Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
620/12.0TACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ROSA PINTO
Descritores: PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL; INTERRUPÇÃO
Data do Acordão: 06/29/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE COIMBRA – J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.ºS 121.º, N.º 1, ALÍNEAS A) E B); 57.º, N.º 1 E 58.º, N.º 2, TODOS DO CPP
Sumário: I - A dedução da acusação não conduz à constituição de arguido exigida pelo artigo 121.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.
Nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, “assume a qualidade de arguido todo aquele contra quem for deduzida acusação ou requerida instrução num processo penal”.
Não existe neste caso uma constituição formal de arguido, nos termos mencionados no artigo 58.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
II - Temos, pois, duas situações distintas: uma constituição de arguido e uma assunção da qualidade de arguido.
III - A constituição de arguido a que se refere o artigo 121.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, só pode significar a identificada no artigo 58.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, sob pena de quebra, grave, da unidade do sistema jurídico.
IV - Relativamente à acusação, a lei diz expressamente na alínea b) do n.º 1 do artigo 121.º que a prescrição do procedimento criminal interrompe-se com a notificação da acusação.
Decisão Texto Integral:
Decisão Sumária

       (artigo 417.º, n.º 6, alínea c), do Código de Processo Penal)

        A – Relatório

1. Pela Comarca de Coimbra (Juízo Central Criminal de Coimbra – Juiz 2), sob acusação do Ministério Público, pelos crimes de tráfico de pessoas, previsto e punido pelos artigos 26º e 160º, nº 1, alíneas a) e b) do Código Penal e de falsificação de documentos, previsto e punido pelos artigos 255º, alínea a), e 256º, nº 1, alíneas a), c), d), e) e f), ambos do mesmo diploma legal,

foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, o arguido

 AA, filho de AA e de BB, nascido a .../.../1960, ..., ..., casado, empresário da construção civil, residente na Rua ..., ..., ..., ..., actualmente em cumprimento de pena de prisão efectiva no EP ....

2. O Ministério Público requereu, ao abrigo do disposto no artigo 111º, nºs 2 e 4, do Código Penal, que o arguido fosse condenado a pagar ao Estado o montante correspondente às vantagens obtidas através dos factos ilícitos típicos descritos na acusação e de que se apropriou ilegitimamente, no montante global de 40.970,00 euros.

3. Realizada a audiência de julgamento, foi proferido acórdão, a 15.3.2022, decidindo-se:

“A)- absolver o arguido AA da prática do imputado crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código Penal;

B)-condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelos artigos 255º, alínea a) e 256º, n.º 1, alíneas a), c), d), e) e f), todos do Código Penal, na pena de trezentos dias de multa à taxa diária de oito euros, o que perfaz o montante de 2.400,00 euros (dois mil e quatrocentos euros), ou caso não efectue o pagamento da multa, terá que cumprir duzentos dias de prisão subsidiária, nos termos do artigo 49º, do Código Penal;

C)- condenar o arguido AA no pagamento de cinco UC’s de taxa de justiça e demais encargos, nos termos conjugados dos artigos 513º, nºs 1, 2 e 3 e 514º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do RCP e tabela III;

D) - absolver o arguido AA da “perda de vantagens” peticionada pelo Ministério Público e, por isso, não o condenar no pagamento de qualquer quantia ao Estado”.

4. Inconformado com o douto acórdão, veio o Ministério Público interpor recurso do mesmo, terminando a motivação com as seguintes conclusões:

“1ª

O douto acórdão proferido nos presentes autos a 15.03.2022 condenou o arguido AA na pena de multa de 300 dias, à taxa diária de €8,00, pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 255º-a) e 256º-1-a)-c)-d)-e)-f), ambos do Código Penal.

Consideramos, com o devido respeito, que tal opção pela pena de multa se mostra errada e desajustada, tendo em conta as evidentes e agudas exigências de prevenção geral, bem como de prevenção especial, o que, desde logo, resulta do extenso passado criminal do arguido, actualmente em cumprimento de pena de prisão efectiva no EP ....

Do seu certificado de registo criminal resulta a prática, pelo arguido e após contabilização total, de 1 crime de furto qualificado, 1 crime de falsificação de documento, 1 crime de desobediência, 3 crimes de emissão de cheque sem provisão, 4 crimes de abuso de confiança fiscal e 3 crimes de abuso de confiança contra a Segurança Social.

Dos factos provados resulta que o arguido se ausentou de Portugal em 2007, apenas regressando em finais de 2017, bem como que o arguido foi declarado contumaz a 06.06.2017, situação que perdurou até 06.10.2021, data em que foi detido e prestou TIR nos autos, logo iniciando o cumprimento de pena de prisão pendente noutro processo.

Esse período de ausência do arguido, para parte incerta, ocorreu quando sobre este impendiam diversos processos judiciais e condenações transitadas em julgado, sendo que, por força do seu alheamento, diversas penas foram declaradas extintas por efeito da prescrição, bem como viu revogada a suspensão de execução de pena de prisão determinada no processo identificado no facto provado 68.4, e revogada a substituição da pena de prisão no processo identificado no facto provado 68.12.

O Tribunal a quo, sem esmiúçar as concretas exigências de prevenção geral e especial presentes in casu e após referência tímida ao percurso criminal e de vida do arguido, o qual desvalorizou, concluiu, de modo singelo e contraditório, em face da factualidade dada como provada, que a pena de multa, no caso concreto, ainda é suficiente para acautelar as finalidades da punição.

Tal escolha violou, de modo evidente, o disposto no art. 70º do Código Penal.

Perante os antecedentes criminais do arguido, reveladores da sua personalidade desviante e desafiadora dos valores comunitariamente aceites pela sociedade, impõe-se condená-lo em pena de prisão a título de pena principal, por a pena de multa se mostrar completamente insuficiente, desajustada e ineficaz.

Ao assim decidir, o Tribunal a quo procedeu a uma deficiente interpretação do critério norteador para a escolha da pena principal, tendo assim violado o disposto nos arts. 70º e 256º-1, ambos do CP”.

5. Na sequência do acórdão proferido, o arguido vem apresentar requerimento peticionando que seja declarada a prescrição do procedimento criminal relativo ao crime de falsificação de documento, ordenando-se o consequente arquivamento dos autos.

Alega, em síntese, que ao referido crime corresponde um prazo de prescrição de 5 anos, nos termos do artigo 118º, nº 1, alínea c), do Código Penal; o último facto é de 14.2.2012; o arguido foi declarado contumaz em 6 de junho de 2017 e inexistem quaisquer outras causas de suspensão ou interrupção da prescrição até àquela data; resulta daqui que o procedimento criminal quanto a este crime prescreveu no dia 14 de Fevereiro de 2017.

6. Após contraditório ao M.P., foi proferido despacho a 23.5.2022, indeferindo o requerido, não tendo sido declarada a extinção do procedimento criminal relativo ao crime de falsificação de documento, por não se verificar a prescrição do procedimento criminal. Em suma, entende o tribunal a quo que ocorreu a interrupção da prescrição com a dedução da acusação pública a 11.1.2017, na qual AA adquiriu a qualidade de arguido.

7. Inconformado com o douto despacho, veio o arguido interpor recurso do mesmo, terminando a motivação com as seguintes conclusões:

“1- O Meritíssimo Juiz a quo errou, quando, por douto despacho datado de 23/5/2022, considerou não prescrito o procedimento criminal relativo ao crime de falsificação de documento.

2- Contrariamente ao que decorre daquele despacho, a dedução da acusação não conduz à constituição de arguido exigida pelo artigo 121º, nº 1, alínea a), do Código Penal, por força do estabelecido no artigo 57º, nº 1, do mesmo código.

3- A assunção da qualidade de arguido decorrente da dedução da acusação (artº 57 nº 1 CPP) só relevará para efeitos de interrupção da prescrição quando aquela for notificada ao arguido.

4- A interrupção da prescrição tem como fundamento a existência de atos processuais que, ocorridos com normalidade, levam ao conhecimento do arguido a vontade de exercício da acção punitiva do Estado, como seja um ato de notificação ao arguido: da constituição como arguido (alínea a. do art. 121 CP); da acusação ou da decisão instrutória (alínea b. do artº 121º do CP); para se apresentar, sendo que esta é feita editalmente (alínea c. do artº 121º do CP ) e, por último, a notificação do despacho que designa dia para a audiência na ausência do arguido ( alínea d. do artº 121 do CP).

5- Só com a constituição solene, formal, de arguido, nas precisas circunstâncias exigidas pelos artigos 58.º e 59.º do CPP, o arguido pode tomar conhecimento da pretensão do Estado em exercer a ação penal.

6- Por tal motivo, cremos não fazer sentido, nem ter qualquer apoio jurisprudencial ou sequer doutrinário, a perspetiva dada pelo tribunal recorrido de que a prescrição se interrompe com a atividade do estado no desenvolvimento da ação de perseguir determinada pessoa contra quem está instaurado o respetivo procedimento criminal, independentemente de este ser notificado de tal esforço.

7- É pois manifesto que a interpretação do tribunal recorrido, plasmado na decisão de que se recorre, viola frontalmente do disposto na al. a) do nº 1 do artigo 121º do CPP e que o tribunal a quo faz uma errónea interpretação da referida norma.

8- Tendo o último ato pelo qual o arguido foi acusado e condenado, ocorrido em 14/02/2012, não se tendo verificado até 14/02/2017 qualquer causa de suspensão ou interrupção da prescrição, o procedimento criminal pelo crime de falsificação de documento encontra-se prescrito desde esta última data, nos termos conjugados da alínea c) do nº 1 do artigo 118º e nº 1 do artigo 256º, ambos do CP.

9- Sustentam as conclusões acima expendidas, para além de outros, os seguintes:

a) Acórdão do TR... proferido no processo 1405/02...., 18-10-2006;

b) Acórdão do TR... proferido no processo 370/08...., de 09/09/2012;

c) Acórdão do TR... proferido no processo 27/08...., de 14/1/2010;

Normas violadas: - Artigos 57º, 58º e 59º do CP

- Alínea c) do nº 1 do artigo 118º do CP.

- Alínea a) do nº 1 do artigo 121º do CP.

Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente, ordenando … o arquivamento dos autos decorrente da extinção do procedimento criminal por prescrição”.

8. O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela sua improcedência e confirmação do despacho recorrido, alegando, em síntese, que:

- Quanto ao crime de falsificação de documento em causa (art. 256º-1 do CP), o prazo prescricional do respectivo procedimento criminal (que, in casu, é de 5 anos) iniciou-se a 14.02.2012 (facto provado nº59).

- Ocorreu, a 11.01.2017, causa de interrupção do prazo de prescrição do procedimento criminal com a dedução da acusação pública (enquanto manifestação expressa do jus puniendi), onde o denunciado AA adquiriu a qualidade de arguido, passando a beneficiar desse estatuto processual, cfr. art. 57º-1 do CPP e 121º-1-a) do CP.

- A 06.06.2017, ocorreu nova causa de interrupção daquele prazo prescricional, com a declaração de contumácia do arguido (também enquanto manifestação inequívoca do jus puniendi, procurando-se, através deste instituto, compelir o arguido a apresentar-se em Juízo, com vista ao seu julgamento), cfr. art. 121º-1-c) do CP.

- A situação de contumácia vigorou até 06.10.2021, período temporal que configura a causa de suspensão do prazo prescricional prevista no art. 120º-1-c) do CP.

- Assim, entendo que o procedimento criminal relativo ao crime de falsificação de documento de que o arguido foi condenado não se mostra prescrito.

9. Também o arguido veio responder ao recurso interposto pelo Ministério Público, pugnando pela prescrição do procedimento criminal e o arquivamento dos autos, concluindo que:

“1- O crime pelo qual o arguido foi condenado nos presentes autos encontra-se prescrito desde 14 de Fevereiro de 2017, porquanto: os factos remontam a Janeiro e Fevereiro de 2012, sendo o último referido no acórdão, de 14 de Fevereiro de 2012; o prazo de prescrição aplicável é de 5 anos, nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 118º do Código Penal; inexistiram até aquela data quaisquer causas de suspensão ou interrupção do procedimento criminal.

2 – Sem prescindir, o alegado crime de falsificação de documentos pelo qual o arguido foi condenado, foi cometido no estrangeiro (...), em 2012, perpetrado contra as entidades alemãs, pelo que, face a tal, conjugado com o disposto nos artigos 5º e 6º do Código Penal, resulta manifesto que os Tribunais Portugueses não têm competência internacional para julgar os factos relativos ao crime de falsificação de documentos.

2- Mesmo que se considerasse que a têm, sempre os factos deveriam ser julgados pela lei ..., caso essa viesse a ser mais favorável, consideração que o tribunal não atendeu.

3- A incompetência absoluta decorrente da violação das regras de competência internacional [art.º 96.º al. a), do CPC] é uma excepção dilatória que o Tribunal aprecia oficiosamente, a todo o tempo, devendo abster-se de conhecer do pedido e absolver o arguido da instância [art.º 278.º 1, al. a), do CPC)].

4- Pelo que, ao invés da alteração propugnada pelo recorrente, caso não viesse a ser declarada a prescrição do procedimento criminal, o que só por mera hipótese académica se coloca, deveria o arguido ser absolvido da instância.

5- Não prescindindo, uma vez mais, sempre se dirá que, não fosse isso, que a decisão recorrida se encontra suficientemente fundamentada e a prova foi sujeita à devida apreciação crítica, estando percetível a opção do julgador e o raciocínio lógico pelo que não padece do vício de nulidade.

6- Se o princípio é a aplicação de pena não privativa da liberdade, a opção por esta não exige grande fundamentação, pois apenas caberá apreciar se existem elementos que afastem aquele princípio.

7- É manifesto que da motivação, no seu conjunto, o Tribunal a quo ponderou e avaliou convenientemente todos os factos, o contexto dos mesmos, a situação concreta do arguido, a desnecessidade da pena de prisão, atento, em especial, que o último crime foi cometido em 2006, sobre o qual decorreram longos 16 anos.

8- Pelo que, em caso de condenação, sempre a pena aplicada se mostraria adequada e suficiente para realizar e assegurar as finalidades da punição, proteção dos bens jurídicos em causa e a reintegração do arguido na sociedade.

9- Pelo que nenhuma violação do disposto no artigo 70º do Código Penal se verificou com a mesma.

10- O acórdão, não tendo declarado a prescrição do procedimento criminal violou o estatuído nos artigos 118 nº 1 alínea c) do Código Penal.

11- O acórdão ao não considerar a incompetência internacional ou ao não aplicar a lei ..., se mais favorável, violou os artigos 5º e 6º do Código Penal”.

10. Os recursos foram remetidos para este Tribunal da Relação e aqui, com vista nos termos do artigo 416º do Código de Processo Penal, o Ex.mo Procurador da República emitiu parecer no sentido da procedência do recurso do M.P. (defendendo que o acórdão recorrido deve ser substituído por outro que condene o arguido em pena de prisão) e da improcedência do recurso do arguido, acompanhando, quanto a este, a resposta do Ministério Público junto da 1ª instância.

11. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, tendo o arguido respondido ao douto parecer, reafirmando a posição defendida na peça recursória.

               *

       

B – Com relevo para a presente decisão, vejamos a factualidade do acórdão recorrido, bem como o despacho recorrido, datado de 23.5.2022.

      

        Acórdão recorrido

“Realizada a audiência de discussão e julgamento, provaram-se os seguintes factos:

1- O arguido AA foi sócio e gerente da sociedade comercial “M..., Lda.”, constituída em Outubro de 2007, com sede em ... e que tinha como objecto a construção civil, obras públicas, demolições, comércio de materiais de construção, cofragem, moldagem de aço, alvenarias.

2- Em data não concretamente apurada, mas pelo menos durante o ano de 2009, o arguido decidiu, no contexto do exercício dessa actividade, e em representação dessa empresa, contratar trabalhadores da construção civil para prestarem trabalho na ..., aí procedendo à sua inscrição nas entidades públicas/privadas de protecção social e efectuando o pagamento dos salários acordados.

3- Contudo, ainda durante o ano de 2009 aquela empresa começou a ter dificuldades em se manter no mercado, com dívidas ao Estado e Segurança Social, à banca, a fornecedores e bem assim a trabalhadores, tendo entrado em processo de insolvência, declarada por sentença proferida 12 de Abril de 2011, no âmbito do processo n.º 28/11.....

4- Em 2010, em ..., na ..., essa empresa e o arguido tinham começaram a ser investigados por alegada falsificação de documentos e falta de pagamento de salários/violação de normas salariais, no âmbito do inquérito-crime n.º 183 JS 93306/11 e processo contra-ordenacional n.º EV 2414/10, respectivamente, no contexto de uma obra de construção civil que estava a ser realizada nessa localidade, designada por “...”, em que a M..., Lda. era subcontratada pela D... GmbH, sendo que após a fiscalização o arguido fez cessar a relação contratual existente e os trabalhadores tiveram de se ausentar dos estaleiros onde se encontravam.

5- Estavam abrangidos nas referidas investigações os seguintes trabalhadores que o arguido tinha contratado: CC, DD, EE, FF, GG e HH, aí tendo sido identificados ainda outros três trabalhadores contratados pelo arguido mas não abrangidos pelos factos em investigação, designadamente, os trabalhadores II, JJ e KK.

6- Em 2010, também na ..., o arguido constituiu a sociedade “H...”, cujo objecto estava igualmente relacionado com a construção civil, através da qual celebrou vários contratos para realização de obras de construção civil com outras sociedades, uma das quais, a sociedade “S... GmbH”, com vista à ampliação/remodelação do ...-Hospital, em ....

7- Em 2011, ainda no contexto da execução dessa obra, a sociedade “H...” e o arguido começaram a ser investigados por falta de pagamento de salários aos trabalhadores LL, MM, NN, OO e PP, todos contratados pelo arguido na sequência de um anúncio que fez publicar em jornais portugueses e que se deslocaram para aquele país durante o segundo semestre de 2011, tendo decorrido um processo em ... com o n.º 149 JS 128/12.

8- Neste quadro, com contratos de subempreitada pendentes e resultando inviável continuar a recorrer aos mesmos trabalhadores que tinha contratado através das referidas sociedades ou mesmo a novos trabalhadores através destas empresas, o arguido pensou em contratar outros trabalhadores portugueses para continuarem a execução de obras de construção civil em território alemão, em nome de outra ou outras empresas, sem que o próprio surgisse como seu representante.

9- O arguido pretendia evitar a sua identificação formal perante as autoridades/entidades alemãs fiscais, de protecção social e do trabalho pois continuava ligado à sociedade “H...”, que veio a ser objecto de um processo de insolvência a 2 de Agosto de 2012.

10- O arguido necessitava de celebrar esses contractos de trabalho para evitar qualquer tipo de fiscalização que fosse efectuada aos estaleiros e que serviriam de base à inscrição dos trabalhadores no “...” (Sistema de férias em caso de destacamento para obras na ...), obrigatória nos termos da Lei ... sobre destacamento de trabalhadores da construção civil, e nos quais, bem como nos formulários próprios destinados a tal entidade, surgiriam o nome e demais dados de identificação de outrem que se identificaria como gerente/representante dessa sociedade ou dessas sociedades.

11- Entretanto, em data não concretamente apurada do segundo semestre de 2011, o arguido viu um anúncio na internet relativo à venda de quotas da sociedade “S..., Lda” pessoa colectiva n.º ..., com sede em ... e com o objecto social de construção civil, obras públicas, promoção imobiliária, compra e venda de bens imóveis, revenda dos adquiridos para esse fim e comércio de materiais de construção, e decidiu que poderia recorrer a tal empresa para alcançar os seus objectivos.

12- Ainda na ..., o arguido telefonou para o gerente da sociedade S..., Ldª., QQ, propondo-lhe negociações com vista à aquisição de quotas dessa sociedade, que desde logo referiu não iriam ficar em seu nome mas em nome de RR.

13- RR era a pessoa que o arguido conhecia por tomar conta da sua residência em Portugal quando ele não se encontrava no país e a quem pediu colaboração para a angariação de trabalhadores portugueses para a execução de obras de construção civil na ....

14- Cerca de um ou dois meses depois dos primeiros contactos, o arguido agendou uma reunião com aquele gerente da S..., Ldª onde esteve presente também a referida RR.

15- Nessa reunião, realizada em data não concretamente apurada dos finais de 2011, o arguido obteve diversa documentação daquela sociedade, designadamente cópia da certidão de registo comercial, declaração das finanças e da segurança social de inexistência de dívidas e balancete, alegando que seria para poder preparar, com o seu advogado, o contrato de cessão de quotas.

16- Através de vários contactos telefónicos, de troca de e-mails com o advogado do arguido, do envio do texto relativo ao contrato-promessa para subsequente assinatura, foram agendadas datas para a celebração da respectiva escritura pública ainda em Janeiro e depois em Fevereiro de 2012.

17- Tal escritura não chegou a concretizar-se porque o arguido invocava que tinha dificuldades financeiras.

18- Entretanto, em Dezembro de 2011, o arguido solicitou a RR que colocasse um anúncio em jornais portugueses, procurando trabalhadores para obras na ..., apenas com indicação do número de telefone de contacto, que esta atenderia e encaminharia depois para o arguido a fim de o mesmo detalhar os pormenores do contrato.

19- Nos dias 28 e 29 de Dezembro de 2011, nas ... em ..., onde tinha reservado para o efeito uma sala, o arguido realizou entrevistas a candidatos interessados, com a colaboração de SS, que trabalhava consigo na ... como encarregado e que fazia parte da estrutura da H....

20- Nessas entrevistas, o arguido e SS contactaram um número não concretamente apurado de pessoas que pretendiam trabalhar em obras de construção civil na ..., garantindo-lhes todas as regalias inerentes à execução de contratos de trabalho e um valor de retribuição horária entre 8,00 e 13,00 euros consoante o tipo de trabalho e a especialização do trabalhador e que lhes seria assegurado o alojamento e o transporte para a ....

21- Os trabalhadores interessados foram informados de que os contratos de trabalho apenas seriam assinados na ....

22- Uma das pessoas que, nessa altura, se deslocou às ... e que foi entrevistada pelo arguido e pelo referido SS foi TT a quem prometeram o pagamento de 13,00 euros à hora, pago ao final da semana, com alojamento incluído e um contrato de trabalho que seria assinado na ....

23- Como TT já estava a trabalhar na ..., tinha sido encarregado de obras durante alguns anos, conhecia pessoas com experiência profissional na área, combinou com o arguido que lhe arranjava outros trabalhadores para o efeito, aos quais transmitiria as condições de trabalho descritas, divergindo apenas no montante que poderia ser inferior, tendo em conta a diferente qualificação e tipo de trabalho a executar, mas sempre entre os 10,00 e os 13,00 euros à hora.

24- Igualmente o arguido combinou com TT que o transporte dos trabalhadores seria efectuado no início de Janeiro de 2012 e que seriam utilizadas duas carrinhas que este disponibilizava, sendo os custos suportados por aquele.

25- No âmbito desse acordo com o arguido AA, TT contactou trabalhadores seus conhecidos que também deram conhecimento dessa possibilidade de trabalho na ... a outras pessoas.

26- Desse modo, o arguido conseguiu recrutar, para além de TT, pelo menos os seguintes trabalhadores: UU, VV, WW, XX, YY, ZZ, AAA, BBB, CCC, DDD, EEE, FFF, GGG e HHH.

27- Para além desses trabalhadores, também foram recrutados pelo arguido e/ou pelo SS, no final de Dezembro de 2011, nos termos supra descritos, quer directamente, através do telefone que constava do anúncio do jornal e/ou na sequência de entrevistas presenciais que aqueles levaram a cabo no Centro Comercial ... em ...: III, JJJ, KKK e LLL.

28- Os trabalhadores seguiram para a ... no início de Janeiro de 2012, como definido pelo arguido, em várias carrinhas, duas das quais de TT como tinha sido combinado com aquele, tendo partido da zona de ..., ... e ....

29- Os trabalhadores seguiram para a ... convencidos de que iriam trabalhar nas condições descritas.

30- Chegados à ..., uns perto de ... e outros próximo de ..., ficaram alojados em contentores pertencentes às empresas alemãs que tinham contratado a execução das obras com o arguido ou em casas que o arguido arrendou, tendo logo iniciado o trabalho estipulado pelos encarregados de obra, entre os quais o referido SS.

31- Na ..., já com todos os trabalhadores a laborarem em obras de construção civil, o arguido ou alguém a seu mando e cumprindo as suas ordens, elaborou um modelo de contrato de trabalho em que a sociedade “S..., Lda”, com todos os seus dados identificativos, constava como primeiro outorgante e empregador e os visados como segundos outorgantes/trabalhadores, com a respectiva categoria profissional, horário de trabalho, remuneração, acréscimos salariais, vigência e demais direitos e obrigações, deles constando também “...” como o local da sua celebração/assinatura, a data de 16 de Janeiro de 2012 e, no local destinado ao primeiro outorgante, um carimbo com os dizeres “S..., Lda. – A gerência” e os termos correspondentes à representação da assinatura do alegado gerente da sociedade, “MMM”.

32- Esses contratos apresentavam condições contratuais diversas das aceites pelos trabalhadores, pois deles apenas constava o salário mensal de 600,00 euros e não foram celebrados por nenhum representante da sociedade S..., Ldª.

33- O gerente da sociedade S..., Ldª desconhecia a existência de tais contratos.

34- Igualmente MMM desconhecia tais contratos e não era nem alguma vez foi gerente daquela sociedade.

35- O carimbo usado e aposto nos contractos também não correspondia ao que a referida sociedade tinha a uso.

36- Os trabalhadores desconheciam tais factos quando os contractos lhes foram apresentados durante o mês de Janeiro, em datas não concretamente apuradas.

37- Alguns trabalhadores, cujo número e identidade não foi possível apurar, não aceitaram assinar tais contractos invocando que não correspondiam às condições salariais acordadas.

38- Simultaneamente, para que as entidades de fiscalização laboral não levantassem óbice à presença dos referidos trabalhadores nas obras onde se encontravam, assim garantindo que estes continuassem a trabalhar, o arguido ou alguém a seu mando e em cumprimento do por aquele determinado, preencheu cinco formulários relativos à lei de destacamento de trabalhadores ... e remeteu-os para a ... (Sistema de caixa de férias de trabalhadores da construção civil), como a lei ... impunha para qualquer trabalhador da construção civil destacado de outros país, o que fez através do aparelho de fax com o n.º ...38, registado em nome de NNN e localizado em ..., 40721, ....

39- Em todos esses formulários, o arguido fez constar como empregador e empresa que transfere os trabalhadores a sociedade S..., Lda, Rua ..., ... c/o RR, ..., ... e como responsável MMM, assim como uma assinatura com os termos correspondentes ao nome “MMM” e um carimbo com os dizeres “S..., Lda. – A gerência”.

40- Tais formulários respeitam a uma obra em ... e outra em ..., sendo os dois últimos relativos à inscrição definitiva dos trabalhadores constantes das três comunicações anteriores, trabalhadores estes que incluíam os supra referidos e outros trabalhadores que o arguido tinha a trabalhar nas mesmas obras, também destacados e que tinha contratado em data e por modo não concretamente apurados.

41- O primeiro dos referidos formulários foi remetido a 13 de Janeiro de 2012, nele se mencionando a localidade de ..., a execução de trabalhos de cofragem e de betão e como local de execução das obras “..., OOO, 54292 ... (Hospital)”.

42- Em anexo a esse formulário constam os nomes dos seguintes trabalhadores destacados: GGG, PPP, QQQ, AAA, RRR, SSS, HHH, LLL e DDD.

43- O segundo formulário foi remetido a 17 de Janeiro de 2012, nele se mencionando a localidade de ..., a execução de trabalhos de estrutura, construção e trabalhos à peça e como local de execução das obras “...”.

44- Em anexo a este formulário constam os nomes dos seguintes trabalhadores destacados: TTT, UUU, VVV, WWW, JJJ, XXX, YYY, VV, WW, XX, UU, ZZZ, AAAA, BBBB, ZZ, TT, CCCC, DDDD, KKK, EEEE e FFF.

45- O terceiro formulário foi remetido também a 17 de Janeiro de 2012, nele se mencionando a localidade de ..., a execução de trabalhos de cofragem e de betão e como local de execução das obras “..., OOO, 54292 ...”.

46- Em anexo a este formulário constam os nomes dos seguintes trabalhadores destacados: FFFF, GGGG, CCC, EEE, BBB e XXX.

47- O quarto formulário foi remetido a 1 de Fevereiro de 2012, nele se mencionando a localidade de ..., a execução de trabalhos de estrutura, construção e trabalhos à peça e como local de execução das obras ..., ... 5”.

48- Em anexo a este formulário constam os nomes dos seguintes trabalhadores destacados: TTT, UUU, VVV, WWW, JJJ, XXX, YYY, VV, WW, XX, UU, ZZZ, AAAA, BBBB, ZZ, TT, CCCC, DDDD, KKK, EEEE e FFF.

49- O quinto formulário foi remetido também a 1 de Fevereiro de 2012, nele se mencionando a localidade de ..., a execução de trabalhos de cofragem e de betão e como local de execução das obras “..., OOO, 54292 ...”.

50- Em anexo a este formulário constam os nomes dos seguintes trabalhadores destacados: FFFF, GGGG, CCC, EEE, BBB, XXX, GGG, HHHH, QQQ, AAA, RRR, SSS, HHH, LLL e DDD.

51- Todavia, a sociedade S..., Ldª, não destacou quaisquer trabalhadores, designadamente os elencados nos referidos formulários.

52- A morada indicada não era a da sede da sociedade, mas sim a de RR.

53- O responsável e gerente da referida sociedade não era MMM.

54- O carimbo aposto em tais formulários não era pertença da sociedade S..., Ldª.

55- Não obstante a execução do trabalho e a assinatura dos contratos acima referidos, o arguido não efectuou o pagamento de qualquer quantia a título salarial.

56- A falta de pagamento dos salários gerou descontentamento e dificuldades entre os trabalhadores porque se começava a esgotar o dinheiro que tinham levado para a ....

57- Perante a contestação e insistência dos trabalhadores, SS, a mando do arguido e seguindo as suas instruções, entregou entre 100,00 e 150,00 euros a cada trabalhador.

58- No final do mês de Janeiro, primeiros dias de Fevereiro de 2012, o arguido ou alguém a seu mando e cumprindo ordens suas, elaborou novos contratos de trabalho pelo menos para os trabalhadores que se encontravam na obra de ampliação do Hospital, com as mesmas condições laborais mas desta feita indicando como empregador e primeiro outorgante a sociedade C..., Unipessoal, Ldª., sociedade por quotas, com sede na Avenida ..., ..., ..., ....

59- Esses contratos foram entregues entre final de Janeiro e o dia 14 de Fevereiro de 2012 aos trabalhadores que ainda permaneciam nas obras a reclamar o pagamento dos salários como tendo que ser assinados para substituir os anteriores que, ao que lhes foi dito, não tinham sido aceites pelas autoridades alemãs.

60- A sociedade S..., Ldª não tinha quaisquer relações empresariais/comerciais com a sociedade C..., Unipessoal, Ldª., nem esta sociedade, através de um qualquer seu representante, celebrou qualquer contrato de trabalho com as pessoas constantes de tais documentos.

61- O arguido quis manter os trabalhadores em laboração para prosseguir a execução das obras em curso procurando cumprir os contratos de empreitada/subempreitada que tinha com empresas alemãs.

62- Os trabalhadores acima identificados apenas receberam a referida quantia de 100,00/150,00 euros através dos seus colaboradores durante o tempo em que prestaram trabalho na ....

63- Entre finais de Janeiro e princípios de Março de 2012, os trabalhadores regressaram a Portugal devido à falta de pagamento dos respectivos salários pelo trabalho prestado para a empresa do arguido.

64- O regresso a Portugal foi efectuado com o auxílio de outras pessoas e a quantia de 150 euros que lhes foi dada pelas empresas alemãs com quem o arguido tinha contratado a execução das obras referidas e na sequência de intervenção do Consulado português.

65- O arguido utilizou a referida documentação procurando garantir perante as autoridades alemãs, a permanência dos trabalhadores nessas obras.

66- Relativamente à elaboração e utilização dos descritos contratos de trabalho e ao preenchimento e entrega dos aludidos formulários, o arguido actuou com o propósito de criar contratos que sabia não corresponderem à realidade e fazer constar dos mencionados formulários os referidos factos igualmente desconformes com a realidade, em ambos apondo ou mandando apor um carimbo que mandou fazer e não correspondia à sociedade em causa e escrevendo/mandando escrever os termos que considerou necessários para representar a assinatura de MMM, assim forjando a sua assinatura, tudo com o propósito de manter os trabalhadores ao seu serviço, e desse modo obtendo um beneficio que sabia não lhe ser devido, estando simultaneamente ciente de que, dessa forma, punha em causa a credibilidade e confiança depositada em tais documentos, cuja fidedignidade o Estado quer preservar.

67- Ao elaborar, assinar e utilizar os referidos contractos e preencher e entregar os descritos formulários, o arguido agiu, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua actuação era proibida e punida por lei como crime.

68- O arguido AA foi condenado nos seguintes processos:

68.1- processo comum colectivo nº 32/98 do Tribunal de Círculo ..., por acórdão de 27.05.1999, transitado em julgado em 11.06.1999, pela prática um crime de furto qualificado, por factos ocorridos em 20.03.1996, na pena de trinta meses de prisão suspensa na sua execução por um ano; tal pena foi declarada extinta em 16.11.2001;

68.2- processo comum singular nº 137/96, do Tribunal Judicial da Comarca ..., por sentença de 28.05.1999, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, por factos ocorridos em 10.09.1995, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 700$00; em 25.01.2007 tal pena foi declarada extinta pelo cumprimento;

68.3- processo comum singular nº 137/02...., do Tribunal Judicial da Comarca ..., por sentença de 23.06.2003, transitada em 08.07.2003, pela prática de um crime de desobediência, por factos ocorridos em 17.09.2002, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 4,00 euros; em 17.12.2003 tal pena foi declarada extinta pelo cumprimento;

68.4- processo comum singular nº 4/00.... do ... Juízo Criminal ..., por sentença de 1.11.2003, transitada em julgado em 02.07.2004, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, por factos ocorridos nos anos de 1998 e 1999, na pena de 15 meses de prisão suspensa na sua execução por quatro anos condicionado ao pagamento, no mesmo prazo, do valor das prestações tributárias em falta e acréscimos legais; em 24.09.2012 foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão e ordenado o seu cumprimento efectivo;

68.5- processo comum singular nº 1701/04...., do ... Juízo Criminal ..., por sentença de 26.04.2006, transitada em julgado em 22.05.2006, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, por factos ocorridos em 30.10.2004, na pena de 60 dias de prisão à taxa diária de 7,00 euros; em 29.06.2006, a pena foi declarada extinta;

68.6- processo comum singular nº 389/04...., do Tribunal Judicial da Comarca ..., por sentença de 12.07.2006, transitada em jugado em 27.07.2006, pela prática de um crime de falsificação de documento, por factos ocorridos em 12.01.2004, na pena de 240 dias de multa à taxa diária de 6,00 euros; tal pena foi declarada extinta pelo pagamento em 25.02.2009;

68.7- processo comum singular nº 62/04...., do ... Juízo Criminal ..., por sentença de 12.03.2007, transitada em julgado em 27.03.2007, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, por factos ocorridos em Janeiro de 2000, na pena de 250 dias de multa à taxa diária de 6,00 euros; tal pena foi declarada extinta pelo cumprimento, em 02.04.2008;

68.8- processo comum singular nº 19/07...., do Tribunal Judicial da Comarca ..., por sentença de 20.02.2008, transitada em julgado em11.03.2008, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, por factos ocorridos em 15.03.2007, na pena de 6 meses de prisão substituída por 180 dias de multa à taxa diária de 10,00 euros; em 25.01.2007 tal pena foi declarada extinta pelo cumprimento;

68.9- processo comum singular nº 603/07...., do ... Juízo Criminal ..., por sentença de 19.09.2008, transitada em julgado em 21.10.2008, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, por factos ocorridos em Março de 2003, na pena de 290 dias de multa à taxa diária de 6,00 euros; em 13.10.2012 tal multa foi substituída por 174 dias de prisão subsidiária; em 12.06.2013 tal pena foi declarada extinta pela prescrição;

68.10- - processo comum singular nº 560/07...., do ... Juízo Criminal ..., por sentença de 17.04.2008, transitada em julgado em 24.11.2008, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, por factos ocorridos em Dezembro de 1995, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de 10,00 euros; em 02.07.2014 tal pena foi declarada extinta pela prescrição;

68.11- processo comum singular nº 41/06...., do Tribunal Judicial da Comarca ..., por sentença de 05.12.2008, transitada em julgado em 07.01.2009, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, por factos ocorridos em 2006, na pena de 12 meses de prisão substituída por 360 dias de multa à taxa diária de 6,50 euros; em 12.10.2010 tal pena foi declarada extinta pelo pagamento;

68.12- processo comum singular nº 4123/01..., do ... Juízo Criminal ..., por sentença de 28.04.2009, transitada em julgado em 28.05.2009, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, por factos ocorridos em Março de 2002, na pena de 2 anos de prisão substituída por 480 horas de trabalho a favor da comunidade, em 27.10.2011 foi revogada a substituição e ordenado o cumprimento efectivo da prisão;

68.13- processo comum singular nº 25/05...., do Tribunal Judicial da Comarca ..., por sentença de 11.06.2010, transitada em julgado em 12.07.2010, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, por factos ocorridos no ano de 2002, na pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período subordinada à condição de pagar, no mesmo prazo, as prestações tributárias em dívida e acréscimos legais; em 21.11.2014 foi prorrogado prazo da suspensão por mais um ano; em 07.10.2016 foi declarada extinta a pena.

69- O arguido AA nasceu a .../.../1960, é ..., ..., sendo filho do primeiro casamento do pai, tem 6 irmãos, sendo este o penúltimo, do segundo casamento e tem uma irmã mais nova; a mãe do arguido faleceu quando este tinha 12 anos de idade de doença oncológica.

70- O arguido frequentou a escola até concluir o 6º ano de escolaridade.

71- Após abandonar os estudos começou a trabalhar na construção civil, ramo que acabaria por se tornar a sua profissão.

72- O arguido casou aos 19 anos com IIII e desta relação tem dois filhos de 39 e 33 anos, a filha mais velha vive em ... e o filho na ....

73- O arguido sempre teve de hábitos de trabalho, em Portugal e no estrangeiro, sempre na área da construção civil.

74- Em 2007, por várias dificuldades económicas, o arguido emigrou para a ... e mais tarde para ..., trabalhando também na área da construção civil, regressando a Portugal em finais de 2017.

75- Ao regressar a Portugal o arguido em conjunto com a cônjuge começaram a gerir a Empresa “P...”, com sede na Rua ..., em ....

76- Actualmente é a esposa que se encontra a gerir a empresa, referindo que as dificuldades económicas estão a ser demasiadas, estando a avaliar o encerramento da mesma.

77- O arguido está preso desde 7 de Outubro de 2021 em cumprimento da referida pena de 15 meses de prisão pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal continuada (processo 4/00....).

78- No estabelecimento prisional encontra-se inactivo, já tendo solicitado integração laboral e não tem sanções disciplinares.

79- O arguido beneficia de apoio familiar, nomeadamente, da esposa, dos filhos e do irmão mais novo.

80- O arguido foi declarado contumaz a 06 de Junho de 2017 situação em que se manteve até ser detido e prestar TIR a 06 de Outubro de 2021.

***

Factos não provados

Nenhuns outros factos relevantes para a decisão da causa se provaram em audiência de discussão e julgamento, nomeadamente não se provou que.

I- o arguido pensou em contratar trabalhadores em nome de outra empresa para se eximir de quaisquer responsabilidades, designadamente a nível salarial e em matéria de acidentes de trabalho;

II- não era intenção do arguido proceder ao pagamento dos salários nem que não tinha o propósito de contratar seguros de responsabilidade civil;

III- o arguido tinha somente o propósito de receber as quantias acordadas aquando da celebração dos contratos de empreitada/subempreitada que tinha pendentes;

IV- o arguido apenas pretendia obter mão-de-obra para executar os trabalhos por si contratados na ...;

V- o arguido pretendia ludibriar os potenciais interessados com promessas de trabalho em condições que sabia nunca iriam ser concretizadas;

VI- nunca foi intenção do arguido adquirir as quotas da sociedade S..., Ldª mas apenas tomar posse de documentação da mesma;

VII- nas entrevistas efectuadas nas ... o arguido e o SS alegaram estar a actuar em nome da sociedade S..., Ldª, nem que esta seria a empregadora;

VIII- nas entrevistas efectuadas nas ... o arguido e o SS garantiram que o salário que seria pago de 15 em 15 dias;

IX- o arguido combinou com TT que os custos de transporte para a ... seriam suportados pela sociedade S..., Ldª;

X- os trabalhadores seguiram para a ... convencidos de que iriam trabalhar para a e..., Ldª;

XI- os trabalhadores seguiram para a ... em “frágil situação económica” (afirmação conclusiva, mas por respeito a eventual diferente perspectiva);

XII- SS e JJJJ disseram aos trabalhadores de que sem as assinaturas dos contratos não receberiam qualquer salário;

XIII- o arguido tenha determinado que sem as assinaturas dos contratos os trabalhadores não receberiam qualquer salário;

XIV- os trabalhadores cederam às exigências impostas porque foram coagidos;

XV- todos os trabalhadores já tinham definidas as condições salariais quando se deslocaram para a ...;

XVI- o arguido ordenou que os trabalhadores prosseguissem a actividade laboral sob a ameaça de que se deixassem de trabalhar chamaria a polícia e seriam obrigados a abandonar os contentores e residências onde se encontravam;

XVII- os trabalhadores continuaram a executar as tarefas que lhes eram ordenadas devido a ameaça do arguido de que chamaria a policia e que seriam obrigados a abandonar os contentores e as residências onde moravam;

XVIII- o arguido tinha acordado com todos os trabalhadores que o pagamento salarial seria de 15 em 15 dias;

XIX- enquanto estiveram a trabalhar os trabalhadores ficaram sem local onde morar ou necessitaram de pagar casa ou quarto para pernoitar;

XX- o arguido elaborou novos contractos em nome da “...” em “cumprimento do plano inicial”;

XXI- alguém se apresentou-se como representando a sociedade S..., Ldª, a alertar os trabalhadores que a contratação através da “C...” era necessária para que pudessem ser-lhes pagos os salários;

XXII- com a apresentação dos contractos em nome da “C..., Unipessoal, Ldª”, o arguido quis continuar as obras sem assumir “as “inerentes responsabilidades” (afirmação conclusiva, mas por respeito a eventual diferente perspectiva);

XXIII- o arguido recebeu das empresas alemãs as “quantias contratadas”;

XXIV- o arguido quis “ludibriar” os trabalhadores;

XXV- o arguido agiu “atentando contra a própria dignidade” dos trabalhadores (afirmação conclusiva, mas por respeito a eventual diferente perspectiva);

XXVI- o arguido fez deslocar os trabalhadores de Portugal para a ... “de forma ardilosa e fraudulenta”;

XXVII- os trabalhadores foram “erroneamente convencidos” pelo arguido de que estavam a contratar com uma “empresa séria e credível”;

XXVIII- os trabalhadores abandonaram os locais onde residiam por falta de pagamento das rendas por parte do arguido (tal aconteceu porque a empresa do arguido foi excluída das referidas obras por os trabalhadores terem deixado de trabalhar);

XXIX- os trabalhadores foram forçados a trabalhar (deixaram de trabalhar quando se aperceberam da falta de pagamento dos salários);

XXX- montante concreto o arguido não pagou a TT pelas horas de trabalho prestado e pelas despesas de transporte de trabalhadores para a ...;

XXXI- montante concreto o arguido não pagou a cada um dos demais trabalhadores pelas horas de trabalho prestadas por cada um;

XXXII- o arguido actuou com o propósito de “ludibriar” os trabalhadores que se deslocaram para a ...;

XXXIII- o arguido aproveitou a “debilidade económica”, “dependência habitacional” e desconhecimento da língua dos referidos trabalhadores;

XXXIV- o arguido recorreu a “documentação forjada” para enganar os trabalhadores nem que a referida documentação não visava sustentar qualquer engano perante os trabalhadores;

XXXV- os problemas com o pagamento de trabalhadores se deveu ao rigor do inverno nem que a neve fez parar ou abrandar todas as obras”.

               *

               *

Despacho recorrido datado de 23.5.2022:

Prescrição do procedimento criminal

O arguido AA pretende que seja declarada a extinção do procedimento criminal relativo ao crime de falsificação de documento, por prescrição.

Para tanto, sustenta que foi condenado pelo crime de falsificação de documentos, p.e p., pelos artigos 255º alínea a), e 256, nº 1 alínea a) c) e) e d), todos do Código Penal. Tal crime é punível, em abstrato, com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa até 360 dias. Ao referido crime corresponde um prazo de prescrição de 5 anos – alínea c) do nº 1 do artigo 118º do Código Penal.

Os factos pelos quais o arguido foi acusado e condenado reportam-se aos meses de Janeiro e Fevereiro, sendo o último referente a 14 de Fevereiro 2012.

O arguido foi declarado contumaz em 6 de junho de 2017 e inexistem quaisquer outras causas de suspensão ou interrupção da prescrição até àquela data.

Resulta daqui, que o procedimento criminal quanto a este crime prescreveu no dia 14 de Fevereiro de 2017, sendo a prescrição de conhecimento oficioso, podendo o seu conhecimento ter lugar a todo o tempo, o que expressamente invoca.

 Da decisão destes autos foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público, não tendo a decisão transitado em julgado. Como os presentes autos ainda não subiram ao Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, este juízo detém competência para avaliar a questão da prescrição do procedimento criminal.

Por seu lado, o Digno Magistrado do Ministério Público considera que o procedimento criminal não se mostra prescrito; concorda que o prazo prescricional do respectivo procedimento criminal é de cinco anos e que se iniciou a 14.02.2012 (facto provado nº 59); porém, sustenta que a 11.01.2017, ocorreu uma causa de interrupção do prazo de prescrição do procedimento criminal com a dedução da acusação pública, onde o denunciado AA adquiriu a qualidade de arguido, passando a beneficiar desse estatuto processual, cfr. art. 57º-1 do CPP e 121º-1-a) do Código Penal; depois, a 06.06.2017, ocorreu nova causa de interrupção daquele prazo prescricional, com a declaração de contumácia do arguido, nos termos do artigo 121º-1-c) do Código Penal, sendo que a situação de contumácia vigorou até 06.10.2021, período temporal que configura a causa de suspensão do prazo prescricional prevista no artigo 120º, nº 1, alínea c) do mesmo código.

O arguido, tendo conhecimento da posição do Digno Magistrado do Ministério Público, veio reafirmar o seu entendimento de que a prescrição ocorreu no dia 14.02.2017; em seu abono transcreve o acórdão de 19.09.2012 do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra (processo 370/08....).

No essencial, a questão que se coloca é a de saber se a dedução da acusação conduz à constituição de arguido exigida pelo artigo 121º, nº 1, alínea a), do Código Penal1, por força do estabelecido no artigo 57º, nº 1, do mesmo código.

Existe entendimento jurisprudencial de que “a mera dedução da acusação não se equipara à constituição de arguido, para efeito de interrupção do prazo de prescrição do procedimento criminal”2, considerando que “a referência expressa do artigo 121º, n.º 1, al. a), do Código Penal, à “constituição de arguido” só pode ser entendida no sentido rigoroso definido nos artigos 58º e 59º, do Código de Processo Penal.”3.

Salvo o devido respeito por tal perspectiva, a norma pode ser entendida no sentido de que a prescrição se interrompe com a actividade do Estado no desenvolvimento da acção de perseguir a pessoa contra quem está instaurado o respectivo procedimento criminal, independentemente de este ser notificado de tal esforço.

Desde logo, a lei (artigo 121º, nº 1, alínea a)) não estabelece --- para esse efeito--- qualquer distinção entre o artigo 57º ou os dois seguintes.

Neste ponto de vista, a interrupção da prescrição do procedimento criminal ocorre com a constituição de arguido por força do estabelecido no artigo 57º, do Código de Processo Penal, tal como acontece com a declaração de contumácia.

Em ambos os casos o legislador faz prevalecer a acção do Estado independentemente de a mesma ser levada ao conhecimento do arguido.

Uma vez que a prescrição tem subjacente a inércia do Estado, em ambos os casos estamos perante a acção e manifestação do desenvolvimento do procedimento criminal.

Em termos de coerência, as situações são semelhantes: se o arguido não foi notificado da acusação e o processo seguiu para a fase de julgamento e nesta fase for declarado contumaz, ninguém duvida de que a declaração de contumácia interrompe a prescrição do procedimento criminal.

Porém, nesse caso, também o arguido não recebeu qualquer notificação de que foi declarado contumaz e a mesma produz efeitos sem necessidade de ser notificada ao arguido; também aqui não foi levado ao conhecimento do arguido a vontade do exercício da acção punitiva do Estado.

Tal acontece porque o que releva é o desenvolvimento da actividade processual, por parte do Estado, tendente ao avanço do exercício da acção penal contra a pessoa investigada, “constituída” arguida por força do artigo 57º, nº 1, do Código de Processo Penal, sendo manifesto que não existe, aí, qualquer inércia do Estado ou expectativa do visado.

Tal não contende (e conjuga-se) com a “notificação da acusação” (prevista na alínea b) do nº 1, do artigo 121º) exactamente para acautelar os casos em que existe dificuldade em localizar o arguido e por forma a concretizar tal comunicação.

Nesta perspectiva, temos que:

- o prazo prescricional deste procedimento criminal é de cinco anos (pena até 3 anos de prisão e artigo 118º, nº 1, alínea c), do Código Penal4);

- tal prazo começou a correr no dia 14 de Fevereiro de 2012 (facto provado 59 e artigo 119º, nº 1);

- a 11 de Janeiro de 2017 ocorreu a primeira interrupção do prazo de prescrição do procedimento criminal com a dedução da acusação pública (AA adquiriu a qualidade de arguido nos termos do artigo 57º, nº 1 do Código de Processo Penal e 121º, nº 1, alínea a) do Código Penal);

- nessa data começou a correr novo prazo de prescrição (artigo 121º, nº 2);

- a 06 de Junho de 2017, ocorreu nova causa de interrupção daquele prazo prescricional, com a declaração de contumácia do arguido (artigo 121º, nº 1, alínea c));

- para além da interrupção, nesta data, iniciou-se a suspensão da prescrição do procedimento criminal com essa declaração de contumácia (artigo 120º, nº 1, alínea c));

- tal suspensão não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição (artigo 120º, nº 3);

- a contumácia vigorou até 06 de Outubro de 2021, o que significa que a suspensão da prescrição se manteve durante toda a contumácia pois não atingiu os cinco anos (entre 06.06.2017 e 06.10.2021);

- após a cessação daquela suspensão, deveria começar a contar novo prazo prescricional, devido à interrupção que havia ocorrido com a declaração de contumácia (artigos 120º, nº 6 e 121º, nº 2);

- todavia, nessa mesma data, por força do artigo 120º, nº 1, alínea b), iniciou-se nova suspensão da prescrição, por três anos (artigo 120º, nº 2) enquanto o procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação;

- ressalvado o tempo de suspensão (a partir de 06.06.2017), desde o seu início não decorreu o prazo normal de prescrição acrescido de metade (sete anos e seis meses) a que alude o artigo 121º, nº 3, pois desde 14 de Fevereiro de 2012 até 06 de Junho de 2017 decorreram apenas cinco anos quatro meses e 23 dias.

Assim sendo, não se pode concluir pela prescrição do procedimento criminal como pretende o arguido AA.

Pelo exposto, nos termos das disposições legais citadas, indefiro o requerido pelo arguido, não declarando a extinção do procedimento criminal relativo ao crime de falsificação de documento, por não se verificar a prescrição do procedimento criminal.

Notifique”.

              *

              *

  

 C – Cumpre apreciar e decidir.

Começa-se por apreciar a questão suscitada no recurso do arguido já que o resultado dessa apreciação pode prejudicar o conhecimento do recurso interposto pelo Ministério Público.

A questão fulcral suscitada pelo arguido é a de saber se a dedução da acusação conduz, ou não, à constituição de arguido exigida pelo artigo 121º, nº 1, alínea a), do Código Penal.

Pois bem.

Nos termos do artigo 121º, nº 1, do Código Penal “a prescrição do procedimento criminal interrompe-se:

a) Com a constituição de arguido;

b) Com a notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, com a notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou com a notificação do requerimento para aplicação da sanção em processo sumaríssimo;

c) Com a declaração de contumácia;

d) Com a notificação do despacho que designa dia para audiência na ausência do arguido”.

A constituição de arguido encontra-se definida no artigo 58º do Código de Processo Penal.

De acordo com o nº 2 desta norma legal, “a constituição de arguido opera-se através da comunicação, oral ou por escrito, feita ao visado por uma autoridade judiciária ou um órgão de polícia criminal, de que a partir desse momento aquele deve considerar-se arguido num processo penal e da indicação e, se necessário, explicação dos direitos e deveres processuais referidos no artigo 61.º que por essa razão passam a caber-lhe”.

Por sua vez, nos termos do artigo 57º, nº 1, do mesmo diploma legal, “assume a qualidade de arguido todo aquele contra quem for deduzida acusação ou requerida instrução num processo penal”.

Não existe neste caso uma constituição formal de arguido, nos termos mencionados no artigo 58º, nº 2, do Código de Processo Penal. Porém, a pessoa contra quem for deduzida uma acusação assume a qualidade de arguido.

Temos, pois, duas situações distintas: uma constituição de arguido e uma assunção da qualidade de arguido.

Voltando agora ao artigo 121º, nº 1, do Código Penal, a alínea a) refere-se à constituição de arguido.

Constituição esta que só pode significar a identificada no artigo 58º, nº 2, do Código de Processo Penal, sob pena de quebra, grave, da unidade do sistema jurídico.

Se assim não fosse, com toda a certeza a alínea a) do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Penal teria outra redacção, mais abrangente, como por exemplo “com a assunção da qualidade de arguido”, ou mesmo “com a constituição ou assunção da qualidade de arguido”.

Acresce que, relativamente à acusação, a lei diz expressamente na alínea b) do nº 1 do artigo 121º que a prescrição do procedimento criminal interrompe-se com a notificação da acusação.

Isto é, segundo a letra da lei, a acusação interrompe a prescrição quando for notificada.

Pergunta-se então: quis o legislador que a prescrição se interrompesse com a dedução da acusação e também com a notificação dessa acusação?

Entende-se que não. Não é isso que resulta da letra da lei.

Quanto ao seu espírito, como afirma o TC no Acórdão nº 483/2002, consultável in TC > Jurisprudência > Acordãos > Acórdão 483/2002  TC-Jurisprudência-Acórdãos TC > Jurisprudência > Acordãos > Acórdão 483/2002 TC > Jurisprudência > Acordãos > Acórdão 483/2002 “é sabido que a interrupção da prescrição tem como fundamento a existência de actos processuais que, ocorridos em normalidade, levam ao conhecimento do arguido a vontade de exercício da acção punitiva do Estado, pelo que o decurso do tempo contado desde o assacado cometimento da infracção não poderá, sem mais, ser tido em conta para efeitos de contagem ininterrupta do prazo prescricional, não obstante as vicissitudes processuais normais, se o arguido soube, concretamente, daquela vontade de exercício.

Se assim não fosse, e porque um processamento acarreta, necessariamente, um dispêndio temporal, então pôr-se-ia em causa o próprio fim do processo”.

De facto, é o que resulta precisamente da análise do nº 1 do artigo 121º do Código Penal.

E não se diga que tal situação não se verifica com a declaração de contumácia, já que esta tem em vista a notificação do arguido por editais face à impossibilidade de o notificar por outra forma – cfr. artigo 335º do Código de Processo Penal.

A ser assim, nunca se poderia enquadrar na alínea a) do nº 1 do artigo 121º do Código Penal uma assunção da qualidade de arguido, ope legis, já que não é praticado qualquer acto que leve, ou pretenda levar, ao seu conhecimento a vontade de exercício da acção punitiva do Estado.

Como também reconhece o despacho recorrido, é, de facto, esta a posição da jurisprudência.

A título de exemplo, veja-se o Ac. da RC de 19.9.2012, in www.dgsi.pt, onde se lê que “a referência expressa do artigo 121º, n.º 1, al. a), do Código Penal, à “constituição de arguido” só pode ser entendida no sentido rigoroso definido nos artigos 58º e 59º, do Código de Processo Penal.

No mesmo sentido referiu o Ac. da RL de 14.1.2010, in www.dgsi.pt, que “a assumpção da qualidade de arguido, operada no artigo 57º, nº 1 do C.P.P. tem de ser entendida como só se verificando com a notificação ao suspeito, da acusação contra si deduzida e não, com a simples prolação da acusação. A mera dedução da acusação não se equipara à constituição de arguido, para efeito de interrupção do prazo de prescrição do procedimento criminal”.

Voltando ao caso concreto, como consta no despacho recorrido, o prazo prescricional deste procedimento criminal é de cinco anos (pena até 3 anos de prisão e artigo 118º, nº 1, alínea c), do Código Penal) e tal prazo começou a correr no dia 14 de Fevereiro de 2012.

Como defende o arguido, até 14.2.2017 não ocorreu qualquer causa de interrupção ou suspensão da prescrição. A 11.1.2017 foi deduzida acusação, mas esta, como se viu, só por si, não é causa de interrupção da prescrição.

A primeira causa interruptiva ocorreu a 6.6.2017 com a declaração de contumácia do arguido.

Porém, nesta data já o procedimento criminal se encontrava prescrito.

A ser assim, deve ser declarado extinto o procedimento criminal movido ao arguido, relativamente ao crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelos artigos 255º, alínea a), e 256º, nº 1, alíneas a), c), d), e) e f), ambos do Código Penal, por prescrição.

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Pelo exposto, deve ser concedido provimento ao recurso do arguido.

Em consequência, fica prejudicado o recurso interposto pelo Ministério Público.

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          D – Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos decide-se conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido e em consequência:

- declarar extinto o procedimento criminal movido ao arguido, relativamente ao crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelos artigos 255º, alínea a), e 256º, nº 1, alíneas a), c), d), e) e f), ambos do Código Penal, por prescrição;

- considerar prejudicado o recurso interposto pelo Ministério Público.

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               Sem custas relativamente a ambos os recorrentes (artigo 513º, nº 1, do Código de Processo Penal, a contrario, no que respeita ao arguido).

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 Notifique.

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              Coimbra, 21 de Junho de 2022.

(Elaborado, revisto e assinado electronicamente pela signatária – artigo 94º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal).

      Rosa Pinto – Relatora