Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
470/14.0T8LMG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: PROCESSO DE INVENTÁRIO
SEPARAÇÃO DE MEAÇÕES
CONFERÊNCIA DE INTERESSADOS
PASSIVO SUPERIOR AO ACTIVO
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Data do Acordão: 05/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - LAMEGO - JUÍZO FAM. MENORES
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.277 E), 1361 CPC
Sumário: Num processo de inventário para separação de meações, apurando-se na conferência de interessados que o passivo é muito superior ao activo, o que inviabiliza a partilha, e não tendo, por via disso, sido requerida a insolvência, impõe-se a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Decisão Texto Integral:




            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

P (…), instaurou no, então, designado Tribunal Judicial de S. João da Pesqueira, em 09 de Maio de 2013, os presentes autos para separação de meações, na sequência de notificação que lhe foi feita, nos termos do artigo 825.º, do CPC, na redacção então em vigor, vindo, posteriormente, os autos a prosseguirem como processo de inventário na sequência de divórcio, por a requerente e executado, nos autos de que emanou a notificação acima referida, R (…) já se encontrarem divorciados, desde Dezembro de 2009.

Na sequência da tramitação dos autos, no que ao presente recurso interessa, foi junta a relação de bens (cf. fl.s 59 e 60), na qual constam dois bens imóveis, um no valor de 68.140,00 € e outro no valor de 61.020,00 €.

Vindo posteriormente (fl.s 222), a ser apresentada uma relação adicional, dela constando a verba de 10.947,87 €, de dívidas de condomínio de uma das verbas e a de 20.000,00 €, a título de benfeitorias reclamadas pela cabeça de casal na verba n.º 1.

Depois de para tal citados, por indicação da cabeça de casal da existência de dívidas ao W (...) e K (...) , o W (...) veio reclamar créditos no valor global de 128.616,06 € e a K (...) de créditos nos montantes de 98.182,52 €, 66.260,82 € e 2.453,85 €.

Depois de várias vicissitudes, teve lugar em 12 de Junho de 2018 a conferência de interessados (cf. fl.s 108 a 110 – a paginação dos autos está incorrecta, passando de fl.s 384 para 38 e fl.s 157 e 158, estão em duplicado), em que intervieram a requerida, o requerido e os credores, na qual se quantifica o valor actual (aquela data) do crédito do W (...) , no valor total de 134.175,65 €, se fez constar o seguinte:

“DESPACHO

Após prolongada discussão entre todos os intervenientes presentes e em fase da inexistência de acordo dos interessados (que estariam interessados, ambos, apenas na licitação do mesmo bem), foi alcançada a conclusão por todos os presentes, que o passivo reclamado pelos credores é irremediavelmente superior ao ativo que, recorde-se, é constituído por dois bens imóveis identificados na relação de bens de fl.s 59 (refª 14429113) dos presentes autos.

Tal conclusão inviabiliza a presente partilha.

Assim sendo, conclua os autos para ser proferida decisão”.

Após o que, cf. despacho de fl.s 118 a 122, se ordenou a notificação dos interessados e credores para se pronunciarem:

“sobre a utilidade e necessidade da prossecução dos presentes autos, devendo tomar a iniciativa, se assim o entenderem, de requererem a declaração de insolvência.

Caso não seja requerida a insolvência, que poderá chamar os presentes autos, será determinado o arquivamento destes autos, por inutilidade superveniente dos autos (art. 277.º, al. e) do CPC)”.

Indica-se como fundamentação do mesmo, o facto de não ter sido alcançado na conferência de interessados acordo quanto ao pagamento do passivo, verificando-se a insuficiência do activo para cobrir o passivo, o que acarreta a inviabilização da partilha, em face da inexistência de bens, razão pela qual teria aplicação o disposto no artigo 1361.º do CPC, na redacção a considerar, pelo que inexistindo requerimento destinado à declaração de insolvência, se deverão extinguir os autos, por inutilidade superveniente da lide, por não haver activo para partilhar e a haver processo de insolvência, ficariam acautelados os direitos do ex-cônjuge não insolvente, nos termos do disposto nos artigos 141.º, n.º 1, al. b) e n.º 3; 159.º e 144.º do CIRE.

Cf. requerimento de fl.s 124/5, a K (...) , pronunciou-se no sentido de ser decretada a indicada extinção por inutilidade superveniente da lide.

A cabeça de casal, cf. requerimento de fl.s 129 a 136 e 151 v.º e 152 (aqui, em resposta ao requerido pela K (...) ), pronunciou-se no sentido de que os autos devem prosseguir para a partilha dos bens relacionados.

Após o que, cf. despacho de fl.s 157 e 158, (aqui recorrido), foi declarada a extinção da instância nos presentes autos, por inutilidade superveniente da lide, nos seguintes termos:

Este inventário, como repetidamente vem sendo afirmado, destina-se exclusivamente à partilha dos bens comuns do ex-casal P (…) e R (…)constituído por dois imóveis, segundo a relação de bens inicial de fls. 59/60.

Conforme conclusão alcançada em sede de conferência de interessados realizada a 12.06.2018, o passivo reclamado pelos credores é irremediavelmente superior ao ativo, o que inviabiliza, à partida a presente partilha.

Assim sendo, na impossibilidade de alcançar os fins pretendidos pela cabeça de casal nos seus requerimentos, em face da inexistência de acordo dos intervenientes e por inviabilidade da partilha por o passivo ser superior ao ativo (e a fim de não retardar, ainda mais, a execução que se encontra suspensa a aguardar a decisão nestes autos) e dando aqui por reproduzidas integralmente as razões de facto e de direito já consignadas no despacho de 26.06.2018 (ref. 82438433 – fls. 118 a 122), indefere-se o requerido, declarando a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do disposto no art. 277.º al. e) do CPC e determinando o oportuno arquivamento dos autos.

Custas em partes iguais por ambas as partes (sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia o interessado).”.

Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso a requerente, P (…) recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 191), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1.º

A Recorrente não concorda com posição do Tribunal a quo, pelo que a douta sentença que declara a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do disposto no artigo 227.º, al. e) do CPC e determina o oportuno arquivamento dos autos com o devido respeito, que é muito, merece reparo, entendendo a Recorrente que houve entendimento errado do Tribunal a quo, sobre a decisão recorrida, pelo que não se encontra devidamente fundamentada e nem fez correcta interpretação da lei aos factos.

2.º

Em sede da referida conferência de interessados, na audiência de 12.06.2018, as coisas passaram-se da forma bem diferente. Pelo que, de acordo com a sequência temporal e o encadeamento das intervenções dos presentes, impunha-se que a Mm Juiz a quo tivesse julgado de forma completamente diferente daquela que julgou, e, aplicasse e fizesse seguir o processo segundo as regras próprias do processo de Inventário para partilha dos bens comuns do ex-casal onde deveria ter entrado em linha de conta para efeitos de partilha não só os dois imóveis constantes da relação inicial de bens mas ainda tudo o constante das relações adicionais de bens que constam dos autos.

3.º

Como resulta das palavras dos presentes na conferência de interessados, conforme a transcrição, nunca, em momento algum foi, alcançada a conclusão por todos os presentes de que o passivo reclamado é irremediavelmente superior ao activo.

4.º

Não pode a Recorrente concordar com a decisão da Mm Juiz a quo, que julgou erradamente a matéria de facto e aplicou mal o Direito.

5.º

Na conferência de interessados, a cabeça de casal manifestou, por várias vezes, de viva voz, a vontade de partilhar os bens, todos os bens de que fazem parte não só os dois imóveis da relação inicial de bens, mas também os bens das duas relações adicionais de bens, pedindo a mesma que ela ficasse, preferencialmente, com o imóvel do y (...) , e, assumiria a dívida hipotecária ao banco ao W (...) , uma vez que este imóvel está onerado por uma hipoteca a favor deste banco.

6.º

Apenas, e tão só, o passivo do Requerido R (…) é que é irremediavelmente superior ao activo, dado que a dívida ao Crédito Agrícola, que deu origem à execução, é da exclusiva responsabilidade do Requerido.

7.º

Por conseguinte, não poderá a Mm Juiz a quo verter na douta sentença o que o refere no seu parágrafo 4, uma vez que tal não corresponde à verdade, não tendo, por isso, feito um correcto juízo de valor, pelo que deveria ter valorado correctamente todas palavras dos intervenientes e não lhes ter dado sentido contrário.

8.º

É na conferência de interessados, que compete acordar sobre as verbas que hão-de compor, o quinhão de cada um e os valores por que devem ser adjudicadas.

À conferência de interessados compete ainda deliberar sobre a aprovação do passivo e forma do seu pagamento.

Se não houver acordo entre os interessados na sua conferência, abre-se licitação entre os mesmos.

Feita regularmente a licitação entre os interessados, será proferido despacho determinativo do modo como deve ser organizada a partilha, procedendo-se ao preenchimento dos quinhões segundo certas regras.

De acordo com o despacho de partilha e o preenchimento dos quinhões, organiza-se o mapa de partilha.

Definitivamente organizado o mapa, proceder-se-á ao sorteio dos lotes, caso seja necessário, por não ter havido acordo dos interessados na respectiva conferência, e, sorteados os lotes, o processo é concluso ao juiz para que este profira sentença homologatória da partilha constante do mapa e das operações de sorteio.

9.º

Porém, o processo de inventário sofre ligeiras alterações quando se trata de partilha de bens em consequência de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento, e de separação de bens em casos especiais, como sejam os de penhora da meação em bens de ambos, nos termos do disposto nos artigos 1404.º a 1406.º do C. P. C..

10.º

A Mm. Juiz a quo considerou palavras que nunca foram ditas pelos intervenientes na conferência de interessados, aqui recorrente, distorcendo, por completa a realidade dos factos, pois nunca a recorrente disse, nem tão pouco considerou, que o passivo dele fosse superior ao activo, mas, o passivo do seu ex-cônjuge, esse sim, é irremediavelmente superior ao activo.

11.º

Pelo que, a Recorrente não se pode conformar com a decisão, ora recorrida, uma vez que tal decisão viola as regras em toda a sua extensão, reguladoras do processo de inventário para partilha de bens comuns do ex-casal, e, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 1404.º do C. P. Civil e 1689.º do C. Civil

12.º

Decorre do artigo 1689.º do C. Civil que o património comum a partilhar deve ser definido não só pelo que nele existir no momento da dissolução do matrimónio, mas também por aquilo que cada um dos cônjuges lhe deve conferir, por lho dever.

13.º

Como, no caso dos presentes autos, o requerido R (…) instalou-se na casa do y (...) onde vive e nada paga à cabeça de casal, recebe rendas do imóvel de x (...) , vendeu os móveis que pertenciam à cabeça de casal ficando com o correspondente dinheiro resultante dessa venda, não entregou o dinheiro do resultante da venda do vinho no IVDP, e tudo o mais constante dos autos.

14.º

Por seu turno, a cabeça de casal, ora recorrente, fez benfeitorias de valores avultados no imóvel do y (...) , tem o seu vencimento penhorado à ordem de um processo executivo cujo exequente é a C(…) para pagamento de uma dívida que é comum, e, tudo o mais constante dos autos.

15.º

Tudo isto, acima descrito, deve ser tido em conta no momento da partilha na conferência de interessados, e, verificando-se, nesse momento, no momento da partilha, um enriquecimento dos patrimónios próprios dos ex-cônjuges em detrimento do património comum ou deste relativamente àqueles, há lugar a compensações entre essas massas patrimoniais, como haverá no presente caso.

16.º

O ex-cônjuge que utilizou bens ou valores comuns, que foi o ex-cônjuge R (...) , deverá, no momento da partilha, compensar o património comum pelo valor actualizado correspondente.

17.º

Esses bens ou valores devem ser objecto de relacionação, de modo a permitir aquela compensação, e, a cabeça de casal, muito bem as relacionou, nas suas relações adicionais de bens que constam dos autos.

18.º

Consequentemente, esta partilha dos bens comuns do ex-casal P (…) e R (…) não se limita aos bens identificados no património colectivo do ex-casal, nela também se há-de levar em conta aquilo que cada um seja devedor a esse património e credor desse património. Essa é a letra da norma constante do art. 1689º, nº 1 do CC.- Neste sentido nos dá exemplarmente conta o Ac. Rel. Porto de 16 /4/2013, proc. nº 133/08.5TBMGD-C.P1, Relator. Rui Manuel Correia Moreira.

19.º

Descendo agora aos presentes autos, é por demais claro que a Mm. Juiz a quo violou em toda a extensão as regras próprias do processo de inventário que se destina exclusivamente à partilha dos bens comuns do ex-casal, julgou erradamente a matéria de facto, e aplicou mal o Direito, devendo, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, e, marcada nova conferência de interessados onde sejam cumpridas todas as regras do processo de inventário para partilha dos bens comuns do ex-casal de acordo

com o acima exposto.

Nestes termos e nos demais de direito que V. Ex.as doutamente suprirão, deve a decisão do Tribunal a quo, ser revogada, não sendo declarada a extinção da instância, por inutilidade da lide nem serem os autos arquivados, e, em consequência, ser marcada nova conferência de interessados onde sejam cumpridas todas as regras do processo de inventário para partilha dos bens comuns do ex-casal, com tudo o que foi carreado para o processo, de acordo com o acima exposto, fazendo-se assim a necessária e sã JUSTIÇA.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se num processo de inventário para separação de meações, em que o passivo é superior ao activo e não tendo sido requerida a conversão dos autos de inventário em insolvência, deve ser decretada a extinção da instância dos autos de inventário, por inutilidade superveniente da lide.

A matéria de facto a ter em conta é a que consta do relatório que antecede.

Se num processo de inventário para separação de meações, em que o passivo é superior ao activo e não tendo sido requerida a conversão dos autos de inventário em insolvência, deve ser decretada a extinção da instância dos autos de inventário, por inutilidade superveniente da lide.

Como resulta do relatório acima elaborado, a questão a decidir é a de saber se estão verificados os pressupostos para, decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, dada a superioridade do passivo em relação ao activo ou se, pelo contrário, os autos devem prosseguir para a partilha dos bens comuns do ex-casal.

Previamente, no entanto, cumpre referir que tudo o que a recorrente alega quanto a eventuais irregularidades/falsidades da acta da conferência de interessados, não tem qualquer relevância.

A acta constitui um documento autêntico e como tal, nos termos do disposto no artigo 371.º do Código Civil, faz prova plena do que nela consta – neste sentido, vejam-se os Acórdãos do STJ, de 20 de Fevereiro de 2014, Processo n.º 4622/08.3TBGMR.G1.S1 e de 13 de Outubro de 2011, Processo n.º 5964/04.2TBSTB.E1.S1, disponíveis no respectivo sítio do itij.

Assim, não tendo sido deduzida a falsidade da mesma, têm de se ter por certas as afirmações que nela constam, designadamente, quanto ao reconhecimento da superioridade do passivo relativamente ao activo.

De resto, trata-se de conclusão a extrair de simples operação matemática, de subtracção entre o passivo e o activo, para se chegar a essa conclusão, que não foi infirmada.

Pelo que, está assente que o passivo ascende a mais de 300.000,00 € e o activo queda-se no montante de 129.160,00 €.

Conforme se dispunha no artigo 1361.º, do CPC (regime que se mantém no actual RJPI, cf. seu artigo 46.º):

“Quando se verifique a situação de insolvência da herança, seguir-se-ão, a requerimento de algum credor ou por deliberação de todos os interessados, os termos do processo de falência que se mostrem adequados, aproveitando-se, sempre que possível, o processado”.

Como decorre deste preceito, não pode o juiz oficiosamente determinar o prosseguimento dos autos de inventário como de insolvência, mas a M.ma Juiz a quo, também assim não procedeu.

Ordenou a notificação dos credores e interessados para que o fizessem, o que nenhum deles o fez, desde logo indicando que, se tal sucedesse, se declarava a extinção da instância por inutilidade da lide, nos termos expostos.

Resta, pois, averiguar se em face de inexistência de impulso processual para tal, poderá, como o foi, ser extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, dada a superioridade do passivo relativamente ao activo, nos presentes autos de inventário para separação de meações.

Desde já adiantando a solução, parece-nos que sim, não merecendo censura a decisão recorrida.

Efectivamente, em face da superioridade do passivo relativamente ao activo, nada há a partilhar nem meação a proteger.

Desde logo, porque no artigo 1361.º do CPC, acima transcrito, não se fixa prazo para o pedido do prosseguimento dos autos como de insolvência, o que poderia acarretar que, prosseguindo os autos de inventário, como tal, a qualquer momento, os seus efeitos pudessem ser paralisados com o requerimento de algum dos credores a solicitar a declaração de insolvência.

Depois, porque, como decorre da conjugação dos artigos 1326.º, n.º 1 e 1375.º, n.º 2, do CPC (sempre na redacção então em vigor à data da instauração dos autos), se tem de concluir que o processo de inventário se destina a por termo à comunhão hereditária.

Mas só poderá elaborar-se o mapa da partilha, como resulta do artigo 1375.º, n.º 2, desde que exista activo ou este seja superior ao passivo.

Efectivamente, aqui se determina que, em primeiro lugar se acha a importância total do activo, nos termos ali previstos, deduzindo-se as dívidas, legados e encargos, que devem ser abatidos e, em seguida determina-se o montante da quota de cada interessado e a parte que lhe cabe em cada espécie de bens, preenchendo-se a mesma com as respectivas verbas.

Ora, se o activo é inferior ao passivo, como é o caso (aliás, manifestamente inferior), o valor das verbas que compõem o acervo hereditário é inferior ao valor das dívidas, o que equivale a dizer que não há nada para partilhar, o que, como referido na decisão recorrida “inviabiliza a partilha”.

Ou seja, aos interessados não cabe nenhuma quota parte dos bens, porque os mesmos são insuficientes para satisfação das dívidas – que nenhum deles assumiu pagar – o que equivale a que faleçam os pressupostos para que seja elaborado o mapa da partilha e, consequentemente, da própria partilha, pelo que assim sendo, se impõe a extinção da instância dos autos de inventário, por inutilidade superveniente da lide.

Como refere Lopes Cardoso, in Partilhas Judiciais, Vol. II, 4.ª Edição, Almedina, 1990, a pág. 176:

“sob fundamento em que a insolvência é instaurada em benefício dos credores e que aos herdeiros pode convir que ela não se declare, o art. 1361.º, coerente com a regra do art. 870.º, veio a dispor peremptoriamente que os termos do processo de insolvência só serão observados «a requerimento de algum credor ou por deliberação de todos os interessados». O que tudo vale dizer que, não sendo requerida ou deliberada, o inventário toca oportunamente seu termo pela inutilidade superveniente da lide (Cód. Proc. Civil, art. 287.º-e).”.

No mesmo sentido Carvalho de Sá, in Do Inventário – Descrever, Avaliar e Partir, 1996, pág. 127 (este citado no Acórdão da Relação do Porto, de 26/01/2017), Processo n.º 724/06.9TBFLG-C.P1, disponível no respectivo sítio do itij e onde se cita outra jurisprudência no mesmo sentido, em que se decidiu a questão sub judice nos mesmos termos da decisão aqui recorrida), refere que:

“Para que no processo de inventário se sigam os termos do processo de falência, não basta que, na altura da relação de bens, o valor do passivo da herança ultrapasse o do activo. De facto, é necessário aguardar pela conferência de interessados para se tornar certo que as dívidas são aprovadas por unanimidade pelos interessados ou reconhecida judicialmente. É ainda necessário, por outro lado, aguardar pelas licitações e, por vezes, pela avaliação para se verificar qual o valor certo do activo. Portanto, só em caso nítido de manifesta desproporção entre o valor do activo e o do passivo estarão o credor e interessados aptos a requerer a passagem do processo de inventário a processo de falência. Essa passagem não é oficiosa, tendo de ser requerida por qualquer credor que tenha visto verificado o seu crédito no processo ou por requerimento dos interessados que tenham deliberado por unanimidade em tal sentido. Se nada requerido, o processo termina por inutilidade superveniente da lide”.

No mesmo sentido decidiram, o Acórdão da Relação do Porto, de 07/07/2005, Processo n.º 0523548 e o desta Relação, de 27/05/2015, Processo n.º 5507/11.1TBLRA.C1, disponíveis no mesmo sítio dos anteriores.

Ora, volvendo ao caso em apreço, tal como resulta da acta da conferência de interessados, as dívidas foram reconhecidas e nenhum dos interessados assumiu o respectivo pagamento.

O passivo é muito superior ao activo, como acima já referido, o que, nos termos já expostos, inviabiliza a partilha.

Não foi requerida a insolvência.

Pelo que assim sendo e estando inviabilizada a partilha, nada mais resta do que declarar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, como assim sucedeu, pelo que, reitera-se, não merece censura a decisão recorrida, a qual, assim, é de manter.

Consequentemente, improcede o recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

As custas do presente recurso, ficam a cargo da recorrente.

Coimbra, 21de Maio de 2018.

           

Arlindo Oliveira ( Relator )

Emídio Santos

Catarina Gonçalves