Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
177/15.0PAPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELENA BOLIEIRO
Descritores: ROUBO
CO-AUTORIA
ACTOS DE EXECUÇÃO
Data do Acordão: 05/24/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (J L CRIMINAL DE POMBAL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: 24-05-2017
Sumário: I - A execução conjunta do facto não exige que todos os agentes intervenham em todos os actos organizados ou planeados que se destinem a produzir o resultado típico pretendido, bastando que a actuação de cada um deles constitua elemento componente do conjunto da acção e se revele essencial à produção daquele resultado acordado.

II - Para haver co-autoria no crime de roubo “não é necessário que todos os agentes subtraiam o bem ou exerçam meios de coacção; deverão é ter todos “o domínio do facto”: ter decidido e planeado em conjunto, podendo haver uma divisão das tarefas”- Cf. Conceição Ferreira da Cunha, anotação ao artigo 210.º do Código Penal, in Jorge de Figueiredo Dias (coord.), Comentário Conimbricence do Código Penal, tomo II, Coimbra Editora, 1999, pág.177.

III - Daí que, tendo em vista a delimitação típica do crime de roubo e a tutela da liberdade de decisão e acção, enquanto bem jurídico de natureza pessoal revelado no elemento objectivo relativo aos meios empregues na subtracção ou constrangimento a entregar a coisa, a presença do agente na execução, ainda que aparentemente inactiva, poderá ser considerada co-autoria quando representa um acto de intimidação da vítima, sendo, pois, tal presença susceptível de se identificar com a realização do modo vinculado de execução previsto no tipo e preenchendo, assim, pelo menos em parte, o correspondente elemento constitutivo.

IV - Apesar de a recorrente não ter executado qualquer acto material, a sua presença no local do crime durante toda a sua execução, acompanhando os restantes co-arguidos, conjugada com o teor do plano conjunto previamente acordado, que contemplava o recurso a ameaças ou violência, se necessário (cf. facto provado n.º 1), revela-se consonante com uma posição de poder intervir se e quando tal se mostrasse necessário, a fim de garantir a plena execução do facto criminoso projectado.

V - O conjunto de três pessoas de que a arguida [recorrente] fazia parte e que em superioridade numérica (“três contra um”) se apresentou perante o ofendido, contribuiu para a intimidação daquele e assumiu, portanto, significado no quadro do apontado modo vinculado de execução do crime de roubo, identificando-se a presença da recorrente com a realização de parte do correspondente elemento típico do crime.

VI - Temos, assim, que com a apurada actuação a recorrente tomou parte directa na execução de actos de realização de elementos típicos do crime de roubo, sendo que o seu contributo, conquanto parcelar, na medida em que não desenvolveu qualquer conduta que materialmente correspondesse à utilização dos indicados pé de cabra e arma de softair, a qual foi levada a cabo pelos restantes co-arguidos, reúne as condições necessárias para se considerar que aquela deteve também o domínio funcional do facto, no sentido de que a actividade que desempenhou na realização conjunta do delito se revelou essencial à concretização do plano previamente acordado pelos três arguidos.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório 

1. No Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Instância Local de Pombal – Secção Criminal – J1, o Ministério Público requereu o julgamento em processo comum com intervenção do tribunal singular dos arguidos A... , B... e C... , todos com os demais sinais dos autos, imputando-lhes a prática:

- aos arguidos B... , C... e A... , em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 26.° e 210.°, n.º 1, ambos do Código Penal.

- aos arguidos B... e C... , cada um, em autoria material e em concurso real com aquele crime, de uma contra-ordenação p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 2.°, n.º 1, alínea ag); 3.°, n.º 2, alínea n), e 97.°, n.º 1 da Lei das Armas (Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro).

Por sentença proferida em 7 de Julho de 2016, foram os arguidos condenados nos termos a seguir indicados:

1. O arguido B... , como co-autor material de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses, a qual, nos termos e para os efeitos do artigo 58.º, n.º 1 do Código Penal, foi substituída por 480 horas de trabalho a favor da comunidade.

2. A arguida C... , como co-autora material de um crime de roubo, previsto e punido pelos artigos 210º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, a qual, nos termos e para os efeitos do artigo 58.º, n.º 1 do Código Penal, foi substituída por 480 horas de trabalho a favor da comunidade.

3. A arguida A... , como co-autora material de um crime de roubo, previsto e punido pelos artigos 210.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, a qual, nos termos e para os efeitos do artigo 58.º, n.º 1 do Código Penal, foi substituída por 480 horas de trabalho a favor da comunidade.

4. Os arguidos B... e C... , cada um, pela prática, em autoria material e em concurso real com aquele crime, uma contra-ordenação p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea ag); 3.º, n.º 2, alínea n), e 97.º, n.º 1 da Lei das Armas (Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro), na coima de 400,00 € (quatrocentos euros).

2. Inconformada com a decisão, dela recorreu a arguida A... , finalizando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

“A Sentença Recorrida deverá ser Revogada, sendo Absolvida a Arguida, porquanto em si mesmo estar em dessintonia com os 210º do Código Penal e 410.º, N.º 2, ALÍNEA A) DO C.P.P.

a) Os factos dados como provados, Constantes na Sentença imputados à Arguida A... , não encerram em si mesmo actos de execução da Prática do crime de que veio Acusada e Condenada.

b) A alegação genérica de uma conduta não concretizável em actos geradores de responsabilidade criminal não constitui a verificação do tipo crime, nesta medida constituindo tal alegação na ATIPICIDADE da conduta e consequente Absolvição da Arguida.

c) A condenação da Arguida por indiciação genérico-conclusiva viola o princípio do Acusatório art.º 32 nº 5 da C.R.Portuguesa porquanto, nega a faculdade Constitucional á Arguida de Exercer o Contraditório.

Termos em que Deverá a Sentença Recorrida ser Revoga e em Sua Substituição ser a Arguida Absolvida.

Justiça!”

3. Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):

“1. A decisão do Tribunal a quo fez correta aplicação do direito;

2. Os factos dados como provados e imputados à arguida A... encerram atos de execução, em co-autoria, da prática do crime pelo qual foi condenada.

3. Os factos dados como provados impõem a condenação da arguida A... , como co-autora material de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º, nº 1 do C.P.

4. Não se vislumbra em momento algum qualquer violação de norma legal, designadamente do art. 210º, nº1, do Código Penal, e do artigo 32º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exª. dignarão suprir, negando provimento ao recurso e mantendo, na integra, a douta sentença recorrida, farão como sempre, a costumada

                         JUSTIÇA”.

4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que alude o artigo 416.° do Código de Processo Penal (doravante CPP), emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida. 

5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, a recorrente veio apresentar resposta em que pugna nos termos do recurso interposto.

6. Foi efectuado exame preliminar, após o que, colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre agora decidir.

                                                                   *

II – Fundamentação 

1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 do CPP que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões formuladas na motivação, as quais delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar[1], sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso[2].

Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência da recorrente com a decisão impugnada, a questão a decidir consiste em saber se os factos que se provaram relativamente à arguida A... se subsumem na prática, em co-autoria material, do imputado crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal.

                                                        *

2. A sentença recorrida

2.1. Na sentença proferida na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos:

“1 – No dia 25 de Agosto de 2015, os arguidos B... , C... e A... elaboraram um plano tendo em vista apoderarem-se de objectos e valores pertencentes a D... , para proveito próprio, se necessário com recurso a ameaças ou violência.

2 - Na concretização desse plano, nesse dia, pelas 02H00, e munindo-se previamente de um pé de cabra, os arguidos deslocaram-se ao parque de terra batida existente nas traseiras do Bairro S. João de Deus, Pombal, onde se encontrava D... no interior do veículo de matrícula (...) .

3 - Nisto, o arguido B... muniu-se do pé de cabra, que não foi possível apreender e examinar e, aproximando-se os três arguidos de D... , aquele arguido ordenou que D... saísse do carro, encostando, de seguida, o pé de cabra ao pescoço e a várias partes do corpo, perguntando que bens ou valores tinha consigo.

4 - Seguidamente obrigou D... a sentar-se no banco de trás, sempre com o pé de cabra encostado ao pescoço, ficando C... e A... no exterior, revelando aquele pretensão de se dirigirem, caso nada de valor encontrasse no veículo, para uma máquina multibanco com a finalidade de forçar D... a levantar dinheiro para entregar aos três.

5 - Face à situação que vivia, D... informou que tinha uma arma de softair debaixo de um casaco que se encontrava no lado do passageiro da frente, a qual foi agarrada pelo arguido B... e posteriormente passada à arguida C... , que assim a passou a encostar ao ombro de D... , já no exterior do veículo, enquanto B... passava uma “revista” ao automóvel.

6 - Após, enquanto C... estava com a arma encostada ao ombro de D... , o arguido B... ia tocando com o pé de cabra nos bolsos, questionando o D... sobre os valores e objectos que tinha consigo, forçando-o a entregar o telemóvel que possuía e ainda todo o dinheiro que tinha, no valor de cerca de 5€, ao arguido.

7 - O telemóvel era da marca Wiko, modelo Highway 4G, com n.º de serie IMEI (...) , tendo o valor aproximado de 150€ e arma de softair tinha o n.º M-673731, ostentava o n.º 2014041247, com comprimento total de 22 cm, calibre 6mm BB, sendo que estava pintada com cor fluorescente em 5 cm a contar da boca do cano e na totalidade do punho, com um valor aproximado de 75€.

6 - Após se terem apoderado dos aludidos objectos e valores, os três arguidos colocaram-se em fuga numa viatura de marca Opel, modelo Corsa, de cor branca, pertencente à arguida C... .

7 - Ao praticar os factos descritos, os arguidos agiram com o propósito comum e conjuntamente concretizado de se apoderarem dos referidos objectos e valores, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam, eram de outrem e que actuavam sem o consentimento e contra a vontade do respectivo dono.

8 - De facto, ao apresentarem-se os três contra um, portanto em superioridade numérica, após terem forçado D... , através do uso de um pé de cabra, a entregar bens e valores que tivesse consigo, insistindo que teria de os entregar, agiram com o propósito, concretizado, de intimidar D... , fazendo-o recear pela sua integridade física e até vida caso não obedecesse ao ordenado, com ameaças expressas de uso de violência através do pé de cabra e após, com a arma de softair que haviam subtraído àquele.

9 - Actuaram os arguidos, nas situações descritas, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas criminalmente.

10 - A arma de softair e o telemóvel foram apreendidos posteriormente pela PSP, na posse de B... , sendo que a tinta de cor fluorescente que se encontrava no cano havia sido raspada.

11 - Das condições económicas, sociais, pessoais e antecedentes de B... o segundo filho de um conjunto de 3 irmãos (um rapaz mais velho e uma rapariga mais nova), nascidos num contexto familiar desestruturado, disfuncional e desorganizado.

12 - Há mais de 20 anos que esta família, com origem no concelho de Condeixa (freguesia do (...) ), se fixou em Pombal, por melhor acessibilidade profissional e “maior facilidade de vida”, verificando-se alguma mobilidade habitacional no seu percurso.

13 - Desde o inicio da constituição familiar que sobressaíram diversos problemas familiares, tais como o alcoolismo paterno, a violência domestica (persistente há vários anos entre os progenitores, que já foram alvo de procedimento judicial, com cumprimento de medidas penais por parte do progenitor), a negligência na prestação de cuidados e a incapacidade parental para conduzir um processo educativo firme, coerente e adequado.

14 - Todo este perfil parental negligente marcou e condicionou o processo educativo do arguido, ao qual tem vindo a reagir desadequadamente, cuja maior manifestação se revela nos comportamentos disruptivos e explosivos que vem assumindo nos vários contextos em que se encontra (escola, família, comunidade), num crescendo de desadequação comportamental geral.

15 - A sua ligação à família e à figura materna, em particular, revela-se muito forte, havendo uma vinculação afetiva mais vincada com a mãe. Esta, tem tentado conduzir o seu processo educativo, mas a sua fragilidade emocional e as várias tentativas de suicídio que tem efectuado (com vários internamento no serviço de psiquiatria), não lhe permitem assumir o seu papel e denotam, mesmo, a sua incapacidade para lidar e educar os filhos.

16 - O pai é uma figura relacionalmente violenta e educativamente amórfica, cujas atitudes não são respeitadas, nem valorizadas.

17 - O arguido tem sido sujeito a condições educativas ambíguas, permissivas e inconsistentes, num ambiente instável, hostil e pouco securizante, que resulta num fator preditor de condutas delinquentes e geradoras de dificuldades de inserção social.

18 - Relativamente ao percurso escolar do arguido, este foi marcado por problemas de comportamento e mau relacionamento com os colegas, professores e auxiliares, que foram recrudescendo de intensidade e frequência, provocando uma sucessão de medidas disciplinares e a intervenção do sistema da Justiça e da Proteção Social.

19 - Entre 2010 e 2014 cumpriu medida de acolhimento em instituição especializada, na Casa (...) , Castelo Branco. Nesta instituição frequentou curso PIEF, tendo concluído o 9º ano de escolaridade. Após o termo da medida, B... integrou curso profissional na ETAP, mas abandonou-o apenas alguns dias depois.

20 – Quando terminou a medida de colocação institucional, ainda com 17 anos, B... regressou ao meio familiar de origem, que reside, atualmente, num apartamento, de tipologia T4, situado nos limites urbanos de Pombal, que arrendaram em Dezembro de 2015, junto à sua primeira residência em Pombal e onde o arguido é conhecido. No entanto, possuem uma outra habitação em (...) , Condeixa-a-Nova, junto dos avós maternos, para onde a família se desloca todos os fins-de-semana e onde, por vezes também pernoitam durante a semana. No meio local esta família é tida como desordeira pelos desacatos provocados pelos desentendimentos do casal, pela fraca capacidade educativa, supervisão parental e permissividade e pelos comportamentos desajustados e problemáticos dos filhos, sobretudo do arguido e seu irmão – E... – os quais manifestam comportamentos de risco: provocam desacatos no meio vicinal; assumem atitudes provocatórias e irreverentes com violência verbal e física; assumem hábitos aditivos e fazem-se acompanhar outros jovens com idênticos comportamentos desadequados e desviantes.

21 - Atualmente, o agregado familiar de origem, que o arguido integra, é composto: pelo casal progenitor – F... , de 50 anos, empregado fabril e G... , de 54 anos, desempregada; e os 3 filhos – E... , de 23 anos, desempregado e H..., de 12 anos de idade, estudante do 6º ano de escolaridade.

22 - Economicamente, a mãe encontra-se atualmente desempregada, pelo que a família tem como suporte estável apenas o trabalho do pai, como operário na empresa “S (...) ”, desde há mais de 20 anos, com um vencimento de 700,00€ mensais, bem como a prestação familiar da filha mais nova, no valor de 30,00€. Têm como despesas mensais a renda da casa, no valor de 260 € e respetiva manutenção, bem como as despesas de saúde/medicação, no valor medio de 70 €.

23 – O progenitor não comparticipa para as despesas domésticas, gastando o seu vencimento em proveito próprio, sobretudo em bebidas alcoólicas que consome de forma excessiva, a situação económica da família é vivida como deficitária. Será com o apoio das pensões de reforma auferidas pelos avós maternos e da pequena agricultura de subsistência que desenvolvem em pequenas parcelas de terra de propriedade destes, que a família vai fazendo face às suas despesas e alimentação.

24 - O arguido encontra-se dependente dos pais e não apresenta qualquer atividade estruturada do seu tempo, nem motivação para integrar o sistema de ensino, nem o mercado de trabalho, permanecendo em total inatividade, passando o seu tempo na rua, em convívio com outros jovens problemáticos. Junto destes assume algumas características de liderança, imposta por recurso a comportamentos de alguma violência e impulsividade, características que baseiam as suas interações sociais e relacionamento interpessoal.

25 - B... é um jovem que tem demonstrado incapacidade em se adaptar às normas e regras quer da convivência social, quer escolares e familiares, desafiando toda a autoridade que lhe vem sendo imposta, revelando um carácter indisciplinado e provocador. Evidencia um comportamento desadequado, e manifesta sentimentos de raiva para com o meio que o rodeia, com atitudes explosivas em face de pequenas contrariedades ou frustrações, reagindo desadequada e impulsivamente aos estímulos e confrontos exteriores. A impulsividade e o descontrolo são atitudes sempre presentes no seu relacionamento com o mundo que o rodeia, com total oposição à autoridade e sem interiorização de quaisquer limites.

26 - B... continua a evidenciar dificuldades de socialização que comprometem a sua integração na sociedade, uma ausência de limites e de respeito pela autoridade, que o colocam numa posição de grande risco social.

27 - Continua sem apresentar qualquer projeto de vida consistente, nem interesse em qualquer atividade escolar ou formativa, revelando elevadas dificuldades na resolução dos problemas do dia-a-dia, gerando sucessivas situações problemáticas ao nível do relacionamento interpessoal.

28 - Nos contextos grupais, revela uma incapacidade para antecipar as consequências dos seus atos, deficiente autocontrolo, e inconsciência da gravidade que podem constituir alguns dos seus atos, tornando-se um jovem instável, impulsivo e vulnerável a influências negativas. Organizou um grupo com outros jovens com idênticos comportamentos, lidera-os e desenvolvem em conjunto algumas ações ilícitas ou outros atos considerados nefastos ao seu desenvolvimento e á sua integração social.

29 - O arguido B... apresenta uma condenação averbada no seu registo criminal, pela prática de um crime de furto de uso de veículo e condução sem habilitação legal.

30 – C... vive com o namorado, desempregado, em casa arrendada para o efeito, suportando como contrapartida do uso da mesma a quantia de 130,00 €.

31 – A arguida trabalhou até há pouco tempo atrás no supermercado, estando aguardar colocação em novo posto de trabalho relacionado com a hotelaria.

32 – A arguida tem como habilitações o 12.º ano de escolaridade.

33 – A arguida referiu beneficiar de apoio dos pais e familiares.

34 - A... , de 16 anos de idade, integra uma fratria de dois elementos, ambos do sexo feminino, sendo, por ordem de nascimento, a mais velha. A irmã tem 13 anos.

35 - Os pais da arguida encontram-se laboralmente ativos, o pai como gerente de empresa sediada em Angola na área dos equipamentos sanitários e de construção, e a mãe empregada numa grande superfície/supermercado em Pombal, local de residência da família.

36 - A situação económica da família permite satisfazer as necessidades dos seus elementos, referindo A... não ter, ao longo da sua vida, sofrido qualquer tipo de privação, e as relações familiares foram-nos descritas como adequadas, pautando-se pelo afeto, disciplina e respeito mútuos.

37 - No meio a família é tida por manter relações adequadas entre os seus elementos e, em termos sociais, como enquadrada, cumpridora e respeitadora das normas. A residência integra zona habitacional sem problemáticas de marginalidade.

38 - A infância e adolescência de A... decorreram sem ocorrências significativas ou desvios à norma. Em termos académicos não regista reprovações ou infrações disciplinares. No ano lectivo transato concluiu o 10.º ano de escolaridade.

39 - No âmbito de Processo de Promoção e Proteção a arguida encontrou-se entre 14 de setembro de 2015 e 24 de Junho de 2016 na ART, Associação de Respostas Terapêuticas, sita em Castro Verde, por apresentar alterações do comportamento, as quais atingiram níveis preocupantes mas parecem situar-se em curto período de tempo, restritas ao verão de 2015, período que coincidiu com uma relação de namoro em resultado da qual abandonou o agregado familiar tendo, durante cerca de dois meses, partilhado a residência do namorado e progenitora deste.

40 - O envolvimento emocional com o namorado, o co-arguido B... , com hábitos, estilo e objetivos de vida muito diferentes, levou ao contacto e consumo de substâncias alteradoras da consciência e contacto com o Sistema de Administração da Justiça.

41 - A relação, fortemente contrariada desde o seu início pelos progenitores, é referida atualmente como finda e qualificada como desestruturante e desviada do projeto de vida pela arguida, lamentando, paralelamente, o sofrimento causado à família.

42 - Na ART a arguida sempre demonstrou interesse e disponibilidade para participar nas atividades da Comunidade e cumpriu as regras e normas de funcionamento da mesma. Respeita adultos e pares, estabelecendo relações próximas e adequadas. Detentora de boas competências empáticas, reflexivas e de auto-análise, a intervenção terapêutica apresenta resultados positivos.

43 - As arguidas não possuem qualquer condenação averbada no seu registo criminal”.

2.2. Quanto a factos não provados, da sentença recorrida consta o seguinte:

“Não se provou que:

a) nas circunstâncias descritas em 4) dos Factos Provados, sentou-se a arguida C... como condutora da viatura e A... como passageira;

b) nas circunstâncias descritas em 6) dos Factos Provados, a arguida C... avisou D... para não “levantar pó” sobre o que tinha sucedido, querendo significar que aquele não deveria ir à Polícia relatar o sucedido;

Os demais factos alegados configuram juízos conclusivos de facto e/ou direito”.

2.3. No que respeita ao enquadramento jurídico-penal relevante para a questão a apreciar no presente recurso e tendo em vista a imputada prática, em co-autoria material, do crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, o tribunal a quo fez constar o seguinte (transcrição):

“Nos termos do artigo 26º da lei penal substantiva, é punível como autor "quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução".

Na doutrina como na jurisprudência a pedra angular na interpretação da comparticipação emergente daquele normativo vem sendo comummente identificada e/ou feita coincidir com o critério do domínio do facto.

Apertis verbis: autor é quem domina o facto, quem dele é "senhor", quem toma a execução "nas suas próprias mãos" de tal modo que dele depende decisivamente o "se" e o "como" da realização típica.”

Porém, se é verdade que o "Senhor" do facto pode dominar este ora procedendo ele próprio à realização típica (autoria imediata), ora, sem nesta fisicamente participar, determinando outrem - pela subjugação da vontade - àquela realização (autoria mediata), é ainda possível um tertium genus de domínio como seja aquele que se realiza já não de forma individualizada e exclusiva (pessoal/auto-responsabilizada), antes comparticipada.

O domínio do facto concretiza-se então no âmbito de uma divisão de tarefas com outros agentes. Num alargamento intersubjectivo que não prescinde, todavia, da unidade de sentido objectivo-subjectivo. Dizer, ainda: onde a comparticipação há-de ser formada cumulativamente, assim pela vontade directora do facto, assim pela importância material da intervenção no facto com referência a todos e a cada um em particular, dos agentes.

Ou seja, na autoria alargada à comparticipação com pluralidade de agentes (coautoria) exige-se:

i) À cabeça, a vinculação recíproca por meio da resolução conjunta (elemento subjectivo) o que valerá dizer que a co-autoria pressupõe o acordo, com o sentido de decisão, expressa ou tácita, para a realização de determinada acção típica (o facto);

ii) Acrescerá, depois, a participação directa na execução conjunta do facto ou dizer, a participação directa na execução, juntamente com outro ou outros, a qual, suposta a consciência da colaboração, assentará num exercício conjugado e com intervenção ordenada no domínio do facto de modo a constituir-se numa contribuição objectiva para a realização da acção típica.

Na co-autoria, desenham-se, então e respectivamente, qual elemento subjectivo: o acordo, com o sentido de decisão para a realização de determinada acção típica; qual elemento objectivo: a realização conjunta do facto tomando o agente parte directa na respectiva execução.

Cumulativamente, repete-se, são pressupostos para a verificação da co-autoria: de uma parte, a consciência da colaboração enformada a partir do acordo prévio para a realização do facto; de outra, a realização conjunta, onde o co-autor preservará, ainda, o domínio funcional da actividade que realiza, sabendo-a integrada no conjunto da acção para a qual deu o seu acordo e se dispôs a levar a cabo.

Assim, a co-autoria baseia-se no nosso sistema no princípio do actuar em divisão de trabalho e na distribuição funcional de papéis. Todo o colaborador é, aqui, como um parceiro dos mesmos direitos, co-titular da resolução comum para o facto e da realização comunitária do tipo, de modo a que as contribuições individuais se completem num todo unitário e de forma a que o resultado total deva ser imputado a todos os participantes.

Na formulação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.10.2004, disponível em www.dgsi.pt., “a co-autoria fundamenta-se também no domínio do facto; o domínio do facto deve ser, então, conjunto, devendo cada co-autor dominar o facto global em colaboração com outro ou outros. A co-autoria supõe sempre uma ‘divisão de trabalho' que torne possível o crime, o facilite ou diminua essencialmente o risco da acção». «Exige uma vinculação recíproca por meio de uma resolução conjunta, devendo cada co-autor assumir uma função parcial de carácter essencial que o faça aparecer como co-portador da responsabilidade para a execução em conjunto do facto. Por outro lado, a contribuição de cada co-autor deve revelar uma determinada medida e significado funcional, de modo que a realização por cada um do papel que lhe corresponde se apresente como uma peça essencial da realização do facto”.

Todavia, e como vem sendo defendido na jurisprudência, o acordo para a realização conjunta do facto não tem que ser prévio, nem pressupondo, necessariamente, a participação de todos os agentes na elaboração do plano comum de execução do facto.

Por outro lado, o acordo que não tem de ser expresso e pode manifestar-se através de qualquer comportamento concludente no sentido da consciência bilateral de colaboração.

Compulsada a matéria dada como provada, considerando desde logo, a forma como todos os arguidos actuaram, forma concertada, extraindo-se da sua actuação global comportamentos concludentes no sentido de terem acordado a execução conjunta de crime de roubo na pessoa do D... . E, considerando o facto de lhes ser imputada a prática do crime sob a forma de co-autoria, a verdade é que face aos factos dados como provados temos a resolução conjunta e que cada dos arguidos teve o domínio do facto global em colaboração com outro ou outros, que se logrou conseguir atenta a factualidade dada como provada e conforme já expandido em sede de motivação.

Concluímos necessariamente por uma resolução conjunta de todos os arguidos tendo em vista mediante ameaça com mal importante para a sua integridade física, vida, seja através do uso do pé de cabra colocado junto do corpo do ofendido, seja através da arma de softair, encostada ao ombro do ofendido, de modo a apropriarem-se dos bens móveis daquele (como conseguiram), existindo um nexo causal entre a conduta de todos eles”.                                             
                                                            *

3. Apreciando

No presente recurso discute-se se os factos que se provaram relativamente à arguida (ora recorrente) A... se subsumem na prática, em co-autoria material com os arguidos B... e C... , do imputado crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal.

Neste contexto, a recorrente sustenta que a matéria de facto prova é insuficiente para concluir no sentido de que a mesma praticou aquele crime de roubo, daí extraindo que a sentença recorrida se encontra em dessintonia com o artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP, assim o indicando nas conclusões do recurso.

Ora, o citado normativo respeita ao vício decisório de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada que, a verificar-se, tem como consequência o reenvio do processo do novo julgamento (cf. artigo 426.º do CPP).

Existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a factualidade dada como provada na decisão se revela insuficiente para fundamentar a solução de direito alcançada e quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto que, sendo relevante para a decisão final, podia e devia ter investigado.[3]

Tal não é, contudo, a situação invocada pela recorrente, ao sustentar que os factos provados não são suficientes para fazer preencher os pressupostos do crime de roubo cuja prática lhe foi imputada, em co-autoria material com os demais arguidos.

Na perspectiva da recorrente, os factos provados permitem uma decisão que deve ser diversa da que foi tomada pelo tribunal a quo, estando, pois, em causa um erro de julgamento e de integração daquela factualidade e não de insuficiência como vício previsto no apontado normativo, conducente à impossibilidade de permitir uma qualquer decisão segundo as várias soluções plausíveis para a questão.

Ficando, por conseguinte, afastada qualquer situação susceptível de consubstanciar o vício decisório previsto no citado artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP.

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Na linha do que se refere na sentença recorrida, o crime de roubo, previsto e punido no artigo 210.º do Código Penal, tem como elementos objectivos a subtracção de coisa móvel alheia a outra pessoa ou o constrangimento dessa pessoa a que a coisa seja entregue ao agente, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir.

No plano subjectivo, para além do dolo, em qualquer das suas modalidades, consubstanciado no conhecimento e vontade de realização dos elementos objectivos do tipo, o crime de roubo (tal como o furto) pressupõe o dolo específico caracterizado pela intenção ilegítima apropriação para si ou para outrem, ou seja, o propósito de o agente integrar a coisa móvel alheia no seu património ou no património de terceiro, contra a vontade do seu proprietário.

O tipo em análise tutela bens jurídicos de natureza patrimonial (a propriedade) e pessoal (a vida, a integridade física e a liberdade de decisão e acção), sendo esta vertente complexa, em que a dimensão pessoal protegida assume particular relevo, que confere ao crime de roubo as características que o distingue dos “simples” ilícitos contra o património, em particular do furto.

A protecção de bens jurídicos pessoais entronca na exigência típica de que a subtracção ou o constrangimento se faça por meio de violência, que tanto pode ser física como psíquica, posto que exercida contra pessoas, ameaça, caracterizada, no essencial, pela mensagem explícita de perigo iminente para a vida ou para integridade física, ou colocação na impossibilidade de resistir, entendida esta como uma forma de violência que inclui, nomeadamente, a hipnose, a ingestão de álcool, medicamentos ou drogas[4].

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Tendo presentes os elementos do tipo assim descritos e os pressupostos relativos à autoria, previstos no artigo 26.º do Código Penal, cumpre então analisar se a factualidade que se provou em relação à recorrente consubstancia a prática, em co-autoria material, do imputado crime de roubo.

Na sentença recorrida o tribunal a quo discorre sobre o sentido a dar ao conceito de co-autoria, partindo da doutrina do domínio do facto e identificando como seus pressupostos o elemento subjectivo consubstanciado no acordo, com o sentido de decisão, expressa ou tácita, para a realização de determinada acção típica, e o elemento objectivo que se caracteriza pela realização conjunta do facto, tomando o agente (co-autor) parte directa na respectiva execução.

Precise-se, contudo, que a execução conjunta do facto não exige que todos os agentes intervenham em todos os actos organizados ou planeados que se destinem a produzir o resultado típico pretendido, bastando que a actuação de cada um deles constitua elemento componente do conjunto da acção e se revele essencial à produção daquele resultado acordado.

Assim, como se sublinha no Acórdão do STJ de 27-05-2009[5], o co-autor “tem que deter o domínio funcional da actividade que realiza, integrante do conjunto da acção para a qual deu o seu acordo e, na execução de tal acordo, se dispôs a levar a cabo. O domínio funcional do facto próprio da autoria significa que a actividade, mesmo parcelar, do co-autor na realização do objectivo acordado se tem de revelar indispensável à obtenção da finalidade pretendida. A actuação que constitui autoria deve compreender-se em unidade de sentido objectivo-subjectivo, como obra de uma vontade directora do facto; para a autoria é decisiva não apenas a vontade directiva, mas também a importância material da intervenção no facto que um co-agente assume”. Neste contexto, “a co-autoria supõe sempre uma “divisão de trabalho” que torne possível o crime, o facilite ou diminua essencialmente o risco da acção. Na co-autoria a execução é fruto de uma decisão conjunta, em conexão mútua entre as partes de execução do facto a cargo de cada um dos co-autores numa consideração objectiva” (cf. Acórdão atrás citado).

Temos, assim, que não é indispensável que cada um dos agentes intervenha na execução de todos os actos ou tarefas organizadas ou planeadas com vista a produzir o resultado típico pretendido, importante é que a actuação de cada um, embora parcial, se integre no todo e conduza à produção daquele objectivo, dispondo e exercendo cada um deles na corresponde tarefa singularmente desenvolvida o apontado domínio funcional do facto.

O que no caso do ilícito que ora nos ocupa significa que para haver co-autoria no crime de roubo “não é necessário que todos os agentes subtraiam o bem ou exerçam meios de coacção; deverão é ter todos “o domínio do facto”: ter decidido e planeado em conjunto, podendo haver uma divisão das tarefas”[6].

Daí que, tendo em vista a delimitação típica do crime de roubo e a tutela da liberdade de decisão e acção, enquanto bem jurídico de natureza pessoal revelado no elemento objectivo relativo aos meios empregues na subtracção ou constrangimento a entregar a coisa, a presença do agente na execução, ainda que aparentemente inactiva, poderá ser considerada co-autoria quando representa um acto de intimidação da vítima, sendo, pois, tal presença susceptível de se identificar com a realização do modo vinculado de execução previsto no tipo e preenchendo, assim, pelo menos em parte, o correspondente elemento constitutivo.[7]

Nada havendo a apontar quanto ao quadro geral traçado na sentença recorrida, no tocante ao critério a atender para se considerar verificada uma actuação em co-autoria, cumpre então avaliar se, em concreto, os factos provados quanto à recorrente preenchem todas as exigências que caracterizam tal critério.

In casu, é manifesta a existência de acordo prévio adoptado de forma expressa pelos arguidos B... , C... e A... (ora recorrente), tendo em vista a realização do roubo ao ofendido D... , que é, assim, o sujeito passivo do ilícito: “No dia 25 de Agosto de 2015, os arguidos B... , C... e A... elaboraram um plano tendo em vista apoderarem-se de objectos e valores pertencentes a D... , para proveito próprio, se necessário com recurso a ameaças ou violência” (cf. facto provado n.º 1).

Para além da apontada dimensão objectiva do acordo prévio, a factualidade apurada encerra também a correspondente vertente subjectiva (1), o mesmo sucedendo com o elemento típico do dolo específico exigido pelo tipo em análise (2) e bem assim com o necessário dolo genérico (3), ambos presentes em todos os arguidos: “Ao praticar os factos descritos, os arguidos agiram com o propósito comum e conjuntamente concretizado (1) de se apoderarem dos referidos objectos e valores, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam, eram de outrem e que actuavam sem o consentimento e contra a vontade do respectivo dono” (2). “Actuaram os arguidos, nas situações descritas, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas criminalmente” (3) (cf. factos provados n.os 7 e 9).

No que à execução do delito diz respeito, verifica-se que a recorrente, ainda que conjuntamente com os co-arguidos, adquiriu o domínio fáctico dos bens do ofendido que concomitantemente ficou privado de tal poder de facto, ao ter procedido, sob constrangimento, à sua entrega, preenchendo, pois, a factualidade apurada o correspondente elemento: “Após se terem apoderado dos aludidos objectos e valores, os três arguidos colocaram-se em fuga numa viatura de marca Opel, modelo Corsa, de cor branca, pertencente à arguida C... ” (cf. facto provado n.º 6, sendo o itálico nosso).

Já quanto aos meios que caracterizam o modo vinculado de execução do crime de roubo, ou seja, o uso de violência, de ameaça de perigo iminente para a vida ou integridade física ou de colocação na impossibilidade de resistir, em ordem a concretizar a subtracção ou o constrangimento à entrega da coisa, verifica-se que a recorrente esteve presente em toda a actuação levada a cabo em concretização do plano previamente acordado, tendo nesse contexto B... , C... e A... se munido previamente de um pé de cabra e deslocado para o local onde o ofendido se encontrava no interior de uma viatura, formando o grupo de três que em superioridade numérica (“três contra um”) se aproximou do ofendido, momento em que lhe foi ordenado por B... que saísse da viatura, e, após, permanecendo A... com C... no exterior, enquanto o ofendido, obrigado por B... , que encostava o aludido pé de cabra ao pescoço daquele, esteve sentado no banco de trás da referida viatura (cf. factos provados n.os 2, 3 e 4).

É certo que a arguida A... não executou qualquer acto material de utilização do mencionado pé de cabra, tendo tal actuação sido levada a cabo pelo arguido B... , como também não segurou na arma de softair indicada no facto provado n.º 5, encostando-a ao ombro do ofendido, tendo estes actos sido praticados pela arguida C... .

Contudo, a sua presença no local do crime durante toda a sua execução, acompanhando os restantes co-arguidos, conjugada com o teor do plano conjunto previamente acordado, que contemplava o recurso a ameaças ou violência, se necessário (cf. facto provado n.º 1), revela-se consonante com uma posição de poder intervir se e quando tal se mostrasse necessário, a fim de garantir a plena execução do facto criminoso projectado.

Posição que se confirma com o que objectivamente resulta da factualidade apurada sob o ponto n.º 8: “De facto, ao apresentarem-se os três contra um, portanto em superioridade numérica, após terem forçado D... , através do uso de um pé de cabra, a entregar bens e valores que tivesse consigo, insistindo que teria de os entregar, agiram com o propósito, concretizado, de intimidar D... , fazendo-o recear pela sua integridade física e até vida caso não obedecesse ao ordenado, com ameaças expressas de uso de violência através do pé de cabra e após, com a arma de softair que haviam subtraído àquele”.

E da qual se extrai também com a necessária suficiência que o conjunto de três pessoas de que a arguida A... fazia parte e que em superioridade numérica (“três contra um”) se apresentou perante o ofendido, contribuiu para a intimidação daquele e assumiu, portanto, significado no quadro do apontado modo vinculado de execução do crime de roubo, identificando-se a presença da recorrente com a realização de parte do correspondente elemento típico do crime, sem, contudo, se olvidar o papel decisivo que revestiram as ameaças expressas de uso de violência através do pé de cabra e, após, com a arma de softair que, fazendo-o recear pela sua integridade física e até vida, o forçaram a entregar aos arguidos os bens de que se apoderaram.

Sendo ainda de assinalar que a intervenção em superioridade numérica caracterizada na apresentação de “três contra um” junto do ofendido que, como se acabou de dizer, revestiu significado como acto de intimidação, não lograria obter concretização caso a recorrente não prestasse o seu contributo, impedindo, assim, numa perspectiva ex ante[8], a realização do facto típico na forma planeada.

Temos, assim, que com a apurada actuação a recorrente tomou parte directa na execução de actos de realização de elementos típicos do crime de roubo, sendo que o seu contributo, conquanto parcelar, na medida em que não desenvolveu qualquer conduta que materialmente correspondesse à utilização dos indicados pé de cabra e arma de softair, a qual foi levada a cabo pelos restantes co-arguidos, reúne as condições necessárias para se considerar que aquela deteve também o domínio funcional do facto, no sentido de que a actividade que desempenhou na realização conjunta do delito se revelou essencial à concretização do plano previamente acordado pelos três arguidos.

Estando, por conseguinte, verificada uma situação de co-autoria material, nos termos previstos no artigo 26.º do Código Penal, baseada, como vimos, na concreta factualidade que o tribunal a quo considerou demonstrada, é correcto o enquadramento jurídico efectuado na sentença recorrida, ao considerar a recorrente co-autora material do imputado crime de roubo.

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Invoca ainda a recorrente que a sua condenação por indiciação genérico-conclusiva viola o princípio do acusatório consagrado no artigo 32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa porquanto nega a faculdade de aquela exercer o contraditório.

Ora, como resulta do que se expôs supra, a concreta factualidade que o tribunal a quo considerou demonstrada (e que, acrescente-se, não foi objecto de impugnação por banda da recorrente) sustenta a conclusão de que a arguida A... foi co-autora material do imputado crime de roubo.

Assim, e ressalvando sempre o devido respeito, não vemos como se possa considerar que estamos perante uma indiciação genérico-conclusiva que, tanto quanto depreendemos da posição assumida no recurso, decorreria da ausência, na sentença recorrida, de concretização factual em sede da matéria provada que permitisse o preenchimento dos elementos que integram o imputado ilícito.

Não sendo, pois, esse o caso e não se detectando na decisão sindicada qualquer elemento que aponte no sentido de que à recorrente foi negado o exercício do contraditório, a pretensão assim deduzida no recurso deve, por conseguinte, improceder.

                                                        *

Refira-se, por fim, que a pena aplicada à recorrente – 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, substituída por 480 horas de trabalho a favor da comunidade – respeita os critérios estabelecidos nos artigos 40.º, n.os 1 e 2, 71.º e 58.º, todos do Código Penal, tendo ainda o tribunal a quo optado de modo fundamentado pela não atenuação especial prevista no Regime Especial para Jovens (Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro).

Assim, não merece censura a decisão tomada pelo tribunal a quo, a qual deve ser integralmente mantida.

                                                        *

III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso, confirmando, em consequência, a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (artigo 513.º, n.os 1 e 3 do CPP e artigo 8.º, n.º 9 do RCP e Tabela III anexa).

                                

Coimbra, 24 de Maio de 2017

(O presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pela primeira signatária – artigo 94.º, n.º 2 do CPP)

                  

(Helena Bolieiro - relatora)

(Brízida Martins – adjunto)


[1] Na doutrina, cf. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág.335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113. Na jurisprudência, cf., entre muitos, os Acórdãos do STJ de 25-06-1998, in BMJ 478, pág.242; de 03-02-1999, in BMJ 484, pág.271; de 28-04-1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág.193.
[2] Cf. Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 7/95, de 19-10-1995, publicado no Diário da República, Série I-A, de 28-12-1995.
  
  
[3] Cf. Simas Santos e Leal-Henriques, op. cit., pág.74.
[4] Cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.ª ed., Universidade Católica Editora, 2015, pág.826.
[5] Disponível na Internet em <http://www.dgsi.pt>.
[6] Cf. Conceição Ferreira da Cunha, anotação ao artigo 210.º do Código Penal, in Jorge de Figueiredo Dias (coord.), Comentário Conimbricence do Código Penal, tomo II, Coimbra Editora, 1999, pág.177.
[7] Cf. Helena Morão, Autoria e Execução Comparticipadas, Almedina, 2014, págs.345 e 359 e Paulo Pinto de Albuquerque, op. cit., pág. 202, n.º 18, com base na posição defendida por aquela autora.
[8] Tendo por base o entendimento do domínio funcional do facto com o sentido de o co-autor “deter e exercer o domínio positivo do facto típico”, ou seja, o domínio da sua função, do seu contributo, na realização do tipo, de tal forma que, numa perspectiva ex ante, a omissão do seu contributo impediria a realização do facto típico na forma planeada (cf. v.g., Acórdão do STJ de 15-04-2009, disponível na Internet em <http://www.dgsi.pt>). E porque de uma avaliação ex ante se trata, não releva a conclusão que, ex post, se venha a alcançar, em termos de o delito poder ter tido êxito sem a intervenção concreta daquele agente.