Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
336/11.5TBMLD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FRANCISCO CAETANO
Descritores: VENDA DE COISA DEFEITUOSA
CADUCIDADE
Data do Acordão: 11/06/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MEALHADA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.ºS 913.º E SS DO CC E DL N.º 67/03, DE 8.4
Sumário: Aceite pelo produtor (fabricante) demandado substituir a coisa defeituosa (telhas), o que fez com a sua entrega ao consumidor, como assim se obrigara, na acção em que além do mais os AA., consumidores, pedem a sua condenação nas despesas de colocação, já não pode operar a caducidade respeitante à venda de tais coisas.
Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:


            1. Relatório
            A... e mulher B... propuseram contra “C..., Lda.”, no Tribunal Judicial da comarca da Mealhada, acção com forma de processo sumário, pedindo a sua condenação, além do mais, no pagamento da quantia de € 13.966,90 a título de danos patrimoniais (€ 11.966,90) e não patrimoniais (€ 2.000,00).
            Alegaram, para tanto, ter adquirido para a construção da sua moradia 4 500 telhas da Ré, que as fabricou, através de uma outra empresa ”D..., Lda.”), emitindo, então, a Ré, a favor do A., termo de garantia quanto à sua impermeabilização e resistência a variações térmicas pelo prazo de 20 anos, algumas das quais, concluída a obra, devido à sua má qualidade ou deficiências se foram partindo e estalando.
            Em 17 de Março de 2008, no local da obra, a Ré acordou com o A. no fornecimento do número de telhas necessárias à substituição das partidas e com defeito e no pagamento dos trabalhos inerentes à sua colocação, o que deveria ser feito a partir de Junho de 2008 e até final de Julho do mesmo ano.
            Acontece que a Ré forneceu as telhas, ainda que após essa data, entregando-as na residência dos AA., mas mediante carta de 10 de Março de 2010 enjeitou o pagamento dos trabalhos de substituição, que orçam em € 11.966,90 e, assim, a falta de reparação do telhado tem levado a infiltrações e danos nos tectos e paredes e impedido o normal uso das habitação por parte dos AA.
            Na contestação, a Ré excepcionou a ilegitimidade dos AA., por falta de alegação e prova da propriedade da moradia em causa, bem como a caducidade do direito de propor a acção, que deu entrada em 24 de Junho de 2011, quando em 17 de Março de 2008 os AA. confessaram ter tomado conhecimento dos defeitos das telhas sem terem procedido à sua denúncia e pedido de indemnização atempados, remetendo para os n.ºs 2 e 3 do art.º 1225.º do CC.
            No mais, grosso modo, impugnou a restante matéria da petição inicial.
            Proferido despacho saneador, foram ambas as excepções julgadas improcedentes e fixados os factos assentes (FA) e organizada a base instrutória (b. i.).
            Inconformada com essa improcedência, recorreu a Ré, apresentando alegações que finalizou com as seguintes conclusões:
            a) – Os apelados não invocaram nem provaram ser os actuais donos da moradia;
            b) – Intentaram a presente acção em 24.6.11, sendo que na sua alegação a apelante aceitara os defeitos em 17.3.08, isto é, após mais de 3 anos;
            c) – Foi violado o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 26.º do CPC e 2.º, 7.º e 8.º-A do CRP e 1225.º do CC e n.ºs 2, 3, 4 e 5 do art.º 5.º-A do DL n.º 84/08. de 21.5, pelo que deverá ser revogado o despacho saneador e julgadas procedentes as excepções deduzidas.
            Na resposta, os AA. pugnaram pela manutenção do decidido.
            Foi proferido despacho a não admitir o recurso quando à excepção dilatória de ilegitimidade (o que terá sido aceite pacificamente), que relegou para eventual recurso da decisão final, admitindo apenas o recurso quanto à excepção peremptória da caducidade.
            Cumpre decidir, sendo que importa somente apreciar o segmento do despacho saneador que incidiu sobre a excepção da caducidade e, assim, verificar se a ela há ou não lugar na presente acção.
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            2. Fundamentação
            2.1. De facto
            O quadro factual relevante para julgamento do presente recurso é o que acaba de enunciar-se e resulta das posições da partes, não submetidas ainda a julgamento, pelo que de matéria assente, por acordo, apenas está a que foi como tal seleccionada nos FA e na b. i., ou seja, que antes de 17.3.08 os AA. verificaram que determinadas telhas que lhes tinham sido fornecidas por um terceiro, colocadas no telhado de uma sua moradia, estavam partidas e estaladas (alín. A)) e que no dia 17.3.08 procedeu-se a uma reunião entre AA., um representante da empresa terceira vendedora de tais telhas e um representante da Ré (aín. B)).
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            2. 2. De direito
            A recorrente ao pugnar pela verificação da excepção da caducidade remeteu para o art.º 1225.º do CC, ou seja, para o regime do contrato de empreitada de imóveis destinados a longa duração.
            Todavia, definindo-se tal contrato como aquele em que uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra mediante um preço (art.º 1207.º do CC), da factualidade alegada (que não ainda provada, repete-se) não resulta que os AA. houvessem encetado qualquer acordo com a Ré para construção da moradia, que é o que aqui está em causa.
            Tudo indica que a relação contratual passou, antes, pela venda de telhas a uma outra empresa (“ D..., Lda.”) (esta a empreiteira?) que, por sua vez, as forneceu (aplicou na moradia?) à Ré acompanhadas de um termo de garantia por 20 anos a favor dos AA., a quem se destinavam (termo que não foi, entretanto, junto, podendo sê-lo ainda, é certo, no processo principal).
            O regime da venda de coisas defeituosas é o constante não só dos art.ºs 913.º e ss do CC, como do DL n.º 67/03, de 8.4 (Lei de Venda de Bens de Consumo)[1], que prevê a responsabilidade não só do vendedor dentro do prazo legal de garantia de 5 anos, como ali, quanto aos imóveis, como, alternativamente, a responsabilidade do produtor (fabricante) no respeitante aos direitos de reparação e substituição da coisa defeituosa[2] a exercer no prazo de 10 anos sobre a colocação do bem em circulação (art.º 6.º, n.ºs 1 e 2, alín. e)).
            É o que se chama de responsabilidade directa do produtor.
            E daí que, não tendo decorrido esse lapso de tempo desde a aquisição das telhas com defeito, não houvesse caducidade.
            Todavia, a questão jurídica não precisa de ir aí.
            Sem equacionar a questão do decurso do tempo fosse para a denúncia dos defeitos, fosse para a propositura da acção propriamente dita, os AA. e a Ré acordaram na substituição, pela Ré, das telhas partidas e com defeito e que se terá obrigado, também, ao pagamento das despesas com os respectivos trabalhos.
            Ora, a Ré procedeu à entrega das telhas aos AA. (conforme é por si tacitamente aceite na contestação) e só as não colocou ou pagou a quem por si o fizesse.
            Quer dizer, do acordo efectuado com os AA., que constitui verdadeira relação contratual, fonte de obrigações, a coberto do princípio da liberdade contratual (art.º 405.º do CC), os RR. apenas terão cumprido parte da prestação a que se vincularam, isto na versão dos AA., obviamente sujeita à fieira do julgamento, destinando-se, agora, a presente acção ao cumprimento integral da prestação (art.º 406.º do CC).
            Ora, daqui resulta que a causa de pedir da acção já não tem a ver com o defeito das telhas, porque confessadamente substituídas (só falta colocá-las) e inerente caducidade sobre denúncia ou propositura da acção, mas com o incumprimento contratual da Ré.
            É esse o facto jurídico concreto em que a petição inicial da presente acção se baseia, a qual está imune a prazos de caducidade.
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            3. Em conclusão:
            - Aceite pelo produtor (fabricante) demandado substituir a coisa defeituosa (telhas), o que fez com a sua entrega ao consumidor, como assim se obrigara, na acção em que além do mais os AA., consumidores, pedem a sua condenação nas despesas de colocação, já não pode operar a caducidade respeitante à venda de tais coisas.
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            4. Decisão
            Face ao exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e manter a decisão recorrida.
            Custas pela apelante.
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Francisco Caetano  (Relator)
António Magalhães
 Ferreira Lopes


[1] Com a redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 84/08, de 21.5.
[2] Aqui já não o direito à redução do preço, à resolução do contrato ou à indemnização – V. Abílio Neto, “Cód. Comercial  e Cont. Comerciais, Anot.”, 2008, pág. 496.