Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
15/11.3TBFND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: ARRENDAMENTO RURAL
DENÚNCIA
NULIDADE PROCESSUAL
GRAVAÇÃO DA PROVA
IMPUGNAÇÃO DE FACTO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 01/20/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO - CASTELO BRANCO - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 224 CC, 155, 195, 456, 630 CPC, DL Nº 294/2009 DE 13/10
Sumário: 1. A arguição da nulidade atípica da falta ou vícios da gravação da prova não pode ser feita em recurso, com pronúncia do tribunal ad quem, mas apenas, e preclusivamente, por via da reclamação no tribunal a quo (arts 155 nºs 3 e 4, 195 e 630 nº2 do CPC.).

2.- O recorrente que impugne a matéria de facto não pode limitar-se a invocar genérica e abstractamente a prova que aduz em abono da alteração dos factos, devendo fazer uma concreta e discriminada análise objectiva, crítica, logica e racional da prova, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

3. Indicando a prova, testemunhal e, máxime, pericial, que as condições edafo-climáticas de um terreno não permitem a produção intensiva de frutos de casca rija (amêndoa), não pode, à míngua de outra prova em contrário, dar-se como provado tal facto.

4. O envio pelo senhorio, e o recebimento por banda da esposa do arrendatário que vive com ele, de carta registada com a/r, com antecedência superior a um ano do terminus do prazo de contrato de arrendamento rural, implica que se dê por efectivada, válida, e eficaz, a denuncia, e, assim, extemporânea a oposição à mesma, porque operada para além de 60 dias após a comunicação ( arts. 19 nºs 1 e 3, 30 nºs1 e 4 e 26 nº1 do DL 294/2009 de 13.10 e art 224ºdo CC).

5. Quem nega o conhecimento de facto pessoal -máxime se determinante para a (im)procedência da acção -, desrespeita a contraparte, o tribunal, e faz uso abusivo do processo, pelo que deve ser condenado como litigante de má fé.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

AP (…) e mulher AM (…) instauraram contra  JM (…) e outros, ação declarativa, de condenação, com  processo ordinário.

Pediram, nuclearmente:

Se declare que o contrato de arrendamento no qual o autor é arrendatário se encontra válido e eficaz até 31 de Dezembro de 2015.

Para tanto, alegaram, em sumula:

Celebrou o autor com, o pai dos réus, entretanto falecido, contrato de arrendamento rural atinente a prédio que identificam.

Os réus exigiram-lhe que entregasse o prédio até  final de dezembro de 2010.

Porém, perante o anuído e a lei aplicável e porque dos réus o autor não recebeu qualquer aviso para a denuncia, o contrato renovou-se em 01.01.2011.

Na verdade, o autor não tomou conhecimento da alegada denúncia por parte dos réus.

Os réus contestaram, por exceção, por impugnação e deduzindo o José, pedido reconvencional.

Alegaram que apenas o réu JM (…) é parte legítima, pois que o prédio em causa apenas a este pertence.

Este réu mais aduziu que os herdeiros, por carta de 24.06.2008, comunicaram ao autor a sua vontade de denunciaram o contrato, não aceitando a sua renovação a partir de 010.01.2011.

Que os  autores têm mais propriedades e que apenas querem manter a posse do prédio em causa para receberam as ajudas compensatórias.

Que a ocupação do prédio pelos autores lhes está a causar prejuízos, ainda não quantificados mas não inferiores a 25.000 euros.

Pedem:

A improcedência da ação.

E, em reconvenção, que os autores sejam condenados a desocupar o prédio e a indemniza-lo pelos prejuízos sofridos e liquidar oportunamente.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«Pelo exposto, ao abrigo do que vai nos artºs 224º, 875º, 1311, 483º e 496º do Código Civil, 542º do Código de Processo Civil, 7º do Código de Registo Predial e 39º, nº 2, alª a), 26º e 30º do DL nº 294/2009, de 13.10:

Absolvo o réu JM (…) de todos os pedidos formulados pelos autores AP (…) e mulher AM (…);

Condeno os autores/reconvindos AP (…) e mulher AM (…) em todos os pedidos reconvencionais, nomeadamente:

1) Reconhecerem que o prédio em litígio nos autos é pertença do réu JM (…) e a desocuparem-no imediatamente;

2) A indemnizarem o réu/reconvinte JM (…) pela sua ocupação indevida, desde 1 de janeiro de 2011 e até à efetiva entrega do prédio, pelo rendimento do prédio estimado anualmente, dividido por 365 e multiplicado pelo número de dias de ocupação por parte dos autores/reconvindos, a liquidar em execução de sentença;

3) Como litigantes de má fé, fixando-se em 8 UC´s a multa devida.»

3.

Inconformados recorreram os autores.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

Inexistiram contra alegações.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª –Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

2ª - Procedência do pedido dos autores e improcedência do pedido reconvencional dos réus.

3ª – Litigância de má fé dos autores.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

Os recorrentes arguiram, nas alegações de recurso, a nulidade da audiência de discussão e julgamento com fundamento na inaudibilidade de várias partes dos depoimentos das testemunhas, máxime de (…).

O Sr. Juiz a quo conheceu de tal nulidade por que entendeu, sufragado em jurisprudência atinente, que no atual regime processual, a mesma deve ser conhecida em primeira instancia e não na instância recursiva pelo tribunal ad quem.

E, no seguimento de tal conhecimento, desatendeu tal arguição no entendimento de a mesma se mostrava extemporânea, e julgando-a sanada.

E, na verdade, assim é.

Perante o disposto no artº 155º nºs 3 e 4, concatenado com o disposto no artº 630ºnº 2 do CPC, tem de concluir-se, tal como defendido no Aresto desta Relação de 10.07.2014, p.64/13.7T6AVR, citado na decisão, que a nulidade processual inominada decorrente da deficiente gravação, ou da falta de gravação, da prova testemunhal, não é recorrível, mas apenas reclamável perante o juiz do processo.

Pelo que bem andou o Sr. Juiz ao conhecer de tal invocado vício.

E dele conhecendo, desatendeu-o, por extemporâneo.

Este despacho transitou em julgado.

Temos, assim, que a questão está definitivamente decidida, e que os recorrentes não podem invocar tal nulidade nesta instância recursiva.

5.1.2.

Importa, pois, apreciar a questão à luz da prova efetivada, a qual, aliás, na vertente testemunhal, e na sua essencialidade relevante, é percetível e sindicável.

Assim, e desde logo perante os princípios:

Urge ter presente que no nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente;  mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

 Ademais a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa, é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.

5.1.3.

Ademais, e em termos de direito positivo, urge atentar que o impugnante da decisão sobre a matéria de facto tem de cumprir, desde logo liminarmente e  com  o maior rigor possível, as exigências formais do artº 640º do CPC.

Das mesmas sobressai a indicação – nº 1 al. b) - dos «concretos meios probatórios constantes no processo ou do registo ou gravação nele realizada que impunham decisão… diversa…»

Sendo que -nº2 al. a) - «quando os meios probatórios…tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de rejeição imediata do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o recurso…».

 Acresce que, como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

E, assim, querendo impor, em termos mais ou menos apriorísticos, a sua subjetiva convicção sobre a prova.

Porque, afinal, quem julga é o juiz.

Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efetivar uma concreta e discriminada análise objetiva, crítica, logica e racional da prova, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

 A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório  com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito permitida e que lhe é concedida.

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.

Sendo que, repete-se, a intolerabilidade destas tem de ser demonstrada pelo recorrente através de uma concreta e dilucidada análise hermenêutica de todo o acervo probatório produzido ou, ao menos, no qual se fundamentou a resposta.

5.1.4.

No caso vertente os recorrentes não cumprem suficientemente estas exigências formais e substanciais.

Desde logo no atinente aos factos provados e constantes na sentença nos pontos 5., 7., 8. e 9.

Quanto a estes os recorrentes invocam que «Nunca foi claro e evidente ou sequer sugerido aos recorrentes que o prédio em causa tenha passado a pertencer em exclusivo ao réu JM (…).»

E que tal apenas terá acontecido com a escritura da partilha, a qual já foi outorgada na pendencia da ação.

Mas o teor factual  de tais artigos vai  muito para além da propriedade do prédio.

E, quanto a este plus, os recorrentes não se insurgiram. Designadamente foi alegado, quesitado e dado como provado que o réu José dava quitação das rendas – facto que só por si já indicia a propriedade – desde 2000. E os recorrentes, quanto a isto, nada disseram.

Ademais, o que releva para a presente causa não é a aquisição meramente jurídico formal, da propriedade, mas antes o real e efetivo domínio, a detenção da posse, por si ou por intermédio de outrem – in casu os  autores como rendeiros – do prédio.

Ora esta posse provou-se.

Desde logo, através do provado no ponto 4 dos factos assentes e que os autores não impugnam.

Depois, e com forte indiciação mediante a escritura de habilitação de herdeiros e o testamento.

Finalmente, e se dúvidas houvessem, mediante a escritura de justificação notarial com vista à aquisição por usucapião, para a qual, naturalmente, o réu, que teve de alegar e provar tal posse, nos seus dois elementos constitutivos, o corpus e o animus.

E os recorrentes não colocam em causa a veracidade dos factos constantes  nesta escritura.

Assim de devendo concluir que a partilha, pelo menos no que concerne ao prédio em causa e se é que ele nela foi incluída, apenas se destinou a formalizar o que, de facto, já se verificava, ou seja, a posse e o domínio do prédio por banda do réu José.

Aliás, e considerando que foi dado como provado que a carta para denuncia foi enviada por todos os herdeiros: ponto 10. – facto que não foi sequer formalmente impugnado pelos recorrentes, e que, sendo-o, já se viu que, pelo que se expendeu em 5.1.1., não podia ser censurado – nem se alcança a utilidade, para a sua pretensão, da alegação quanto à propriedade do prédio.

5.1.4.

Não obstante e no atinente  aos factos constantes nos pontos 28., 29. e 30.  Já a decisão merece censura, independentemente da constatação da mencionada deficiência, pois que aqui há erro crasso facilmente detetável, e, quiçá, até lapso material, e, assim, corrigível a todo o tempo.

Tais artigos atêm-se à possibilidade de produção no prédio de frutos de casca rija, rectius amêndoas.

Ora o réu invocou tal possibilidade com fundamento nas «condições naturais da propriedade» para o efeito.

Por outro lado, e atentos tanto a elevada quantidade – 500KG/Ha – como as elevadas somas aventadas – 36.000 e  59.096,88 euros –  tem de concluir-se que o réu alegou em termos de possibilidade de produção em larga escala e numa perspetiva de cultivo intensivo de tais frutos.

Ora nada disto se provou, antes pelo contrário.

Na verdade a testemunha (…) de proveta idade e conhecedor do local, disse, nas partes do seu depoimento que se apreenderam, que tal não era possível.

Mas, decisivamente, relevam as respostas que o perito, nomeado para apreciar tal factualidade, deu a tais artigos e cujo relatório consta a fls. 257, e que foi invocado pelo tribunal.

Neste relatório consta, adrede e inequivocamente, que «tendo em conta as condições edafo-climáticas da propriedade não é possível a produção intensiva de frutos de casca rija (amêndoa).»(sic)

Tanto basta para que não se possa dar como provado o teor do artº 23º e, por arrastamento, os restantes artigos que daquele estavam dependentes.

São, pois, inaceitáveis as respostas produzidas pelo Sr. Juiz a quo, mesmo com a indeterminação e não quantificação nelas constantes, máxime porque fundadas em tal relatório pericial, pois que o facto nuclear fundamentador das mesmas – condições do terreno para a produção de frutos de casca rija, máxime amêndoas (produção intensiva e economicamente viável) -, meridianamente não se apurou, antes se tendo provado o inverso.

Importando ainda operar uma correção do que aparenta ser um lapsus calami no atinente à data da carta referida no ponto 20, a qual, tratando-se da carta referida no ponto 10 e conforme dimana de fls. 59 e 60, é datada de 24.06.2008 e não de 09.02.2010 como se menciona naquele ponto 20, até porque, conforme ressuma de fls 60, ela foi enviada em 25.06.2008.

5.1.5.

Decorrentemente, os factos a considerar são os seguintes:

1. M (…) faleceu no dia 30/06/1999 e a sua viúva MB (…), veio a falecer no dia 29/02/2008, tendo deixado como filhos os supra identificados Réus.

2. No dia 17 de Fevereiro de 1984, foi celebrado entre o Autor marido, como arrendatário e o referido Sr. Dr. M (…), como Senhorio, um contrato com os seguintes dizeres:

CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL

--------- Aos dezassete dias do mês de Fevereiro do ano de mil novecentos e oitenta e quatro, nesta vila e concelho do Fundão, entre Doutor M (…) casado, residente na (...), em Lisboa, como primeiro outorgante e na qualidade de senhorio, e A (…)casado, agricultor, residente na freguesia de Telhado, deste concelho, como segundo outorgante e na qualidade de rendeiro, é reduzido a escrito o presente contrato de arrendamento rural com as cláusulas seguintes, ------------------

PRIMEIRA: O primeiro outorgante é comproprietário, com a quota de metade, do prédio rústico denominado Quinta do O (...), sito nas freguesias de Telhado e Alçaria, ambas do concelho do Fundão, a confrontar do norte com Rio Zêzere e Ribeira da Meimoa, de sul com a Quinta das Panascas, de nascente com Ribeira do Braçal e de poente com herdeiros de FN (...), inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Alcaria sob os artigos 1 443, 1 444, 1 456, 1458, 1 461.

Das terras deste prédio, tem o primeiro outorgante possuído e administrado uma parte, com área aproximada de cem hectares, perfeitamente delimitada e separada da restante por meio de marcos, a qual lhe foi adjudicada por consenso informal dos proprietários.

SEGUNDA: Pelo presente contrato, o primeiro outorgante dá de arrendamento ao segundo, para exploração agrícola, a parte da Quinta do O (...), identificada na segunda parte da cláusula anterior e, bem assim, os Chãos e uma parte do olival que estão fisicamente separados do conjunto e se situam na parte sul daquela Quinta.

TERCEIRA: Este arrendamento é feito pelo prazo de seis anos, com início em um de Janeiro de mil novecentos e oitenta e quatro, renovando-se obrigatoriamente por idêntico período de tempo, até um de Janeiro de mil novecentos e noventa e seis e, após essa data, por sucessivos períodos de três anos, enquanto não for denunciado por qualquer dos outorgantes.

QUARTA: A renda é de cento e quarenta mil escudos anuais, pagável pelo segundo outorgante ao primeiro, por meio de depósito na conta n.º 186 910 001 aberta no B.E.S.C.L. em nome do primeiro outorgante, a efectuar durante o mês de Dezembro de cada ano a que respeitar.

PARÁGRAFO ÚNICO – O segundo outorgante pagará apenas a renda transitória de quarenta mil escudos anuais, durante os primeiros seis anos de vigência do presente contrato.

QUINTA: Para efectuar no prédio locado quaisquer benfeitorias, sejam necessárias úteis ou voluptuárias, o segundo outorgante obriga-se a comunicá-lo previamente, por escrito, ao primeiro outorgante, para que este possa opinar sobre o modo de execução das benfeitorias. Quanto à necessidade de consentimento ou aprovação, porém, aplicar-se-á o regime previsto na lei para as diferentes espécies de benfeitorias.

SEXTA: Do objecto do presente contrato é excluído o terreno destinado à actual exploração de barro que o primeiro outorgante tem vindo a realizar na coisa ora locada e bem assim o terreno envolvente, numa área não superior a um hectare, que vier a ser necessário para a continuação dessa exploração, obrigando-se, todavia, o primeiro outorgante, sob pena de indemnizar o segundo outorgante pelos prejuízos causados, a respeitar as sementeiras ou produtos agrícolas que este eventualmente tenha na coisa locada.

PARÁGRAFO ÚNICO: A partir de trinta e um de Dezembro de mil novecentos e oitenta e quatro, porém, cessa a exploração de barros que tem estádio a ser feita e os terrenos referidos no corpo da presente cláusula passam a integrar o objecto do arrendamento.

SÉTIMA: Os outorgantes declaram que aceitam o presente contrato de arrendamento rural com as cláusulas acima explicitadas e que ficam sem efeito quaisquer outros contratos de arrendamento rural existentes entre eles e respeitantes ao terreno ora locado.

3. A 04 de Outubro de 1990, e no âmbito do processo n.º 12/89, 1.ª Secção, deste Tribunal, entre as partes – o Senhorio daquele arrendamento na qualidade de réu, e o Arrendatário na qualidade de autor, – foi celebrada a Transacção constante da acta de audiência de julgamento que aqui se transcreve:

Acta de AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO

No ano de mil novecentos e noventa aos quatro dias do mês de Outubro, nesta cidade de Fundão, pelas 9.30 horas – no Tribunal Judicial, onde se encontrava o Excelentíssimo Juiz Doutor (…) à hora marcada no competente despacho ordenou este Magistrado à escriturária judicial (…) que interpelasse as pessoas convocadas nestes autos de Acção com Processo Sumário em que é autor A (…) e réu M (…).------------

O que o dito oficial cumpriu, verificando estarem presentes todas as pessoas convocadas para o acto. ---------------------------------------------------

------ Aberta a audiência pelo Exmo. Senhor Juiz foi tentada a conciliação das partes, o que, conseguiu através de Transacção nas seguintes cláusulas que reciprocamente aceitam:

PRIMEIRA

------ A. e R. acordam em que o montante da renda devida por efeito do arrendamento referido nas alíneas A) e B) da Especificação relativa ao ano agrícola de 1990 é de trezentos mil escudos e deverá ser paga pelo A. ao R. até ao dia 31 de Dezembro do corrente ano, por meio de depósito ou transferência bancária para a conta aberta em nome do R. e de sua esposa D. MB (…) na sede do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa sob o n.º 023/18691/0001. ----

SEGUNDA

------ Mais acordam A. e R. em alterar o contrato de arrendamento que entre eles tem estado em vigor e aludido nas alíneas A) e B) da Especificação, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1991, data a partir da qual passará, a vigorar nos termos das cláusulas seguintes.

TERCEIRA

------ O Objecto do arrendamento é a parte, com a área de 71 hectares aproximadamente e que ao R. está destinada e adjudicada por consenso dos comproprietários, do prédio rústico denominado “Quinta do O (...)” – exactamente coincidente com o que já constituía objecto do arrendamento titulado no contrato de fls. 7,8, com a ressalva de que a área de 100 hectares foi ali indicada por deficiente cálculo aproximativo, pois que a área arrendada é realmente de cerca de 71 hectares. ----------------------------

QUARTA

------ O arrendamento destina-se à exploração agrícola e pecuária das terras referidas na cláusula anterior e respectivas pertenças, por conta e iniciativa do A. e mediante os meios técnicos e humanos que ele contratar e angariar.

QUINTA

------ O arrendamento durará pelo prazo de dez anos, a iniciar a 1 de Janeiro de 1991 e a terminar em 31 de Dezembro do ano 2000.

SEXTA

A renda anual, a pagar durante o mês de Dezembro do ano a que respeitar pelo A. ao R. e pelo mesmo modo previsto na supra cláusula primeira é de quatrocentos mil escudos; ------------------------------------------

O montante da renda estipulada no número anterior vigorará durante os anos de 1991 a 1994, inclusive, não podendo até ao dia 31 de Dezembro de 1994 ser exigida actualização pelo senhorio, que a ela expressamente renuncia relativamente ao indicado período; -------------------------------------

A renda devida a partir de 31 de Dezembro de 1994 e as subsequentes serão do montante que resultar da actualização da renda com aplicação do coeficiente ou da taxa que oficialmente forem fixados, para o ano a que respeitar cada uma delas, para actualização dos arrendamentos urbanos em regime de renda livre;

No caso de o arrendamento urbano em regime de renda livre deixar de estar legalmente sujeito a indexação por taxa ou coeficiente fixos, a actualização prevista no número anterior far-se-á por aplicação de um coeficiente de actualização correspondente a três quartos do último índice de variação dos preços no consumidor sem habitação que tiver sido publicado pelo Instituto Nacional de Estatística; --------------------------------

A actualização em caso algum poderá exceder os valores máximos fixados para as rendas agrícolas em cada ano a que se reportar. ---------------

SÉTIMA

------ Do objecto do arrendamento é excluído o terreno destinado à exploração de barros que actualmente já é feito por virtude de um contrato celebrado com terceiros.

OITAVA

------ O acordado nas cláusulas antecedentes implica: -----

A total extinção dos litígios pendentes entre A. e R. – quer o desta acção, quer o ou os que estejam a ser objecto de outros processos – com expressas e simultâneas desistência e renúncia de tudo o que por qualquer das partes tenha sido pedido para além do ora convencionado; ----------------------------

A completa revogação do clausulado do contrato de arrendamento celebrado a 17 de Fevereiro de 1984 e referido nesta acção, salvo nas partes dele que expressamente se reafirmou na presente transacção; -----------------

A aplicação supletiva da lei geral quanto aos aspectos e questões não expressamente previstos no presente texto. --------

NONA

------ As custas em dívida e juízo serão suportadas a meias por A. e R., renunciando ambos às custas de parte e à procuradoria a que houvesse lugar. ---------------------------

------ Seguidamente Ele Senhor Juiz proferiu o seguinte: --

SENTENÇA

------ Homologo por sentença a transacção que antecede nos seus precisos termos, por a mesma ser legal quer pelo objecto quer pela qualidade dos intervenientes, condenando e absolvendo nos seus precisos termos. -------------------------

-------------------- Custas conforme o acordado. -------------

---------------

----- Registe e Notifique. --------------------------------

---- ------ Da sentença que antecede foram todos os restantes devidamente notificados os quais declararam ficar cientes. -----

------ Para constar se lavrou a presente acta que lida é assinada”.

4. Após a morte do pai do Réu, a mãe deste distribuiu verbalmente as propriedades que formavam o acervo hereditário pelos filhos, que imediatamente os passaram a utilizar.

5. Em Setembro de 2000, a mãe dos RR. fez testamento no qual distribui as propriedades pelos seus filhos, o qual veio a ser aberto por sua morte.

6. Foram celebradas as competentes escrituras públicas de habilitação de herdeiros:

i. relativamente ao identificado M (…), no Cartório Notarial da Amadora, a 14/03/2000;

ii. e relativamente à identificada MB (…), no Cartório Notarial do concelho de Lisboa, a 28/04/2008, tendo esta em anexo o respectivo testamento, o qual havia sido celebrado, no 6º Cartório Notarial de Lisboa, a 05/09/2000.

7. O prédio objeto do contrato de arredamento referido passou a ter como único proprietário o ora réu.

8. Assim que entrou no domínio da propriedade dos autos o réu reconvinte comunicou tal facto aos autores.

9. O reconvinte passou a agir como proprietário, nomeadamente recebendo as respetivas rendas e delas dando quitação, desde 2000.

10. Em 24 de Junho de 2008, o réu e os demais herdeiros (ex-réus) assinaram e remeteram ao autor marido, para a morada deste, a carta que junta como doc. 6.

11. A referida carta foi registada, com aviso de receção e foi recebida duas vezes.

12. Como o primeiro aviso não foi assinado no local certo, foi feita reclamação aos CTT que procederam à entrega de cópia com nova recolha de assinatura, conforme avisos carimbados a 4/7/2008 e 22/07/2008.

13. A assinatura aposta no AR de fls. 63 é da mulher do autor.

14. Em Setembro de 2009 a mulher do réu, Dona (…), reuniu com o autor na propriedade arrendada para combinar os pormenores da saída.

15. Em Dezembro de 2009, a pedido do réu, o A. foi contactado pelo Dr. S (…) advogado.(…), o qual remeteu ao A. uma carta onde referia: “Para tratar de assunto relativo à entrega da Quinta do O (...), cujo arrendamento rural foi denunciado, rogo a V.Exa, que venha ao meu escritório no dia 11 de Dezembro de 2009”.

16. Tendo o A. reunido com o Dr. S (…) deixou no escritório deste o documento junto a fls. 88, escrito pelo seu punho (à exceção da última frase, escrita pelo Dr. S (…)).

17. Em 2010 o herdeiro J (...) veio requerer que se procedesse a inventário e sendo o herdeiro mais velho, veio a ser nomeado cabeça de casal.

18. O réu reconvinte e mulher em 17 de Junho de 2010 realizaram escritura de justificação notarial relativa ao prédio objeto do contrato referido em 2.

19. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial do Fundão sob os artigos 1407 e 1408 da freguesia de Alcaria e 1099 da freguesia de Telhado, respetivamente, o prédio rústico sito na Quinta do O (...), com a área de 9720 m2, composto por olival, e confrontando a Norte, Sul e Nascente com ML (...) e outros e a Poente com herdeiros de JS (...); o prédio rústico sito na Quinta do O (...), com a área de 15000 m2, composto por terra de cultura arvense e olival, confrontando a Norte, Sul e Poente com ML (...) e a Nascente com caminho; e o prédio rústico sito em Costa da Galinha, composto por cultura arvense de regadio, pastagem e mata de carvalhos, confrontando a Norte com MB (...) castelo Branco Sarafana; Sul com JA (...) e outro; Nascente com ribeira da Meimoa e ribeira do Barçal e a Poente com herdeiros de José Sariva, registados em nome do contestante reconvinte e de sua mulher, todos com causa de aquisição “usucapião”, o qual é o prédio em litígio nos presentes autos.

20. Na cópia da carta junta a fls. 59 (datada de24.06.2008), endereçada pelos “herdeiros de M (…)  e MB (…)” ao Autor marido, consta, entre o mais,: “…Uma parte do indicado prédio” (Quinta do O (...)) “(…) com a área aproximada de 71 hectares e com os limites definidos nos documentos firmados, encontra-se arrendado a V. Ex.ª nos termos e condições estipulados na transacção celebrada em 4/10/1994, no processo que correu sob o n.º 12/89 pela primeira secção do Tribunal Judicial do Fundão, transacção essa de que também anexamos cópia. Atendendo a que, de harmonia com o clausulado, o período contratual em curso terminará em 31 de Dezembro de 2010, vimos pela presente comunicar-lhe que denunciamos o contrato de arrendamento vigente, com efeitos na data indicada, pelo que o mesmo não se renovará no dia 1 de Janeiro de 2011”.

21. Os prédios referidos correspondem à realidade predial vertida no contrato transcrito em 2.

22. Em 9 de Fevereiro de 2010 o réu reconvinte dirigiu ao A. a carta junta a fls. 89 a qual foi recebida no dia seguinte pela autora e na qual consta, entre o mais, “Como tempo passa depressa, embora estejamos ainda, em início de Fevereiro, venho lembrar que, até 31 de Dezembro deste ano, tem de entregar o prédio “Quinta do O (...)” livre e desembaraçado, o que quer dizer que não deve fazer nela quaisquer culturas que ultrapasse aquela data”.

23. Os Autores estão há mais de 36 anos estabelecidos no referido prédio e aí têm a sua única residência e exploração agropecuária, donde retiram os rendimentos.

24. Os Autores têm naquele prédio número não concretamente apurado de animais e uma série de instalações, maquinaria e utensílios de rega e criação e acomodação daqueles animais.

25. Os Autores estão vinculados por projeto e programa de incentivo agrícola das entidades e autoridades nacionais com competência no sector até, pelo menos, 2013.

26. Os Autores a expensas suas dotaram o referido prédio de equipamentos e infra-estruturas, desde instalação elétrica, coberturas, poços e charcos, condutas de água, desmatização, vedações e portões, reparações na habitação, entre outros.

27. É intenção do Reconvinte fazer na propriedade produção de frutos de casca rija.

28. …

29. ...

30. ...

31. Em plena produção a propriedade teria gerado, em 2011 quantia não concretamente apurada.

5.2.

Segunda questão.

5.2.1.

Quanto à verificação, (In)validade e (in)eficácia da denuncia.

Ao presente contrato aplica-se o novo regime do Arrendamento Rural aprovado pelo DL 294/2009 de 13.10, ex vi do disposto no aseu artº 39º nº2 al. a) (e não al. b) como refere o julgador).

Estatui o artº 19º de tal diploma:

1 - O contrato de arrendamento cessa por oposição à renovação ou por denúncia de uma das partes, mediante comunicação escrita…

3 - O senhorio ou o arrendatário podem opor-se à renovação do contrato de arrendamento, com a antecedência de um ano relativamente ao termo do prazo do arrendamento ou da sua renovação, sem prejuízo do disposto no n.º 9.

 E prescreve o artº 30º

1 - A oposição à renovação ou a denúncia dos contratos de arrendamento devem concretizar-se mediante comunicação escrita, nos termos previstos nos artigos 26.º e 27.º e nas condições fixadas no artigo 19.º

...

4 - …o senhorio e o arrendatário podem opor-se à efectivação da denúncia do contrato pela outra parte desde que, em acção intentada no prazo de 60 dias após a comunicação prevista no n.º 1, provem a inexistência de fundamento para a denúncia.

Finalmente plasma-se no artº 26º:

1 - Salvo disposição legal em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes…são concretizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de recepção, sem prejuízo do disposto no artigo 27.º

2 - Qualquer comunicação deve conter o endereço completo da parte que a subscreve, devendo as partes comunicar, mutuamente, a alteração daquele.

3 - O escrito assinado pelo declarante pode, ainda, ser entregue em mão, devendo o destinatário apor em cópia a sua assinatura, com nota de recepção.

No caso vertente os recorrentes pugnam pela inexistência de denuncia, ou pelo menos denuncia válida e eficaz, porque entendem que os factos provados em 10., 11., 12., 13., 20. e 21. da Sentença recorrida não podem… servir para provar que o recorrido e até antes dele, os demais herdeiros, comunicaram ao recorrente a denúncia do contrato de arrendamento dentro do prazo legal e sob a forma legalmente prescrita:

Para tanto invocam que apesar de a esposa do autor ter recebido as duas cartas dos autos, não as abriram porque « tinham recebido o compromisso verbal do recorrido de que lhes deixariam terminar o programa de recebimento ajudas e ficar no locado até 2013, de forma a não prejudicar tais apoios…»; tendo, inclusive, «recebido do recorrido e respetiva esposa o aviso expresso e reiterado de que não deveriam ligar a qualquer carta que lhes fosse dirigida».

Mas todos os factos consubstanciadores destas asserções não foram alegados e provados.

Antes se tendo provado factos, vertidos nos pontos 10 a 13 e 20 a 22, que provam a efetivação da denúncia, pela forma legal.

E aqui se corroborando o entendimento do Sr. Juiz a quo quanto à validade, formal e substancial, e decorrente eficácia, de tal denúncia, quando expendeu:

«Dispõe tal norma que ( artº 224º do CC) (Eficácia da declaração negocial):

1. A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada.

2. É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do  destinatário não foi por ele oportunamente recebida.

3. A declaração recebida pelo destinatário em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida é ineficaz.

Em anotação a tal preceito dizem A. Varela e P. de Lima in Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 2ª Edição Revista e Atualizada, com a Colaboração de M. Henrique Mesquita, Vol. I, Pág. 214 que:

“1. As duas espécies de declaração prevista no nº 1 são correntemente designadas por recipiendas (ou receptícias) e não recipiendas (ou não receptícias). As primeiras, como se dirigem a alguém, não podem ser eficazes pela simples emissão da declaração; é o caso das propostas contratuais e dos negócios unilaterais recepticíos, como a (…) denúncia do arrendamento, etc.; (...).

Adoptaram-se, quanto às primeiras, simultaneamente, os critérios da recepção e do conhecimento. Não se exige, por um lado, a prova do conhecimento por parte do destinatário; basta que a declaração tenha chegado ao seu poder. O conhecimento presume-se neste caso, juris et de jure. Mas provado o conhecimento, não é necessário provar a recepção para a eficácia da declaração.

2. No nº 2, como medida de protecção do declarante, considera-se eficaz a declaração que não foi recebida por culpa do declaratário. É o caso, por exemplo, (…) ou de se recusar a receber a carta, ou de não a ir levantar à posta restante como o fazia usualmente” (sublinhados e cheios nosso) »

E, de facto e de direito, assim é.

A denúncia é válida e eficaz desde logo nos termos do nº1 do citado preceito porque bastou o recebimento da carta, acarretando tal recebimento a presunção do conhecimento do seu teor.

Na verdade e como expende o Julgador: « …o certo é que a carta foi enviada e sendo certo que, a partir do momento em que é observada a forma legal, competiria aos autores o ónus de proceder ao seu levantamento e, consequentemente, tornam-se responsáveis por tal não recebimento.

Quanto ao facto de não ter sido assinada pelo autor a declaração, certo é que foram assinadas pela mulher (também autora) e pela filha dos autores, ou seja, há uma presunção de receção nos termos da lei civil e da lei processual civil.»

Ademais, e mesmo que o autor não tivesse aberto as cartas, obviamente que tal facto apenas a si era imputável, pois que não provou qualquer facto justificativo para tal inércia, pelo que a denuncia outrossim é válida e eficaz ao abrigo do nº2.

Mas sempre se dirá que tal não abertura não convence minimamente.

É que outros factos indicam claramente que o autor já tinha conhecimento da pretensão do réu em terminar com o contrato.

São os provados nos pontos 14 a 16, os quais ele nem sequer impugnou.

E, perante os mesmos e as mais elementares regras da lógica e da experiencia comum, não pode deixar de concluir-se que, senão imediatamente – aquando do recebimento da carta referida no ponto 20 -, pelo menos em setembro de 2009 quando o autor reuniu com a mulher do réu para combinar os pormenores da saída, ele  devia ter curiosidade em tomar conhecimento das missivas que tinha recebido, ou inquirir o réu e esposa sobre o respetivo conteúdo.

E, nesta conformidade, se concluindo, meridianamente, que a presente oposição à denuncia, é extemporânea.

5.2.2.

No que tange à condenação dos autores em indemnizarem o 2º réu.

O Sr. Juiz decidiu, neste particular conspeto, nos seguintes termos:

«O terceiro pedido prende-se com a indemnização peticionada pelo réu/reconvinte pela ocupação – desde a data da cessação do arrendamento – até à efetiva entrega do bem.

Estamos, pois, no âmbito da responsabilidade extra-contratual uma vez que o arrendamento havia já cessado….

A obrigação de indemnizar assenta, segundo os Profs. Antunes Varela e Pires de Lima, em cinco pressupostos: "a) o facto; b) a ilicitude; c) a imputação do facto ao lesante; d) o dano; e) Um nexo de causalidade entre o facto e o dano…

Mostram-se, desta forma, preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar cumprindo, então, apurar o quantum indemnizatório devido sendo certo que, in casu, o dano, traduzido no prejuízo efetivo na esfera jurídica do lesado, é apenas e tão somente patrimonial (cfr. artº 496º, nº 1 do C.C.).

Quanto aos danos patrimoniais são aqueles que o réu receberia se não tivesse, desde aquela data de 1 de janeiro de 2011 (início da exploração pelo próprio réu do arrendado) e até à efetiva entrega do prédio, estimado anualmente, dividido por 365 e multiplicado pelo número de dias de ocupação por parte dos autores/reconvindos, a liquidar em execução de sentença, fórmula apresentada pelo réu/reconvinte no seu petitório e que traduz o efetivo prejuízo sofrido por este na sua esfera jurídica.»

Ainda que o julgador o não tenha referido expressamente, naturalmente que a conclusão pela verificação do pressuposto “dano” apenas terá advindo da prova dos factos constantes nos pontos 28 a 30, já que outros não se vislumbram, perante o alegado pelos demandados, que tenham sido provados e que consubstanciem qualquer tipo de prejuízo.

Ora como supra se demonstrou tais factos não poderiam, como nesta instância recursiva não foram,  ser dados como provados.

Falece, pois, um dos requisitos necessários, «sine qua non», para se poder condenar a este título, pelo que, neste particular, os autores têm de ser absolvidos.

5.3.

Terceira questão.

5.3.1.

A redação dada ao artº456º do CPC pelo DL 329-A/95 de 12.12. alargou o âmbito da aplicação do instituto da litigância de má fé, pois que nele abarcou não apenas os casos de atuação dolosa como também os de atuação gravemente negligente.

Sendo que, inclusive, e como se plasma no preâmbulo de tal diploma: «Como reflexo do princípio da cooperação e dos deveres que lhe são inerentes, permite-se, sem quaisquer limitações, a condenação como litigante de má fé da própria parte vencedora, desde que o seu comportamento processual preencha alguma das previsões contidas no nº2 do artº 456º…»

Tal alargamento teve, naturalmente, em vista, restringir os casos de litigância  maliciosa ou  altamente temerária, pretendendo incutir nas partes a necessidade de uma sã atitude processual, pautada e norteada por uma atuação o mais clara e linear possível, sem subterfúgios, truques e mentiras.

E sendo certo que a jurisprudência era amplamente magnânima na condenação a tal título, criou-se uma convicção de impunidade que levava a colocar ou a contestar em juízo casos de total insustentabilidade, ou, pior, distorcidos ou falseados na sua génese factual.

Com os inerente prejuízos para o sistema da justiça e, outrossim, para os próprios sujeitos processuais vítimas de tal atuação.

Importa, pois, na sequência do atual desígnio legislativo, impor uma cultura de rigor nesta matéria, com os inerentes benefícios, a todos os títulos e níveis, dai advenientes.

Não obstante há que apreciar e decidir com as cautelas e precauções necessárias.

E devendo os tribunais serem prudentes na condenação a este título, porque tal implica não apenas uma censura e afetação económico-financeira a nível processual, como um desmerecimento a nível pessoal marcante e inquinador da honestidade e probidade presumivelmente insertas na esfera jurídica pessoal do normal cidadão - cfr. Ac. do STJ de 15.10.2002, dgsi.pt,p.02A2185.

Assim, para a condenação como litigante de má fé não basta a simples impugnação per positionem da versão de uma das partes sempre que a versão oposta à alegada seja provada.

Nem pode confundir-se com a manifesta improcedência da pretensão ou oposição deduzida.

O fundamento ético do instituto exige que se conclua por um desrespeito pelo tribunal, pelo processo e pela justiça, imputável subjetivamente ao litigante a título de dolo ou de negligência grave, ou seja, que tenha havido uma alteração consciente e voluntária da verdade dos factos (dolo) ou uma culpa grave (culpa lata) - Ac. da Relação do Porto de 20.10.2009, p. 30010-A/1995.P1

Destarte e dada a relatividade da verdade judicial decorrente, designadamente, das várias interpretações e correlativas soluções jurídicas que podem incidir sobre um determinado complexo factual «a ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples cortina de fumo da inanidade da sua posição processual…» - Ac. do STJ de 11.12.2003, dgsi.pt, p.03B3893.

Nesta conformidade: «Para a condenação como litigante de , exige-se que o procedimento do litigante evidencie indícios suficientes de uma conduta dolosa ou gravemente negligente…ou seja, que tenha havido uma alteração consciente e voluntária da verdade dos factos (dolo) ou uma culpa grave (culpa lata), que não se basta com qualquer espécie de negligência, antes se exigindo a negligência grave, grosseira (a faute lourde do direito francês ou a Leichtfertigkeit do direito alemão).» -  Ac.  do STJ de 28.05.2009, p. 09B0681.

5.3.2.

No caso vertente o Sr. Juiz a quo, depois de discorrer em termos teóricos acertadamente e em consonância com o supra expendido, condenou a este título alicerçado na seguinte analise hermenêutica:

«…há que atender que os autores, nos termos já anteriormente referidos sabiam que tinham de deixar o arrendado no terminus do prazo acordado. Na verdade, ao longo dos anos e desde 2008 que haviam sido, válida e eficazmente, notificados – ainda nos termos supra expostos – da denúncia do contrato de arrendamento. Para além disso, foram sempre, ao longo desses três (!!!!!) anos da obrigatoriedade de deixarem o arrendado.

Não entregaram o arrendado, alegaram não terem recebido notificações, foram pessoalmente contactados pelos donos do prédio os quais sempre os alertaram para a situação de terem de entregar. No entanto, em nítido conhecimento de que não lhes assistia qualquer razão, por razões que não foram esmiuçadas nos presentes autos (mas que foram ventiladas, nomeadamente, aquando da prova testemunhal e que se prendem com a perceção indevida de subsídios à agricultura) vieram, ainda assim, protelar o regular andamento da justiça e alegar factos de que só podiam ter conhecimento não corresponderem à verdade.»

Corrobora-se este entendimento.

O quid factual fulcral neste particular reside na negação do autor do recebimento e conhecimento do conteúdo da carta enviada pelos réus para denúncia do contrato.

Isto, pelo simples facto de ela ter sido rececionada e assinada pela esposa.

Mas a carta foi rececionada pela esposa como poderia ter sido rececionada por ele.

Pois que a missiva foi enviada em seu nome e para a morada do casal.

O autor alegou que nem sequer abriram a carta porque o réu lhe disse que não devia ligar-lhe e porque lhe garantiu que continuariam no locado.

Mas nem tal alegação se provou, nem ela, como já se disse, faz qualquer sentido.

Na verdade o juiz tem o poder/dever, de interpretar os factos provados e deles retirar outros que sejam as suas normais e adequadas decorrências. Nisto consistindo uma das vertentes mais relevantes do seu múnus.

Ora in casu, há que perguntar: se o autor e esposa não tinham que ligar à carta, por que motivo e com que finalidade os réus lha enviaram?

Acresce que, quanto mais não fosse por simples curiosidade sobre os termos em que a carta estava redigida e a concreta percecionação da posição dos réus, ensinam-nos as regras da experiencia comum, da lógica e a normalidade das coisas, que eles a abriram.

Ademais, e como outrossim supra se expôs, no ano seguinte o autor reuniu com a esposa do réu e um advogado para tratar dos pormenores da saída, tendo, inclusive, perante este causídico, escrito num papel aquilo que se entende serem as benfeitorias  por ele efetuadas no prédio e  a cuja indemnização entenderia ter direito.

De tudo isto se conclui que o autor teve efetivo conhecimento do teor da carta.

E, ao negar este facto pessoal, obviamente que agiu com má fé substancial e processual, quer dolosamente, quer, no mínimo e concedendo, com negligencia grave e censurável.

(im)procede, parcialmente, o recurso.

6.

Sumariando.

I - A invocação da nulidade atípica da falta ou vícios da gravação da prova  não pode ser efetivada  por via recursiva com pronuncia do tribunal ad quem, mas apenas, e preclusivamente, por via reclamatória para apreciação do juiz do tribunal a quo – artº 155º nºs 3 e 4, 195º e 630º nº2 do CPC.

II -Indicando a prova, testemunhal e, máxime, pericial, que as condições edafo-climáticas de um terreno não permitem a produção intensiva de frutos de casca rija (amêndoa), não pode, à míngua de outra prova em contrário,  dar-se como provado tal facto.

III - O envio pelo senhorio, e o recebimento por banda da esposa do arrendatário que vive com ele, de carta registada com a/r, com antecedência superior a um ano do terminus do prazo de contrato de arrendamento rural, implica que se dê por efetivada, válida, e eficaz, a denuncia, e, assim, extemporânea a oposição à mesma, porque operada para além de 60 dias após a comunicação – artºs 19º nºs 1 e 3, 30º nºs1 e 4 e 26º nº1  do DL 294/2009 de 13.10 e artº 224º do CC.

IV - Quem nega o conhecimento de facto pessoal -máxime se determinante para a (im)procedência da ação -, desrespeita a contraparte, o tribunal, e faz uso abusivo do processo, pelo que deve ser condenado como litigante de má fé.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente, absolver os autores do pedido de indemnização.

No mais se mantendo a sentença.

Custas pelos autores e réus, na proporção de ¾ para aqueles e ¼ para estes.

Coimbra, 2015.01.20

Carlos Moreira ( Relator )

Anabela Luna de Carvalho

João Moreira do Carmo