia estatal do acesso ao direito e aos Tribunais, e apenas colidiria com um sistema em que a justiça fosse (em qualquer circunstância) gratuita para os beneficiários do apoio judiciário ( com os custos sempre suportados pelo Estado ou pela contraparte), o que, conforme exposto supra, não é o sistema vigente na lei portuguesa.
A título exemplificativo, considerando que, actualmente, só a remuneração fixa de Agente de Execução em acção executiva com bens ascende € 313,65 (com IVA) por executado, estaria criado um limite prático de incobrabilidade de dívida por credor que não beneficia de apoio judiciário contra devedor que beneficia de apoio judiciário.
Aqui chegados e sintetizando, no pagamento dos honorários ao agente de execução a primeira regra é a precipuidade dos honorários (artigo 541.º ); a segunda regra, ou seja, na falta de produto da venda, é a que resulta do artigo 45.º, n.º 1 da portaria 282/2013, isto é, aqueles honorários, são da responsabilidade do exequente.
No caso em apreço, verifica-se que foi realizado o valor global de 66.215,36€, sendo o valor de 60.000,00€ resultante da penhora do imóvel e respectiva venda efectuada nos autos; e o valor de 5.596,47€, de penhora efectuada nos autos.
Encontrando-se depositada tal quantia 66.215,36€, resultante, no geral, do produto dos bens penhorados aos executados, manifesto é que que tem de funcionar a primeira regra atrás enunciada, ou seja, as custas da execução, incluindo os honorários e despesas suportadas pelo agente de execução, apensos e respectiva acção declarativa saem precípuas do produto dos bens penhorados. E o funcionamento da referida regra não pode ser afastada pela circunstância de aos Executados ter sido concedido o apoio judiciário na modalidade acima referida, sob pena de se subverter por completo a lei em vigor nos termos expostos supra.
Como se salienta no acima citado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11.05.2020, "( .. .) se o direito do credor comum é satisfeito sem que tal inculque a ideia de que o devedor fica afectado na satisfação das suas necessidades básicas - o que é obviado através da regra da impenhorabilidade - artigos 737. 0 e 738. 0 do CPCivil - não faria sentido que o crédito do Estado, contrapartida da prestação de um serviço comunitário essencial,eivado de cariz eminentemente social, qual seja a administração da justiça, ficasse por satisfazer.
É que o artigo 541. º do CPCivil acaba por ser um mero reflexo do disposto nos artigos 738. º, nº 1 e 746. º do C. Civil, que estabelecem um privilégio creditório por despesas de justiça feitas para conservação, execução ou liquidação desses bens directamente no interesse comum dos credores, como aqui acontece, o qual tem preferência sobre os demais privilégios ou outras garantias que onerem esses bens. "
Pese embora não se desconheça a existência de jurisprudência em sentido contrário, no nosso entender, e pelas razões e fundamentos sobejamente expostos supra, assiste razão à corrente jurisprudencial explanada nos seguintes acórdãos, todos disponíveis in www.dp;si.pt.:- Do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.07.2007, proc. 965/2007-1, relator Carlos Moreira: "Em processo executivo, o montante das custas devidas tem de ser considerado em sede de elaboração da respectiva conta, de sorte a ser garantido no processo pelo responsável das mesmas, mesmo que a este tenha sido concedido o beneficio do apoio judiciário na modalidade de dispensa total do seu pagamento. "
- Do Tribunal da Relação do Porto de 11.05.2020, proc. 2835/13.STBGDM-D.Pl,relator Manuel Domingos Fernandes:
"1 - Nos termos do artigo 541.º do CCivil as custas da execução, incluindo os honorários e despesas suportadas pelo agente de execução, apensos e respectiva acção declarativa saem precípuas do produto dos bens penhorados.
11 - Assim, se numa execução é realizado o montante da quantia exequenda pelo produto dos bens penhorados ao executado, as custas, onde se incluem os honorários edespesas suportadas pelo agente de execução, saem precípuas desse produto ainda que o executado beneficie de apoio judiciário na modalidade de dispensa total do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo. "
- Do Tribunal da Relação de Évora de 14-01-2021, proc. 2004/16.2T8LLE-C.E 1, relatora Cristina Dá Mesquita:
"1 - Na execução em que é realizado o montante da quantia exequenda à custa do produto de uma penhora, as custas, onde se incluem os honorários e as despesas suportadas pelo agente de execução, saem precípuas desse produto, ainda que o executado beneficie de apoio judiciário na modalidade de dispensa total do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
2 - Idêntica solução se impõe quando a quantia exequenda é satisfeita com o valor da caução prestada em substituição de uma penhora, isto é, com vista ao levantamento da mesma.".
- Do Tribunal da Relação de Évora de 25-02-2021, proc. 1390/12.8TBSTB-B.El, relatora Cristina Dá Mesquita:
"As custas processuais, incluindo as taxas de justiça pagas pelo exequente e os honorários e despesas devidas ao agente de execução, saem precípuas do produto dos bens penhorados nos autos ou dos valores depositados pelo executado decorrentes do pagamento voluntário ainda que o executado beneficie de apoio judiciário. ".
Em comentário a este último acórdão, também o Professor MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA no Blog do IPPC (https://blogippc.blogspot.pt) [Jurisprudência 2021 (1) de 24-06-2021] concorda com esta posição e defende que "a solução se deve orientar por um princípio de neutralidade do apoio judiciário para o regime da satisfação da prestação exequenda. Ou seja: a esta satisfação deve aplicar-se tudo o que se aplicaria se não houvesse apoio judiciário. "
Por último, acrescentar-se-á ainda que, ainda que assim não se entendesse, por mera hipótese de raciocínio, e conforme já exposto supra, compulsados os autos de reclamação de créditos apensos A, resulta da sentença proferida, transitada em julgado, que foi decidido, além do mais, que as custas da execução gozam da garantia da precipuidade nos termos do artigo 541.º do Código de Processo Civil, saindo as mesmas precípuas do bem liquidado (v. ref.ª ...11 ), pelo que qualquer decisão em sentido contrário a esta violaria o caso julgado.
- cfr. neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23.10.2012, proc. 259/06.0TBAVV.Gl, relatora Manuela Bento Fialho: "Tendo-se decidido, no âmbito de reclamação de créditos que envolveu todos os intervenientes do processo executivo, que as custas saem precípuas do produto da execução, viola o caso julgado a decisão subsequente que, no âmbito da execução, pretenda responsabilizar o exequente pelas respectivas custas. "
III. No que concerne à pretensão dos Executados relativa à justificação da alteração da quantia exequenda de 12.914,64 € para 13.668,22 €, conforme resulta claro da liquidação intermédia apurada pelo Sr. Agente de Execução, efectuados os pagamentos já expostos, ainda se encontra em dívida pelos Executados a quantia de 13.688,22€ (cfr. ponto 5 da conta de liquidação intermédia em causa), não se verificando qualquer alteração, mas sim actualização da dívida exequenda nos termos indicados””.
Contrapõem os Apelantes:
“11. A 23/12/2021 veio o Sr. A.E., após a venda da casa de morada de família, apresentar a nota
discriminativa intermédia, com a ref ...29, onde pede : A. Honorários sobre o valor recuperado ou garantido no valor de 2.855,69 € ; B. Despesas com correio registado, registos e despesas com o encarregado da venda no valor de 4.256,29 €, sem qualquer documento que prove estes gastos, nem a prova de que existiu encarregado de venda, ora que este estava claramente afastado no acto de penhora dos dois bens imóveis; C. Custas de parte no valor de 8.143,44 € (…)
13. O art. 541º do C.P.C. dispõe: "As custas de execução, incluindo os honorários e as despesas devidas ao A.E. apensos e respectiva acção declarativa, saem precípuos dos bens penhorados"
Ora este artigo não enuncia custas de parte, mas sim honorários e despesas.
Custas de parte que nenhum outro decaído paga, em nenhum outro processo, a partir do momento em que beneficia da "Dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo".
14. Relativamente a honorários, em qualquer processo cível ou penal os honorários do advogado patrocinador são pagos pelo IGFEJ, de forma modesta, mas é também esta a sua participação no direito de acesso à justiça.
Nestes termos, como aceitar que os A.E. tenham vantagem sobre os advogados e não participem no esforço social do acesso ao direito, paradigma de qualquer nação civilizada, plasmado na nossa C.R.P. no seu art, 20°?
15. Podemos aceitar que as despesas de registo, correios postais e pagamento do encarregado de venda sejam deixados a cargo dos executados, desde que : se justifique com as devidas facturas tais gastos ; se prove que existiu um encarregado de venda, que estava afastado na penhora inserida nestes autos, e se existiu, que apresentem a respectiva factura.
16. Poderemos aceitar que o IGFEJ não assuma a mora, apesar de a pandemia COVID 19 ter sido responsável pelo atraso da venda, à qual os executados não se opuseram.
17. Mas em caso algum poderemos aceitar que as custas de parte sejam pagas pelos executados.
18. Os acórdãos invocados pela mandatária dos executados, proferidos pelo Tribunal da Relação de Guimarães a 17/11/2016 1033/14.5TBBCL.Gl e pelo Tribunal da Relaçéao do Porto a l 0/02/2020 no proc l 4416/l 9.5T8PAT-C.Pl, e nomeadamente o do Tribunal da Relação de Coimbra de l 7/11/2020, no processo 500/09. 7TBSRT. 1.C 1, não foram tidos em conta, tendo a Juiz de Direito invocado acórdãos em clara contradição com estes, como o do Tribunal da Relação de Guimarães de 06/10/2016.
19. Mas, com o devido respeito, não podemos concordar com o teor deste acórdão., onde a ilustre relatora escreve que "o art. 20° da C.R.P não postula a gratuidade do serviço público ... "
Salvo melhor opinião, não é da gratuidade que se trata : é da igualdade de direitos e deveres.
E relembramos que os advogados patrocinadores são pagos pelo IGFEJ, modestamente mas honradamente, e NUNCA se exigem custas de parte ao vencido.
Porque se um pleito, sempre aleatório como o provam as jurisprudências contraditórias na decisão destes casos até que um acórdão de unificação da jurisprudência venha a ser proferido, implica custas de parte para o vencido arruinado em montantes que, para si, são exorbitantes (8.182, 19 €), então mais ninguém ousará defender-se!”
É por esta razão que nunca as custas de parte, enunciadas no art. 533º do RCJ, são imputadas ao vencido patrocinado”.
Avaliando.
A questão que se nos coloca é a seguinte:
No caso de o executado gozar de apoio judiciário, podem os honorários e despesas do agente de execução - conforme o art.º 173.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução - Lei n.º 154/2015, de 14 de Setembro - “O agente de execução é obrigado a aplicar, na remuneração dos seus serviços, as tarifas aprovadas por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, ouvida a Ordem”, e, no n.º 2 que, “As tarifas previstas no número anterior podem compreender uma parte fixa, estabelecida para determinados tipos de atividade processual, e uma parte variável, dependente da consumação dos efeitos ou dos resultados pretendidos com a atuação do agente de execução”/ a Portaria n.º 282/2013 prevê diversas regras, gerais e especiais, sobre os honorários e o reembolso das despesas do agente de execução. No âmbito das regras gerais, de acordo como o art. 43.º, “O agente de execução tem direito a receber honorários pelos serviços prestados, bem como a ser reembolsado das despesas que realize e que comprove devidamente, nos termos da presente portaria”. Conforme o art. 45.º, n.º 1.º, “Nos casos em que o pagamento das quantias devidas a título de honorários e despesas do agente de execução não possa ser satisfeito através do produto dos bens penhorados ou pelos valores depositados à ordem do agente de execução decorrentes do pagamento voluntário, integral ou em prestações, realizados através do agente de execução, os honorários devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efetuadas, bem como os débitos a terceiros a que a venda executiva dê origem, são suportados pelo autor ou exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao réu ou executado” e, segundo o n.º 2.º, “O autor ou exequente que, por sua iniciativa, requeira ao agente de execução a prática de atos não compreendidos na remuneração fixa prevista na tabela do anexo VII da presente portaria é exclusivamente responsável pelo pagamento dos honorários e despesas incorridas com a prática dos mesmos, não podendo reclamar o seu pagamento ao executado exceto quando os atos praticados atinjam efetivamente o seu fim”. Por seu turno, de acordo com o n.º 3, “No caso previsto na parte final do número anterior, o executado apenas é responsável pelo pagamento dos atos que efetivamente atingiram o seu fim”, acrescentando o n.º 4 que “O agente de execução que, por sua iniciativa, pratique atos desnecessários, inúteis ou dilatórios, é responsável pelos mesmos, não podendo reclamar a qualquer das partes o pagamento de honorários ou despesas incorridas em virtude da sua prática” -  ser reclamados ao executado, seja pela via do seu pagamento precípuo pelo produto dos bens penhorados, seja pelo pedido de reembolso por parte do exequente que os suportou, mediante a sua inclusão numa Nota de Custas de Parte?
Os Apelantes restringem o seu recurso à questão das custas de parte - os executados apenas pedem que o despacho deve ser revisto no que respeita às custas de parte, aceitando as razões referentes às despesas do agente de execução/nas suas palavras, “em caso algum poderemos aceitar que as custas de parte sejam pagas pelos executados” que compreendem o que a parte vencedora haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada, designadamente as remunerações pagas ao agente de ao agente de execução e as despesas por este efectuadas - art. 533º, n.º 2, al. c), e arts. 25º, n.º 2, als. c) e d) e 26º, n.º 3, als. b) e d), do RCP.
Tem sido altamente discutida na jurisprudência a questão de como articular o disposto no artigo 541º do Código do Processo Civil – será o diploma a citar sem menção de origem – com o facto de o executado ser beneficiário do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxas de justiça e demais encargos, discutindo-se se, em tal situação, o executado – que havia sido isentado de tais pagamentos por força daquele instituto –, terá de os vir a suportar na acção executiva no caso de lhe vierem a ser penhorados bens, por o produto de tais bens responder em primeiro lugar pelas custas.
Consagrando o artigo 541º a atribuição às custas processuais, incluindo as de parte, de um privilégio fora do concurso de credores, tal norma nada nos diz sobre se as custas, de que o executado se encontrava isento por via do beneficio do apoio judiciário, sairão, também elas, precípuas do produto da venda.
A referida norma não diz se, e em que circunstâncias, são devidas custas pelo executado mas, tão só, que, a existirem custas da responsabilidade do executado e no caso de serem por ele devidas, sairão precípuas dos bens penhorados.
Ora, o que aqui se discute é precisamente se, ao beneficiário de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos, lhe podem ser vir a ser cobradas as custas da acção executiva – seja as taxas que por si seriam devidas pelo exercício dos seus direitos na oposição ou em incidentes declarativos, sejam as custas de parte do exequente (taxas e encargos com a execução onde se incluem os honorários e despesas com o agente de execução).
Vejamos.
O atual artigo 541º, sob a epígrafe “Garantia de pagamento das custas”, dispõe que “As custas da execução incluindo os honorários e despesas devidos ao agente de execução, apensos e respetiva ação declarativa saem precípuas do produto dos bens penhorados”.
Nos casos em que o pagamento das quantias devidas a título de honorários e despesas de execução não possa ser satisfeito através do produto dos bens penhorados ou pelos valores depositados à ordem do agente de execução decorrentes do pagamento voluntário, os honorários devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efectuadas, bem como os débitos a terceiros a que a venda executiva dê origem, são suportados pelo autor ou exequente, podendo este reclamar o seu reembolso junto do executado - nº 1 do artigo 721º e artigo 45º, nº 2 da Portaria 282/2013, de 29 de agosto.
Este é o regime comum: no pagamento dos honorários e despesas ao agente de execução a primeira regra é a da sua precipuidade  - art.º 541º - , e na falta do produto da venda tais honorários e despesas são suportados pelo autor/exequente, com direito a posterior reembolso junto do executado.
Ou seja, esta norma consagra um verdadeiro privilégio creditório de que gozam o Estado e a parte com direito a reembolso de custas relativamente às custas da execução e dos seus apensos, bem como as da acção declarativa que a tenha precedido - nelas se incluindo as custas de parte da acção de condenação -, a saírem precípuas do produto da venda.
Acaba por ser um mero reflexo do disposto nos artigos 738.º, nº 1 e 746.º, que estabelecem um privilégio creditório por despesas de justiça feitas para conservação, execução ou liquidação desses bens directamente no interesse comum dos credores, como aqui acontece, o qual tem preferência sobre os demais privilégios ou outras garantias que onerem esses bens.
A aplicação da norma do artigo 541º pressupõe que se tenha respondido afirmativamente a tal questão, como o fez a 1.ª instância, diga-se, de uma forma exaustiva.
Também, neste preciso sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 11.5.2020, pesquisável em www.dgsi.pt: “os termos do artigo 541.º, do CPCivil as custas da execução, incluindo os honorários e despesas suportadas pelo agente de execução, apensos e respectiva acção declarativa saem precípuas do produto dos bens penhorados.Assim, se numa execução é realizado o montante da quantia exequenda pelo produto dos bens penhorados ao executado, as custas, onde se incluem os honorários e despesas suportadas pelo agente de execução, saem precípuas desse produto ainda que o executado beneficie de apoio judiciário na modalidade de dispensa total do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.”
Em sentido contrário:
O Acórdão da Relação de Guimarães de 27.5.2021: “ No que se refere ao pagamento dos honorários e despesas ao agente de execução, a primeira regra é a da precipuidade destes montantes (art. 541º do CPC); a segunda regra é a que resulta do art. 45º, n.º 1, da Portaria n.º 282/2013 – coincidente com o disposto no n.º 1 do art. 721º do CPC –, nos termos da qual se aqueles encargos não puderem ser satisfeitos com o produto dos bens penhorados ou com os valores depositados decorrentes do pagamento voluntário, compete ao exequente suportar o seu pagamento, sem prejuízo do direito ao respetivo reembolso do executado, em sede de custas de parte (art. 26, n.º 3, als. b) e d) do RCP).
Contudo, se o executado beneficiar do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, não tem de suportar, nem as custas da execução, nem os honorários devidos ao agente de execução, nem quaisquer despesas por este efetuadas no âmbito do processo executivo, não funcionando, por conseguinte, a regra da precipuidade consagrada no art. 541.º do CPC” (…)
Questiona-se porém se, no caso de o executado beneficiar de apoio judiciário na modalidade de dispensa total do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, deverá, ainda assim, responder pela satisfação dos honorários e despesas do agente de execução através da afetação do produto da venda dos bens penhorados ao seu pagamento em conformidade com o referido regime geral ? Ou, pelo contrário, se é de admitir, em face “da lei que regula o acesso ao direito” e do estatuto de beneficiário de apoio judiciário de que beneficia o Recorrente, um desvio ao regime regra?
Essa é a questão que se coloca no presente recurso e cuja resposta não se mostra pacífica na jurisprudência.
A posição maioritária e que se mostra expressa, designadamente, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17/11/2020 (relatora Maria João Areias), disponível in www.dgsi.pt., entende que o executado a quem foi concedido o apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e dos encargos do processo não terá de pagar custas, não lhe podendo ser cobradas as quantias devidas a título de honorários e despesas com o agente de execução, seja pela via do seu pagamento prioritário pelo produto dos bens penhorados (art. 541.º do CPC), seja por reclamação do exequente a título de custas de parte (art. 721.º do CPC) (7), não devendo ser incluídas na liquidação da responsabilidade do executado no caso de pagamento voluntário da quantia exequenda (art. 847.º).
Na doutrina, secundando esse entendimento, referem Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, em anotação ao art. 541.º do CPC, que «(...) caso o executado litigue com o benefício do apoio judiciário que não inclua a modalidade de atribuição de agente de execução (o que será a situação mais frequente), os honorários e despesas do agente de execução têm de ser suportadas pelo exequente, face à regra das custas em sede executiva (...). O legislador quis agora, que, em semelhantes situações, seja o exequente a suportar os riscos da lide executiva, ao invés de ser a comunidade a suportar esse mesmo risco».
Em sentido divergente, outra posição jurisprudencial que se mostra explicitada, designadamente, no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/05/2020 (relator Manuel Domingos Fernandes), disponível in www.dgsi.pt., considera que, numa execução em que é realizado o montante da quantia exequenda pelo produto dos bens penhorados ao executado, as custas, onde se incluem os honorários e as despesas suportadas pelo agente de execução, saem precípuas desse produto, ainda que o executado beneficie de apoio judiciário na modalidade de dispensa total do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Sufragamos a primeira posição.
Como é sabido, o apoio judiciário, consagração na lei ordinária do dispositivo constitucional vertido no art. 20º da Constituição da República Portuguesa, visa garantir em igualdade de meios económicos o acesso ao sistema de justiça (cfr. art. 1º da Lei n.º 34­/2004, de 29 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47­/2007, de 28/08, Lei n.º 40/2018, de 08/08, Dec. Lei n.º 120/2018, de 27/12 e Lei n.º 2/2020, de 31/03 - LAJ). Por outras palavras, o instituto do apoio judiciário visa a concretização do princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei.
Essa proteção jurídica (de acordo com o disposto no seu art. 6º, n.º 1) reveste as modalidades de consulta jurídica e de apoio judiciário. E o apoio judiciário pode ainda revestir distintas modalidades, em conformidade com o estatuído no art. 16º, n.º 1 da referida LAJ, de entre elas a dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo [al. a)].
Quem beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo não é responsável pelo pagamento de taxa de justiça ou de quaisquer outros encargos e taxas devidas no processo e por força deste, pelo que, a final, ainda que – por ter decaído na ação ou por dela ter retirado proveito – venha a ser condenada nas custas do processo (10), não lhe será exigido o seu pagamento (11), a não ser no caso de o benefício do apoio judiciário lhe venha a ser retirado nos termos do art. 10º da LAJ, prevendo, para o efeito, o art. 13º da LAJ a instauração de uma ação judicial de cobrança das quantias de cujo pagamento fora dispensado no quadro da proteção jurídica.
Gozando a parte vencedora do direito a ser reembolsada, a título de custas de parte – dos valores de taxa de justiça e a título de encargos por si pagos, incluindo as despesas do agente de execução e os valores pagos a título de honorários ao agente de execução –, se a parte vencida gozar do beneficio de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o reembolso das taxas de justiça pagas pelo vencedor é suportado pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infraestruturas de Justiça, I.P. (art. 26º, n.º 6, do RCP.
Este é o entendimento, não obstante o respeito que nos merece posição contrária, que melhor se coaduna com o regime legal que regula o acesso ao direito (e que o próprio legislador processual civil ressalvou no art. 532º do CPC quanto aos encargos) e os princípios ínsitos ao mesmo”.
O Acórdão da Relação de Lisboa de 7.2.2019:  O pedido de apoio judiciário de isenção de pagamento ao agente de execução previsto no art 16º g) da Lei 34/2004 de 29.07, só tem aplicação aos casos em que o requerente é o exequente. No pagamento dos honorários ao agente de execução a primeira regra é a precipuídade dos honorários (art. 541º); a segunda regra, ou seja, na falta de produto da venda, é a que resulta do art. 45.º, n.º 1 da portaria 282/2013. Se o executado responsável pelo pagamento gozar de apoio judiciário, na modalidade de isenção de taxa de justiça e demais encargos está isento deste pagamento, sem mais. Pelo que tem de aplicar-se a regra n.º 2, sendo que o exequente recupera os honorários e provisões pagas por via do reembolso das custas de parte, que será junto do IGFEJ porque o executado beneficia de apoio judiciário. (artigo 26º nº 3 e 19º nº 1 do do RCP e 45.º da Portaria 282/2013 de 29.08”.
E, o caminho trilhado pelo Acórdão desta Relação de Coimbra, de 17.11.2020, que, com a devida vénia aqui transcrevemos, por concordarmos com o decidido: Os encargos são inicialmente suportados pela parte que lhes deu origem (art. 532º, nº 1, CPC), podendo vir a ser reembolsados pela parte contrária de acordo com a decisão que for proferida quanto à responsabilidade por custas (nº 1 do artigo 533º CPC).E na execução os honorários devidos e as despesas efetuadas pelo agente de execução são suportados pelo exequente sob pena de não prosseguimento da execução, saindo precípuos do produto dos bens penhorados ou, caso tal não seja possível, pedindo o seu reembolso ao executado (artigo 721º, ns.1 e 2, CPC).Com efeito, o artigo 29º do RCP, na redação que lhe veio a ser dada pela Lei nº7/2012, de 13 de fevereiro, dispõe, relativamente à oportunidade da conta de custas que esta é elaborada pela secretaria do tribunal, no prazo de 10 dias:i) após o trânsito em julgado da decisão final;ii) após a comunicação do agente de execução da verificação do facto que determine a liquidação da responsabilidade do executado;“dispensando-se a sua realização sempre que (…) d) o responsável pelas custas beneficie de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos.
Ou seja, determina expressamente tal norma que, quer na ação declarativa, quer na ação executiva, se o responsável das custas beneficiar de apoio judiciário, não há sequer há lugar à elaboração de conta. O entendimento de que, ao executado a quem foi concedido o apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e dos encargos do processo não terá de pagar custas, não lhe podendo ser cobradas as quantias devidas a título de honorários e despesas com o agente de execução – seja pela via do seu pagamento prioritário pelo produto dos bens penhorados (art. 541º CPC), seja por reclamação do exequente a título de custas de parte art. 721º), não devendo ser incluídas na liquidação da responsabilidade do executado no caso de pagamento voluntário da quantia exequenda (artigo 847º) –, corresponde atualmente à jurisprudência dominante - Neste sentido, cfr., Ac. TRG de 17-11-2016, relatado por Heitor Gonçalves, Ac. TRL de 18-02-2016, relatado por Maria Teresa Pardal, Ac. TRL de 07-02-2019, relatado por Isoleta Almeida Costa, Ac. TRG de 10-07-2019, relatado por Eugénia Cunha, Ac. Do TRP de 10-02-2010, relatado por Carlos Querido, e Ac. TRP de 11-05-2020, relatado por Manuel Domingos Fernandes, todos disponíveis in www.dgs.pt.; em sentido contrário, encontrámos unicamente o Ac. Do TRG de 02-06-2016, relatado por Isabel Silva, também ele disponível in www.dgsi.pt. -.
Já no que respeita à entidade responsável pelo pagamento de honorários e despesas ao agente de execução, na situação em que o executado goza do beneficio de apoio judiciário naquela modalidade, a jurisprudência divide-se entre aqueles que entendem que por tal reembolso será responsável o IGFEJ e aqueles que atribuem tal responsabilidade recai sobre o exequente - Acórdão do TRP de 10-02-2020, relatado por Carlos Querido, onde se dá como ex. da primeira situação – atribuição da responsabilidade ao IGFEJ –, os Acórdãos do TRL de 07-02-2019, relatado por Isoleta Almeida Costa, e de 18-02-2016, relatado por Maria Teresa Pardal, e em sentido contrário – responsabilidade do exequente – Acórdãos do TRG de 10-07-2019, relatado por Eugénia Cunha, e 17-11-2016, relatado por Heitor Gonçalves, e Ac. TRC de 23.10.2018, relatado por Carlos Moreira - , questão que extravasa o âmbito do presente recurso”.
Mais recente, o Acórdão da Relação de Lisboa de 27.4.2021, todos pesquisáveis em www.dgsi.pt:
“As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (arts. 529º, n.º 1, e 3º, n.º 1, do RCP).
Dispõe o art. 532.º, n.º 1, que «salvo o disposto na lei que regula o acesso ao direito, cada parte paga os encargos a que tenha dado origem e que se forem produzindo no processo.»
As custas de parte compreendem o que a parte vencedora haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada, designadamente as remunerações pagas ao agente de ao agente de execução e as despesas por este efetuadas (art. 533º, n.º 2, al. c), e arts. 25º, n.º 2, als. c) e d) e 26º, n.º 3, als. b) e d), do RCP).
Nos termos do art. 541.º, «as custas da execução, incluindo os honorários e despesas devidos ao agente de execução, apensos e respetiva ação declarativa saem precípuas do produto dos bens penhorados.»
Estatui o art. 721.º, n.º 1, que «os honorários devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efetuadas, bem como os débitos a terceiros a que a venda executiva dê origem, são suportados pelo exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao executado nos casos em que não seja possível aplicar o disposto no artigo 541.º»
Estabelece por sua vez o art. 45.º, n.º 1, da Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto, que «nos casos em que o pagamento das quantias devidas a título de honorários e despesas do agente de execução não possa ser satisfeito através do produto dos bens penhorados ou pelos valores depositados à ordem do agente de execução decorrentes do pagamento voluntário, integral ou em prestações, realizados através do agente de execução, os honorários devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efetuadas, bem como os débitos a terceiros a que a venda executiva dê origem, são suportados pelo autor ou exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao réu ou executado.»
Tudo isto, claro está, no caso de os executados não beneficiarem do beneficio do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
No caso de os executados beneficiarem de apoio judiciário na referida modalidade, é dispensada a elaboração da conta, nos termos do art. 29º, n.º 1, al. d), do RCP, dispondo o art. 26.º, n.º 6, do mesmo diploma que «se a parte vencida for o Ministério Público ou gozar do benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o reembolso das taxas de justiça pagas pelo vencedor é suportado pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas de Justiça, I.P.».
(…) Em cumprimento dessa injunção constitucional, o legislador concedeu proteção jurídica, nas modalidades de consulta jurídica e de apoio judiciário, a quem demonstre estar em situação de insuficiência económica (artigos 6.º e 7.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho). No que respeita a esta última modalidade de proteção jurídica, previu expressamente, entre outras formas de apoio judiciário, o direito à dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo (artigo 16.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 34/2004), o que quer significar simplesmente que o cidadão que recorre aos tribunais, em comprovada situação de insuficiência económica, não está obrigado a suportar a contrapartida financeira devida pelo serviço de justiça que lhe foi prestado, ou seja, a taxa de justiça, nem os demais encargos com o processo.
Sucede que, conforme expressamente previsto no n.º 1 do artigo 529.º do CPC e no n.º 1 do artigo 26.º do RCP, acima transcrito, as custas de parte integram-se no âmbito da condenação judicial por custas, a suportar, em regra, por quem tiver dado causa à ação, isto é, a parte vencida (artigo 527.º, nºs. 1 e 2, do CPC). As custas processuais compreendem, assim, não apenas a taxa de justiça e os encargos diretos com o processo, mas também as custas de parte, que, sendo estruturalmente um encargo, a lei define autonomamente como compreendendo «o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária» (artigo 529.º, n.º 1, do CPC).
A lei confere, assim, ao vencedor na ação o direito a reaver da parte vencida, não apenas as taxas de justiça pagas mas também, entre o mais, uma compensação pelos custos suportados com os honorários do mandatário (artigo 533.º, n.º 2, alíneas a) e d), do CPC, e artigo 26.º, n.º 3, alíneas a) e c), do RCP), ainda que condicionado ao ónus de este exigir diretamente à parte vencida o pagamento dos respetivos custos. E embora as custas de parte não integrem a conta de custas, constituindo um crédito de cariz ressarcitório cujo pagamento deve ser diretamente exigido ao respetivo devedor, a parte vencida, não há dúvida que assiste ao respetivo titular, por opção legal, o correspondente direito, a reclamar mediante a apresentação da competente nota discriminativa e justificativa.
Assim sendo, quando a lei dispensa o beneficiário do apoio judiciário do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo, está necessariamente a dispensá-lo também do pagamento das custas de parte, que, como acima sublinhado, estruturalmente constitui encargo do processo a suportar por quem ficar vencido na ação (neste sentido, cf. Salvador da Costa, «O Apoio Judiciário, 7.ª Edição, Almedina, fls. 118). Isso mesmo o demonstra a norma do n.º 7 do artigo 4.º do RCP, que, enunciando a regra geral de que a isenção de custas não abrange os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte, expressamente salvaguarda as hipóteses em que o devedor de custas de parte se encontra em situação de insuficiência económica, nos termos da lei de acesso ao direito e aos tribunais, assim reafirmando o princípio geral de que quem comprovadamente não tem meios económicos para suportar os custos integrais do processo, incluindo as custas de parte, deve ser dispensado do respetivo pagamento.
(...) A questão de constitucionalidade que se coloca prende-se com a restrição estabelecida pelo artigo 26.º, n.º 3, do RCP quanto ao reembolso das custas de parte ao vencedor quando a parte vencida gozar do benefício de apoio judiciário.
Enquanto se reconhece ao vencedor na generalidade das ações o direito ao reembolso da totalidade das custas de parte, incluindo as despesas com honorários do mandatário, as quais se integram globalmente nas custas processuais (artigo 26.º, n.º 2), nos casos em que a parte vencida gozar de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo, por força dessa outra disposição, apenas é devido o reembolso das taxas de justiça pagas pelo vencedor, que é suportado pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infraestruturas da Justiça.
Adotando-se uma tal solução restritiva, imputa-se especificamente ao vencedor da ação, em tais circunstâncias, parte do custo público que o Estado assumiu com a concessão do benefício de apoio judiciário a quem não tinha condições económicas para suportar o pagamento das custas processuais, transferindo-se para o particular um encargo que, segundo a regra geral do artigo 527.º, n.º 1, do CPC, seria normalmente exigível ao beneficiário do apoio judiciário, enquanto parte vencida, e, em última análise, constituiria responsabilidade do Estado por efeito do mecanismo da proteção jurídica (…)
Por outro lado, as custas de parte não integram a conta de custas a elaborar pela secretaria do tribunal, nem beneficiam do direito de retenção relativamente a quantias depositadas à ordem do tribunal, nem estão abrangidas pelo processo de execução de custas a instaurar pelo Ministério Público, cabendo à parte vencedora, em caso de incumprimento, intentar por iniciativa própria a competente ação executiva contra o responsável pelas custas (artigos 29.º, 34.º e 36.º, n.º 3, do RCP).
Neste condicionalismo, importa reconhecer que o vencedor que litigue contra quem não beneficie de apoio judiciário incorre também no risco de não obter a satisfação do crédito relativo a custas de parte quando não tenha lugar o pagamento voluntário e não subsistam bens penhoráveis suficientes que permitam a cobrança coerciva e, nessa eventualidade, está em situação menos favorável do que aquele se encontre na situação prevista no artigo 26.º, n.º 6, do RCP, que obtém, no mínimo, o reembolso das taxas de justiça (ainda que não da compensação de despesas com honorários do mandatário), que, nos termos dessa disposição, é necessariamente suportado pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infraestruturas da Justiça.
E, em todo o caso, há que dizer que os sujeitos processuais em ação judicial para que tenha sido concedido apoio judiciário, como decorrência da garantia de acesso ao direito e aos tribunais, não se encontram em situação objetivamente equivalente à de outros litigantes que estejam pessoalmente sujeitos ao pagamento de custas processuais, justificando-se que possam ser introduzidos tratamentos diferenciados em matéria de tributação por razões de praticabilidade económica da administração da justiça e do sistema de proteção jurídica.
O que, aliás, também justifica que seja conferida legitimidade à parte contrária para a impugnação judicial da decisão final que tenha deferido ao requerente o pedido de apoio judiciário (artigo 26.º, n.º 5, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho), o que tem como pressuposto que a concessão de apoio judiciário não seja inteiramente inócua do ponto de vista dos interesses processuais da contraparte.
Não se vê por isso motivo para considerar verificada a violação do princípio da igualdade relativamente à norma do n.º 6 do artigo 26.º do Regulamento das Custas Processuais, quando interpretada no sentido que à parte vencedora, quando a parte vencida está dispensada do pagamento de taxa de justiça e encargos, apenas são devidos pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infraestruturas da Justiça, IP, os montantes despendidos a título de taxas de justiça, e não também a compensação legalmente prevista face às despesas com honorários do mandatário judicial».
O art. 26.º, n.º 6, do RCP é uma norma especial relativamente ao art. 533.º, n.º 2, al. c).
Como se sabe, no âmbito da regulamentação de uma situação excecional, ou até especial, a letra da lei ganha especial relevo, pois que, naquela, a analogia é proibida, sendo que a própria interpretação extensiva tem de ser adotada cautelosamente (art. 11.º do Cód. Civil), ganhado, por isso, relevo o disposto no art. 9.º n.º 2, do Cód. Civil, «não pode (...) ser considerado pelo interprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso», sendo que «na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (n.º 3).
Não havendo lugar a interpretação analógica, ou sequer extensiva, pois que o n.º 6 do art. 26.º do RCP é perentório na referência tão-só a «taxas de justiça», deixando de fora os «demais encargos», de cuja dispensa, no caso concreto, os executados gozam, por lhes ter sido concedido o benefício do apoio judiciário nessa modalidade, não pode a estes, aos «demais encargos», ser dado o mesmo tratamento que àquelas, às «taxas de justiça».
(…) Por isso, o n.º 6 do art. 26.º do RCP deve ser interpretado nos seus precisos termos, ou seja, como vinculando o IGFIEJ quando o vencido goze do benefício do apoio judiciário, apenas e só ao pagamento ao vencedor da taxa de justiça por este suportada, com exclusão dos demais encargos previstos no nº 3 de tal artigo.
Assim sendo, beneficiando os executados de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, estando dispensados de pagar os honorários e as despesas do agente de execução e não sendo de impor ao IGFEJ o reembolso ao exequente dos honorários e despesas ao agente de execução, concretizado está o risco de o exequente arcar, por impossibilidade de exigir a outrem o reembolso, aquilo que não pôde deixar de assumir ao instaurar e impulsionar a execução.
Gozando os executados do benefício do apoio judiciário, além do mais, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, não terão de suportar, nem as custas da execução, nem os honorários devidos ao agente de execução, nem quaisquer despesas por este efetuadas no âmbito do processo executivo, não funcionando, por conseguinte, a regra da precipuicidade consagrada no acima citado art.º 541.º.
É que, se num caso como o presente, ainda assim, continuasse a funcionar tal regra, não deixariam de ser os executados a responder pela satisfação tanto das custas da execução, como dos honorários e despesas do agente de execução através da afetação do produto da venda dos bens penhorados ao respetivo pagamento”.
Mas, sendo este também o nosso entendimento, sempre com total respeito pela julgadora da 1.º instância, aí, também se escreve:compulsados os autos de reclamação de créditos apensos A, resulta da sentença proferida, transitada em julgado, que foi decidido, além do mais, que as custas da execução gozam da garantia da precipuidade nos termos do artigo 541.º do Código de Processo Civil, saindo as mesmas precípuas do bem liquidado (v. ref.ª ...11 ), pelo que qualquer decisão em sentido contrário a esta violaria o caso julgado”
- cfr. neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23.10.2012, proc. 259/06.0TBAVV.Gl, relatora Manuela Bento Fialho: "Tendo-se decidido, no âmbito de reclamação de créditos que envolveu todos os intervenientes do processo executivo, que as custas saem precípuas do produto da execução, viola o caso julgado a decisão subsequente que, no âmbito da execução, pretenda responsabilizar o exequente pelas respectivas custas. "
Vejamos.
Nos termos das normas dos art.º 620.º e 625º:
As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força, obrigatória dentro do processo e havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar, sendo aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual.
Pressuposto essencial do caso julgado formal é que uma pretensão já decidida, em contexto meramente processual, e que não foi recorrida seja objecto de repetida decisão. Se assim for, a segunda decisão deve ser desconsiderada por violação do caso julgado formal assente na prévia decisão - se assim acontecer, para evitar repetições inúteis e o risco de decisões contraditórias, o tribunal deve indeferir a segunda pretensão.
Antunes Varela - no seu “Manual de Processo Civil”, 2ª ed. -307 -, escreve:”
 Caso julgado é a alegação de que a mesma questão foi já deduzida num outro processo e nele julgada por decisão de mérito que não admite recurso ordinário.
É material o que assenta sobre decisão de mérito proferida em processo anterior; nele a decisão recai sobre a relação material ou substantiva litigada; é formal quando há decisão anterior proferida sobre a relação processual. Ele pressupõe a repetição de qualquer questão sobre a relação processual dentro do mesmo processo (ob. cit., 308). Ambos pressupõem o trânsito em julgado da decisão anterior”.
Como ensina Manuel de Andrade, - “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, pág. 304 -, o caso julgado formal consiste na força obrigatória que os despachos e as sentenças possuem relativa unicamente à relação processual, dentro do processo, excepto se não for admissível o recurso de agravo “consiste na preclusão dos recursos ordinários, na irrecorribilidade, na não impugnabilidade”.
 João Castro Mendes, - “Direito Processual Civil”, A.A.F.D.L, 1980, III vol. pág. 276 -, ensina que o “caso julgado formal traduz a força obrigatória dentro do processo”, contrariamente ao caso julgado material, cuja força obrigatória se estende para fora do processo em que a decisão foi proferida.
No caso em apreço estamos perante a figura do caso julgado meramente formal, já que está em causa uma decisão proferida no processo que, alegadamente e de acordo com o relembrado pela 1.ª instância, já tinha sido decidida no apenso de graduação de créditos, com trânsito em julgado e que foi de novo suscitada.
Com todo o respeito, não poderemos concordar com o tribunal de ....
De facto, o caso julgado, seja formal ou material, pressupõe o pronunciamento jurisdicional sobre uma determinada questão suscitada pelas partes ou decorrente dos poderes oficiosos do tribunal. A decisão jurisdicional conformadora de caso julgado tem necessariamente um objecto  - a factualidade submetida à apreciação jurisdicional- e um conteúdo - o sentido da valoração judicial.
A concreta questão trazida a estes autos - no caso de o executado gozar de apoio judiciário, podem os honorários e despesas do agente de execução ser reclamados ao executado, seja pela via do seu pagamento precípuo pelo produto dos bens penhorados, seja pelo pedido de reembolso por parte do exequente que os suportou, mediante a sua inclusão numa Nota de Custas de Parte? – não foi submetida e, por isso, abrangida pelo despacho - as custas da execução gozam da garantia da precipuidade nos termos do artigo 541.º do Código de Processo Civil, saindo as mesmas precípuas do bem liquidado - proferido no apenso de Reclamação de Créditos.
Por isso, tal não representa postergação do princípio do esgotamento do poder jurisdicional ou violação do princípio do caso julgado formal.
Pelo exposto, a apelação é de proceder – restringido à questão das custas de parte/ os executados apenas pedem que o despacho deve ser revisto no que respeita às custas de parte, aceitando as razões referentes às despesas do agente de execução/nas suas palavras, “em caso algum poderemos aceitar que as custas de parte sejam pagas pelos executados -, com a consequente revogação da decisão recorrida, determinando que o Agente de Execução proceda em conformidade com o ora deliberado quanto à responsabilidade dos Apelantes, que estão isentos do pagamento de custas de parte.

Sumário:
(…).

3.Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogando a decisão proferida pelo Juízo Local Cível ... - Juiz ..., consideram que os executados estão dispensados de pagar as custas de parte, em face do seu estatuto de beneficiários de apoio judiciário.

Sem custas.

Coimbra, 28 de Junho de 2022

(José Avelino Gonçalves - Relator)

( Arlindo Oliveira- 1.º adjunto)

(Emidio Francisco Santos – 2.º adjunto)