Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3947/17.1T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CAUSALIDADE
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
DANO PATRIMONIAL
DANO NÃO PATRIMONIAL
DANO BIOLÓGICO
PERDA DO DIREITO À VIDA
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 05/19/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JC CÍVEL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS 483, 494, 495, 496, 562, 564, 566, 1675, 2009, 2015 CC.
Sumário: I - Asseverando uma testemunha presencial, condutor de ambulância, que uma condutora de um veículo circulava a mais de 130km/h, e, porque, não tendo este, mercedes 200 CDI, de 2015, com elevados padrões de segurança ativa, sido imobilizado, na sequência de uma ultrapassagem mal sucedida, após o inicio da travagem, em 40 ou 50 metros, antes entrando em zigue zague, percorrendo largas dezenas ou até algumas centenas de metros, e indo embater, sucessivamente, com violência, em dois veículos circulando em sentido contrário, tem de concluir-se que tal condutora circulava com velocidade superior a 100Km/h.

II - Considerando que o STJ valoriza o dano morte normalmente entre 50 e 80 mil euros, é mais adequado o montante de 60 mil euros – do que o de 65 mil - para compensar a perda do direito à vida de fenecido com 59 anos, com alegria de viver, mas que já sofria de cancro num estádio de último grau que, conjuntamente com o acidente, foi concausal do decesso; e, ademais, se no mesmo processo foi arbitrado o valor de 70 mil euros pela morte de mulher, saudável, com 33 anos.

III - Dada a aleatoriedade e incerteza dos critérios de fixação dos danos futuros, o juízo équo apoiado em factos objetivos basilares e temperado pela consideração dos valores fixados pela jurisprudência em casos similares, é o fator determinante para a concretização do montante do caso concreto decidido.

IV - Mostra-se mais adequado, absoluta e comparativamente, – por reporte a 15 mil euros - o valor de 20 mil euros por danos não patrimoniais para lesada de 56 anos que, sem culpa no acidente: i) sofreu traumatismo torácico à direita, no membro superior direito e na perna direita, com contusões e hematomas, que demandaram um período de mais de dois anos de défice funcional; ii) necessita de esforços suplementares, e de tratamentos médicos regulares; iii) teve emagrecimento repentino, involuntário e exacerbado (de 73 kg para 48 kg); iv) ficou com medo de andar de carro, com choro fácil, elevada sensibilidade e necessidade de toma de calmantes, ansiolíticos e antidepressivos.; v) ficou com défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 14 pontos; vi) deixou de conviver socialmente e passou a depender, de forma permanente, de acompanhamento médico psiquiátrico regular e de medicação regular; vii) sofreu um quantum doloris fixável no grau 4, numa escala de 7 valores.

V - O valor do rendimento base para cálculo do dano de incapacidade temporária para o trabalho, apura-se segundo a lei geral do CC, e é o real e efetivo que se provar, não sendo inelutávelmente aplicáveis, máxime por analogia, os critérios da Portaria 377/2008, quer porque inexiste lacuna, quer porque este diploma não se impõe em sede jurisdicional, sendo meramente referencial.

VI - O dano biológico, patrimonial e não patrimonial, traduz-se, nuclearmente, num handicap físico-emocional que, ainda que não implique perda remuneratória, torna mais penosa a realização das tarefas quotidianas; é, decisivamente, calculado via juízo équo, podendo, na definição do seu quantum, e para obstar a duplicação de indemnizações pelos mesmos factos, relevar-se a consideração dos factos que o alicerçam para a fundamentação de outras indemnizações.

VII – O facto de o falecido em sinistro de viação padecer de carcinoma em último grau (IV), não significa que ele, se não tivesse morrido no acidente, morresse imediatamente ex vi da doença; pelo que há que considerar um lapso de tempo de vida (aqui fixado em um ano) para efeito de cálculo, via juízo équo, dos danos futuros pela perda dos seus rendimentos.

VIII – Considerando que o CC consagra a teoria da causalidade adequada na formulação negativa, na qual se releva a causalidade indireta e mediata, o acidente de viação terá ainda de ser considerado causal de despesas necessárias para a instauração da ação: vg. atinentes a pagar instrumento de habilitação de herdeiros.

Decisão Texto Integral:

Processo nº3947/17.1T8VIS.C1

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

1.1.

C (…), M (…) e J (…) instauraram contra “Seguradoras (…) SA” e Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões – Fundo de Garantia Automóvel, a presente ação declarativa, de condenação, com processo comum.

Pediram a condenação das rés, isolada ou conjuntamente:

- a pagar à autora C (…) a quantia de € 93.341,25, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos, bem como pelo seu falecido marido, acrescida de juros;

- a pagar à autora C (…) a indemnização por outros danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos com o acidente, ainda não determináveis, a determinar e liquidar até à discussão e julgamento da causa ou em execução de sentença;

- a pagar a cada um dos autores M (…) e J (…) a quantia de € 40.000,00, a título de indemnização dos danos sofridos por ambos e pelo seu falecido pai com o acidente, acrescida de juros legais.

Para tanto, alegaram:

No dia 3 de outubro de 2016, no IP3, ao Km 93,600, ocorreu um acidente, em que foram intervenientes três veículos, entre eles uma ambulância onde a autora C (…) e o seu marido T (…), pais dos autores M (…) e J (…), seguiam como passageiros.

Tal sinistro deveu-se à atuação da condutora de um dos veículos intervenientes, seguro na ré “Seguradoras (…), SA” que, seguindo em excesso de velocidade e desatenta, descontrolou a direção do veículo que tripulava quando, preparando-se para efetuar uma ultrapassagem a outro veículo, o respetivo condutor se deslocou para a fila da esquerda. Para evitar o embate, a referida condutora guinou para a sua esquerda, tendo descontrolado a direção do veículo e vindo a embater, sucessivamente, nos outros dois veículos intervenientes no sinistro.

Porém, para o caso de se apurar que o sinistro se deveu total ou concorrencialmente à manobra do veículo que se desviou para a esquerda no decurso da ultrapassagem, por se desconhecer a sua identificação, assim como a existência de seguro, os autores demandaram a ré Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões – Fundo de Garantia Automóvel.

De tal acidente resultaram graves lesões físicas para a autora C (…) e para o seu marido, as quais vieram mesmo a determinar o óbito deste no dia 11/10/2016.

 O Fundo de Garantia Automóvel contestou.

Disse que  perante os factos indiciados na providência de arbitramento de indemnização provisória instaurados pela autora C (…) se concluiu pela responsabilidade da condutora do veículo seguro na co-ré “Seguradoras  (...), SA” na produção do sinistro, o que, embora não faça caso julgado, a comprovar-se nestes autos, determinará a absolvição do pedido do contestante.

O acidente deveu-se unicamente à conduta da condutora do veículo seguro na ré que circulava na faixa de rodagem da esquerda, com excesso de velocidade, executando uma manobra de ultrapassagem num local em que havia sinalização da supressão da via da direita, sem se certificar de que poderia executar tal manobra sem o perigo de colidir com o suposto veículo que circulava no mesmo sentido.

Não aceita a existência ou a intervenção no sinistro do alegado veículo desconhecido, que circularia no mesmo sentido da condutora do veículo seguro na ré.

Impugnou ainda a factualidade relativa aos danos alegada pela autora.

Concluiu defendendo a improcedência da ação.

 A  “Seguradoras (…), SA”, também contestou.

Disse que o acidente ocorreu por o condutor da viatura desconhecida ter forçado a sua entrada na via por onde seguia a condutora do veículo seguro. Assim, tal condutor não respeitou a prioridade de passagem de que esta beneficiava, forçando-a a uma manobra de recurso, que deu origem ao acidente.

Mais impugnou os danos invocados pelos autores.

Peticionou  a sua absolvição do pedido.

Foi ordenada e efetivada a apensação da providência cautelar instaurada pela aqui autora C (…) contra os réus Seguradoras (…), SA e FGA, que corresponde ao apenso A dos presentes autos e dos autos da ação nº 2593/18.8T8VIS (que atualmente constitui o seu apenso B).

1.2.

Já a ação nº 2593/18.7T8VIS, aqui apensada,  foi instaurada pelo autor S (…), por si e em representação dos seus filhos menores G (…) e I (…) contra o réu Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundo de Pensões – Fundo de Garantia Automóvel.

Nela alegaram os autores:

No dia 3 de outubro de 2016, no IP3, ao km 93,600 ocorreu um acidente, no qual intervieram quatro veículos, um dos quais conduzido por S (…), casada com o autor S (…) e mãe dos autores I (…) e G (…).

Quando a S (…) executava uma manobra de ultrapassagem de outro veículo que não foi possível identificar, após ter-se certificado que da mesma não resultava perigo ou embaraço para o trânsito, o respetivo condutor invadiu inesperadamente a faixa de rodagem esquerda por onde aquela já circulava, o que a obrigou, em manobra de emergência, a guinar para a esquerda.

Tal manobra fez com que entrasse em despiste e tivesse embatido, sucessivamente, em dois veículos que circulavam em sentido contrário. Assim, o acidente deveu-se à conduta estradal do condutor do veículo não identificado.

Do sinistro resultou o óbito de S (…), assim como inúmeros danos de natureza patrimonial e não patrimonial para os autores.

Concluiram os autores solicitando a condenação do réu:

- no pagamento ao autor S (…)da quantia de € 154.179,00, por todos os danos sofridos em resultado do acidente, acrescido dos juros à taxa legal, desde a citação e até efetivo pagamento;

- no pagamento do valor da indemnização que se vier a liquidar ulteriormente relativo às despesas do acompanhamento médico dos autores G (…) e I (…)

- no pagamento ao autor G (…) da quantia de € 101.666,66, por todos os danos sofridos em consequência do acidente de viação, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação e até efetivo e integral pagamento;

- no pagamento à autora  I (...) da quantia de € 101.666,66, por todos os danos sofridos em consequência do acidente de viação, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação e até efetivo e integral pagamento.

O Fundo de Garantia Automóvel contestou.

Disse que a culpa na produção do acidente se deveu à condutora S (…), por circular a velocidade superior a 130 km/h, executando uma manobra de ultrapassagem num local onde havia sinalização de supressão da via da direita, sem se certificar da existência de perigo de colisão com outros veículos.

Tal veio a ser decidido na providência cautelar de arbitramento de indemnização provisória nº 279/16.6T8TND.

Desconhece a existência e a intervenção de um quarto veículo no sinistro.

Concluiu  pela improcedência da ação.

Procedeu-se à citação do Centro Nacional de Pensões, nos termos e para os efeitos do artigo 3º do Dl 58/89, de 22 de fevereiro, que deduziu contra o réu pedido de reembolso de prestações de Segurança Social por si liquidadas em consequência do sinistro em debate nos autos.

Tal pedido foi deduzido no valor de € 8.377,36, acrescido das pensões de sobrevivência que se vencerem e forem pagas na pendência da ação.

A autora C (…) apresentou ampliação do pedido por si formulado, no montante adicional de € 82.816,52 que foi admitida.

No decurso da audiência de julgamento, o Centro Nacional de Pensões juntou aos autos a certidão de fls 354, assim ampliando o pedido de reembolso anteriormente deduzido para o valor global de € 11.829,76, emergente do subsídio por morte e das pensões de sobrevivência por si liquidadas, até àquele momento, em consequência do óbito de S  (...).

2.

Prosseguiu o processo os seus legais termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«Ação Principal

Pelo exposto, e decidindo, julgo parcialmente procedente a presente ação, e, em consequência:

- Absolvo a ré “Seguradoras (…) SA” do pedido contra si formulado pelos autores C (…), M (…) e J (…)  ;

- Condeno o réu Fundo de Garantia Automóvel:

- a pagar à autora C (…), a quantia global de € 92.767,77 (noventa e dois mil, setecentos e sessenta e sete euros e setenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, computados à taxa legal de 4% ao ano, contabilizados desde a data da presente decisão e até integral e efetivo pagamento, exceto relativamente às parcelas indemnizatórias já incluídas naquele montante de € 2.999,53 (dois mil, novecentos e noventa e nove euros e cinquenta e três cêntimos) e € 1.522,25 (mil quinhentos e vinte e dois euros e vinte e cinco cêntimos) relativamente às quais são devidos juros vencidos à mesma taxa desde a citação e até integral pagamento;

- a pagar à autora M (…) a quantia de € 34.999,99 (trinta e quatro mil, novecentos e noventa e nove euros e noventa e nove cêntimos), acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa de 4% ao ano, computados desde a presente decisão até efetivo e integral pagamento;

- a pagar ao autor J (…)  a quantia de € 34.999,99 (trinta e quatro mil, novecentos e noventa e nove euros e noventa e nove cêntimos), acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa de 4% ao ano, computados desde a presente decisão até efetivo e integral pagamento;

Absolvo o réu Fundo de Garantia Automóvel dos demais pedidos contra si formulados pelos autores;

Custas pelos autores e pelo réu FGA, na proporção do respetivo decaimento, que depende de simples cálculo aritmético - cfr. artigo 527º, CPC…

Ação Apensa.

Pelo exposto, e decidindo, julgo parcialmente procedente a presente ação, e, em consequência:

- Condeno o réu Fundo de Garantia Automóvel:

- a pagar ao autor S (…) a quantia global de € 141.552,33 (cento e quarenta e um mil, quinhentos e cinquenta e dois euros e trinta e três cêntimos), acrescida de juros de mora, computados à taxa legal de 4% ao ano, contabilizados desde a data da presente decisão e até integral e efetivo pagamento, exceto relativamente às parcelas indemnizatórias já incluídas naquele montante de € 1.962,40 (mil, novecentos e sessenta e dois euros e quarenta cêntimos), € 150 (cento e cinquenta euros), e € 200 (duzentos euros) relativamente às quais são devidos juros vencidos à mesma taxa desde a citação até integral pagamento;

- a pagar ao autor G (…) a quantia de € 60.202,49 (sessenta mil, duzentos e três dois e quarenta e nove cêntimos), acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa de 4% ao ano, computados desde a presente decisão e até efetivo e integral pagamento;

- a pagar à autora I (…) a quantia de € 64.839,99 (sessenta e quatro mil, oitocentos e trinta e nove euros e noventa e nove cêntimos), acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa de 4% ao ano, computados desde a presente decisão e até efetivo e integral pagamento;

Condeno o Fundo de Garantia Automóvel a pagar aos autores a quantia a liquidar ulteriormente relativa às despesas médicas dos autores G (…) e I (…), emergentes das consultas e tratamentos a que se vão submeter em consequência do sinistro em causa nos autos.

Absolvo o réu Fundo de Garantia Automóvel dos demais pedidos contra si formulados pelos autores;

Absolvo o réu Fundo de Garantia Automóvel do pedido de reembolso contra si formulado pelo Centro Nacional de Pensões.

Custas da ação pelos autores e pelo réu, na proporção do respetivo decaimento, que depende de simples cálculo aritmético, quanto à parte líquida, e provisoriamente em partes iguais quanto à parte ilíquida, sendo o decaimento determinado na liquidação a operar ulteriormente - cfr. artigo 527º, CPC.

Custas relativas ao pedido de reembolso pelo Centro Nacional de Pensões – cfr. artigo  527º, CPC.»

3.

Inconformados recorreram o réu Fundo de Garantia Automóvel e a autora C (…)

3.1.

Conclusões do réu FGA:

(…)

3.2.

Conclusões da autora C (…)

(…)

3.3.

Relativamente ao recurso da autora contra alegou o FGA, pugnando pelo seu indeferimento com os seguintes argumentos finais:

(…)

3.4.

No atinente ao recurso do FGA contra alegaram o autor S (…), por si e em representação de seus filhos menores G (…) e I (…) e, bem assim, a ré Seguradoras (…), S.A,.

3.4.1.

Conclusões de S (…)

(…)

3.4.2.

Conclusões da ré Seguradoras (…) S.A:

(…)

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são, lógica e metodologicamente,  as seguintes:

A – do Recurso do réu FGA.

1ª -  Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

2ª – Imputação do acidente à condutora do veículo PU (…) ou, ao menos na proporção de 50% para o condutor do veículo desconhecido e 50% para aquela condutora.

3ª – Valor da perda do direito à vida de T (…).

4ª – Valor  dos  danos patrimoniais fixados a título de alimentos aos Autores S (…), G (…) e I (…)

B – Do recurso da autora C (…):

– Quantum do dano não patrimonial da autora C(…) pelo decesso do marido e  do próprio da autora em resultado do acidente.

6ª – Quantum do dano de incapacidade temporária da autora.

7ª – Quantum do dano biológico da autora nas vertentes patrimonial e não patrimonial.

8ª – Indemnização por dano patrimonial futuro, decorrente da perda de rendimentos do falecido marido.

9ª – Erro de cálculo da indemnização pela ajuda doméstica e pelas despesas futuras médicas e ilegalidade no indeferimento das despesas de obtenção do instrumento de habilitação de herdeiros.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente;  mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

Acresce, e como dimana do já supra referido, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

 A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.

Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua, subjetiva, convicção sobre a prova.

Porque, afinal, quem  tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.

Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efetivar uma análise concreta, discriminada, objetiva, crítica, logica e racional, do acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

 A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório  com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito probatório permitida e que lhe é concedida.

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.– cfr. neste sentido, os Acs. da RC de 29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 17.05.2016, p. 339/13.1TBSRT.C1; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos  in dgsi.pt;

Até porque constitui jurisprudência sedimentada, que:

«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de 20.05.2010, p. 73/2002.S1 in  dgsi.pt.

5.1.2.

In casu.

Pretende o recorrente:

- a  não prova da factualidade vertida no ponto 6.13 dos factos provados, na parte em que refere "iniciou uma manobra de ultrapassagem, certificando-se previamente que a podia efetuar sem causar perigo ou embaraço para o resto do tráfego que naquela altura se processava na referida via"; o facto vertido no ponto 6.14 dos factos provados, na parte em que refere "invadiu inesperada, súbita e bruscamente a via de trânsito da esquerda", o facto vertido no  ponto 6.15 dos factos provados, o facto vertido no ponto 6.16 dos factos provados e, por último, o facto vertido no artigo 6.17 dos factos provados, na parte em que refere "Por força de tal manobra";

-  a alteração da  redação do facto vertido no ponto 6.20 dos factos provados passando a ter a seguinte redação: "No momento em que iniciou a ultrapassagem supra referida, a condutora do PU seguia a uma velocidade cuja grandeza em concreto não foi possivel apurar, mas que era excessiva e superior aos limites legais";

  - A prova da factualidade dada como não provada pelo Tribunal a quo e constante do artigo 60° da contestação apresentada pelo R. FGA no apenso B.

É o seguinte o teor dos pontos impugnados:

6.13 - Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, a condutora do veículo automóvel ligeiro de passageiros PU, que na altura conduzia com o cinto de segurança colocado, iniciou uma manobra de ultrapassagem, certificando-se previamente que a podia efetuar sem causar perigo ou embaraço para o resto do tráfego que naquela altura se processava na referida via, tendo, na execução de tal manobra, passado a circular na via de  trânsito mais à esquerda, atento o seu sentido de marcha, via essa onde não circulava qualquer outro veículo (artigo 14º, 17º, 18º da petição inicial do apenso B, artigos 13º, 14º, 26º do processo principal, artigo 30º da contestação do FGA apresentada nos autos principais, artigo 53º da contestação do FGA apresentada no apenso B);

6.14 – Porém, durante a execução de tal manobra de ultrapassagem, o condutor do veículo não identificado, que seguia na via de trânsito da direita atento o seu sentido de marcha, guinou e invadiu inesperada, súbita e bruscamente a via de trânsito esquerda, atento o seu sentido de marcha, via essa por onde já circulava ao seu lado o veículo PU (artigos 19º, 36º da petição inicial do apenso B, artigo 17º, 27º, 28º da petição inicial do processo principal, artigo 5º da contestação da ré Seguradoras  (...) apresentada no processo principal);

6.15 – Tal mudança de via do veículo desconhecido ocorreu cerca de 150 metros antes da supressão da via da direita por onde circulava, a qual se encontrava assinalada, nos termos supra referidos (artigo 28º da petição inicial dos autos principais, artigo 30º da contestação do FGA apresentada nos autos principais, artigo 53º da contestação apresentada pelo FGA no apenso B);

6.16 - Tal manobra do condutor do veículo não identificado fez com que a condutora do PU, ao deparar-se com a súbita invasão da sua via de trânsito, por forma a evitar o embate lateral com aquele, guinasse também para a esquerda (artigos 20º, 21º, 24º, 36ºda petição inicial do apenso B, artigo 18º da petição inicial do processo principal, artigo 6º da contestação da ré Seguradoras  (...));

6.17 – Por força de tal manobra, a condutora do PU perdeu o controlo do veículo, entrando em despiste, tendo o veículo ziguezagueado na via (artigos 22º, 25º, 36º da petição inicial do apenso B, artigo 29º da petição inicial do apenso B);

6.20 – No momento em que iniciou a ultrapassagem supra referida, a condutora do PU seguia a uma velocidade cuja grandeza em concreto não foi possível apurar (artigo 14º da petição inicial do apenso B);

A Srª juíza fundamentou estes factos nos seguintes termos:

«…toda a prova produzida aponta, de forma inequívoca, para a presença do veículo desconhecido, bem como para a execução pelo seu condutor da manobra apurada de desvio para a faixa de rodagem da esquerda, que está na origem do sinistro.

Desde logo a sua presença e a execução de tal manobra foram inequivocamente confirmadas pelo condutor do CN, que avista a circulação de ambos os veículos (PU e veículo desconhecido) sensivelmente lado a lado, em sentido contrário ao do seu. Efetivamente, embora não logrando precisar com rigor se estavam mesmo lado a lado ou se um seguia ligeiramente mais adiantado que o outro, avistou-os à distância que não poderia ser superior a 250 metros (atenta a visibilidade consentida na via) a circularem lado a lado, tendo presenciado o início da manobra de ultrapassagem executada pelo PU, observando o veículo PU a sair da faixa da direita e a passar a circular na da esquerda, ao lado do veículo desconhecido quando o respetivo condutor invadiu a faixa de rodagem da esquerda, por onde aquele já circulava. Este depoimento permitiu concluir que o despiste da condutora do veículo PU ocorre quando esta se encontrava em plena execução da manobra de ultrapassagem, na via da esquerda e não apenas a preparar-se para ultrapassar.

Para além de tal depoimento testemunhal, que a tal propósito não merece quaisquer reservas, por estar em causa um facto por si diretamente percecionado, também o  desvio “súbito e vigoroso” (nas palavras do autor do relatório junto aos autos) executado pela condutora do PU corrobora a existência e ação do veículo desconhecido.

Por fim, a supressão da via da direita, que já se mostrava assinalada no local, mas que se concretizava a cerca de 150 metros, também corrobora o desvio para a esquerda do condutor do veículo desconhecido, e, consequentemente, a imediata reação da condutora do PU.

Já a velocidade atribuída pelo condutor da funerária ao PU (“130 mais IVA”) não se revelou sustentada em qualquer elemento objetivo que a permitisse considerar apurada.

Desde logo, trata-se de um elemento do qual o condutor do CN não teve uma perceção direta, dado que o veículo circulava no sentido oposto ao seu, não podendo o depoente, por comparação de velocidades, de forma objetiva, afirmar a que velocidade circulava o PU.

E, na realidade, o condutor do CN referiu que avistou o PU a iniciar a manobra de ultrapassagem a uma distância que situou em 500 metros (mas que de harmonia com as condições da via apenas poderia ser de cerca de 250 metros) e, logo de imediato, observou a guinadela para a esquerda do veículo desconhecido e o despiste da condutora daquele veículo.

Afigura-se, assim, que a distância a que avista o PU, aliada à sua visualização momentânea até este entrar em despiste, não é compatível com a aferição rigorosa da sua velocidade.

Acresce que do depoimento da testemunha em questão resultou que a velocidade que atribuiu à condutora do PU resultou não da sua perceção direta mas da conclusão que retirou de todo o aparato do próprio sinistro, do estado em que ficaram os carros, da distância que percorreram após os embates e, manifestamente, do seu próprio envolvimento pessoal no sinistro, que não deixa de lhe retirar algum distanciamento e objetividade.

Efetivamente, contrariamente ao que referiu, o PU não veio a embater na ambulância a cerca de 200 metros após o primeiro embate (com o veículo CN), mas sim a cerca de 44,70 metros do mesmo.

Por outro lado, da circunstância de ter saltado a roda traseira esquerda do PU não pode extrair-se um argumento decisivo quanto à velocidade a que seguia, pois como referiu a testemunha, o PU “agarrou com a roda no eixo traseiro” da sua viatura, “empenando-o”, o que decerto não deixará de estar na origem do facto de esta se ter soltado.

Acresce que sendo manifesto que a carrinha funerária ficou danificada no lado esquerdo, zona onde foi embatida pelo PU que a “raspou” ao longo do seu comprimento, os danos que apresenta não podem ser imputáveis unicamente a tal embate. Na realidade, a carrinha capotou para a esquerda e deslizou pelo asfalto até se imobilizar no local assinalado na participação, o que manifestamente contribuiu para os danos que apresentava após o sinistro.

Por fim, não obstante as caraterísticas do veículo PU, designadamente a circunstância de se mostrar dotado de ABS, como referiu o agente que elaborou o relatório junto aos autos, a manobra brusca e repentina de desvio para a esquerda executada pela condutora não lhe permitiu beneficiar do auxílio à travagem conferido pelo carro. Aliás, em tal relatório é salientado o facto de o veículo PU na sua parte direita (frontal, lateral e traseira) não apresentar vestígios de contacto com outro veículo, e ainda que os danos na sua parte traseira foram provocados pelos bombeiros. Ou seja, o veículo apresenta significativa deformação à esquerda, sobretudo na zona da condutora, a qual decorreu dos dois embates sucessivos que sofreu e que, em si, não pode permitir afirmar que a condutora seguisse à velocidade que lhe apontou o condutor do CN.

Acresce que as próprias caraterísticas dos veículos PU e TM, designadamente o facto de serem mais recentes, não deixam de potenciar a sua deformação (carros concebidos para amortecerem o choque em benefício da integridade dos ocupantes). Consequentemente, da sua deformação não deve retirar-se qualquer argumento decisivo para a afirmação das respetivas velocidades.

Por fim, dir-se-á que ambos os embates ocorreram, de forma sucessiva, entre um veículo que circulava em despiste (PU) e dois veículos, cujos condutores, surpreendidos pela súbita invasão da respetiva via e trânsito, não travaram (no momento que antecedeu imediatamente o embate, já que o condutor do CN travou, mas de seguida acelerou) e que, na  ocasião, circulariam a 70/80 km o que, só por si, não poderia deixar de originar embates de grande violência.

Conclui-se, pois, que o sinistro é compatível com a circulação do PU a uma velocidade diversa da que lhe foi apontada pelo condutor do CN, quer próxima dos 100 Km/h, quer a velocidade inferior (incluindo “na casa dos 90 Km/hora” como referido no relatório junto aos autos), tendo-se gerado a tal propósito uma dúvida inultrapassável que não permitiu afirmar, com um mínimo de segurança, a que velocidade circulava imediatamente antes do sinistro.

Assim, por falta de elementos objetivos e seguros colhidos de todos os meios de prova ponderados, não foi possível concluir qual a velocidade a que seguia a condutora do PU.»

Já o recorrente invoca os seguintes  documentos: A participação de Acidente (fls 19ve ss do apenso B e 12v e ss da providência cautelar apensa), cujo teor foi confirmado em audiência pelo seu autor e o Relatório fotográfico de fls 31 v e ss que, no decurso da audiência foi junto aos autos a cores, permitindo visualizar a via, assim como a posição dos veículos e o seu estado após o sinistro.

E, bem assim, o depoimento da testemunha   L (...).

Foi apreciada a prova com audição dos depoimentos.

Perscrutemos.

Quanto ao ponto 6.13.

A tese do recorrente é a mais plausível e defensável.

Aliás, neste especial conspeto, a sentença não é, como devia ser, adrede e concretamente, fundamentadora.

Depois há  factos provados que infirmam a asserção de que a infeliz condutora do mercedes se  certificou previamente que a podia efetuar  a ultrapassagem sem causar perigo ou embaraço para o resto do tráfego que naquela altura se processava na referida via.

Efetivamente, do provado em 6.5. e em 6.1.5, dimana que imediatamente antes ou imediatamente depois de ter iniciado a ultrapassagem, a condutora do mercedes tinha visto, ou viu – ou, o que é o qb., era-lhe exigível que tivesse visto ou visse - o sinal  vertical  F1b e/ou as setas de desvio marca M16, os quais indicavam que uma hemi faixa de rodagem ia ser suprimida.

Logo, e ainda que a distância de cerca de 150 metros que ainda restava para tal supressão, em princípio, se nada de anormal surgisse, fosse suficiente para ela efetuar a ultrapassagem, os sinais aludidos,  esta distância já escassa, e a circulação, à sua frente, na faixa de rodagem da direita, de outro veículo, o qual, dado o fim próximo da segunda hemi faixa, poderia fletir, como fletiu, para a sua esquerda, aconselhavam, preventiva e cautelosamente, a que não ultrapassasse.

Tal trecho, não pode, pois, perante a prova produzida, ser dado como provado.

No atinente aos pontos 6.14., 6.15, 6.16 e 6.17 na parte em que refere "Por força de tal manobra";

Aqui a sentença não merece censura.

A única testemunha que se apercebeu da dinâmica do sinistro, o mencionado  L (...) foi assertivo e reiterante neste ponto ao afirmar que viu um movimento  «repentino» de um carro de três volumes a invadir parcialmente a faixa onde já circulava o mercedes

Acresce que  esta testemunha inequivocamente liga a travagem brusca da condutora do mercedes, e o subsequente zigue zague e despiste, à repentina passagem do carro desconhecido para a hemifaixa onde aquela já circulava.

Esta testemunha  relatou que aquela condutora circulava ligeiramente atrás deste carro; e porque o seu condutor efetuou tal inesperada manobra, dada a curta distância entre os veículos e  para evitar o embate no que se lhe colocou à frente, a falecida (…) teve de travar a fundo, o que, conjugado com a velocidade  a que circulava – a  mais de 130km/h – provocou  o despiste, os zique zagues e os embates nos outros veículos.

Esta testemunha depôs com conhecimento direto  do que verbalizou; e aparentou, quer no modo, quer no tom, imparcialidade e desinteresse, e, até, alguma experiência e sagacidade – naturalmente, e ao menos em parte, oriundas da sua qualidade de condutor -  na interpretação do desenrolar do iter danoso.

Mostrou-se, inclusive, triste e comovido com o decesso da condutora, e foi ao seu funeral.

 Merece, pois, credibilidade, no cômputo geral do por ele mencionado, que não apenas parcialmente, como a julgadora entendeu.

Ademais, os factos por ele relatados,  o encadeamento dos mesmos e as suas consequência físico materiais,  não se mostram inconsequentes, contraditórias ou ilógicas, antes se alcançando, pelas regras da lógica e da experiência da vida, naturais e aceitáveis.

Finalmente a velocidade a que circulava a infeliz condutora do mercedes.

Releva decisivamente, aqui também e desde logo, o depoimento desta testemunha.

A julgadora  não deu como provada qualquer velocidade, mas depreende-se da sua fundamentação que entendeu que  a infeliz condutora circulava a  cerca de 90 km/h.

Já  do depoimento desta testemunha  perpassa que a condutora circulava a mais  de 130km/h.

O normal homem médio, medianamente conhecedor e desperto, tem uma noção aproximada da velocidade a que circula um veículo automóvel.

Certamente que não pode convencer  sobre uma velocidade exata.

Mas também não é natural e lógico que se engane  com uma amplitude de 60, 50 ou até 40, Km/h.

Por maioria de razão se deve conceder tal  capacidade de apreensão a um condutor habitual, ademais de uma ambulância, como é esta testemunha.

A testemunha explicou esta sua convicção.

No seu entender a condutora do mercedes «vinha a andar bem, mas  bem a sério…».

Concretizando que  conduzia a «130, mais IVA, com uma taxa bastante elevada…», ou seja a cerca de 150 km/h.

Depois disse que ele sabe a diferença que existe no controlo de um carro que circula a 80 ou 100km/h ou que circula a 150 km/h.

Versus o entendido na sentença, a testemunha teve uma perceção direta da velocidade.

O facto de o PU circular em sentido oposto não retira tal jaez à perceção.

 E o ter apoiado a sua convicção sobre a velocidade « de todo o aparato do próprio sinistro, do estado em que ficaram os carros, da distância que percorreram após os embates…» outrossim o  não retira, antes alicerça, objetiva e racionalmente, como infra se verá, a sua convicção.

Aliás, tal crítica também deveria valer para o relato da testemunha das manobras dos dois veículos, o qual,  porém, a Srª Juíza aceitou e relevou.

Não há, pois, razões ou motivos para distinguir no seu depoimento, valorando-o para certos factos e desvalorizando-o para outros.

A testemunha conduzia um veículo com uma posição de condução relativamente alta.

Tal permitiu-lhe ter uma visão mais alargada, abrangente, acutilante e incisiva da dinâmica do sinistro, vg. com perceção da velocidade aproximada a que o mercedes circulava.

Até porque a estrada, no local, constitui uma reta, era de dia, o tempo estava bom, e a distância de acuidade visual era de cerca de 250 metros  (melhor teria sido dar como provado,  «não inferior a 250 metros» , como resulta do relatório policial a fls.52).

O veículo  era um  mercedes 200CDI,  de 2015, e, assim, com cerca de 140 cavalos,  atual, moderno e certamente dotado dos mais abrangentes sistemas de segurança passiva e, no que aqui interessa,  de segurança ativa.

Nomeadamente, tinha ABS e, certamente,  tinha ESP.

O ABS, do inglês Antilock Braking System, efetiva pequenas sucessivas e intermitentes travagens nas rodas e destina-se a evitar o bloqueio das mesmas.

«O ESP, do inglês Electronic Stability Program, é responsável por controlar a trajetória dos veículos e evitar a perda de controlo, mesmo com mudanças repentinas de direção.

Este componente atua sobre os travões, acionando individualmente cada um deles em cada roda. O sistema ESP atua em conjunto com os travões com ABS, pois é essencial que as rodas não bloqueiem durante a atuação do controlo de estabilidade.

Os sensores ativam os travões corrigindo as situações de subviragem, que é quando o veículo tende a sair de frente, e de sobreviragem, que é quando o veículo tende a sair de traseira. 

O ESP consegue ser mais eficaz que qualquer condutor pois ao atuar individualmente sobre cada roda, consegue travá-las ou libertá-las conforme a necessidade a cada momento. A análise é feita dezenas de vezes por segundo.

Basicamente o controlo de estabilidade restitui, de forma automática, o veículo à trajetória delineada pelo seu condutor. Criando assim condições para que possa prosseguir em segurança a sua viagem» - In https://www.circulaseguro.pt/veiculos-e-tecnologia/o-que-e-o-esp-sera-que-todos-sabemos-que-reacoes-traz-ao-carro.

(sublinhado nosso).

Não está provado, nem é normal, que a simples forte  travagem e a guinadela da condutora do mercedes para evitar o embate no veículo que a precedia, impedisse o funcionamento destes mecanismos de segurança ativa.

Antes, pelo contrário, se devendo presumir que eles atuaram.

Pois que eles servem  precisamente para obviar ou minimizar situações limite de tal jaez.

Assim, algum outro fator contribuiu  também para os zigue zagues sucessivos e para o embate.

E tal só pode ter sido a condutora circular a muito mais de 90 km/hora.

O que dimana da demais prova produzida e dos demais factos provados.

O relatório policial diz que a velocidade média da viagem da falecida entre Coimbra e o local do embate, foi, sensivelmente, de 92 km/hora.

Se assim é, e porque a velocidade do percurso não pôde ser constante, até porque a estrada tem curvas e retas, subidas e descidas, certamente que tal média apenas  foi obtida com velocidades superiores em certos troços, como sejam os que são constituídos por retas.

 E o local da  ultrapassagem era uma reta.

Depois, entre o momento do desvio e da travagem por banda da condutora do mercedes e o primeiro embate,  este veículo foi desviado para a esquerda, depois para a direita e novamente para a esquerda.

Nestes ziguezagues certamente que ele percorreu  largas dezenas, ou até algumas centenas, de metros, ao longo dos quais, se circulasse apenas a cerca de 90Km/hora, e com a ajuda dos aludidos sistemas de segurança, certamente ou com grande probabilidade, se imobilizaria antes de embater no carro funerário.

Já em 1980,  e para carros apenas com travões de discos às quatro rodas,  e ainda  sem  a panóplia das  atuais ajudas dinâmicas de segurança ativa como seja o ABS e ESP, se demonstrava que para uma velocidade de  90km/hora, a distancia total de paragem - ie. considerando já a distancia percorrida no decurso do  tempo de reação,  qual seja, o que se demora a carregar no pedal do travão: ¾ de segundo -,  era de 52,75 m.

Mas a distancia necessária para a imobilização de um veículo a circular a 130 km/hora era de  98,48 metros – cfr. Dario  Martins de Almeida, In Manual de Acidentes de Viação,  2ª ed., 1980, p. 486.

Assim sendo, um moderno e bom carro, como  se assumia o mercedes em causa, se circulasse a cerca de 90km/h imobilizava-se, mesmo após uma guinadela brusca, num comprimento seguramente não superior a 50 metros.

 Porém, não apenas não se imobilizou em tais dezenas de metros – 40, 50, 60 que fossem -   como, depois de percorrer maior distancia,  foi embater na funerária, com violência tal que implicou o capotamento desta.

E, não ficando por aqui, percorreu ainda adicionais 44 metros, e embateu,  outrossim violentamente, na ambulância.

A testemunha avistou o desvio e o início da travagem do mercedes a cerca de 400 metros de distância.

Assim sendo, e não obstante  o sentido oposto em que ele e os veículos embatidos circulavam, e  a velocidade destes – que aliás, era moderada: 70/80 km/h – pode concluir-se que se o mercedes circulasse a cerca de 90/100km/hora, como devia, ele seria imobilizado naquelas dezenas de metros, o que seria suficiente para evitar os embates.

Ele até poderia ser embatido quando já estivesse parado, mas  não iria embater.

Nesta conformidade, e porque nos zigue zagues e até ao primeiro embate certamente que foi percorrida uma distância de,  pelo menos, cerca de 100 metros, a conclusão a retirar é que a condutora  certamente circulava a uma velocidade  superior,  e, com muita probabilidade,  em algumas dezenas de quilómetros superior, a 100km/h.

Da prova produzida e dos elementos fáctico circunstanciais provados e fortemente indiciados, temos como possível, e mais plausível, a seguinte, sinótica, conclusão final:

A condutora do mercedes quis ultrapassar - in extremis,  porque já se tinha apercebido do final próximo das duas hemi faixas - o condutor que a precedia na faixa da direita, e, para o efeito, acelarou e imprimiu  maior velocidade ao carro; aquele condutor, precisamente porque já se tinha apercebido de tal final e porque tinha de entrar na única faixa que passaria a existir, e sem se aperceber da ultrapassagem que estava a ser realizada, introduziu-se repentinamente à frente da condutora do mercedes; esta conjugação de fatores e a velocidade de (muito) mais de cem km/h a que a infeliz falecida circulava, despoletaram o sinistro.

5.1.3.

 Por conseguinte, e na parcial procedência desta questão, os factos a considerar são os seguintes, indo a negrito os alterados:

6.1 - No dia 3/10/2016, cerca das 10h45, Km 93,600, IP3, localidade de Vila Nova da Rainha, freguesia de Dardavaz, concelho de Tondela, ocorreu um acidente de viação (artigo 1º das petições iniciais do processo principal e apenso B)

6.2 -Nesse sinistro foram intervenientes os seguintes veículos:

- PU (…), ligeiro de passageiros, serviço particular, propriedade de A (…) e então conduzido por S (…), sua única ocupante;

- CN (…), ligeiro (veículo especial – funerária), serviço particular, propriedade de Agência Funerária (…) Ldª e então conduzido por L (…), seguindo nele como passageiro P (…);

-TM (…), ligeiro (veículo especial – ambulância), serviço público, propriedade de C (…), marca Volkswagen, e então conduzido por T (…), seguindo nele como tripulante, na cabine da ambulância, T (…) e, na célula sanitária, como passageiros, o doente T (…) e a sua acompanhante C (…) aqui autora;

- um veículo automóvel ligeiro de passageiros de cor escura cuja matrícula e condutor não foi possível identificar (artigos 2º das petições iniciais do processo principal e do apenso B);

6.3 - O veículo PU, assim como o veículo que não foi possível identificar, circulavam no sentido Coimbra – Viseu, e os veículos CN e TM circulavam no sentido oposto (Viseu Coimbra) (artigos 3º da petição inicial do processo principal e 3º e 4º da petição inicial do apenso B);

6.4 - A faixa de rodagem no local tem entre 11 m e 11,10 m de largura, permitindo o trânsito em duplo sentido e tendo dispostas no seu eixo duas linhas contínuas (artigos 4º da petição inicial do processo principal e 5º da petição inicial do apenso B);

6.5 -Em ambos os sentidos de marcha existem duas vias destinadas ao tráfego que se converte numa única via, uma vez que se desenvolve a supressão da via mais à direita e cuja informação é transmitida por sinalização vertical e por marcas rodoviárias, de afetação de via, designadamente o sinal vertical de afetação de via (F1b – aplicação de prescrição a via de  trânsito) e setas de desvio (marca M16) e um símbolo triangular de cedência de passagem, ou seja, de perda de prioridade, encontrando-se a sinalização da via visível, em bom estado (artigo 5º da petição inicial do processo principal e 6º e 7º da petição inicial do apenso B);

6.6 - O traçado da via é uma reta, com o seu perfil em patamar, permitindo boa visibilidade na largura da faixa de rodagem, em ambos os sentidos de marcha (artigo 6º da petição inicial do processo principal e 9º do apenso B);

6.7 - O pavimento encontrava-se asfaltado, apresentando-se com condições de aderência, seco e limpo, não se vislumbrando qualquer substância gordurosa ou qualquer obstáculo imprevisível na via (artigo 7º da petição inicial do processo principal e 11º do apenso B);

6.8 - O sinistro ocorreu em pleno dia, com tempo seco, apresentando a via uma visibilidade à distância de cerca de 250 metros (artigo 8º da petição inicial do processo principal, artigo 12º da petição inicial do apenso B);

6.9 - O fluxo de trânsito era fluído, não existindo qualquer imposição especial de limite de velocidade, decorrente de sinalização, no troço em consideração (artigos 9º da petição inicial do processo principal e 13º da petição inicial do apeno B);

6.10 - Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, o veículo CN circulava no IP3 no invocado sentido Viseu – Coimbra e na via de trânsito mais à esquerda, mas dentro da hemifaixa destinada ao seu sentido (artigo 10º da petição inicial do processo principal);

6.11 - Alguns metros atrás do CN, e na via mais à direita, circulava o veículo TM (artigo 11º da petição inicial do processo principal)

6.12 - Seguindo ambos os seus condutores com atenção ao trânsito e à via e imprimindo aos respetivos veículos, no momento em que o sinistro ocorreu, uma velocidade não superior a 70/ 80 km/h (artigo 12º da petição inicial do processo principal);

6.13 - Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, a condutora do veículo automóvel ligeiro de passageiros PU, que na altura conduzia com o cinto de segurança colocado, iniciou uma manobra de ultrapassagem (…) tendo, na execução de tal manobra, passado a circular na via de  trânsito mais à esquerda, atento o seu sentido de marcha, via essa onde não circulava qualquer outro veículo (artigo 14º, 17º, 18º da petição inicial do apenso B, artigos 13º, 14º, 26º do processo principal, artigo 30º da contestação do FGA apresentada nos autos principais, artigo 53º da contestação do FGA apresentada no apenso B);

6.14 – Porém, durante a execução de tal manobra de ultrapassagem, o condutor do veículo não identificado, que seguia na via de trânsito da direita atento o seu sentido de marcha, guinou e invadiu inesperada, súbita e bruscamente a via de trânsito esquerda, atento o seu sentido de marcha, via essa por onde já circulava ao seu lado o veículo PU (artigos 19º, 36º da petição inicial do apenso B, artigo 17º, 27º, 28º da petição inicial do processo principal, artigo 5º da contestação da ré Seguradoras  (...) apresentada no processo principal);

6.15 – Tal mudança de via do veículo desconhecido ocorreu cerca de 150 metros antes da supressão da via da direita por onde circulava, a qual se encontrava assinalada, nos termos supra referidos (artigo 28º da petição inicial dos autos principais, artigo 30º da contestação do FGA apresentada nos autos principais, artigo 53º da contestação apresentada pelo FGA no apenso B);

6.16 - Tal manobra do condutor do veículo não identificado fez com que a condutora do PU, ao deparar-se com a súbita invasão da sua via de trânsito, por forma a evitar o embate lateral com aquele, guinasse também para a esquerda (artigos 20º, 21º, 24º, 36ºda petição inicial do apenso B, artigo 18º da petição inicial do processo principal, artigo 6º da contestação da ré Seguradoras  (...));

6.17 – Por força de tal manobra, a condutora do PU perdeu o controlo do veículo, entrando em despiste, tendo o veículo ziguezagueado na via (artigos 22º, 25º, 36º da petição inicial do apenso B, artigo 29º da petição inicial do apenso B);

6.18 – Assim, o veículo PU, circulando desgovernado, guinou para a esquerda, deslocando-se até à berma da esquerda - atendendo ao seu sentido de marcha – quase embatendo no separador /rail e depois guinou para a direita, atravessando toda a faixa de rodagem na sua largura e dirigiu-se para o rail que se situa à direita, quase embatendo no mesmo e guinando, de novo, à esquerda, onde veio a embater com a sua lateral esquerda na lateral esquerda do CN, embate que ocorreu na hemi-faixa de rodagem destinada aos veículos  que circulavam no sentido Viseu/Coimbra (artigos 19º, 20º, 21º da petição inicial do processo principal, artigos 29º, 36º da petição inicial do apenso B);

6.19 – De seguida, rodopiando na via, o veículo PU embateu com a sua lateral esquerda na parte frontal do TM, embate que ocorreu na hemi-faixa de rodagem destinada aos veículos que circulavam no sentido Viseu/Coimbra (artigos 22º, 29º da petição inicial do processo principal, artigos 26º e 36º da petição inicial do apenso B);

6.20 – No momento em que iniciou a ultrapassagem supra referida, a condutora do PU seguia a uma velocidade cuja grandeza em concreto não foi possível apurar, mas que era superior a 100km/h (artigo 14º da petição inicial do apenso B);

6.21 - Após os referidos embates, os veículos intervenientes ficaram dispostos na faixa de rodagem nos termos melhor descritos no esboço integrante da Participação de Acidente de Viação elaborada pela GNR, constante de fls 26 do apenso B (artigo 23º da petição inicial dos autos principais, artigo 27º do apenso B);

6.22 – A condutora do PU era detentora de carta de condução desde 13/9/2001, não tendo averbada qualquer restrição para a condução, nada constando do respetivo registo individual de condutor e sendo considerada uma condutora prudente (artigos 15º e 16º da petição inicial do apenso B);

6.23 – Não obstante ter verificado as consequências da sua manobra, o condutor do veículo que não foi possível identificar não parou, nem abrandou a sua marcha por forma a que se pudesse proceder à sua identificação, bem como do veículo que conduzia, desconhecendo-se, consequentemente, a existência de contrato de seguro válido sobre o mesmo incidente (artigos 32º e 41º da petição inicial do apenso B, artigo 31º da petição inicial da ação principal);

6.24 – A responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo PU mostrava-se transferida para a ré “Seguradoras (…) SA” mediante a apólice nº 90.02187942 (artigo 25º da petição inicial dos autos principais, artigo 3º da contestação do FGA apresentada nos autos principais, artigo 1º da contestação da ré Seguradoras (…));

6.25 – Nos serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial de Tondela correu termos o processo de inquérito nº 138/16.2GTVIS, para apuramento de eventual  responsabilidade criminal dos intervenientes no acidente, no qual foi proferida decisão que determinou o seu arquivamento, nos termos do artigo 277º n.º 2 do Código Processo Penal, referindo-se no despacho de arquivamento, além o mais, que: “Atento o acima referido, somos a concluir que a culpa na produção do acidente ficou a dever-se à condução imposta no veículo que não foi possível identificar que fez que ao efetuar a manobra de desviar para a esquerda quando estava a ser ultrapassado, fez com que a condutora do PU guinasse para a esquerda para evitar o embate o que fez com que entrasse em despiste indo embater nos veículos CN e TM que circulavam em sentido contrário na sua faixa de rodagem no sentido Viseu/Coimbra. Nesta conformidade, haverá o presente inquérito de ser arquivado.” (artigos 29º e 30º da petição inicial dos autos apensos, artigo 33º da petição inicial dos autos principais);

*

6.26 - Na altura do acidente a autora C (…) seguia na parte traseira do veículo TM (ambulância), sentada em cadeira apropriada e com cinto de segurança, de costas para a cabine de tripulantes, acompanhando o seu marido que seguia para Coimbra para uma consulta (artigo 34º da petição inicial dos autos principais);

6.27 - Aquando da colisão do PU com o veículo TM, a autora C (…) foi projetada para o seu lado direito, sofrendo traumatismo torácico à direita, no membro superior direito e na perna direita, com contusões e hematomas, ficando com muitas dores nessas regiões corporais (artigo 35º da petição inicial);

6.28 – Na sequência do que foi transportada de ambulância para o Hospital TondelaViseu, onde de entrada pelas 11h52 e foi assistida no Serviço de Urgência durante várias horas, fez vários exames e foi medicada, após o que teve alta, pelas 17h31 daquela data, para o domicílio com indicação de repouso, calor húmido e vigilância de sinais de alarme (artigo 36º da petição inicial dos autos principais, artigo 21º da contestação da ré Seguradoras  (...));

6.29 - Tendo voltado ao Serviço de Urgência no dia 17/10/2016, com queixas de dor na grelha costal à direita que piora com a inspiração e na perna direita, onde foi novamente assistida durante várias horas, fez novos exames e voltou a ser medicada, após o que teve alta  para o exterior com diagnóstico de contusão da parede torácica (artigo 37º da petição inicial dos autos principais);

6.30 - E tendo ainda recorrido ao Centro de Saúde Viseu I para assistência e acompanhamento das referidas lesões, com prescrição de baixa médica (artigo 38º da petição inicial dos autos principais);

6.31 – A autora C (…), por força do sinistro, ficou a padecer de stress póstraumático que lhe confere um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 14 pontos (artigo 39º da petição inicial dos autos principais);

6.32 – A data da consolidação da lesões sofridas pela autora C (…) em consequência do acidente é fixável em 3/10/2018 (artigo 40º da petição inicial dos autos principais);

6.33 - Na altura do acidente seguia também na parte traseira do veículo TM (ambulância) o marido da autora C (…), T (…) que seguia sentado em cadeira própria e com cinto de segurança, de frente para a cabine de tripulantes, e com destino a Coimbra para uma consulta (artigo 41º da petição inicial dos autos principais);

6.34 - Aquando da colisão deste veículo com o veículo PU, o indicado T (…) sofreu pancada por trás na zona da bacia e região cervical e dorsal e foi projetado para a frente, sofrendo grande traumatismo da bacia e região da coluna cervical e dorsal, ficando completamente imobilizado e com muitas dores nessas regiões corporais (artigos 42º, 62º da petição inicial dos autos principais);

6.35 - Na sequência do que foi transportado de ambulância para o Hospital TondelaViseu, onde foi assistido no Serviço de Urgência durante várias horas e fez vários exames, tendo-lhe sido diagnosticada fratura fechada da vértebra cervical C5-C7, com lesão medular completa e ainda fratura vertebral D2, apresentando tetraplegia com nível motor C4 e imobilização total, sendo que, nos dois meses anteriores ao sinistro, por força das lesões de que era portador, se movia em cadeira de rodas (artigo 43º, 62º, da petição inicial dos autos principais);

6.36 - No mesmo dia 3/10/2016, por força das lesões que apresentava, T (…) foi transportado por helicóptero para os Hospitais da Universidade de Coimbra, a  fim de aí ser entregue aos cuidados dos Serviços de Neurocirurgia do CHUC (artigos 44º, 63º, da petição inicial dos autos principais);

6.37 - Tendo permanecido nos referidos Serviços até ao dia 7/10/2016, data em que foi novamente transferido para os Serviços de Neurocirurgia do Hospital Tondela – Viseu (artigo 45º da petição inicial dos autos principais);

6.38 - Onde acabou por falecer em 11/10/2016, em consequência das lesões traumáticas vertebrais cervicais que sofreu no sinistro, associadas a neoplasia maligna epitelial invasiva pouco diferenciada com metastização e quadro de mielopatia cervical não recentes, constituindo aquelas lesões mera concausa ocasional de morte e a neoplasia concausa superveniente atendível (artigos 46º, 56º, 64º da petição inicial dos autos principais, artigo 45º da contestação do FGA apresentada nos autos principais);

6.39 – À data do sinistro, T (…) sofria de cancro do pulmão, no estádio IV, mutimetastizado, designadamente nos ossos, envolvendo as metástases a aorta e a artéria pulmonar (artigo 15º da contestação da ré Seguradoras  (...));

6.40 – Durante esse período, T (…) viveu momentos de pânico e teve o espectro da morte, foi sujeito a diversos exames, medicações e tratamentos, com elevado sofrimento e muitas dores (artigo 65º da petição inicial dos autos principais)

6.41 - À data do acidente, a autora C (…) tinha 56 anos de idade (artigo 47 da petição inicial dos autos principais);

6.42 – A autora C (…) era uma pessoa saudável e sem qualquer espécie de limitações, ativa, alegre e muito trabalhadora, executando todas as suas lides domésticas e ajudando o seu marido, que era portador de uma deficiência motora, resultante de um anterior acidente de trabalho (artigos 48º e 49º da petição inicial dos autos principais);

6.43 – A autora C (…) executava alguns serviços domésticos solicitados por pessoas conhecidas, atividade que lhe proporcionava uma compensação monetária de grandeza mensal que em concreto não foi possível apurar, mas não superior a € 200 mensais (artigo 50º da petição inicial dos autos principais);

6.44 – O marido da autora C (…) tinha à data do acidente 59 anos de idade (artigo 53º da petição inicial dos autos principais);

6.45 - Era uma pessoa alegre e bem-disposta, que vivia de forma intensa e entusiasta todos os momentos e etapas da vida, que amava a família e os amigos e que vivia para a família (artigo 54º da petição inicial dos autos principais);

6.46 – T (…) era portador de uma deficiência motora decorrente de um acidente de trabalho ocorrido em 2009, pela qual recebia uma pensão de invalidez no valor de € 380,87, rendimento que constituía o sustento principal do casal (artigos 55º, 90º, 91º da petição inicial dos autos principais);

6.47 – A autora C (…) e T (…) formavam um casal unido, muito cúmplice e feliz, que vivia em comum quase há 38 anos e que mantinha fortes laços de amizade, amor, respeito, profunda admiração e estima (artigo 68º da petição inicia dos autos principais);

6.48 - Sendo a companhia um do outro e fazendo tudo em função do outro (artigo 69º da petição inicial dos autos principais);

6.49 - A morte do marido constituiu para a autora C (…) uma perda irreparável, que lhe causou e causa uma enorme tristeza, desgosto, mágoa, revolta e sofrimento físico e psíquico (artigo 70º da petição inicial dos autos principais);

6.50 - Tendo ficado muito angustiada, deprimida, desorientada e solitária, com crises de marcada ansiedade e psicologicamente muito abalada, que a obrigam à toma de ansiolíticos e antidepressivos e a um acompanhamento médico permanente, tendo passado a sentir-se apática, sem forças (artigos 71º e 72ºda petição inicial dos autos principais);

6.51 – T (…) mantinha uma relação familiar próxima com os seus dois filhos aqui autores, M (…) e J (…) pautadas por amor, respeito, proximidade e amizade, ajudando-se reciprocamente na resolução dos seus problemas, partilhando todos os momentos importantes das suas vidas (artigos 74º, 75º e 76º da petição inicial dos autos principais);

6.52 - Representando a infeliz vítima para os autores M (…) e J (…) um verdadeiro pai amigo, cúmplice e conselheiro, e uma enorme referência moral, tendo ambos sentido com a sua perda enorme choque, dor, tristeza, desgosto e angústia  permanentes, que os marcarão para sempre em termos psíquicos (artigos 77º e 78º da petição inicial dos autos principais);

6.53 – As lesões sofridas no acidente consolidaram-se em 3/10/2018 e demandaram para a autora C (…) um período de défice funcional temporário parcial de 731 dias, sendo de 41 dias o período de repercussão temporária na atividade profissional total, e o período de repercussão temporária na atividade profissional de 690 dias (artigos 80º e 99º, da petição inicial dos autos principais);

6.54 – Em consequência do acidente, a autora sofreu um emagrecimento repentino, involuntário e exacerbado (de 73 kg para 48 kg), falta de apetite, marcada ansiedade, tristeza e depressão, com afetação física e psicológica, dificuldades em dormir, frequentes pesadelos relacionados com os momentos vividos no acidente, perturbação de stress pós-traumático, tendo ficado com medo de andar de carro, pensa e revive mentalmente e com frequência as imagens do acidente, e ficou ainda com choro fácil, elevada sensibilidade, necessidade de toma de calmantes, ansiolíticos e antidepressivos (artigos 83º e 108º da petição inicial dos autos principais);

6.55 – As perturbações psicológicas mencionadas no artigo anterior conferem à autora um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 14 pontos, sendo tais sequelas compatíveis com o exercício da atividade que tinha à data do acidente, mas implicando esforços suplementares, tendo a autora passado a necessitar de tratamentos médicos regulares (artigos 84º, 87º, 112º da petição inicial dos autos principais)

6.56 – Por força das sequelas emergentes do sinistro, a autora deixou de participar em festas e de auxiliar na igreja, tendo ainda cessado convívios com amigas assim como caminhadas que fazia, sentindo-se perturbada, angustiada, desanimada, revoltada com a sua vida, e com a sua autoestima reduzida (artigos 110º e 115º da petição inicial dos autos principais);

6.57 - A autora suportou as despesas de funeral do seu marido, no valor de € 1.522,25 (artigo 94º da petição inicial dos autos principais);

6.58 - Em virtude das lesões e sequelas advindas do acidente dos autos, a autora C (…) necessitou de ajuda médica e medicamentosa, no que gastou montante cuja  grandeza em concreto não foi possível apurar (artigo 95º da petição inicial dos autos principais, e 11º do articulado de ampliação do pedido);

6.59 – A autora suportou a despesa de € 192,00 no processo de habilitação de herdeiros por óbito do marido e na obtenção de informações, para esse efeito, junto da Conservatória do Registo Civil (artigo 96º da petição inicial dos autos principais);

6.60 – A autora C (…) gastou em transportes para deslocações a consultas, exames ou diligências relacionadas com o sinistro, uma quantia cuja grandeza e concreto não foi possível apurar (artigo 97º da petição inicial dos autos principais, artigo 12º do articulado de ampliação do pedido);

6.61 – A autora C (…), em chamadas telefónicas relacionadas com o sinistro, despendeu um montante cuja grandeza em concreto não foi possível apurar (artigo 98º da petição inicial dos autos principais);

6.62 – Por força das sequelas do sinistro, a autora C (…) passou a depender, de forma permanente, de acompanhamento médico psiquiátrico regular e de medicação regular, o que gera uma despesa anual de grandeza que em concreto não foi possível apurar (artigo 103º da petição inicial dos autos principal, artigos 16º ,17º, 18º, 19º, do articulado de ampliação do pedido);

6.63 – Durante o período de 41 dias supra mencionado, de repercussão temporária na atividade profissional total, a autora necessitou de ajuda pessoal e doméstica, durante cerca de 2 horas por dia, pretendendo compensar a pessoa que a ajudou no valor de € 6 por hora

(artigos 99º e 100º da petição inicial dos autos principais, artigos 13º, 14º e 15º do articulado de ampliação do pedido);

6.64 – Por força das sequelas do sinistro, a autora C (…) sofreu um quantum doloris fixável no grau 4, numa escala de 7 valores (artigo 105º da petição inicial dos autos principal);

6.65 – A autora instaurou o procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória apenso, no âmbito do qual foi proferida em 22/2/2017 a decisão aí documentada a fls 98 e ss, mediante a qual a ré Seguradoras (…), SA” (anteriormente Companhia de Seguros A (…) foi condenada a pagar-lhe uma renda mensal de € 750,00, decisão essa  que foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, aí se tendo concluído que o sinistro foi imputável à condutora do PU (artigo 119º da petição inicial dos autos principais, artigo 7º da contestação do FGA apresentada nos atos principais, artigos 9º e 10º da contestação do FGA apresentada no apenso B);

*

6.66 - Do relatado acidente resultaram para S (…) lesões traumáticas torácico-abdominais que lhe causaram a morte, tendo sido verificado o óbito naquele dia 3 de outubro de 2016, pelas 11h20m, pelo médico do INEM (artigos 42º, 43º, 52º, 53º da petição inicial do apenso B);

6.67 - O autor S (…) e S (…) contraíram matrimónio no dia 26 de julho de 2003, casamento que foi dissolvido pelo óbito dela (artigos 44º e 46º da petição inicial do apenso B)

6.68 - Na constância do casamento nasceram em 22/9/2004 e em 4/4/2009 G (…) e I (…)respetivamente (artigo 45º da petição inicial do apenso B);

6.69 – À data do óbito, S (…) tinha trinta e três anos de idade (artigos 46º e 63º, da petição inicial do apenso B);

6.70 – S (…) sem testamento ou outra disposição de última vontade, tendo deixado como únicos herdeiros o marido e os filhos, aqui autores (artigos 47º, 48º e 49º da petição inicial do apenso B);

6.71 - Entre o acidente e o óbito de S (…) decorreram alguns minutos cuja grandeza não foi possível apurar (artigo 54º da petição inicial d apenso B);

6.72 – S (…) sentiu sofrimento ao constatar a iminência do embate do veículo que conduzia com os restantes veículos intervenientes, tendo antevisto a possibilidade da sua morte, deixando o marido e os filhos menores (artigos 55º, 56º e 57º da petição inicia do apenso B);

6.73 – S(…) era uma esposa exemplar e uma mãe dedicada (artigo 63º da petição inicial do apenso B);

6.74 – S (…) era uma mulher jovem, saudável e muito ativa, que dedicava afeto, amor e carinho ao marido, e que igualmente nutria pelos filhos ternura e amor (artigos 64º, 65º e 66º da petição inicial do apenso B);

6.75 – S (…) gozava de estima, carinho e respeito de quantos a rodeavam, que com ela adoravam conviver (artigo 68º da petição inicial d apenso B);

6.76 - Os autores e a S (…) constituíam uma família unida e feliz, passeando aos fins-de-semana, passando férias juntos, acompanhando os filhos nos estudos, nas suas novas experiências, tratando-se de uma esposa e mãe sempre presente, tendo como ambição ver os filhos “bem na vida”, felizes, formados e com profissão (artigo 69º da petição inicial do apenso B);

6.77 - A sua falta provocou e vai continuar a provocar, por toda a vida dos autores, uma profunda tristeza, dor, angústia, consternação e pesar, raiva, e até algum sentimento de culpa quando têm momentos mais alegres, ansiedade da separação, sendo uma verdadeira lacuna nas suas vidas (artigo 70º da petição inicial do apenso B);

 6.78 - O autor S (…) anda abatido, deixou de conviver socialmente, encontra-se abalado psicologicamente, envolvido numa tristeza ímpar, sofrendo de insónia, com ciclos de sono irregular, fadiga, falta de concentração e amorfo (artigo 71º da petição inicial do apenso B);

 6.79 – O autor S (…) contava com 38 anos de idade à data do acidente, e era uma pessoa alegre, sociável e feliz (artigo 72º da petição inicial);

 6.80 - O autor S (…) é gerente da sociedade G (…) Unipessoal Lda, que se dedica ao corte e transformação de granitos e mármores, comercialização de artigos em mármore, granito e derivados, e ainda instalação e comercialização de energia solar e caldeiras a biomassa (artigo 73º da petição inicial do apenso B);

 6.81 - Na qualidade de gerente, é o autor S (…) que administra e gere a dita sociedade, que está absolutamente dependente do seu trabalho no respetivo giro comercial (artigo 74º da petição inicial do apenso B);

6.82 - Após a morte da esposa, companheira e mãe dos seus filhos com quem tinha vários projetos, o autor S (…), que até então era uma pessoa dinâmica e empreendedora, não conseguia trabalhar, estar com clientes e com quaisquer pessoas (artigos 75º e 76º da petição inicial do apenso B);

6.83 - O sofrimento do autor S (…) é diário, sendo constante a lembrança da esposa, mais intensa em datas de festas familiares, em que a família se reunia, nos aniversários, nos dias natalícios, de casamento, no Natal, no Ano Novo, dia dos namorados entre outros (artigo 77º da petição inicial do apenso B);

6.84 - De igual modo, os filhos, G (…) e I (…), à data do acidente respetivamente com 12 (doze) e 7 (sete) anos de idade, também mergulharam num ciclo de descrença e solidão, tendo de viver com o facto de já não terem consigo a mãe que tanto amavam (artigo 78º da petição inicial);

6.85 - À data do acidente o autor G (…) frequentava o 5º ano de escolaridade no Colégio   (...) em Viseu, e a autora I (…) frequentava o 2º ano de escolaridade no Colégio   (...) em Viseu (artigos 79º e 80º da petição inicial);

6.86 - Após o acidente, os menores passaram a ser acompanhados semanalmente por um psicólogo do Colégio   (...), situação que se manteve até janeiro de 2018 (artigo 81º da petição inicial);

 6.87 – A autora I (…) que tinha com a mãe uma relação franca e cúmplice, não é a mesma criança alegre que antes era, apresentando dificuldades em dormir, em relacionar-se, em conviver, sendo uma jovem triste e melancólica (artigo 82º, 83º, 142º, da petição inicial);

 6.88 - Por sua vez, o autor G (…) passou a alterar o seu comportamento, ele que era um jovem sociável, afetuoso, cordato e amoroso, tornou-se um adolescente revoltado, andando triste, melancólico, nervoso, com dificuldades em dormir (artigos 84º, 85º, 142º da petição inicia do apenso B);

 6.89 – Os autores G (…) e I (…) ainda têm necessidade de ser acompanhados semanalmente por um psicólogo, necessitando de acompanhamento médico (artigos 86º e 143º, da petição inicial do apenso B);

6.90 - Desde que deixaram de ter acompanhamento por um psicólogo da escola, ou seja, desde fevereiro de 2018, que os menores têm consulta regular em psicóloga particular, despendendo o autor S (…) a quantia de € 40,00 por cada consulta relativamente a cada um deles, na P (…), Lda, tendo-se ambos submetido, até à data da interposição da ação, a cinco consultas, no valor global de € 200,00 (artigo 87º da petição inicial do apenso B);

 6.91 – Os autores G (…) e I (…)frequentavam o caraté três vezes por semana, acompanhados pela mãe, atividade de que gostavam (artigos 88º e 90º da petição inicial do apenso B);

 6.92 - Após a morte da mãe os autores, G (…) e I (…) nunca mais quiseram frequentar o caraté, pois, reviviam os bons momentos que passavam com a mãe (artigos 89º e 90º da petição inicia do apenso B);

 6.93 - Os filhos sentem muito a falta da mãe naquelas datas que mais os marcam, nos aniversários natalícios, no Natal, no Ano Novo, no dia da Mãe, datas que deixaram de ser festejadas em casa (artigo 91º da petição inicial do apenso B);

 6.94 – A falecida S  (...) ficou com a roupa que vestia (calças, camisa de ganga, sapatilhas, meias, roupa interior) destruídas, e o seu telemóvel da marca Samsung – Modelo G900 Galaxy 5515GB desapareceu no local do acidente, tudo em valor de grandeza que em concreto não foi possível apurar (artigo 103º da petição inicial d apenso B);

6.95 - O autor S (…) suportou a quantia de € 3.220,00 com o funeral da malograda S (…), tendo sido reembolsado pelo Instituto de Segurança Social do subsídio de funeral no montante de € 1.257,66 (artigos 104º e 106 da petição inicial do apenso B, articulado apresentado pelo Centro Nacional de Pensões/ISS e requerimento apresentado por tal organismo no início da audiência);

 6.96 - Face ao falecimento da esposa, o autor por si e em representação dos filhos menores requereu as prestações por morte ao Centro Nacional de Pensões/ISS (artigo 107º da petição inicial d apenso B);

 6.97 - No ano de 2017, o Centro Nacional de Pensões/Instituto de Segurança Social pagou pensões de sobrevivência aos autores no total de € 4.047,26, sendo ao autor  S (...) o  montante de € 2.724,94 e a cada um dos filhos a quantia de € 661,16 (artigo 108º da petição inicial d apenso B);

 6.98 - Mensalmente e a partir de janeiro de 2018, o autor S (…) recebeu do ISS a quantia de € 166,75 e os filhos menores I (…) e G (…) a quantia mensal de € 46,26 cada um (artigo 109º da petição inicial do apenso B);

 6.99 – Atualmente, a título de pensão de sobrevivência, o autor S (…) recebe do ISS a quantia mensal de € 175,80, e o G (…) e I (…), também a título de pensão de sobrevivência, recebem de tal organismo a quantia mensal de € 57,45 cada um (artigos 1º e ss do articulado do Centro Nacional de Pensões, requerimento apresentado por tal organismo no início da audiência)

 6.100 – Até a momento atual, o ISS pagou a título de pensões de sobrevivência € 6.835,74 ao autor  S (...) e € 1.868,18 a cada um dos autores G (…) e I (…) tudo no montante global de € 10.572,10 (artigos 1º e ss do articulado do Centro Nacional de Pensões, requerimento apresentado por tal organismo no início da audiência)

 6.101 - O autor despendeu quantia que não foi possível apurar,mas nunca inferior a € 150,00 com a compra de vestuário preto e escuro para cumprir o luto decorrente do falecimento da sua esposa (artigo 110º da petição inicia do apenso B);

 6.102 – S (…) era uma mulher jovem, trabalhadora e em plena capacidade produtiva, que gozava de boa saúde, cuidava dos seus filhos menores e executava todos os trabalhos emergentes da vida familiar e da lide doméstica (artigos 113º, 114º e 115º da petição inicial do apenso B);

6.103 - Desde 2 de janeiro de 2008, S (…) exercia a profissão de empregada de escritório, por conta da sociedade G (…), Lda., com sede na Reta de   (...)   (...) Viseu, recebendo a quantia mensal ilíquida de € 530,00 de remuneração base, acrescida dos duodécimos de subsídio de férias e natal no montante de € 88,34 e do subsídio de alimentação (artigos 116º e 117º da petição inicial do apenso B);

6.104 – Tal salário era todo utilizado para satisfação das necessidades do agregado familiar (artigo 118º da petição inicial do apenso B);

6.105 - O autor, na qualidade de gerente da sociedade G (…), Lda, aufere mensalmente quantia ilíquida respeitante à remuneração base de € 1.150,00 acrescida dos duodécimos de subsídio de férias e natal no montante de € 191,66 e do subsídio de alimentação (artigo 119º da petição inicial do apeno B);

6.106 – O agregado familiar vivia dos vencimentos que eram auferidos, quer pela malograda S (…) quer pelo autor, com os quais pagavam: as despesas com a amortização do mútuo hipotecário relativo à casa de habitação própria no montante de € 475,35 e de seguro de vida no montante de € 28, 92; as despesas com água e eletricidade em montante valor variável, mas nunca inferior a € 125,00 mensais; as despesas mensais com alimentação, vestuário, medicamentos e demais encargos da vida quotidiano do agregado no valor de cerca de € 600,00; as despesas com a mensalidade do 1º ciclo da menor I (…) no Colégio   (...) em Viseu no montante de € 275,00, acrescida da mensalidade de € 50,00 para almoços; despesas com os almoços do menor G(…) no Colégio (…) no montante de € 1,46 por dia, tudo em valor mensal não inferior a € 1.600,00 (artigos 122º, 123º da petição inicial do apenso B);

6.107 – Atualmente, os autores S (…), G (…) e I (…) vivem com o valor do vencimento auferido pelo autor, e com algumas ajudas de familiares (artigo 125º da petição inicial do apenso B).

5.2.

Segunda questão.

Como é consabido, e no que tange à problemática da causalidade adequada importa ter presente  constituir jurisprudência pacífica do nosso mais Alto Tribunal que:

«Na concepção mais criteriosa da doutrina da causalidade adequada, para os casos em que a obrigação de indemnização procede de facto ilícito culposo, quer se trate de responsabilidade extracontratual, quer contratual - a «formulação negativa de  Enneccerus-Lehman», acolhida no artigo 563.º do Código Civil segundo a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça - o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do mesmo, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto»

Ademais:

 «Esta doutrina … não pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o resultado».

« …nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, pelo que admite:

-- não só a ocorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não;

-- como ainda a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano» -Cfr. entre outros, os Acs. do STJ de 06.11.2002, 29.06.04, 20.10.2005, 07.04.2005 e 13-03-2008 in dgsi.pt, ps. 02B1750, 03B4474, 05B2286, 05B294 e 08A369 e A. Varela, ob. cit. ps. 746/756. 

No caso vertente, e perante os factos ora dados como provados, o acidente deve ser imputado tanto ao condutor do veículo desconhecido, como à condutora do veículo PU.

Pois que ambos violaram normas estradais que preveem factos, os quais, a verificarem-se, se mostram causais e adequados, na aludida formulação, para  o despoletar do acidente.

Assim, aquele condutor, mais genericamente, violou o artº 11º nº2, pois que a sua  atuação prejudicou o exercício da condução  em segurança da condutora do mercedes; e, mais concreta, nuclear e diretamente, ao inopinadamente  - e sem se certificar da manobra de ultrapassagem, como devia -, entrar na faixa de rodagem esquerda, violou  o artº 29º nº2 do CE,  pois que obstruiu e não cedeu a passagem ao veículo que o  ia  ultrapassar.

Já a condutora do PU, circulando a velocidade superior à legalmente permitida – 90km/h - ou seja, aparentemente bem acima dos 100km/h,  mas, em todo o caso, ultrapassando este valor, violou o artº 27º do CE e, ainda, o citado artº 11º nº2.

No atinente à atribuição do grau de responsabilidade vemos motivos para diferenciar.

É que o ato genético e matricial do acidente foi a atuação do terceiro desconhecido, ademais acrescidamente censurável porque, cobardemente, fugiu.

Na verdade, não fora ele, a ultrapassagem, ainda que nos limites, seria efetivada.

Mas a velocidade ilegal da infeliz condutora do mercedes é também censurável.

Pois que, temerariamente, tentou uma ultrapassagem numa situação limite – já sabendo o fim próximo da segunda hemi faixa -,  pelo que também contribuiu para o sinistro, ou, no mínimo, agravou as  suas consequências.

Efetivamente, se seguisse dentro dos limites de velocidade, é congeminável que acidente seria evitado, porque ainda travaria a tempo de impedir o embate, ou, no mínimo, teria consequências menos gravosas (desde logo para a sua própria vida).

Tudo visto e ponderado conclui-se ser justo e equitativo, ou, ao menos, ainda ínsito em margem de álea/erro admissível, fixar a responsabilidade do condutor do veículo terceiro em 60% e a da condutora do mercedes em 40%.

5.3.

Terceira questão.

O bem vida é o bem e valor supremo do ser humano, sendo que, correlativamente, o dano da morte é o prejuízo supremo.

 Decorrentemente, o ressarcimento/compensação  da perda do direito é vida deve ser impressivamente superior à indemnização concedida pela violação de qualquer outro dano – cfr. entre outros, o Ac. do STJ de 10.2010, p. 488/07.9GBLSA.C1.S1, in dgsi.pt., como os infra mencionandos.

Efetivamente:

«Ocupando o topo da pirâmide dos direitos fundamentais, do qual derivam, deve abandonar-se um critério miserabilista, numa visão moderna e actualista assumindo-se um que corresponda ao valor da vida posto em ênfase nos areópagos internacionais, ao valor que lhe é dedicado num Estado de direito, prestigiando-o por atribuição de adequada importância monetária, ajustada a compensar o desgosto da sua supressão» - Cfr., entre outros, o aresto sup.cit. com sublinhado nosso.

Por isto, ou também por isto, constitui jurisprudência uniforme e sedimentada do STJ que: «Os tribunais não estão vinculados, na fixação equitativa dos montantes indemnizatórios a atribuir aos lesados em acidentes de viação, à aplicação das tabelas plasmadas na Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, …estas estabelecendo padrões mínimos, a cumprir pelas seguradoras, na apresentação a tais lesados de propostas sérias e razoáveis de regularização dos sinistros» - Ac. do STJ de 16.01.2014, p. 1269/06.2TBBCL.G1.S1.

Na verdade, os valores constantes na Portaria supra referida têm apenas uma função meramente orientadora para o julgador.

E nunca se podendo inelutavelmente impor, o que, a acontecer, muitas vezes acarretaria, inexoravelmente, a injustiça do caso concreto, atentas as múltiplas facetas e cambiantes factico-circunstanciais que cada um pode assumir – neste sentido, cfr. ainda os Acs. do STJ de 27.10.2010, p. 488/07.9GBLSA.C1.S1; de 29.10.2013, p. 62/10.2TBVZL.C1.S1; e de 28.11.2013, p. 177/11.0TBPCR.S1.

Certo é que, ainda  que  numa perspetiva  altruísta, filosófica e ético/moral, o bem vida tenha um valor igual para todos, o que, tendencialmente, imporia uma  unicidade compensatória.

Porém,   não nos podemos esquecer que: «A vida não só tem um valor de natureza - igual para toda a gente - mas também um valor social, uma vez que o homem é um ser em situação.» - Ac. do STJ de 08.09.2011, p. 2336/04.2TVLSB.L1.S1.

Destarte, e sem postergar aquela princípio fundamental e estruturante - o qual impedirá o arbitramento de valores profundamente díspares/diferenciados -, podem e devem fixar-se montantes que tenham em consideração a efetiva ou potencial relevância social do fenecido, considerando-se, vg. «o papel excepcional que desempenha na (família) sociedade»– Ac. do STJ ante cit., a sua idade, o seu estado de saúde, etc. – neste sentido, cfr. ainda, o Ac. do STJ de 29.10.2013, p. 62/10.2TBVZL.C1.S1.

Ou, noutra nuance  ou perspetiva:

«Quanto ao dano morte, à míngua de outro critério legal, na determinação do quantum compensatório, importa ter em linha de conta, por um lado, a própria vida em si, como bem supremo, e, por outro lado, a vontade e a alegria de viver da vítima, a sua idade, a saúde, o estado civil, os projectos de vida e as concretizações do preenchimento da existência no dia-a-dia, designadamente a sua situação profissional e sócio-económica.» - Ac. do STJ de  13.12.2014, p. 250/08.1GILRS.L1.S1.

Ademais.

Aqui, como em outros campos/vertente jurisdicionalmente apreciados e decididos, e, para se consecutir, tanto quanto possível, a almejada justiça relativa ou comparativa, urge prolatar decisões uniformes e consentâneas  no quantum arbitrado.

Consequentemente, não pode olvidar-se que, hodiernamente, a jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal entende que se encontram dentro de limites admissíveis, em função precisamente de fatores de jaez social e etário que permitem uma certa relativização compensatória, valores que se situem   no hiato compreendido entre os 50 e os 80 mil euros.

Havendo casos excecionais em que tal valor ascende aos 100 mil euros – cfr. Ac. STJ de 03.11.2016, p. 6/15.5T8VFR.P1.S1.

Assim:

No Ac. do STJ de 23.02.2011, p. 395/03.4GTSTB.L1.S1 fixou-se 80 mil euros para fenecido de 23 anos, académico.

No Ac. do STJ de 08.09.2011, p. 2336/04.2TVLSB.L1.S1 arbitrou-se cem mil euros para uma infortunada jovem de 14 anos.

No Ac.  do STJ de 31.05.2012, p. 14143/07.6TBVNG.P1.S, arbitrou-se a quantia de 80 mil euros para um jovem de 19 anos.

No  Ac.  do STJ de 03.11.2016, p. 6/15.5T8VFR.P1.S1  sup.cit., arbitrou-se a quantia de 60 mil euros  para  um cidadão de 52 anos.

No Ac. do STJ de 16.03.2017, p. 294/07.0TBPCV.C1.S1 fixou-se a quantia de 80 mil euros para um jovem de 19 anos.

Descendo ao caso concreto.

Nuclearmente importa ter presente os seguintes factos:

A vítima T (…) tinha 59 anos.

Era uma pessoa alegre e bem-disposta, que vivia de forma intensa e entusiasta todos os momentos e etapas da vida, que amava a família e os amigos e que vivia para a família.

Mas era portador de uma deficiência motora decorrente de um acidente de trabalho ocorrido em 2009.

E sofria de cancro do pulmão, no estádio IV, mutimetastizado, designadamente nos ossos, envolvendo as metástases a aorta e a artéria pulmonar.

E faleceu  oito dias após o acidente, não apenas por força das lesões por este provocadas, mas também por associação da neoplasia maligna epitelial invasiva pouco diferenciada com metastização e quadro de mielopatia cervical não recentes, constituindo aquelas lesões mera concausa ocasional de morte e a neoplasia concausa superveniente atendível .

Nesta conformidade, e tendo em consideração os mencionados critérios ou pressupostos,  bem como os valores jurisdicionalmente fixados, conclui-se que o valor mais adequado  a este título indemnizatório, considerando, determinantemente, a idade, o estado de saúde, e, the last but not the least, passe o anglicismo, ou seja, por último mas não de somenos, que o acidente não foi a única causa da morte,  é o de 60 mil euros – sessenta mil euros .

O qual, temos para nós, se alcança, quer em termos absolutos, atentos os contornos do caso, quer na vertente relativa/comparativa -  aqui, desde logo por referencia à falecida S  (...) com 33 anos, aparentemente saudável, e relativamente à qual foi arbitrada a quantia de 70 mil euros pela perda do seu direito à vida - ,  e, outrossim,  por reporte a decisões proferidas  noutros casos, como  o mais admissível e justo.

5.4.

Quarta questão.

Pugna o recorrente que  na definição e atribuição aos autores  do apenso B dos danos patrimoniais futuros o tribunal a quo «não assegurou mínimos de segurança, objetividade, não respeitando com a devida ponderação os juízos de equidade que a lei impõe.

Assim  entendendo que: «deveria apenas ser fixada a quantia de um terço para entrega ao agregado familiar e os restantes dois terços seriam para aplicar nas despesas próprias.

Ou seja, o valor que seria para entregar ao agregado familiar seria de € 118.720,00, sendo ainda este valor sujeito à redução dos 25% e posterior divisão por cada um dos membros do agregado familiar.»

A Srª Juíza aqui decidiu, nuclearmente, nos seguintes termos:

«Como se alcança do disposto no artigo 2009º, nº 1, a) e c), CC, o cônjuge e os ascendentes encontram-se no elenco das pessoas obrigadas a alimentos.

A indemnização que deve ser fixada nos termos do disposto no artigo 495º, nº 3, CC, não corresponde a todos os danos patrimoniais futuros decorrentes da morte do lesado. E assim é porque ambos os progenitores sempre partilhariam a obrigação alimentar dos filhos que, consequentemente, não oneraria apenas o lesado, além de que só uma parte dos rendimentos da falecida se destinaria a alimentos dos seus descendentes…

Cabe, pois, indagar se os autores, atenta a respetiva qualidade de cônjuge e filhos da falecida S  (...), lhe poderiam exigir alimentos, nos termos do disposto nos artigos 495º, nº 3, CC, 2009, nº 1, a) e c), 2015º e 1675º, CC.

Ora, tal faculdade deve inequivocamente ser reconhecida ao autor S (…), cônjuge de S (…) dado que se apurou que o seu salário era todo utilizado para satisfação das necessidades do agregado familiar (6.104). Assim como os autores G (…) e I (…) gozam de idêntica faculdade, dada a sua condição de menores que os legitimava a solicitar alimentos à mãe. Certo é que também em relação à fixação da indemnização alimentar devida aos autores, forçoso será o recurso à equidade, que é “(…) a justiça do caso concreto, o dizer a solução de acordo com a lógica e o bom senso (…) que não enverede por uma sensibilidade requintada, antes se norteando por um padrão objetivo”.

No caso presente, no cálculo do montante indemnizatório a atribuir deverá ser ponderado que a falecida S (…) auferia um salário mensal de € 530,00 o que, multiplicado por catorze meses, traduz o rendimento anual de € 7.420,00.

Além disso, sendo o dano patrimonial futuro limitado pela regra da previsibilidade, julgamos ser previsível, por resultar de realidade estatisticamente confirmada, que a falecida S (…) viveria até aos 81 (81,6) anos de idade, por corresponder à esperança média de vida, segundo os dados estatísticos disponibilizados pelo I.N.E

Deverá ponderar-se que o autor S (…) tem uma esperança média de vida de 78 anos de idade34(sexo masculino).

O filho g (…), de 12 anos de idade à data do óbito da mãe, precisaria de alimentos até aos 23 anos de idade, assim com a sua irmã  I (...), que tinha sete anos de idade à data do óbito da mãe (previsivelmente).

Também é certo que S (…) faleceu com 33 anos de idade.

Para além disso, não se deverá esquecer que os montantes a fixar (sendo certo que se solicitou a entrega de um capital, e não de uma renda) constituem um adiantamento de determinadas quantias que só seriam recebidas pelos lesados em data posterior (ao longo de vários anos), pelo que tal benefício de antecipação de capital deverá, naturalmente, ser tido em consideração (neste sentido, cfr. os Acs. da Rel. do Porto de 20/5/8235, e do S.T.J. de 17/2/200936). De forma a erradicar-se tal benefício (que seria ilegítimo), julgamos adequado reduzir o valor a obter em cerca de 25%, considerando a duração da antecipação do capital, e a possibilidade de os lesados rentabilizarem o capital que agora receberão no enquadramento económico atual, com taxas de juro e de rentabilização de capital extremamente baixas.

Assim, conjugando todos os referidos fatores, constata-se que a falecida S (…) auferiria até aos 81 anos de idade, a título de salário e de pensão de aposentação, o valor global de € 356.160,00 (€ 7420,00 - rendimento anual – x 48 anos), correspondente aos seus proventos previsíveis.

Ora, como esta previsivelmente apenas entregaria dois terços desse valor para o sustento do agregado familiar por si composto com os aqui autores (reservando o resto para as suas despesas), o referido valor ficaria reduzido para 237.440,00.

Mas como este capital é entregue na sua totalidade, sendo assim passível de rentabilização, como já acima exposto, importa reduzir tal valor indemnizatório em 25%, assim se fixando equitativamente a indemnização deste dano, titulada pelos autores em € 178.080,00.

Deste valor, seria previsível que metade (€ 89.040,00) integrasse a parcela de alimentos devidos ao autor S (…) (marido). A restante parcela corresponderia aos alimentos devidos aos autores G (…) e I (…). Todavia, o autor G (…) apenas teria direito a 11 anos de alimentos (correspondente ao valor de € 10.202,50) e a autora  I (...) a 16 anos de alimentos (correspondente ao valor de € 14.840,00).

Pelo exposto, julgando parcialmente procedente o pedido formulado relativamente ao dano patrimonial futuro, o mesmo é fixado nos seguintes termos:

- € 89.040,00 ao autor S (…)

- € 10.202,50 ao autor G (…);

- € 14.840,00 à autora I(…).»

Atentemos.

Estatui ainda o artº 564º nº 2 do CC: «na fixação da indemnização, pode o tribunal atender aos danos futuros desde que sejam previsíveis; se não forem  determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior».

Para que seja  possível a condenação em indemnização por danos futuros não é imposta uma certeza absoluta quanto à sua ocorrência.

Mas também  não basta a prova da sua vaga, genérica ou hipotética eventualidade, antes sendo necessário, mas outrossim suficiente, que haja uma segura e adequada previsibilidade  da verificação dos mesmos.

Os danos futuros a que este segmento normativo se reporta, tanto podem ser danos emergentes como lucros cessantes.

Sendo que um dos casos mais frequentes em que o tribunal tem de atender aos danos futuros é aquele em que o lesado, em consequência do facto lesivo, perde ou vê diminuída a sua capacidade laboral – cfr. por todos, Pires de Lima e Antunes Varela,, CC Anotado, 1º, 2ª ed. p.504.

O cálculo de danos futuros é operação difícil, sendo extremamente delicado fixar com justeza a correspondente indemnização.

Na verdade:  «o cálculo do valor deste tipo de danos se reveste sempre de alguma incerteza, deverá o tribunal julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por apurados, em conformidade com o disposto no nº 3 do art. 566º C.Civil.

A equidade, como justiça do caso concreto, implica uma ponderação criteriosa das realidades da vida, no quadro de juízos de verosimilhança e probabilidade, tendo em conta a justa medida das coisas e as circunstâncias do caso.» -  Ac. STJ de 16/9/2008, dgsi.pt, proc. 08B939.

Isto porque obriga a ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não fosse a lesão, o que implica uma previsão pouco segura sobre danos verificáveis no futuro.

Mas a ideia geral que importa reter é que, se por um lado, o montante indemnizatório relativo a danos futuros deve ser fixado por forma a que não seja de tal modo escasso que torne a reparação meramente simbólica,  por outro lado, ele não  deve ser tão elevado que possa encarar-se como um autêntico enriquecimento sem causa do lesado.

Para efetivar este desiderato constituem doutrina e jurisprudência pacíficas que devem ter-se em consideração não apenas instrumentos regidos por critérios matemático-formais, tal como fórmulas e tabelas financeiras  - vg. as usadas no foro laboral, ou disponibilizadas pela Portaria 377/2008, de 26-05 – mas antes, acima de tudo e determinantemente, importando apelar para critérios de equidade –cfr. Acs. do STJ de   16.12.2010, p. 270/06.0TBLSD.P1.S e de 04.06.2015, p. 1166/10.7TBVCD.P1.S1 .

 Pois que estes critérios são a única forma de encarar e ultrapassar as dificuldades decorrentes da inelutável imprevisibilidade, incerteza, ou carácter aleatório de alguns fatores a advirem no futuro, e, sobretudo, para atender às especificidades do caso.

Efetivamente «as referidas fórmulas não se conformam com a própria realidade das coisas, avessa a operações matemáticas, certo que não é possível determinar o tempo de vida útil, a evolução dos rendimentos, da taxa de juro e do custo de vida… Assim, nesse caso, as mencionadas tabelas só podem ser utilizadas como meramente orientadoras e explicativas do juízo de equidade a que a lei se reporta.

Como se trata de dano futuro no âmbito de um longo período de previsão, a solução mais ajustada é a de conseguir a sua quantificação imediata, embora face à inerente dificuldade de cálculo, com ampla utilização de juízos de equidade.

A partir dos pertinentes elementos de facto, independentemente do seu desenvolvimento no quadro das referidas fórmulas de cariz instrumental, deve calcular-se o montante da indemnização em termos de equidade, no quadro de juízos de verosimilhança e de probabilidade, tendo em conta o curso normal das coisas e as particulares circunstâncias do caso» - Ac. do STJ de 15.05.08,  dgsi.pt,p.08B1343; cfr. ainda Ac. do STJ de 03.02.2011, p. 605/05.3TBVVD.G1.S1.

Encerrando, assim, as tabelas financeiras mero valor auxiliar e devendo os resultados assim obtidos ser equitativamente corrigidos se o julgador os considerar desajustados ao caso concreto.

E o mesmo se diga no atinente aos valores referidos na Portaria nº 377/2008 de 26.05, alterada pela Portaria nº 679/2009  de 25.06,  os quais apenas se impõem para efeito de apresentação por parte das empresas de seguros de proposta razoável para indemnização aos lesados por acidente de viação, pois que se expende no seu preambulo: «(…) importa frisar que o objectivo da portaria não é a fixação definitiva de valores indemnizatórios, mas (…) o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis…

E sendo certo que no seu artº 1º nº 2 se estatui: «As disposições da presente portaria não afastam o direito à indemnização de outros danos, nos termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos».

Destarte: «Com este mecanismo legal visou-se moralizar a relação dos lesados por acidente de viação com as companhias de seguros responsáveis pelos danos que sofreram, de modo a evitar que estas, valendo-se da sua suposta posição dominante, se aproveitassem da normal maior fragilidade daqueles, apresentando-lhes propostas de acordo com valores muito inferiores aos da indemnização justa…

Por isso, aqueles valores, fora do referido âmbito, constituirão apenas uma referência, nada impedindo que os tribunais, usando os critérios previstos no Código Civil, fixem valores superiores, o que até constituirá a situação normal, tendo em vista que a aceitação da proposta de acordo da empresa seguradora por parte do lesado desonera este das desvantagens e incómodos que a via judicial comporta» - Ac. do STJ de 01.06.2011, p. 198/00.8GBCLD.L1.S1.

Assim e concretizando, entende-se comummente que na determinação do quantum indemnizatório que ele deve ascender ao capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinga no termo do período provável da sua vida –  cfr. entre outros, o Ac. do STJ de 06.10.2011, p. 733/06.8TBFAF.G1.S1,  dgsi.pt,

Para se atingir tal concretização «deve tomar-se como base o rendimento anual perdido, a percentagem da incapacidade para o trabalho, a idade ao tempo do acidente, a idade normal da reforma, o tempo provável de vida posterior e o acerto resultante da entrega do capital de uma só vez.» - AC. do STJ de  24.09.2009, p. 09B0037; cfr., ainda, vg. o Ac. do STJ de 24.11.2009, p. 1877/05.9TVLSB.S1.

Após determinação do capital, há que proceder a um “desconto”, “dedução” ou “acerto”.

Quer porque quem trabalha também consome, havendo despesas, como as de alimentação, que mesmo sem trabalho sempre seriam feitas.

 Quer devido  ao facto de o lesado perceber a indemnização por junto, podendo o capital a receber ser rentabilizado, produzindo juros, pois que se impõe, como se viu, que no termo do prazo considerado, o capital se encontre esgotado.

 Sendo que na quantificação deste desconto a jurisprudência tem oscilado na consideração de uma redução entre os 10% e os 33% - Acs. do STJ de 07.07.2009 e de 04.02.2010, ps. 1145/05.6TAMAI.C1 e  307/05.0TAGMR.G1.S1.

Finalmente, importa que o valor obtido - dimanante da formulação de  tal juízo de equidade, ínsito numa margem de discricionariedade que ao julgador é consentida, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso, mas que, em primeira linha tem na sua génese elementos factuais objetivos -  «se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade» - Ac. do STJ de  05.11.2009, p. 381-2002.S1.

 E se ele não enfermar deste vício «tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido…» -  Ac. do STJ de .30.05.2019, p. 3710/12.6TJVNF.G1.S1.

No caso vertente.

O recorrente insurge-se que a decisão não se revela  objetiva e o juízo de equidade não é fundamentado.

Mas nem ele cabalmente explicita tal asserção, nem tal vício se vislumbra.

Antes pelo contrário, como ressuma da decisão, na qual foi, adrede, invocado factualismo -  vg. valores, idades, deduções – dos quais o seu final e decisivo critério équo dimana, ao menos, suficientemente alicerçado  ou amparado em termos e medida tais que não se pode concluir nela existir qualquer laivo de arbitrariedade, ou,  no mínimo e concedendo, qualquer arbítrio que não esteja ainda  ínsito e acobertado pela razoável margem de álea  concedida pela lei ao julgador.

E, nítida e meridianamente, sendo inatendível o concreto argumento de que deveria ser considerado que a falecida apenas entregava ao agregado familiar 1/3 do seu salário porque gastava os restantes 2/3 em despesas próprias.

Tal é ilógico e completamente arredado  da experiência da vida.

O normal e o comum, porque estávamos perante um agregado familiar composto por  quatro pessoas, é que a maior fatia dos rendimentos fosse, por cada um dos cônjuges, adstrita às despesas do agregado, aliás composto por dois filhos menores.

Mal seria,  para a gestão da vida familiar e para a defesa dos direitos e defesa dos filhos,  até porque se provou que o salário da sucumbida ascendia apenas a 530,00 euros, que assim não fosse.

5.5.

Quinta questão.

 Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – artº 496º nº1 do CC.

 Efetivamente: «...os prejuízos insignificantes ou de diminuto significado, cuja compensação pecuniária não se justifica, que todos devem suportar num contexto de adequação social, cuja ressarcibilidade estimularia uma exagerada mania de processar e que, em parte, são pressupostos pela cada vez mais intensa e interactiva vida social hodierna. Assim não são indemnizáveis os diminutos incómodos, desgostos e contrariedades, embora emergentes de actos ilícitos, imputáveis a outrem e culposos» - R. Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra, 1995 p.555/556. (sublinhado nosso).

O dano não patrimonial não se reconduz a uma única figura, tendo vários componentes e assumindo variados modos de expressão, abrangendo o chamado quantum doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas; o “dano estético”, que simboliza, nos casos de ofensa à integridade física, o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões; o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afetiva, recreativa, cultural, cívica); o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem-estar e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima; o pretium juventutis, que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida – cfr. Ac. do STJ de 18.06.2009, dgsi.pt, p. 1632/01.5SILSB.S1.

Há, também, que ter presente que, logo a seguir ao bem vida, os direitos de personalidade e a integridade física- cuja preservação é necessária para se manter a própria dignidade e amor próprio e para possibilitar uma sã (lato sensu) convivência social - são, quiçá, os direitos com maior dignidade e que importa respeitar e defender.

Acresce que a indemnização por danos não patrimoniais reveste uma natureza acentuadamente mista.

 Por um lado visa, mais do que indemnizar, reparar os danos sofridos pela pessoa lesada; pretende-se proporcionar ao lesado uma compensação ou benefício de ordem material - a única possível -, que lhe permite obter prazeres ou distrações - porventura de ordem puramente espiritual - que, de algum modo, atenuem o desgosto sofrido: não consiste num pretium doloris, mas antes numa compensatio doloris.

Por outro lado não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.

Resta sempre difícil apurar, com rigor, a adequação do montante compensatório dos danos não patrimoniais, de sorte a que com o mesmo se possam minorar as afetações negativas sofridas, operando-se, assim, com a maior aproximação possível, a justiça do caso concreto.

A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo, que tenha em conta o circunstancialismo de cada caso, e não por padrões subjetivos, resultantes de uma sensibilidade particular.

Devendo ainda considerar-se e reiterar-se, no seguimento do exposto na sentença, que a recente jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal vem reconhecendo que se torna necessário elevar o nível dos montantes dos danos morais, perante o condicionalismo económico do momento, e o maior valor que hoje se atribui à vida, integridade física e dignidade humanas.

 Sendo que, hodiernamente se vislumbra sedimentada uma corrente jurisprudencial que visa afastar critérios miserabilistas de fixação desta espécie de danos, pautando-se por uma justa, naturalmente mais elevada, fixação dos montantes indemnizatórios.

Efetivamente: «“É inegável a presença de um certo esforço, no sentido da dignificação das indemnizações. Importante é, ainda, a consciência do problema por parte dos nossos tribunais. Há, agora, que perder a timidez quanto às cifras…

Não vale a pena dispormos de uma Constituição generosa, de uma rica e cuidada jurisprudência constitucional e de largos desenvolvimentos sobre os direitos de personalidade quando, no terreno, direitos fundamentais tais como a vida valham menos de € 60.000.”» -   Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo III, 755, apud, Ac. do STJ de  07.05.2014, p. 436/11.1TBRGR.L1.S.

Certo é que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, e designadamente, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso  - arts. 496º, nº 3 e 494º do C.C.

Havendo aqui, naturalmente, que conviver e aceitar uma certa álea e relatividade das decisões judiciais, características que são inerentes a tais decisões como aliás a qualquer atividade  humana que não se estribe em premissas de cariz científico-natural ou matemático.  

Importando, todavia, perspetivar as diversas decisões prolatadas em casos similares para se tentar operar a fixação de valores idênticos, pois que tal contribui não só para a certeza e segurança do direito como, também, para a consecução da justiça material, quer na sua vertente absoluta, quer na vertente relativa ou comparativa.

Na verdade: «Na fixação dos montantes relativos às compensações por danos não patrimoniais emergentes de acidentes com veículos abrangidos pelo seguro obrigatório, há que atender fundamentalmente à gravidade das lesões e respetivas sequelas, em conjugação com os valores que vêm sendo fixados pelos tribunais.» - Ac. do STJ de  07.05.2014  sup. cit.

Dito  de outro modo:

«O recurso à equidade não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios…» -  Ac. do STJ  de 24.09.2009, p. 09B0037 in dgsi.pt.

Assim e neste particular atente-se em algumas deliberações dos tribunais superiores.

- Neste Ac.do STJ de 24.09.2009, foi arbitrado o montante de 40.000 euros  num caso em que o autor, que tinha 33 anos à data do acidente e ficou afetado de uma incapacidade parcial permanente de 18,28% , a qual se traduziu, no caso, numa incapacidade total para o trabalho.

- No Ac. do STJ de 30.09.10 para um jovem de 18 anos de idade, da equipa nacional de cadetes de basquetebol, vítima de atropelamento, que ficou com síndrome pós traumático, cefaleias frequentes, crises de ansiedade, irritabilidade, deficit de memória, cicatrizes e manchas melânicas em várias zonas do corpo, limitação da flexão do joelho direito, dano estético de grau 3 numa escala de 7, quantum doloris de 4 numa escala de 7, prejuízo de afirmação pessoal de grau 2, numa escala de 5, IPP de 20%, desgosto e frustração por ter deixado de praticar basquetebol,  arbitrou-se € 25.000,00

- O Ac. do STJ de  17.05.2011, p. 7449/05.0TBVFR.P1, em que o autor  padeceu de IPG de 15%, acrescida de 5%, auferia o salário mensal líquido de cerca de € 510,00 e em que ficou encarcerado dentro do seu veículo, ali permanecendo por largos minutos e sofreu várias fracturas nos membros inferiores, designadamente fractura exposta dos ossos da perna esquerda,  fractura do côndilo femural interno à direita, o que implicou várias intervenções cirúrgicas e vários internamentos hospitalares, fixou 20.000,00€.

- O Ac. do STJ de 29.06.2011, p. 345/06.6PTPDL.L1.S1, no qual, para uma IPG de 11,73 pontos, para um jovem de 19 anos, que teve um período de 30 dias de incapacidade temporária geral e profissional total, seguido de um período de 177 dias de incapacidade temporária geral e profissional parcial e em que foi fixado quantum doloris no grau 5, numa escala de 7; o dano estético, constituído pela cicatriz de 14 cm, fixado no grau 3, numa escala até 7, arbitrou o montante de  € 25 000.

-O  Ac. da RC de 24.01.2012,  p. nº 241/08.2TBCNT.C1 para um lesado, de 16 anos que sofreu entorse do tornozelo direito, grau III, tendo sido submetido a uma intervenção cirúrgica onde lhe efectuaram reconstrução de ligamentos extensa; sofreu um quantum doloris fixável no  grau três da tabela que vai até ao grau 7; sofreu um prejuízo de afirmação pessoal fixável  no grau três pela nova tabela, numa escala de um a cinco; sofreu um dano estético fixável no grau um pela nova tabela, em escala de sete; ficou com  uma IPG fixável em 3% (3 pontos); que as sequelas provocam ainda dores e exigem alguns esforços acrescidos nas actividades pessoais, desportivas e escolares exercidas pelo examinado, considerou-se equilibrado, razoável e justo, atribuir-lhe a quantia de 25.000 euros.

 - O Ac. do S.T.J. de 26-1-2012, p. 220/2001-7.S1 para um lesado 28 anos, auferindo antes do acidente €6.181,70 anuais, tendo ficado com 40% de IPP, cujo internamento hospitalar se prolongou por quase 3 meses, com várias intervenções cirúrgicas, que, depois, teve necessidade de ajuda permanente de terceira pessoa, tendo tido dores de grau 5 numa escala até 7 e cuja incapacidade absoluta para o trabalho (relevando aqui na sua vertente não patrimonial) se prolongou por cerca de ano e meio, tendo ficado, com a estabilização clínica, com dores e dismetria dos membros inferiores., fixou 40.000,00 euros.

-O Ac. do S.T.J. de 9-2-2012, p.1002/07.1TBSTS.P1.S1 para um lesado de 37 anos de idade, com uma incapacidade geral para o trabalho de 35%, evoluindo para 40%, com um “quantum doloris” de 6 em 7, com esforços suplementares que terá de realizar vida fora, na sua profissão de gerente comercial ou industrial dano e estético de grau 4 em 7, fixou a quantia de € 50 000.

- O Ac. do STJ de 20.03.2014, p. 7782/10.0TDPRT.P1.S1, para uma lesada de 57 anos, que sofreu traumatismo craniano com perda de consciência, fractura do tornozelo e da clavícula, esteve 9 dias em coma,  correu risco de vida, realizou diversas intervenções cirúrgicas, perdeu a memória e sofreu alterações cognitivas, teve um "Quantum Doloris de grau 5/7, ficou incontinente e passou a necessitar de ajuda parcial de 3ª pessoa, fixou-se o valor de 70.000 euros.

-O Ac. do STJ de 19.02.2015, p. 99/12.7TCGMR.G1.S1 para um lesado de 43 anos de idade que sofreu fractura do colo do úmero, fratura do troquiter, traumatismo do punho direito, foi submetido a exames radiológicos e a uma intervenção cirúrgica, ficou com cicatriz com 5 cms, vertical, na face anterior do punho, uma IPP de 12 pontos, e um  quantum doloris em grau 4 numa escala de 1 a 7 foi arbitrado € 20 000.

-O Ac. do STJ de 04.06.2015, p. 1166/10.7TBVCD.P1.S1 para lesada de 17 anos com cicatrizes várias e queimaduras no braço esquerdo e no tornozelo esquerdo, com uma IPP para o trabalho de 16,9 pontos., com um quantum doloris de grau 6 em 7, com dores que  irão acompanhá-la durante toda a vida, arbitrou 40.000 euros.

 - O Ac. STJ de 29.10.2019, p. 7614/15.2T8GMR.G1.S1  «Considerando (i) as cinco intervenções cirúrgicas a que o autor se submeteu, (ii) os tratamentos de fisioterapia durante cerca de dois anos, (iii) a dor física que padeceu (grau 4 numa escala de 1 a 7), (iv) o dano estético (grau 3 numa escala de 1 a 7), a afetação permanente nas atividades desportivas e de lazer (grau 3 numa escala de 1 a 7), (v) a limitação funcional do membro superior esquerdo em relação a alguns movimentos, (vi) a dor ligeira da anca no máximo da flexão e ao ficar de cócoras, (vii) a tristeza, a depressão e o desgosto»  fixou € 30 000,00.

 - O Ac. STJ de 17.12.2019, p. 669/16.4T8BGC.S1  «a um trabalhador rural, sinistrado sem qualquer culpa própria, afetado bastante fisicamente  com o sofrimento acrescido pela sua condição e angústia da incerteza quanto ao futuro e à possibilidade de poder fazer-lhe face,»  arbitrou. 20.000 euros

O caso sub judice.

A recorrente alcandora-se, no atinente ao dano não patrimonial pela morte  do marido, nos pontos: 6.47 – 6.48 - 6.49 - 6.50.

 Certo é que estes factos indicam que o casal era unido e a autora  ficou negativamente afetada pela morte do marido.

Mas este descambo, infelizmente para ambos, não era já não totalmente perspetivável, pois que o esposo sofria de doença cancerígena em elevado estado de desenvolvimento (último grau, o IV), que  augurava a morte natural em tempo não muito longínquo, e que, aliás, se revelou concausa do decesso.

Assim, mostra-se adequada e atendível  o entendimento da julgadora quando expende: «Não poderá ainda deixar de ponderar-se a precária condição de saúde de T (…) à data do óbito, dado que sofria de cancro do pulmão, no estádio IV, multimetastizado, designadamente nos ossos, envolvendo as metástases a aorta, e a artéria pulmonar (6.39). Daqui não se retira que os autores não tenham sofrido um forte impacto psicológico suscetível de tutela com o seu óbito que, nos termos supra referidos, deve ser juridicamente imputado ao sinistro, mas apenas que, manifestamente ao longo da evolução da sua doença, tiveram necessariamente que ir consciencializando a probabilidade de tal resultado.»

Por conseguinte, conclui-se que o montante de 15 mil euros conferido à autora a este título se mostra adequada, ou, ao menos, ínsita em limites admissíveis.

Já quanto aos danos não patrimoniais próprios é diferente.

Relevam aqui os factos provados nos pontos:

6.27 - a autora C (…) sofreu traumatismo torácico à direita, no membro superior direito e na perna direita, com contusões e hematomas, ficando com muitas dores nessas regiões corporais.

6.28 – Na sequência do que foi transportada de ambulância para o Hospital TondelaViseu, onde de entrada pelas 11h52 e foi assistida no Serviço de Urgência durante várias horas, fez vários exames e foi medicada…

6.42 –…era uma pessoa saudável e sem qualquer espécie de limitações, ativa, alegre e muito trabalhadora, executando todas as suas lides domésticas…

6.53 – As lesões sofridas no acidente consolidaram-se em 3/10/2018 e demandaram para a autora um período de défice funcional temporário parcial de 731 dias, sendo de 41 dias o período de repercussão temporária na atividade profissional total, e o período de repercussão temporária na atividade profissional de 690 dias.

6.54 – Em consequência do acidente, a autora sofreu um emagrecimento repentino, involuntário e exacerbado (de 73 kg para 48 kg), falta de apetite, marcada ansiedade, tristeza e depressão, com afetação física e psicológica, dificuldades em dormir, frequentes pesadelos relacionados com os momentos vividos no acidente, perturbação de stress pós-traumático, tendo ficado com medo de andar de carro, pensa e revive mentalmente e com frequência as imagens do acidente, e ficou ainda com choro fácil, elevada sensibilidade, necessidade de toma de calmantes, ansiolíticos e antidepressivos.

6.55 – As perturbações psicológicas mencionadas no artigo anterior conferem à autora um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 14 pontos, sendo tais sequelas compatíveis com o exercício da atividade que tinha à data do acidente, mas implicando esforços suplementares, tendo a autora passado a necessitar de tratamentos médicos regulares.

6.56 –…deixou de participar em festas e de auxiliar na igreja, tendo ainda cessado convívios com amigas assim como caminhadas que fazia, sentindo-se perturbada, angustiada, desanimada, revoltada com a sua vida, e com a sua autoestima reduzida.

6.62 –…passou a depender, de forma permanente, de acompanhamento médico psiquiátrico regular e de medicação regular,

6.64 –...sofreu um quantum doloris fixável no grau 4, numa escala de 7 valores.

Perante  este acervo factual conclui-se que a autora sofreu danos muito relevantes, principalmente a nível psíquico emocional, os quais se manifestaram nocivamente  durante um largo lapso de tempo – anos – e deixaram sequelas para o futuro.

Ora complementando o supra já exposto em tese geral, reitera-se que:

– …a proporcionalidade, igualdade e razoabilidade levam a que o montante da indemnização por danos não patrimoniais possa ser considerado não como uma espécie de simples bónus ou suplemento, mas, pelo contrário, como um “proporcionar um certo desafogo económico ao lesado que de algum modo contrabalance e mitigue as dores, desilusões, desgostos e outros sofrimentos suportados e a suportar por ele, proporcionando-lhe uma melhor qualidade de vida, fazendo eclodir nele um certo optimismo que lhe permita encarar a vida de uma forma mais positiva» - Ac. STJ de 17.12.2019, p. 669/16.4T8BGC.S1.

Tudo visto e ponderado, atento ainda que a autora em nada contribuiu para o sinistro, e operando uma análise comparativa com os valores  fixados nos Arestos supra expostos, julgamos que o valor impetrado de 20 mil euros é o mais adequado para compensar/ressarcir/punir no plano civilístico,  quer em termos absolutos, quer em termos de justiça comparativa ou relativa; e, assim,  por mais justo, devendo ser concedido.

5.6.

Sexta questão.

Defende a recorrente que para apurar o quantum do dano de incapacidade temporária deve ser considerada, como base de cálculo, a verba de 530,00 euros mensais,  correspondente ao ordenado mínimo à época, que engloba  o valor o seu trabalho doméstico, quer porque tal alegou na sua petição, quer por aplicação analógica do artº 6º nº3 da Portaria 377/2008 de  26.05.

Apreciando.

Estando  nós aqui em sede de danos patrimoniais, os critérios a considerar, em sede judicial, são os dimanantes das normas gerais substantivas, das quais decorre que o prejuízo a atender  é o que, real e efetivamente,  «existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação» - artº 562º do CC.

Efetivamente,  como supra já se disse e que aqui, mutatis mutandis, outrossim releva, para se atingir tal concretização «deve tomar-se como base o rendimento anual perdido, a percentagem da incapacidade para o trabalho….» - AC. do STJ de  24.09.2009, p. 09B0037; cfr., ainda, vg. o Ac. do STJ de 24.11.2009, p. 1877/05.9TVLSB.S1.

Ora não obstante a autora ter alegado que teve um prejuízo equivalente ao RMMG, em cujo montante incluiu o  valor do trabalho doméstico em sua casa, não logrou provar tal, pois que apenas se provou que executava lides domésticas, sem se apurar o seu quantum monetário, e que, «executava alguns serviços domésticos solicitados por pessoas conhecidas, atividade que lhe proporcionava uma compensação monetária não superior a € 200 mensais».

Assim sendo, esta pretensão não pode merecer acolhimento sob pena de locupletamento indevido, pois que, repete-se, apenas se apurou que a recorrente tinha um rendimento mensal efetivo de, no máximo, 200,00 euros.

E mesmo que se entendesse que algum valor deveria ser atribuído, por equidade, às lides domésticas – o que é muito duvidoso pois que não se apuraram dados concretos que pudessem amparar e permitir a sindicância de tal juízo équo, e equidade não pode equivaler e descambar em arbitrariedade -,  o facto de a julgadora atender, nos seus cálculos, ao  patamar máximo do rendimento provado,  já mitiga e compensa o ela não ter convencido sobre o valor do trabalho doméstico em sua casa, que sempre terá algum.

Ademais, o disposto na invocada Portaria não é aplicável.

Quer porque inexiste lugar para a analogia, já que, como se viu, podendo e devendo esta matéria ser julgada segundo os ditames da lei geral, inexiste lacuna.

Quer porque, como supra se aludiu, tal diploma apenas vigora para situações de negociação extrajudicial e não se impõe ao juiz, o qual, quando muito e se o entender, tê-lo-á apenas como referencial – cfr. Ac. RC de  06.06.2017, p. 3930/06.2TBLRA.C1.

5.7.

Sétima questão.

Pugna a recorrente para que o dano biológico, na sua vertente patrimonial, seja aumentado de 20 para 40 mil euros, e, na sua perspetiva não patrimonial, de 5 mil euros para dez mil euros.

A julgadora expendeu nos seguintes termos.

Quanto à vertente patrimonial:

«a autora ser indemnizada do dano decorrente de défice funcional permanente na integridade físico-psíquica de que ficou afetada, que foi fixado em 14 pontos, sendo as sequelas respetivas compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicando esforços suplementares importantes (6.55).

Tem vindo a considerar-se que a compensação a atribuir pelo dano biológico, quando interfere com a capacidade de ganho do lesado, não tem que ter uma relação direta com a sua atividade profissional, antes se configurando como um dano permanente e interferindo em  todos os aspetos da vida do lesado e na sua qualidade de vida, podendo relevar por via dos danos patrimoniais ou não patrimoniais – cfr. Ac RC de 4/6/201324

E o certo é que o apurado défice funcional da integridade físico-psíquica de 14 pontos, é compatível com a realização das atividades domésticas e quotidianas a que a autora se dedicava embora implique relevantes esforços suplementares. E em face de tal défice funcional haverá que concluir que a autora passou e passará a executar as tarefas indispensáveis à sua sobrevivência com maior esforço físico e psíquico, constituindo uma incapacidade que toda a vida a acompanhará.

Por outro lado, a autora, atenta a sua idade (nasceu a 13 de junho de 1960), previsivelmente continuará ainda a exercer a sua atividade habitual com esforços acrescidos durante vários anos.

Consequentemente, ainda que o seu défice funcional permanente não se traduza numa perda de capacidade de ganho, por não ser previsível qualquer diminuição salarial, pelo impacto que gera na sua condição física, exigindo-lhe um maior esforço nas suas atividades em geral, constitui dano biológico com cariz patrimonial. Está pois em causa uma diminuição funcional e somática, com repercussão pessoal, dada a maior penosidade inerente ao desempenho das tarefas a que a autora irá dedicar-se, o que, ainda que não gere uma imediata repercussão na remuneração, lhe determina limitações – cfr. Ac STJ de 19/5/2009 proferido no processo nº 298/06.

Nesta hipótese, justifica-se, pois, a fixação de uma indemnização por danos patrimoniais. Indemnização esta que deve ser fixada com recurso à equidade, nos termos do disposto no artigo 566º, nº 3, CC, sendo, de facto esta a vertente fundamental para a atribuição da vertente ora em análise - fr. Ac STJ de 4/6/2015, supra citado.

Por conseguinte, ponderando quer a idade da autora Cristina Martinho, quer os danos físicos que sofreu, e de que padece, julga-se equitativa a quantia de € 20.000,00 a título do dano biológico que a atinge, na vertente patrimonial.»

Relativamente à ótica não patrimonial:

«Não se apurou que a autora tenha ficado afetada de uma incapacidade permanente absoluta, mas ficou portadora de um défice funcional permanente de 14 pontos que não impedindo o exercício da sua atividade habitual, gera esforços suplementares.

Ora, tal défice, também na sua vertente não patrimonial, é suscetível de indemnização. Está em causa o impacto psicológico decorrente do maior esforço que a autora terá que afetar às suas atividades diárias.

Na fixação da indemnização deverá ter-se presente que tal dano foi já ponderado na sua vertente patrimonial, ponderando ainda a idade da autora e o prazo previsível de vida.

Assim, recorrendo à equidade, julga-se adequada fixação do montante indemnizatório de € 5.000,00.»

Estas asserções vislumbram-se, em tese, certas e curiais.

Dir-se-á ainda que urge ter presente:

« Ao dano biológico não pode ser conferida autonomia enquanto tertium genus e, por essa razão, todas as variantes do dano-consequência terão de traduzir-se sempre num dano patrimonial e/ou num dano não patrimonial.

Assim, o défice funcional, ou dano biológico, representado pela incapacidade permanente resultante das lesões sofridas em acidente de viação, é suscetível de desencadear danos no lesado de natureza patrimonial e/ou de natureza não patrimonial.» - Ac. STJ de 29.10.2019, p. 7614/15.2T8GMR.G1.S1.

Ou, noutra perspetiva ou nuance:

«O chamado “dano biológico” tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte atual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afetar, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.

… constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num  mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha de profissão, eliminando ou restringindo seriamente qualquer mudança ou reconversão de emprego e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à disposição, erigindo-se, deste modo, em fonte atual de possíveis e futuros lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais.» -  Ac. da  RC de  06.06.2017, p. 3930/06.2TBLRA.C1.

Ou ainda:

«O dano biológico, para além de se apresentar como um dano real ou dano evento, é também um “dano primário”, na medida em que, enquanto dano corporal lesivo da saúde física ou psíquica, está na origem de outros danos (danos-consequência), designadamente a frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer atividades ou tarefas para além da atividade profissional habitual do lesado, bem como os custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas.

Certo é também, neste campo, que:

« A indemnização deste dano biológico não deve ser calculada com base nas tabelas financeiras na medida em que o sobredito défice funcional genérico não implica incapacidade parcial permanente para o exercício dessa atividade, envolvendo apenas esforços suplementares.

E também não deve ser fixada com recurso às tabelas estabelecidas para efeitos de apresentação aos lesados de proposta razoável de indemnização, nos termos do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21.08, por estas se destinarem a ser aplicadas na esfera extrajudicial, não sendo lícita a sua sobreposição ao critério legal da equidade previsto no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil. »  - Ac. STJ de 17.12.2019, p. 2224/17.2T8BRG.G1.S1.

Quanto ao apuramento do concreto quantum.

Na vertente patrimonial há que atender aos factos objetivos que  possam sustentar ou amparar o final e decisivo juízo équo, como seja, o grau de afetação biológica, o rendimento do lesado, a sua idade, etc.

Na ótica não patrimonial urge atentar acima de tudo na intensidade da lesão  psíquico-física.

E, nunca é de mais repeti-lo, têm de ter-se em consideração os valores jurisprudencialmente  atribuídos.

Assim, vg. no citado Ac. do STJ de 29.10.2019 foi julgado adequado o valor de € 36 000,00: «Numa situação em que ao lesado, com 34 anos, foi atribuído um défice funcional de 16 pontos por força das lesões sofridas, sem rebate profissional mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional (vendedor e empresário de materiais de construção civil e produtos agrícolas)».

Já no aludido Ac. do STJ de 17.12.2019 arbitrou-se o montante de  € 10.000.00 para lesado de 61 anos que  ficou a padecer de um défice funcional de 4 pontos, implicando um acréscimo de esforço físico no desenvolvimento da sua atividade de trabalhador. 

In casu provou-se que a autora ficou com um défice funcional da integridade físico-psíquica de 14 pontos, o qual, naturalmente, lhe dificulta a realização das suas tarefas.

Tendo a autora 56 anos de idade, a cerca de dez anos da sua vida útil laboral em termos remuneratórios, e auferindo  modestos rendimentos  de cerca de 200 euros mensais, conclui-se, tudo visto e ponderado, que o valor de 20 mil euros arbitrado a este título se mostra aceitável, porque, em termos absolutos e comparativos, admissível (e sendo certo que, neste âmbito, promana quase impossível operar a absoluta, porque rigorosa e matemática, justiça do caso).

 E o mesmo se diga no tangente ao valor de cinco mil euros atribuído na perspetiva não patrimonial.

Para esta vertente relevam determinantemente as afetações negativas biológicas, máxime de cariz psíquico emocional, como o ter ficado  angustiada, deprimida, desorientada,  algo traumatizada  com necessidade de acompanhamento médico psiquiátrico regular e de medicação regular.

Porém, estes factos já foram considerados para fundamentarem indemnizações a outros títulos – dano não patrimonial próprio -  e, inclusive, como bem se diz na sentença, para alicerçarem este dano biológico, posto que na sua vertente patrimonial.

Pelo que uma sua valoração exacerbada, estanque e tabicada, sem consideração de tais outros ressarcimentos, implicaria uma quasi duplicação da sua consideração, o que não pode ser concedido.

5.8.

Oitava questão.

Aqui a julgadora decidiu nos seguintes termos:

«…a condenação …radica, desde logo, no disposto no artigo 495º, nº 3, CC, nos termos do qual: “Têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural”.

…Assim, destinatários de tal obrigação são os alimentandos, procurando a norma citada preservar o direito a alimentos daqueles que já dos mesmos usufruíam ou podiam usufruir.

Como se alcança do disposto nos artigos 495º, nº 3, 2009º, nº 1, a), 2015º, e 1675º, CC, o cônjuge encontra-se no elenco das pessoas obrigadas a alimentos.

No entanto, ainda que a pensão auferida por T (…) fosse superior à retribuição por esta auferida na atividade a que se dedicava e constituísse rendimento relevante para o agregado familiar, em face da sua situação de saúde, designadamente do facto de padecer de neoplasia maligna no estádio IV com as complicações enunciadas nos factos provados, não pode afirmar-se que fosse previsível que continuasse a obter tal pensão.

Efetivamente, não poderá esquecer-se que está em casa um dano patrimonial futuro limitado pela regra da previsibilidade. Ora, em face da condição de saúde de T (…), não pode afirmar-se que fosse previsível que vivesse até aos 78 anos de idade, por corresponder à esperança média de vida, segundo os dados estatísticos disponibilizados pelo I.N.E»

Já a recorrente  defende que o tribunal não tinha elementos para concluir que o falecido sucumbiria a breve trecho pelo que «Ao julgar improcedente o pedido da autora de atribuição de uma indemnização por dano patrimonial futuro, decorrente da perda de rendimentos do falecido marido, o Tribunal a quo contrariou a fundamentação de facto sobre a matéria indicada nos pontos 6.43, 6.44, 6.46 e 6.50 e violou os preceitos legais acima citados e ainda os arts. 495º, nº 3 e 2009º, nº1, al. a) e c) do CC e ainda o critério da equidade;

Sendo que atentos os referidos elementos, tal dano deverá ser atendido pelo Tribunal superior e fixado no montante de 36.517,27€, ou pelo menos e por recurso à equidade em metade desse valor.

Perscrutemos.

Estamos em sede de danos patrimoniais futuros, pelo que vale aqui, na sua essencialidade relevante, o supra expendido em 5.4.

Decorrentemente, dos factos indicados pela recorrente para alicerçar esta sua pretensão, apenas os dos pontos 6.44 e 6.4.6. relevam – idade e rendimentos do falecido.

Ma há outros dois factos que outrossim, e designadamente na economia do decidido, têm o seu valor; são os dos pontos:

6.38 -  (T (…)) acabou por falecer em 11/10/2016, em consequência das lesões traumáticas vertebrais cervicais que sofreu no sinistro, associadas a neoplasia maligna epitelial invasiva pouco diferenciada com metastização e quadro de mielopatia cervical não recentes, constituindo aquelas lesões mera concausa ocasional de morte e a neoplasia concausa superveniente atendível.

6.39 – À data do sinistro, T (…) sofria de cancro do pulmão, no estádio IV, mutimetastizado, designadamente nos ossos, envolvendo as metástases a aorta e a artéria pulmonar.

Ora o estadiamento do cancro do pulmão, ie., o processo pelo qual  se determina se ocorreu disseminação para outras estruturas próximas ou mais distantes do pulmão, comporta quatro estádios ou graus, sendo o quarto grau o último e mais grave.

Perante este grau, o tumor alastrou-se para o outro pulmão e disseminou-se  para outras zonas do corpo.

Este estágio do cancro é muito difícil de curar. As opções de tratamento dependem do local da metástase, do número de tumores e do estado de saúde do paciente.

Se o paciente tiver boas condições clínicas, tratamentos, como cirurgia, quimioterapia, terapia alvo, imunoterapia e radioterapia, podem ser realizados para aliviar os sintomas e aumentar a sobrevida. Cfr . https://pulmonale.pt/os-diferentes-estadios-do-cancro-do-pulmao/  e https://www.saudecuf.pt/oncologia/o-cancro/cancro-do-pulmao/estadiamento

Vê-se assim que não era seguro e previsível que o falecido vivesse mais cerca de dez anos, até aos 78 anos.

Mas também não era seguro e suficientemente previsível que falecesse nos dias seguintes ao acidente.

Como se viu, mesmo nas condições extremas  de doença em que se encontrava, ainda é possível prolongar a vida do doente por  mais algum tempo.

Destarte, julga-se possível e plausível que o fenecido sobrevivesse ainda mais um ano, até aos 60 anos.

Esta postura exegética pode parecer minudente e, até, mesquinha ou tétrica, mas  acreditamos que, entre o «tudo» ou «nada», é aquela que, pelo que se disse e em termos de uma certa normalidade, melhor pode atingir a justiça do caso concreto.

Considerando o rendimento do falecido – 380,87 euros  mensais -, o desconto de 1/3 - que adstringiria à satisfação das  suas despesas – e aqui sim, dado o estado de necessidade do  mesmo e inerentes despesas, até se poderiam considerar 2/3 – e visto que o acidente foi apenas uma das duas causas da morte, pelo que, à míngua de dados noutro sentido, se deve atribuir ao mesmo uma concausalidade de 50% - o valor final  que se considera a recorrente ter jus, temperado pela equidade - os critérios da invocada e supra aludida Portaria não são aqui, a fortiori, atendíveis -,   e com arredondamento por excesso, de cerca de 1800 euros para 2.000 euros, é este último valor de dois mil euros: 380,87x14 -1/3x50%.

5.9.

Nona questão.

Estão aqui  em causa erros, materiais de cálculo, ou de direito – quanto à escritura de habilitação – atinentes a valores menores.

O erro quanto às despesas pela ajuda doméstica é patente, constituindo erro material ou lapsus calami que urge retificar – artº 249º do CC.

O apontado erro quanto à idade relativa à esperança de vida da autora concede-se, pois que no local indicado – PORDATA – tal  idade era, pelo menos,  83 anos; sendo que, mais atualmente, com referencia a 2017, já atinge os 84,6 anos.

Finalmente o indeferimento do valor de 192 euros da escritura de habilitação.

Foi aduzido o seguinte argumentário:

«…relativamente ao valor despendido pela autora na escritura de habilitação, julgamos não ser possível estabelecer um nexo de causalidade entre o evento danos e tal despesa, dado que, ainda que de forma natural, sempre a morte sobreviria a T (…) e a família teria que suportar tal despesa. Efetivamente, o acidente abreviou tal facto certo e inelutável, e o que o regime da responsabilidade civil delitual indemniza é exatamente os danos decorrentes desse adiantamento temporal da morte ou, por outras palavras, a privação de tempo de vida.

Já se viu que a nossa lei consagra a teoria da causalidade na aludida formulação negativa, nos termos da qual o facto que atuou como condição do dano só deixará dele ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do mesmo; e sendo ainda atendível a causalidade indireta e mediata.

A assim ser, esta despesa  pode ser considerada como um dano do sinistro, posto que mediato ou indireto.

Ademais porque não está provado o argumento nuclear vertido na decisão, qual seja: que a morte do falecido sobreviria imediatamente ou pouco depois do acidente ex vi da doença de que padecia, e provado que também aqui fosse necessário obter o documento em causa.

5.10.

Epílogo.

Perante o ora decidido, são os seguintes os valores finais a receber pelos autores, com a seguinte imputação de responsabilidades.

À autora C (…) será atribuída a indemnização global de € 99.135,11 (noventa e nove mil cento e trinta e cinco euros e onze cêntimos) a saber: 20.000,00 + 15.000,00 + 3.333,33 + 20.000,00 + 2.995,53 + 20.000,00  + 2.000,00  + 3.606,25  +  7.200,00 + 5.000,00.

A cada um dos autores M (…) e J (…) será atribuída a quantia global de € 33.333,33 (trinta e três mil trezentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos) a saber: 20.000,00 + € 10.000 + € 3.333,33.

Aos autores S (…), G (…) e I (…) será atribuída a indemnização fixada na sentença, a saber:

Ao S (…) a quantia de € 141.552,33 (23.333,33+€ 25.000,00+€ 1.666,66+€89.040,00+ € 2.512,34.

Ao autor G (…) a quantia de € 60.202,49 (23.333,33+€ 25.000,00+€ 1.666,66+€ 10.202,50.

À autora I (…) a quantia de € 64.839.99 (€ 23.333,33+€ 25.000,00+€ 1.666,66+€ 14.840,00.

Aos autores a quantia a liquidar ulteriormente, relativa ao acompanhamento médico de G (…) e I (…).

Porém, uma  vez que a sucumbida S (…) contribuiu em 40% para o acidente, tais valores têm de ser reduzidos nesta percentagem, apenas assistindo a cada um deles o remanescente de 60%, ou seja,  84.931,40 (oitenta e quatro mil novecentos e trinta e um euros e quarenta centimos) para o autor S (…), 36.121,50 (trinta e seis mil cento e vinte e um euros e cinquenta cêntimos) para o autor G (…), e 38.903.99 (trinta e oito mil novecentos e três euros e noventa e nove cêntimos) para a autora  I (...).

Em função da culpa da S (…) a ré seguradora, ex vi do contrato de seguro, terá de suportar 40% das quantias nesta instância concedidas.

Os 60% remanescentes serão suportados pelo réu FGA.

(Im)procedem, em parte, os recursos.

6.

Sumariando – artº 663º nº 7 do CPC.

I - Asseverando uma testemunha presencial, condutor de ambulância, que uma condutora de um veículo circulava a mais de 130km/h, e, porque, não tendo este, mercedes 200 CDI, de 2015, com elevados padrões de segurança ativa,  sido imobilizado,  na sequência de uma ultrapassagem mal sucedida, após o inicio da travagem, em 40 ou 50 metros, antes entrando em zigue zague, percorrendo largas dezenas ou até algumas centenas de metros, e indo embater, sucessivamente, com violência,  em dois veículos circulando em sentido contrário, tem de concluir-se que tal condutora circulava com velocidade superior a 100Km/h.

II - Considerando que o STJ valoriza o dano morte normalmente entre 50 e 80 mil euros, é mais adequado o montante de 60 mil euros – do que o de 65 mil -  para compensar a perda do direito à vida de fenecido com 59 anos, com alegria de viver, mas que já sofria de cancro num estádio de último grau que, conjuntamente com o acidente, foi concausal do decesso; e,  ademais, se no mesmo processo foi arbitrado o valor de 70 mil euros pela morte de mulher, saudável, com 33 anos.

III - Dada a aleatoriedade e incerteza dos critérios de fixação dos danos futuros,  o juízo équo apoiado em factos objetivos basilares e temperado pela consideração dos valores fixados pela jurisprudência em casos similares, é o fator determinante para a  concretização do montante do caso concreto decidido.

IV - Mostra-se  mais adequado, absoluta e comparativamente, – por reporte a 15 mil euros -  o valor de 20 mil euros por danos não patrimoniais para lesada de 56 anos que, sem culpa no acidente: i) sofreu traumatismo torácico à direita, no membro superior direito e na perna direita, com contusões e hematomas, que demandaram um período de mais de dois anos de  défice funcional;  ii) necessita de esforços suplementares,  e de tratamentos médicos regulares; iii)  teve emagrecimento repentino, involuntário e exacerbado (de 73 kg para 48 kg);  iv) ficou com medo de andar de carro, com choro fácil, elevada sensibilidade e necessidade de toma de calmantes, ansiolíticos e antidepressivos.; v) ficou  com défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 14 pontos; vi) deixou de conviver socialmente e passou a depender, de forma permanente, de acompanhamento médico psiquiátrico regular e de medicação regular; vii) sofreu um quantum doloris fixável no grau 4, numa escala de 7 valores.

V - O valor do rendimento base para cálculo do dano de incapacidade temporária  para o trabalho, apura-se segundo a lei geral do CC, e  é  o real e efetivo que se provar, não sendo inelutávelmente aplicáveis, máxime por analogia, os critérios da Portaria 377/2008, quer porque inexiste lacuna, quer porque este diploma não se impõe em sede jurisdicional, sendo meramente referencial.

VI - O dano biológico, patrimonial e não patrimonial,  traduz-se, nuclearmente, num handicap físico-emocional que, ainda que não implique perda remuneratória, torna mais penosa a realização das tarefas quotidianas; é, decisivamente, calculado via juízo équo,  podendo, na definição do seu quantum, e para obstar a duplicação de indemnizações pelos mesmos factos, relevar-se a consideração dos factos que o alicerçam para a fundamentação de outras indemnizações.

VII – O facto de o falecido em sinistro de viação padecer de carcinoma em último grau (IV), não significa que ele, se não tivesse morrido no acidente, morresse imediatamente ex vi da doença; pelo que há que considerar um lapso de tempo de vida (aqui fixado em um ano) para efeito de cálculo, via juízo équo, dos danos futuros pela perda dos seus rendimentos.

VIII – Considerando que o CC consagra a teoria da causalidade adequada na formulação negativa,  na qual se releva a causalidade indireta e mediata, o acidente de viação terá ainda de ser considerado causal de despesas necessárias para a instauração da ação: vg. atinentes a pagar instrumento de habilitação de herdeiros.

7.

Deliberação.

Termos em que se julga cada um dos recursos parcialmente procedente e, em consequência:

Arbitra-se à autora C (…) a título de  indemnização a quantia de € 99.135,11;  a cada um dos autores  M (…) e J (…) a quantia de € 33.333,33;  ao autor S (…) a quantia de  84.931,40; à  autora I (…) a quantia de 38.903.99; e ao autor G (…) a quantia de  36.121,50.

Condena-se a ré seguradora Seguradoras (…), SA, a pagar a cada um dos aludidos autores 40% das quantias fixadas; e condena-se o réu FGA a satisfazer os remanescentes 60%.

No mais se mantendo a sentença.

Custas na proporção da presente sucumbência.

Coimbra, 2020.05.19.

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Fonte Ramos