Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
473/08.3PAPTS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: DEPOIMENTO INDIRECTO
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
Data do Acordão: 12/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGAÇÃO PARCIAL
Legislação Nacional: ART.ºS 129º, DO C. PROC. PENAL E 72º, DO C. PENAL
Sumário: Não constitui depoimento indirecto, não sendo, portanto, enquadrável no art.º 129º, do C. Proc. Penal e não constituindo, portanto, prova proibida, o depoimento de uma testemunha que relata o que ouviu o arguido dizer, isto mesmo que o arguido não preste declarações na audiência, no exercício do seu direito ao silêncio.

A atenuação especial da pena só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar, uma vez que, para a generalidade dos casos normais, existem as molduras penais normais, com os seus limites máximos e mínimos próprios.

Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO
           
1. No processo comum colectivo n.º 473/08.3PAPTS do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, por acórdão datado de 15 de Junho de 2011, foi deliberado o seguinte:
· Absolveu-se o arguido A..., da prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, n.º 1, e 204º, n.º 2, e), do C.Penal;
· Absolveu-se a arguida B... da prática de um crime de receptação, p. e p. pelo art. 231º, n.º 1, do C.Penal;
· Condenou-se o arguido o arguido A..., pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, n.º 1, e 204º, n.º 2, e), do C.Penal, na pena de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão;
· Condenou-se o arguido o arguido A..., pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, n.º 1, e 204º, n.º 1, f), do C.Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
· Nos termos do art. 77º, do C.Penal, condenou-se o arguido A... na pena única de 4 (quatro) anos e 1 (um) mês de prisão.
                                    
2. Inconformado, apenas o arguido A... recorreu do Acórdão, tendo finalizado a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
«1° O Tribunal a quo julgou incorrectamente a factualidade vertida sob os n°s 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 9 de factos Provados, porquanto, em relação aos mesmos, na Audiência de Discussão e Julgamento não foi produzida prova bastante para condenar o recorrente pela prática de dois crimes de furto qualificado;
2° Desde logo porque, de nenhum dos depoimentos prestados em Audiência se alcança as circunstâncias e o modo como, alegadamente, o recorrente praticou os factos de que vinha acusado;
3° Dos depoimentos testemunhais não é possível retirar a conclusão de que foi o recorrente quem entrou nas instalações da “X..., S.A.”, utilizando chaves falsas, que conhecia o código do cofre e subtraiu os objectos referidos nos autos;
4° O Tribunal a quo, para dar como assente a factualidade vertida sob os n°s 3 e 4 de Factos Provados, formou a sua convicção com base em depoimentos indirectos;
As testemunhas C... e D... apenas referiram aquilo que lhes foi transmitido por outra testemunha da Acusação, E... ., que se recusou a responder em Audiência, no exercício do direito legal que lhe assistia;
6° As testemunhas C... e D... não têm qualquer conhecimento directo dos factos, porquanto não lograram demonstrar que foi o recorrente quem entrou na aludida habitação, sita em ..., nem conseguiram afirmar, sem sombra de dúvida e sem o recurso a presunções e deduções, que o recorrente se apropriou das chaves do veículo Audi, nem em que circunstâncias o terá feito;
7º São flagrantes as dúvidas que perpassam o Acórdão recorrido, acerca das circunstâncias em que ocorreram os factos e que, devendo ter conduzido a um non liquet, foram decididas contra o arguido;
8º Foi violado o princípio in dubio pro reo;
9º A factualidade vertida nos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 7 e 9 de Factos Provados não está em sintonia com os depoimentos prestados em Audiência, seja por contradição, seja por insuficiência da prova produzida, motivo pelo qual devem ser eliminados e passar a constar na tábua de Factos Não Provados;
10° Deve a Decisão recorrida ser revogada, por insuficiência da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova, devendo o recorrente ser absolvido;
11° Sem conceder, a pena de prisão (quatro anos e um mês) aplicada ao arguido ora recorrente deve ser julgada excessiva;
12º O Tribunal a quo não valorou devidamente todas as circunstâncias que, não fazendo parte do crime, depuseram a favor do arguido;
13º À data dos factos, o recorrente era consumidor de heroína o que, para além de lhe embotar o discernimento, o colocava na necessidade de se abastecer, praticando, por causa disso, alguns factos criminais;
14ºAssim enfocado todo o entorno dos factos criminosos, por certo que o dolo diminui, por certo que a gravidade dos factos se atenua;
15º A pena aplicada ao recorrente deve ser atenuada, para que o tribunal alcance a uma pena de prisão não superior a 2 anos e cinco meses:
16º A Decisão recorrida violou as seguintes normas jurídicas: art° 32° n° 2 da Constituição da República Portuguesa e art°s 40º, 50° e 71° do Código Penal.
Nestes termos e nos melhores de Direito, o Acórdão de 15.JUN/201 1 deve ser revogado e substituído por outro que, no sentido da factualidade carreada para os autos, absolva o arguido da prática dos crimes de que estava acusado, ou, se assim superiormente se não entender, a aplicação de pena que se não ataste dos mínimos previstos na respectiva moldura penal, ou no mínimo, a redução substancial da pena aplicada pelo Tribunal a quo».

            3. O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso, defendendo que:
«1- A Prova produzida sustenta a condenação, não sendo prova indirecta.
2-Mas, ainda que o fosse, tal seria admissível.
3- Não subsiste qualquer erro notório na apreciação da prova ou insuficiência da matéria provada para a decisão recorrida e alcançada.
4- A pena não é excessiva, sendo justa e equilibrada e não foram violadas quaisquer normas legais, designadamente as apontadas pelo recorrente.
5- A pena imposta era exigida face aos vastos antecedentes criminais do arguido: princípios de prevenção especial e geral das penas.
6- A decisão recorrida não enferma de qualquer vício ou imperfeição técnica que a torne impugnável.
7- Deve, pois, ser TOTALMENTE negado provimento ao recurso e ser mantida, nos seus precisos termos a decisão recorrida».

            4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, a fls. 498, no sentido de que o recurso não merece provimento.

            5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma.

            II – FUNDAMENTAÇÃO
           
 1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
             Assim, balizados pelos termos das conclusões[1] formuladas em sede de recurso, as questões a decidir consistem em saber:
             - se há erro de julgamento quanto aos factos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 9;
- se há algum vício do artigo 410º/2 do CPP;
- se a pena é adequada e não é de a atentar especialmente.

            2. DO ACÓRDÃO RECORRIDO
            2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, com interesse para a decisão deste recurso (transcrição):
«Da Acusação Pública, integrada pela alteração não substancial oportunamente comunicada ao arguido A...:

Em data concretamente não apurada, mas entre o dia 19 de Dezembro, após as 18 horas, e o dia 22, antes das 7 horas, do mesmo mês, de 2008, o arguido A... dirigiu-se às instalações do armazém pertença da firma «X..., SA.», sitas no local denominado Retorta, em ....

Uma vez aí, o arguido A..., usando cópia das chaves da porta de entrada do escritório e da sala anexa da «X..., S.A.», entrou nessas instalações e retirou do interior de um cofre existente no mencionado escritório, que se encontrava fechado e de que o arguido conhecia o código por ali ter trabalhado, um computador portátil de marca FUJITSU e pelo menos € 70 em dinheiro.
Nas mesmas circunstâncias de tempo, o arguido retirou outro computador portátil, de marca Toshiba, bem como um telemóvel marca Nokia, dois carregadores de telemóvel marca Nokia, um manual de instruções de telemóvel e um molhe de chaves, tudo localizado na mencionada sala anexa ao escritório, que também se encontrava fechada.
Os objectos retirados nas ditas circunstâncias ascendiam ao valor global não inferior a € 918,00.

Em data concretamente não apurada, mas anterior a 25 de Dezembro de 2008, pelas 12 horas, o arguido dirigiu-se à residência sita na Rua  … pertença de E....

Uma vez aí, por forma concretamente não apurada, contra a vontade e sem a autorização das pessoas aí residentes, designadamente da referida E..., logrou entrar em tal residência e daí levar em seu poder, pelo menos, um rato para computador, da marca «FCC E», de cor cinza e preto, um carregador de telemóvel marca «LG», um teclado de computador, marca «FCC Notice», de cor cinza e preto, um prato de cristal acondicionado numa caixa com a designação «F& D, Light, quality cristal glass», com o valor comercial de €10, 00, um fio de ouro, com malha corrente, com cerca de 50 cms., com uma medalha oval em ouro, com o signo touro, no valor de €300, 00, e um brinco em ouro, «bola de Viana», no valor de €80, 00.
O arguido, nas mesmas circunstâncias de modo, apropriou-se das chaves do veículo Audi matrícula  … e, na posse destas, também do referido veículo, tudo pertença da dita E... ..

Em ambas as ocasiões e circunstâncias descritas, o arguido apropriou-se dos bens referidos, integrando-os no seu património, sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade dos respectivos proprietários.

Alguns dos referidos objectos foram encontrados na posse do arguido por elementos da GNR, no interior do mencionado veículo, e entregues aos seus proprietários.

O arguido A..., entre Dezembro de 2008 e 15 de Janeiro de 2009, fez a entrega à arguida B... de uma pulseira em ouro em troca de €20, 00.
[2]
Actuou o arguido A...de modo livre e voluntário, tendo perfeito conhecimento que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
*
Outros Factos:
São conhecidos ao arguido A...os seguintes antecedentes criminais:
  • por factos integrantes do crime de furto qualificado, praticados a 23.12.1996, por sentença de 09.12.1997, transitada em julgado, foi condenada na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos;
  • por factos integrantes do crime de furto qualificado, praticados em 1997, por sentença de 18.11.1999, transitada em julgado, foi condenada na pena de 6 meses de prisão, substituída por igual período de multa, à taxa diária de 800$00;
  • por factos integrantes do crime de furto qualificado, praticados a 16.06.1998, por sentença de 16.05.2000, transitada em julgado, foi condenada na pena de 7 meses de prisão, declarada perdoada nos termos do art. 1º, n.º 1, do D.L. n.º 29/99, de 12.05, sob a condição do art. 4º, do mesmo diploma;
  • por factos integrantes do crime de furto simples, praticados a 18.05.1997, por sentença de 29.05.2000, transitada em julgado a 14.06.2000, foi condenada na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, e na pena única de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos e 180 dias de multa, à taxa diária de 800$00, esta já extinta pelo pagamento;
  • por factos integrantes do crime de furto qualificado, praticados a 23.10.1998, por sentença de 03.10.2000, transitada em julgado a 18.10.2000, foi condenada na pena de 2 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos;
  • por factos integrantes do crime de furto qualificado, praticados a 23.12.1996, por sentença de 09.12.1997, transitada em julgado, foi condenada na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos;
  • por factos integrantes do crime de furto qualificado, praticados a 23.12.1997, por sentença de 03.10.2000, transitada em julgado a 20.11.2000, foi condenado na pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, e 180 dias de multa, à taxa diária de 800$00;
  • por factos integrantes de 3 crimes de furto qualificado e 1 crime de falsificação de documento, praticados a 30.06.1998, por sentença de 12.12.2000, transitada em julgado a 20.04.2001, foi condenado na pena única de 2 anos e 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos;
  • no âmbito do cúmulo jurídico das penas aplicadas nos processos antecedentes, foi condenado na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos e 6 meses;
  • por factos integrantes do crime de furto qualificado, praticados a 23.10.1998, por sentença de 02.10.2001, transitada em julgado a 17.10.2001, foi condenada na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos;
  • por factos integrantes dos crimes de abuso de cartão de garantia ou de crédito na forma tentada e de falsificação de boletins, actas ou documentos, praticados a 28.08.2007, por sentença de 08.10.2009, transitada em julgado a 28.10.2009, foi condenado na pena de 8 meses de prisão, substituída por 240 horas de trabalho;
  • por factos integrantes de 4 crimes de furto qualificado, praticados a 07.12.2009, 1 crime de evasão, praticados a 11.02.2010, e 2 crimes de furto na forma tentada, praticados a 09.12.2009, por acórdão de 15.09.2010, transitada em julgado a 21.10.2010, foi condenado na pena de 2 anos e 10 meses de prisão;
  • por factos integrantes de dois crimes de acesso ilegítimo, praticados em 2006, por sentença de 19.10.2010, transitada em julgado a 24.11.2010, foi condenado na pena de 2 anos e 4 meses de prisão;
  • por factos integrantes de um crime de falsidade de declaração, praticados a 29.09.2009, por sentença de 21.01.2011, transitada em julgado a 21.02.2011, foi condenado na pena de 6 meses de prisão;
  • por factos integrantes de um crime de furto qualificado, praticados a 02.05.2010, por sentença de 23.03.2011, transitada em julgado a 09.05.2011, foi condenado na pena de 1 ano e 4 meses de prisão.
Este arguido, com 15/16 anos de idade, tendo perfeito o 9º ano de escolaridade, abandonou os estudos regulares.
A partir daí, começou a consumir heroína e fê-lo regularmente.
Durante os três anos seguintes, devotou-se exclusivamente ao ócio e ao consumo desse produto estupefaciente, sendo sustentado pelos seus pais.
Com 19 anos de idade, deu entrada numa clínica de reabilitação em Leiria, da problemática da toxicodependência, a cargo dos pais do arguido.
Permaneceu 1 ano e meio nesta clínica.
No âmbito do programa de tratamento à dita problemática, através do CAT de ..., o arguido foi inserido numa empresa de ..., onde ganhou experiência como técnico de informática.
Permaneceu nesta última empresa durante 2 anos e meio, de onde saiu por haver cessado o contrato de trabalho, quando tinha 23 anos de idade (2002).
Então, o arguido deslocou-se, à experiência, para os Açores, tendo ficado a residir em casa de uma tia, em ....
O arguido, então, logrou obter emprego, como técnico de informática, ao serviço do «Millenium BCP» e «Montepio Geral», permanecendo na referida cidade até 2007.
Nesse interregno temporal, residiu com uma pessoa do sexo feminino, em casa a cuja aquisição se comprometeram, mediante crédito bancário.
Por razões que o arguido não logrou explicar, em 2007, voltou aos consumos de heroína, tendo praticado, por causa disso, factos criminais, em virtude do que terminou a relação marital e foi convidado a desligar-se dos contratos de trabalho que mantinha com mas referidas instituições financeiras.
Por causa desse retrocesso, a relação marital com a dita pessoa do sexo feminino cessou.
Os pais do arguido foram-no, então, buscar a ... e fizeram-no dar entrada numa clínica de reabilitação em Ovar, onde permaneceu 4 a 5 dias.
Abandonou a clínica e regressou aí passado um mês, permanecendo um mês e meio/dois meses, ainda em 2007.
Ainda em finais de 2007/inícios de 2008, por vontade e a cargo dos pais, deu entrada noutra clínica de Sintra, por ter recaída numa overdose em .... Em inícios de 2008, foi expulso desta última clínica.
Conseguiu ser integrado, na «X...» em 2008, para exercer funções como técnico de instalações de IPTV. Por ter continuado a consumir heroína, interrompeu, sem explicação, por mais que uma vez, a prestação laboral, sendo aceite o seu regresso, apenas cessando a relação laboral em Janeiro de 2009, por abandono do lugar.
Nessa altura, os pais do arguido, desanimados com o seu comportamento, limitavam-se a proporcionar-lhe tecto, mas o arguido continuava os consumos, cometendo vários factos de natureza criminal para lograr obter meios de aquisição do produto estupefaciente, inclusive tendo como visados os seus próprios pais.
Entretanto, conseguiu auferir meios monetários através de apostas via internet, logrando pagar viagem para os Açores, para onde se deslocou em finais de 2008/inícios de 2009.
Já sendo conhecido pela prática de crimes de furto, o arguido não logrou obter emprego em ..., mas continuou a consumir heroína, com a regularidade com que o vinha fazendo, pelo que praticou vários factos criminosos, tendo chegado a residir na rua e a passar fome.
O arguido foi preso preventivamente e condenado em pena de prisão, que cumpriu até Abril de 2011, no EP de ....
A partir de Maio de 2010, o arguido fez exames de acesso à Universidade, tendo logrado passar a cursar psicologia, na Universidade de ....
Por razões de proximidade parental, pediu a transferência para o EP de ..., que se efectivou em Abril de 2011. Está pedida a transferência da matrícula do arguido para a Universidade da Beira Interior.
Encontra-se abstinente do consumo de drogas desde Maio de 2010.
Os pais do arguido manifestam-se mais descansados pelo facto de o arguido se encontrar preso e estão disponíveis para o ajudar no que ele precisar.
*
Não são conhecidos à arguida B...antecedentes criminais.
A arguida estudou até ao 9º ano de escolaridade, tendo concluído este último ano lectivo há 3 anos, através de frequência do Instituto de Emprego e Formação Profissional.
Frequentou o sistema de ensino até aos 15 anos de idade, tendo concluído o 8º ano de escolaridade, altura em que passou a trabalhar por conta de outrem na indústria da confecção e na hotelaria.
Possui um filho maior de idade, nascido em 1992 e com quem se relacionou de perto até 2002.
Entretanto, era consumidora de qualquer produto estupefaciente, sem conseguir estar abstinente. Para o efeito, substituía droga por medicação.
Há cerca de 4/5 anos, frequentou instituição de reabilitação em Belmonte, não tendo o tratamento resultado.
Há cerca de 3 anos, esteve internada durante 1 ano e meio numa comunidade terapêutica no Restelo.
Desde que saiu, não voltou a consumir.
O pai do filho ficou a guarda deste último porque a arguida se encontrava em tratamento».

2.2. São estes os factos não provados:
«Da acusação Pública:

O consignado em 1º, da matéria assente ao nível da acusação pública, teve lugar precisamente no dia 22 de Dezembro de 2008.

Nas circunstâncias referidas em 2º, da matéria assente ao nível da acusação pública, o arguido A...forçou a porta de entrada do escritório.

O consignado em 3º, da matéria assente ao nível da acusação pública, teve lugar no período compreendido entre as 10H00 do dia 19 de Dezembro de 2008 e as 16H00 do dia 4 de Janeiro de 2009.

Encontrando-se o arguido na residência de E... ., forçou a fechadura da respectiva porta de entrada, assim logrando aceder ao seu interior.
Da referida residência, o arguido logrou levar em seu poder, sabendo que não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade da sua proprietária:
  • uma pulseira em ouro de malha corrente intercalada com bolas pretas de ónix, no valor de €150, 00;
  • uma pulseira em ouro, com cerca de 70/80gr., de malha grossa, com uma
  • pedra semi-preciosa azul no fecho;
  • uma pulseira em bolas de ouro, com cerca de 20/30 gr;
  • um fio em ouro, de malha roliça, com cerca de 40/50 cm e 70/80gr.;
  • uma pulseira em ouro de malha corrente intercalada com corações pretos de ónix;
  • um fio em ouro de malha corrente intercalada com bolas pretas de ónix;
  • um cordão de ouro, com 210cm, com 50gr.;
  • um anel em ouro branco, com brilhantes semipreciosos;
  • uma medalha rectangular em ouro, com um Anjo da Guarda;
  • um anel em ouro, com três filas de pedras, sendo a interior em rubis e as
  • exteriores em brilhantes semipreciosos;
  • um anel em ouro, formato "COBRA", em que os olhos são dois rubis;
  • um anel em ouro branco c amarelo, largo e com uma pedra grande de água marinha;
  • um par de brincos (com três fios pendentes) em ouro;
  • um relógio de homem, da marca "PHILIPPE MARCEAU”;
  • um relógio de senhora, de marca “OMEGA”;
  • um relógio de homem, de marca "YEAMA”, com mais de 35 anos,
  • tudo no valor global – sem prejuízo do assente - não inferior a €7620, 00.

Nas circunstâncias referidas em 6º, da matéria assente ao nível da acusação pública, o arguido A...foi interceptado na condução do veículo aí identificado.

A pulseira entregue pelo arguido A..., nas circunstâncias consignadas em 7º, da matéria assente ao nível da acusação pública, tinha sido uma das retiradas a E... ., nos moldes assentes.

A arguida B...tinha perfeito conhecimento que o referido objecto era produto de furto e, não obstante, quis ficar com o mesmo na sua posse com vista a obter um benefício económico indevido no respectivo património.

Consequentemente, actuaram os arguidos de modo livre e voluntário, tendo perfeito conhecimento que a suas condutas eram proibidas e punidas por lei, relativamente à matéria não provada».

2.3. Para formar a sua convicção, argumentou assim o tribunal «a quo»:
«Os arguidos remeteram-se ao silêncio.
A testemunha G..., fiel de armazém da «X..., S.A.», desde data anterior a 2008 até Setembro de 2009, confirmou que o arguido aí trabalhou, durante parte do ano de 2008, sem primar pela assiduidade, a pontos de ter interrompido a prestação laboral por mais que uma vez, pelo que tem a impressão de que, em Dezembro de 2008, o mesmo já aí não trabalhava.
No dia 22 de Dezembro de 2008, pelas 7 horas, a testemunha foi das primeiras pessoas a dar conta de a fechadura da porta que dava para o escritório se encontrar forçada, tendo sido substituída.
O arguido, com conhecimento desta testemunha, dirigiu-se ao dito armazém por diversas vezes, e, na companhia de C..., foi até ao escritório, designadamente, para receber dinheiro de empréstimo.
Confirmou igualmente a recuperação dos bens identificados na matéria assente, bem como a subtracção dos demais também aí identificados, na mesma ocasião, apenas não estando ao corrente da quantia exacta em dinheiro existente no cofre.
A testemunha H..., administrativo ao serviço da «X...», desde Novembro de 2008 a Dezembro de 2010, começou por dar conta que não conheceu o arguido.
Confirmou os bens subtraídos, inclusive a quantia, no seu mínimo, apreendida.
Referiu que a única pessoa que tinha acesso ao cofre, além de si, era C..., que exercia as funções de encarregado geral (cfr. fls. 69), constando que o mesmo digitava o código de abertura do cofre, sem o cuidado de manter as pessoas afastadas do local, como, aliás, a anterior testemunha confirmou.
A testemunha E..., mãe do arguido, recusou-se a responder, no exercício do direito legal que lhe assistia.
A testemunha I..., militar da GNR, no posto de ..., confirmou o aditamento de fls. 5, esclarecendo que, no dia 25 de Dezembro de 2008, à hora aí consignada, se encontrava de patrulha e deparou com a viatura identificada imobilizada, por despiste, e, nas proximidades, o arguido, já conhecido por essa força policial pela prática de factos ilícitos contra o património.
Considerando que o arguido – apesar de afirmar a sua titularidade sobre os bens encontrados no interior da viatura e apreendidos, conforme fls. 15 – não justificar a sua posse, foi o mesmo conduzido para o posto, tanto mais que o mesmo se encontrava na posse de sacos de viagem e bilhete de avião para os Açores; tal como, aliás, o arguido confirmou - ter regressado aos Açores em Janeiro de 2009.
Esta testemunha não chegou a falar com E... ..
Certificou-se a mesma testemunha da identidade de parte dos bens na posse do arguido A...e parte dos subtraídos a «X..., S.A.» (cfr. fls. 39).
A testemunha J..., empresária do ramo de ourivesaria em ..., reconheceu os arguidos por se terem deslocado, em altura determinada, separadamente, ao seu estabelecimento, nesta cidade, vendendo peças em ouro.
Já não recorda, precisamente, de que material se tratava, mas confirmou os registos de que se encontram cópias a fls. 82 e 142-147.
A testemunha C..., encarregado geral da «X...», no distrito de ..., desde há 28 anos, confirmou tudo o dado por assente, nos pontos 1º e 2º, da matéria provada, embora tecendo elogios às qualidades de trabalho do arguido e enaltecendo as suas proveniências familiares, a pontos de se com siderar um segundo pai para ele.
De forma peremptória, esta testemunha afirmou que, por diversas vezes, durante o ano de 2008, o arguido lhe pediu dinheiro emprestado, independentemente de ter ou não créditos sobre a entidade patronal, ao que a testemunha acedia, considerando que o mesmo acabava por lhe pagar e vinha de «boas famílias» (sic).
A última ocasião desse género foi em 19 de Dezembro de 2008, por volta das 18 horas, numa altura em que o arguido, depois de período de ausência, regressava de um dia de trabalho ao serviço da «X..., S.A.». Então, de forma despreocupada, na presença do arguido, dirigiu-se ao escritório e digitou o código do cofre. O arguido, aliás, apenas em Janeiro de 2009, foi despedido por abandono do lugar.
Na segunda feira seguinte (22 de Dezembro), pelas 7 horas, deu por falta do dinheiro no cofre – cerca de €120/130, 00 - e, mais tarde, à medida que lhe ia sendo acusada a falta e solicitado o material, dos restantes bens subtraídos.
Deu-se por provado que o arguido conhecia o código do cofre por ter trabalhado ao serviço da «X...», porque a testemunha em análise apenas permitiu que o arguido entrasse no escritório e assistisse à abertura do código, por o conhecer da relação laboral que aquele mantinha com a sua entidade patronal.
Mais garantiu a testemunha C...que a fechadura da porta do escritório já havia sido forçada em anterior ocasião, pelo que o modo de entrada no escritório e demais instalações do estaleiro só poderia ter sido com uso de cópia das chaves respectivas. Essa sua suspeita confirmou-se quando a GNR de ... lhe entregou as chaves encontradas na posse do arguido e as experimentou nas fechaduras correspondentes.
Mais reconheceu os bens subtraídos e recuperados.
Deu ainda conta que a própria mãe do arguido, dias mais tarde, comentou consigo que o filho lhe havia entrado em casa, sem a sua autorização, e subtraído vários adornos em ouro e, além do mais, as chaves do carro e, na posse daquelas, este.
A testemunha D..., comandante do posto da GNR de ..., confirmou fls. 8 e 15, tendo sido quem procedeu à apreensão dos bens aí descriminados, apurando-se que os primeiros pertenciam à ofendida «X...» e parte dos demais a E... ., razão pela qual esta última reclamou a respectiva entrega, após notificação, conforme fls. 18 e lhe foram entregues (cfr. fls. 216).
Além disso, foi esta testemunha quem telefonou à mãe do arguido, confrontando-a com o facto de este último se encontrar na condução do veículo, ao que a mesma comentara consigo que o arguido apenas poderia ter tido acesso às chaves da viatura entrando na sua residência contra a sua vontade e sem a sua autorização e do seu marido, pelo que iria de imediato apresentar queixa no posto da GNR de Ribeira Brava, como, de facto, procedeu.
Mais informou que a residência do filho, em ..., não era a de seus pais, como aliás, o mesmo reconheceu, ao permitir a busca nessa outra residência.
A testemunha I..., agente da PSP, em ..., foi quem ouviu em declarações a arguida, depois de ter achado estranho - porque conhecia, no exercício das suas funções, a situação de toxicodependência desta arguida e a ausência de fontes de rendimento que lhe permitissem proceder a este tipo de negócios – que a mesma vendesse peças em ouro.
Porém, antes de lhe ter tomado as declarações, dirigiu-se a ..., à residência da arguida, altura em que a mesma comentou consigo o assente em 7º, da matéria da acusação pública, mas não soube explicar qual a proveniência da pulseira e fornecer melhor descrição da mesma.
Por outro lado, perante a diversidade de pulseiras de fls. 31 e a descrição genérica de fls. 82, não se consegue retirar qual seja a pulseira aí identificada, rectius, se a mesma corresponde a alguma das constantes da lista apresentada em tribunal pela queixosa E... ., a fls. 31, sendo que, na acusação, a referência, por confronto com esta última folha, também é demasiado vaga.
Valorámos ainda a avaliação de fls. 28, os termos de entrega de fls. 6, 8 e 216, fls. 50, 54, 67 a 70 e 132.
De salientar, igualmente, que foi o arguido A...a reconhecer que permaneceu em Portugal Continental até inícios de Janeiro de 2009 e durante o ano de 2008, período durante o qual se encontrava a consumir produtos estupefacientes, maxime heroína, de forma intensiva, fazendo muitas «asneiras» (sic) para os conseguir.
*
Perspectivemos a situação de um ponto de vista normativo.
Tendo como matriz o art. 125º, do C.P.Penal, a convicção do tribunal tanto pode assentar em prova directa do facto como em prova indiciária da qual se infere o facto probando, sendo legítimo o recurso a presunções simples ou naturais, uma vez que são admissíveis em processo penal as provas que não forem proibidas por lei.
Por outro lado, o art. 349.º, do C.Civil, prescreve que as presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido, sendo as presunções judiciais admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art. 351.º, deste último diploma).
As presunções simples ou naturais (as aqui em causa) são simples meios de convicção, pois que se encontram na base de qualquer juízo.
O sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto conhecido para um facto desconhecido; toda a prova indirecta se faz valer através desta espécie de presunções, ou seja, «as presunções simples ou naturais são, assim, meios lógicos de apreciação das provas; são meios de convicção. Cedem perante a simples dúvida sobre a sua exactidão no caso concreto.
No caso concreto, o que importaria saber era se do facto de parte dos objectos furtados, relativamente quer à «X...», quer a E... ., ter sido encontrada na posse assumida do arguido, e do facto de parte dos objectos em ouro descriminados a fls. 50 – além dos demais que lhe foram entregues conforme fls. 216 - pelo próprio punho da ofendida, coincidirem com os que, na mesma altura em que o mesmo reconhecera estar em Portugal Continental, foram vendidos a ourivesaria (cfr. fls. 143), se pode inferir, com suficiente segurança, pelas regras da lógica e da experiência comum, ter sido o arguido o autor dos furtos.
São vários os acórdãos de onde se retira que se trata de indício do cometimento do crime por parte do arguido, mas não um indício necessário, por entenderem que, para a detenção das coisas subtraídas [e das outras que detinha também indiciariamente provenientes de factos ilícitos típicos contra o património] podem configurar-se, na consideração do tempo que decorreu entre a prática do crime e o momento em que o arguido foi encontrado com as coisas, outras hipóteses plausíveis. E acrescentam que, se não se apresentam dúvidas razoáveis sobre a ilicitude da detenção das coisas, já sobre as causas dessa detenção se apresentam outras hipóteses que não exclusivamente a subtracção realizada pelo próprio arguido, apresentando-se, com igual grau de verosimilhança, a hipótese de o arguido ter sido autor de um crime de receptação, com as várias modalidades de acção que preenchem este tipo de ilícito.
Ora, é precisamente aqui que o caso concreto cremos marcar a diferença.
Com efeito, provado está que o arguido A...era consumidor intensivo, sobretudo, de heroína, e não tinha, assumidamente, meios suficientes de subsistência, o que, conjugado com o facto de, na sua esfera de disponibilidade (veículo por si conduzido, apropriado à mãe, á revelia desta) se encontrarem bens provenientes de outros furtos, objecto do presente processo, complementa, com o carácter de necessidade, a força indiciatória dos demais indícios já salientados.
Na verdade, a presença dos ditos objectos e a venda de outros cuja comercialização o sistema legal permite seja feita de forma célere e sem porquês, em conjugação com as demais circunstâncias destacadas, não pode ser senão devido à causa furto, cuja autoria apenas aponta para o arguido A....
Por outro lado, relativamente ao contributo probatório que o militar da GNR D..., ou até o próprio C…, recolheu no contacto informal que manteve com E... ., a tendência jurisprudencial mais recente encaminha-se no sentido do respectivo aproveitamento.
Vem sendo considerado que afirmado por qualquer pessoa perante uma testemunha do processo, relacionado com a investigação, com os meios de prova obtidos e com as diligências efectuadas, desde que a testemunha não refira, como prevê a lei, quaisquer declarações do arguido ou de testemunhas cujas declarações não possam ser lidas em audiência de julgamento, sobretudo aquelas que importem a confissão por parte do arguido dos ilícitos imputados, decorra ou não tal assunção de culpa de declarações formais ou de conversas informais, pode ser valorado processualmente.
O Ac. do STJ, de 23.09.1995 (BMJ, 445, 279) ajuizou no sentido de que as conversas informais no decurso de uma investigação com diversas pessoas, designadamente com o arguido, e as informações daí resultantes, podem ser valoradas e não são uma forma de contornar o disposto no art. 356º, n.º 7 do C.P.P., a menos que se provasse que o agente investigador agiu deliberadamente escolher aquele meio para evitar a proibição da leitura das declarações em audiência.
Por seu lado, o mesmo STJ, no Ac. de 22.04.2004 (recurso n.º 902/04-5, processo 88/00.4GAOLR,do Tribunal de Oleiros), decidiu:
“(…) as circunstâncias descritas permitem o enquadramento legal da actividade investigatória dos órgãos de polícia criminal – no caso, os agentes da GNR - pois o que se mostra ter acontecido - e é o mais natural - é que os agentes em causa não tenham crido logo na primeira declaração confessória do suspeito sema terem testado nomeadamente por confronto com outros meios de prova, maxime a reconstituição dos factos, pois é do conhecimento comum que há “confissões espontâneas” que, sem, mais, desacompanhadas de outros elementos probatórios, não merecem a menor credibilidade, isto é, não são o bastante para fundar suficientemente a suspeita.
Daí que, certamente só depois de realizadas tais diligências lhes tenha surgido “fundadamente” a suspeita da autoria do(s) crime(s), tal como é exigido pelo n.º 1, do artigo 59º, do CPP.
E, a ser assim, só a partir desse momento - isto é, do momento em que a suspeita passou a ser razoavelmente fundada – se impunha, legalmente, a suspensão “imediata” do acto e a constituição formal do recorrente, até então mero suspeito, como arguido, o que foi feito.
Até então, o processo de obtenção das diversas declarações, incluindo as do então suspeito e ora arguido, logrou cobertura legal, nomeadamente, nos artigos 55º, n.º 2, 249º, n.ºs 1 e 2 al. a) e b) do CPP.
Daí que, ao serem inquiridos os referidos agentes sobre o acontecido nessas diligências, nomeadamente no auto de reconstituição, não tenham deposto sobre matérias proibidas, o mesmo sucedendo quando inquiridos sobre as conversas informais mantidas com os intervenientes processuais – arguidos, testemunhas ou declarantes.
Com efeito, pressupostos do direito ao silêncio são a existência de um inquérito e a condição de arguido. A partir da aquisição dessa qualidade, este assume um estatuto próprio, com direitos e deveres e, entre aqueles, o direito de não se auto-incriminar. Daí que as suas declarações só possam ser recolhidas e valoradas nos precisos termos legais, não detendo validade probatória as “conversas informais”.
Diversamente, em fase anterior, não há ainda inquérito instaurado, não existem ainda arguidos constituídos. As informações que forem então recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo.
As considerações que antecedem valem, portanto, no caso concreto, para a prova da autoria do arguido relativamente aos factos que tiveram por ofendidas «X...» e E... ., esta última unicamente na parte assente.
Exclui-se, relativamente a esta última ofendida, o modo de entrada na residência de E... ., por tanto apenas ter sido revelado em sede de declarações formais prestadas perante o OPC.
De igual modo, quanto à arguida, também a factualidade da acusação se não logrou provar, de forma quer directa, quer indirecta, pois que a proveniência da pulseira e sua descrição apenas decorre das declarações por si prestadas em inquérito, perante o OPC, o que, por lei, não poderá – perante o silêncio da arguida em audiência - ser valorado, ainda que não se ignore a proximidade das datas de subtracção, por parte do arguido A...e de venda, quer pelo próprio, quer pela arguida, designadamente, no estabelecimento gerido pela testemunha …. Porém, como este arguido reconheceu, nessa altura, encontrava-se em desvario consumista, pelo que a proveniência poderia ser diversa.
A não se decidir, em termos de facto, desta forma, violar-se-ia o princípio in dúbio pro reo, consubstanciado nestes termos: «O Tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e, apesar disso, escolheu a tese desfavorável ao arguido».
Como se refere no Ac. RPt. de 28-01-20096, certo é que a convicção do tribunal tanto pode assentar em prova directa do facto como em prova indiciária da qual se infere o facto a provar.
É legítimo o recurso a presunções simples ou naturais, uma vez que são admissíveis em processo penal as provas que não forem proibidas por lei (artigo 125.º do Código de Processo Penal) e o artigo 349.º do Código Civil prescreve que as presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido, sendo as presunções judiciais admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (artigo 351.º do Código Civil).
Depois, as presunções simples ou naturais (as aqui em causa) são simples meios de convicção, pois que se encontram na base de qualquer juízo.
O sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto conhecido para um facto desconhecido; toda a prova indirecta se faz valer através desta espécie de presunções.
“As presunções simples ou naturais são, assim, meios lógicos de apreciação das provas; são meios de convicção. Cedem perante a simples dúvida sobre a sua exactidão no caso concreto”.
A prova indiciária é uma prova indirecta, de suma importância no processo penal, pois são mais frequentes os casos em que a prova é essencialmente indirecta do que aqueles em que se mostra possível uma prova directa.
Da prova indiciária induz-se, por meio de raciocínio alicerçado em regras de experiência comum ou da ciência ou da técnica, o facto probando. A prova deste reside fundamentalmente na inferência do facto conhecido – indício ou facto indiciante – para o facto desconhecido a provar, ou tema último da prova. É do facto indiciante que se infere um facto conclusivo quanto ao facto probando, juridicamente relevante no processo.
Não se pode ignorar, porém, que o recurso a este tipo de prova consente erros, na medida em que a convicção terá que se obter através de conclusões baseadas em raciocínios e não directamente verificadas e, por outro lado, um indício revela, com tanto mais segurança o facto probando, quanto menos consinta a ilação de factos diferentes. Ou seja, quando um facto não possa ser atribuído senão a uma causa – facto indiciante –, o indício diz-se necessário e o seu valor probatório aproxima-se do da prova directa. Quando o facto pode ser atribuído a várias causas, a prova de um facto que constitui uma destas causas prováveis é também somente um indício provável ou possível. Para dar consistência à prova será necessário afastar toda a espécie de condicionamento possível do facto probando menos uma. A prova só se obterá, assim, excluindo hipóteses eventuais divergentes, conciliáveis com a existência do facto indiciante.
Ora, o princípio in dubio pro reo, enquanto expressão, ao nível da apreciação da prova do princípio político-jurídico da presunção de inocência, traduz-se, precisamente, na imposição de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido – a dúvida resolve-se a favor do arguido.
Tal princípio, como regra de decisão da prova, é solução que resulta de um conjunto de factores em verificação cumulativa:
  • Necessidade de pôr fim ao processo, com decisão definitiva que não represente, do ponto de vista da paz jurídica do arguido, uma demora intolerável;
  • A inadmissibilidade da pena de suspeição;
  • A opção pelo modus probandi de livre apreciação da prova ou livre convicção do tribunal, necessariamente objectivável e motivável.
  • A possibilidade do surgimento de dúvidas, resistentes à prova e impeditivas da tal convicção, na verificação dos enunciados factuais abrangidos pelo objecto do processo;
  • A consciência da diferença entre o processo criminal e a lide
  • civilística, que impede a transferência para o primeiro da solução do ónus de prova, típica de um processo de partes;
  • A convicção de que o Estado não deve exercer o seu ius puniendi quando não obtiver a certeza de o fazer legitimamente.
Daí que, o princípio in dubio pro reo, deve ser perspectivado e entendido, como remate da prova irredutivelmente dúbia, destinado a salvaguardar a legitimidade da intervenção criminal do poder público. O Estado não deve exercer o seu ius puniendi quando não obtiver a certeza de o fazer legitimamente.
Partindo de tais considerações, entendendo-se não ter sido produzida prova indiciária (sendo certo que a prova directa se encontra totalmente arredada) necessária ou suficientemente consistente, coerente e sólida de forma a poder o Tribunal, com recurso às ditas presunções naturais, concluir pela culpabilidade do arguido, arredando as dúvidas existente sobre a mesma, pairando uma séria incerteza quanto à sua participação/autoria dos factos.
Tal estado de incerteza terá de ser valorado a favor do arguido, com aplicação do princípio in dúbio pro reo.
De qualquer modo, as peças de ouro, cuja subtracção, por si, se deu por assente, resultam da comparação entre fls. 31 e 143, nelas se descortinando traços distintivos coincidentes nas duas descrições.
De igual forma, relativamente à voluntariedade da conduta do arguido A..., dada por provada, bem como à sua consciência da ilicitude, apenas se poderiam considerar assentes, pois nenhum indício se vislumbra de que o mesmo haja sido coagido a actuar da forma como o fez, nem – face às condenações da mesma natureza - se afigura verosímil sustentar que desconhecesse ilicitude criminal dos seus actos.
O demais dado por provado, relativamente à situação criminal dos arguidos e à sua história pessoal, louvou-se nos certificados de registo criminal e nas declarações dos próprios.
O não provado ainda não mencionado, não foi objecto de demonstração».



                       
                                                ********************************

            3. APRECIAÇÃO DO RECURSO
           
3.1. Vem o arguido A...recorrer de FACTO e de Direito.

3.2. IMPUGNAÇÃO DE FACTO

3.2.1. Diverge o recorrente da prova dos factos 1 a 7 e 9.
E fá-lo invocando erros de julgamento e não propriamente qualquer vício do artigo 410º/2 do CPP (apesar de lhe chamar erroneamente «erro notório na apreciação da prova» e «insuficiência da matéria de facto provada»).
É sabido que o Tribunal da Relação deve conhecer do RECURSO DE FACTO pela seguinte ordem:
· primeiro da impugnação alargada, se tiver sido suscitada;
· e, depois e se for o caso, dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do C.P.Penal (a chamada impugnação restrita ou revista alargada da matéria de facto).
Não há que confundir estas duas formas de impugnação da matéria factual – por um lado, a invocação dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, alíneas a). b) e c), e por outro, os requisitos da impugnação – mais ampla - da matéria de facto a que se refere o artigo 412º, n.º 3, alíneas a), b) e c), todos do CPP.

3.2.2. O erro de julgamento – ínsito no artigo 412º/3 - ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Aqui, nesta situação de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância.
Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do CPP.
Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
Como bem acentua Jorge Gonçalves nos seus acórdãos desta Relação, «o recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, cfr. os Acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, a consultar em www. dgsi.pt)».
E é exactamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, é que se impõe a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, já aqui aludida, prevista no artigo 412.º, n.º 3, do CPP.
A dita especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, só se satisfazendo tal especificação com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Conforme jurisprudência constante, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, com base na audição de gravações, antes constituindo um remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O recurso que impugne a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados[3].
            A delimitação dos pontos de facto constitui um elemento determinante na definição do objecto do recurso relativo à matéria de facto. Ao tribunal de recurso incumbe confrontar o juízo sobre os factos que foi realizado pelo tribunal a quo com a sua própria convicção determinada pela valoração autónoma das provas que o recorrente identifique nas conclusões da motivação.
Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, os Acordãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, a consultar em www. dgsi.pt).
Nos termos do artº 428º do CPP, as relações conhecem de facto e de direito, podendo modificar a decisão de facto quando a decisão tiver sido impugnada nos termos do artº 412º, nº 3 do mesmo diploma – tal não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, como se a decisão da 1ª instância não existisse, mas apenas um remédio jurídico votado a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, expressamente indicados pelo recorrente.
Já o deixámos escrito - o recurso, no que tange ao conhecimento da questão de facto, não é um segundo julgamento, em que a Relação, agora com base na audição de gravações, e anteriormente com base na leitura de transcrições, reaprecie a totalidade da prova.
E se é certo que perante um recurso sobre a matéria de facto, a Relação não se pode eximir ao encargo de proceder a uma ponderação específica e autonomamente formulada dos meios de prova indicados, não é menos verdade que deverá fazê-lo com plena consciência dos limites ditados pela natureza do recurso como remédio e pelo facto de se tratar de uma apreciação de segunda linha, a que faltam as importantes notas da imediação e da oralidade de que beneficiou o tribunal a quo.

3.2.3. A este propósito, sempre se dirá que as conclusões do recurso do arguido não primam pela perfeição processual no que tange à elaboração das CONCLUSÕES.
Incidindo este recurso sobre matéria de facto, nos termos do artigo 412º, n.º 3 do CPP, incumbe ao recorrente o ónus de especificar
a)- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c)- as provas que devam ser renovadas.
Acentua depois o n.º 4 desse normativo que “quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 3 fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do artigo 364º, n.º 2, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
Sobre este último requisito importa ainda referir que ao recorrente é exigível que quando efectue a indicação concreta da sua divergência probatória, fazendo-o para os suportes onde se encontra gravada a prova, faça a remissão para os concretos locais da gravação que suportam a tese do recorrente (neste sentido, de forma claríssima cf. o Ac desta Relação de 24.02.2010, e Relação do Porto de 14.02.2000 in www. dgsi.pt). É essa imposição que decorre do artigo 412º, nº 4 do Código de Processo Penal refere que “as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º”.
 O artigo 417º, n.º 3 do CPP (na versão revista de 2007, levada a cabo pela Lei n.º 48/2007 de 29/8) permite o convite ao aperfeiçoamento da respectiva peça processual se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 desse mesmo normativo.
Temos entendido o seguinte: se analisada a peça do recurso constatarmos que a indicação das especificações legais constam do corpo da motivação de forma assaz suficiente para se compreender o móbil do recorrente, não deveremos, assim, ser demasiado formalistas ao ponto de atrasar a tramitação de um processo quando existem conclusões e se consegue das mesmas deduzir, mesmo que parcialmente, note-se, as indicações previstas no n.º 2 e no n.º 3 do citado artigo 412º.
Convém lembrar que as “conclusões aperfeiçoadas” têm de se manter no âmbito da motivação apresentada, não se tratando de uma reformulação do recurso ou da apresentação de um novo recurso - por outras palavras: o convite ao aperfeiçoamento, estabelecido nos n.º 3 e 4 do artigo 417.º, do C.P.P., pode ter lugar quando a motivação não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos nºs. 2 a 5 do artº 412º do mesmo código, mas sempre sem modificar o âmbito do recurso.
Pelo que se o corpo da motivação não contém as especificações exigidas por lei, já não estaremos perante uma situação de insuficiência das conclusões, mas sim de insuficiência do recurso, insusceptível de aperfeiçoamento.
Ora, no nosso caso, apenas na motivação faz o recorrente uso do ónus de impugnação especificada, não o fazendo nas conclusões.
Ao estabelecer que o recorrente tem que indicar as provas que impõem uma diversa apreciação da matéria de facto o legislador quer sublinhar que «o recurso não é um novo julgamento, [mas] sim um mero instrumento processual de correcção de concretos vícios praticados e que resultem de forma clara e evidente da prova indicada. É que houve um julgamento em 1ª instância. E do que aqui se trata é de remediar o que de errado ocorreu em 1ª instância. O recurso como remédio jurídico (conforme se refere no Ac. RC de 3.2.2010, relator Gomes de Sousa).
No nosso caso, não nos ancoraremos em argumentos formais e ouviremos a prova gravada, SEM QUALQUER CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO DAS CONCLUSÕES.
E tal faremos até ancorados em recente e sábia decisão do STJ, datada de 1/7/2010 (Pº 241/08.2GAMTR.P1.S1).
Nesse aresto, assim se escreveu:
«O Tribunal da Relação, perante as falhas que apontou ao recurso quanto à impugnação da matéria de facto por confronto com as provas produzidas na audiência e documentadas em acta, falhas essas que revelariam um alegado mau cumprimento do disposto nos n.°s 3 e 4 do art.° 412.° do CPP, deveria ter mandado aperfeiçoar as conclusões do recurso antes de se pronunciar, corno tem sido jurisprudência constante deste STJ e do Tribunal Constitucional, para permitir um segundo grau de recurso em matéria de facto.
O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a considerar inconstitucional, por violação dos direitos a um processo equitativo e do próprio direito ao recurso, as normas dos n.°s 3 e 4 do art. 412.° do CPP na interpretação segundo a qual o incumprimento dos ónus aí fixados, conduz à rejeição do recurso, sem a possibilidade de aperfeiçoamento (cfr. Acs de 26-9-01, proc. n.° 2263/01, de 18-10-01, proc. n.° 2374/01, de 10-4-02, proc. n.° 153/00, de 5-6-02, proc. n.° 1255/02, de 7-10-04, proc. n.° 3286/04-5, de 17-2-05, proc. n.° 4716/04-5, e de 15-12-05, proc. n.° 2951/05-5).
Assim decidiu que “(5) se o recorrente não deu cabal cumprimento às exigências do n.° 3 e especialmente do nº 4 do art. 412º do CPP, a Relação não pode sem mais rejeitar o recurso em matéria de facto, nem deixar de o conhecer, por ter por imodificável a matéria de facto, nos termos do art. 431º do CPP. (6) Este último artigo, como resulta do seu teor, não toma partido sobre o endereçar ou não do convite ao recorrente, em caso de incumprimento pelo recorrente dos ónus estabelecidos nos n. s 3 e 4 do art. 412º, antes vem prescrever, além do mais, que a Relação pode modificar a decisão da 1ª instância em matéria de facto, se, havendo documentação da provei, esta tiver sido impugnada, nos termos  do artigo 412º, n.º 3,  não fazendo apelo, repare-se, ao n.º 4 daquele artigo, o que no caso teria sido infringido. (7)- Saber se a matéria de facto foi devidamente impugnada à luz do n.º  3 do art. 412º é questão que deve ser resolvida à luz deste artigo e dos princípios constitucionais e de processo aplicáveis, e não à luz do art. 431º, al. b), cuja disciplina antes pressupõe que essa questão foi resolvida a montante. (8) Entendendo a Relação que o recorrente não forneceu os elementos legais necessários para reapreciar a decisão de facto nos pontos que questiona, a solução não é “a improcedência”, por imodificabilidade da decisão de facto, mas o convite para a correcção das conclusões. (Acs de 7-11-02, proc. n.º 3158/02-5 e de 15-5-03, proc. n.º 985/03-5)”.
E que, face à declaração com força obrigatória geral da inconstitucionalidade da norma do art. 412.°, n.° 2, do CPP, interpretada no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas ais. a), b) e e) tem corno efeito a rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência (Ac. n.° 320/2002 do T. Constitucional, DR-IA, 07.10.2002), não pode manter-se a decisão da Relação que decidiu não tomar conhecimento dos recursos no que se refere à decisão de facto, por não terem os recorrentes dado cumprimento ao imposto nos n.° 3 e 4 daquele art. 412.°.
Em tal caso a Relação deve tomar posição sobre a suficiência ou insuficiência das conclusões das motivações e ordenar, se for caso disso, a notificação do recorrente para corrigir/completar as conclusões das motivações de recurso, conhecendo, depois, desses recursos. (Acs. de 12-12-2002, proc. n.° 4987/02-5, de 7-10-04, proc. n.° 3286/04-5, de 17- 2-05, proc. n.° 47 16/04-5, e de 15-12-05, proc. n.° 295 1/05-5).
Só não será assim se o recorrente não tiver respeitado, de todo, as especificações a que se reporta a norma legal em causa, pois o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do convite à correcção das conclusões da motivação (cfr. os Acs. do STJ de 11-1-01, proc. n.° 3408/00-5, de 8-1 1-01, proc. n.° 2453/01-5, de 4-12-03, proc. n.° 3253/03-5 e de 15-12-05, proc. n.° 295 1/05-5).
Mas, se o recorrente, como é o caso dos autos, tendo embora indicado os pontos concretos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e as provas que impõem decisão diversa, com a indicação, nomeadamente, das testemunhas cujos depoimentos incidiram sobre tais pontos, que expressamente indicou (v.g., falta de vestígios de sangue na roupa, hora cm que ocorreu o homicídio e permanência do arguido no local de trabalho entre determinadas horas), só lhe faltando indicar “as concretas passagens das gravações em que funda a impugnação que imporia decisão diversa”, não se pode dizer que há uma total falta de especificações, mas, quanto muito, uma incorrecta forma de especificar. Tanto mais que, se o recorrente tem o ónus de indicar as concretas passagens das gravações, o tribunal tem o dever de atender a outras que considere relevantes para a descoberta da verdade (art.° 412.°, n.° 6, do CPP), sob pena do recorrente “escolher” a passagem que mais lhe convém e omitir tudo o mais que não lhe interessa, assim se defraudando a verdade material.
A Relação, ao proceder da forma como transcrevemos, não conheceu da impugnação da matéria de facto, já que a rejeitou por razões meramente formais e não deu oportunidade ao recorrente de corrigir os pequenos desvios em que, alegadamente, incorreu.
Portanto, omitiu pronúncia sobre questão de que deveria conhecer e incorreu na nulidade a que se reportam os art.°s 379.°, n.° 1, al. e) e 425.°, n.° 4, do CPP».

3.2.4. Opinámos acima e repetimo-lo – não se vislumbra no texto da decisão recorrida qualquer vício do artigo 410º/2 do CPP.
De facto, estabelece o art. 410.º, n.º 2 do CPP que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
            Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.
No fundo, por aqui não se pode recorrer à prova documentada.
A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito.
A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes).
Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).
Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74).
Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.
Existe tal erro quando, usando um processo racional ou lógico, se extrai de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.
Tal erro traduz-se basicamente em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando certo facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo (cf. Acórdão do STJ de 9/7/1998, Processo n.º 1509/97).
Ora, analisando a decisão recorrida, não a vemos viciada nestes termos.

3.2.5. O artigo 127.º do C.P.P. consagra o princípio da livre apreciação da prova, o que não significa que a actividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e por algumas restrições legais.
Tal princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional.
Os poderes do tribunal na procura da verdade material estão limitados pelo objecto do processo definido na acusação ou na pronúncia, guiado pelo princípio das garantias de defesa do artigo 32º da CRP.
Sobre o tribunal recai o dever de ordenar a produção da prova necessária à descoberta da verdade material, tanto relativamente aos factos narrados na acusação ou na pronúncia, como aos alegados pela defesa na contestação e aos que surgirem no decurso da audiência de julgamento em benefício do arguido.
Quanto à fundamentação da PROVA, há que atentar em certos princípios:
os dos artigos 124º, 125º e 126º do CPP (princípio geral da legalidade das provas);
A convicção sobre a realidade de certo facto existirá quando, e só quando, o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos, para além de toda a dúvida razoável;
Não se procura uma verdade ontológica e absoluta mas apenas a verdade judicial e prática – não pode ser uma verdade obtida a qualquer preço mas apenas a que assenta em meios de prova que sejam legais;
A livre apreciação da prova (ou do livre convencimento motivado) não se pode confundir com a íntima convicção do juiz, assente numa apreciação arbitrária da prova, impondo-lhes a lei que extraia delas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso;
Não satisfaz a exigência de fundamentação da decisão sobre Matéria de Facto a mera referência genérica aos meios de prova produzidos, importando fazer a indicação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, ou seja, os meios concretos de prova e as razões ou motivos que dos meios de prova relevaram ou que obtiveram credibilidade no espírito do julgador – não basta indicar o concreto meio de prova gerador do convencimento, urgindo expressar a razão pela qual, apoiando-se nas regras de experiência comum, o julgador adquiriu, de forma não temerária, a convicção sobre a realidade de um determinado facto.
A liberdade das provas não é, pois, absoluta, estando condicionada pela prudente convicção do julgador e temperada pelas regras da lógica e da experiência
            Porém, nessa tarefa de apreciação da prova, é manifesta a diferença entre a 1.ª instância e o tribunal de recurso, beneficiando aquela da imediação e da oralidade e estando este limitado à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos.
            A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como “a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão” (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, p. 232), confere ao julgador em 1.ª instância certos meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe.
É essencialmente a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de factores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc.
As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum.
            Assim, a atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, tem por base uma valoração do julgador fundada na imediação e na oralidade, que o tribunal de recurso, em rigor, só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum (cf. Acórdão da Relação do Porto, de 21 de Abril de 2004, Processo: 0314013, www.dgsi.pt).
            Quer isto dizer que a ausência de imediação determina que o tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, possa alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º] – neste sentido, o Ac. da Relação de Lisboa, de 10.10.2007, proc. 8428/2007-3, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
A operação intelectual em que se traduz a formação da convicção não é, assim, uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis), e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente – aqui relevando, de forma muito especial, os princípios da oralidade e da imediação – e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo” (cf. Ac. do T. Constitucional de 24/03/2003, DR. II, nº 129, de 02/06/2004, 8544 e ss. e Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1ª Ed., 1974, Reimpressão, 205).

3.2.6. Vejamos então se existe algum erro de julgamento na prova dos factos 1 a 7 e 9.

            a)- Os factos tidos como mal julgados são os seguintes:
PRIMEIRO SEGMENTO

Em data concretamente não apurada, mas entre o dia 19 de Dezembro, após as 18 horas, e o dia 22, antes das 7 horas, do mesmo mês, de 2008, o arguido A... dirigiu-se às instalações do armazém pertença da firma «X..., SA.», sitas no local denominado Retorta, em ....

Uma vez aí, o arguido A..., usando cópia das chaves da porta de entrada do escritório e da sala anexa da «X..., S.A.», entrou nessas instalações e retirou do interior de um cofre existente no mencionado escritório, que se encontrava fechado e de que o arguido conhecia o código por ali ter trabalhado, um computador portátil de marca FUJITSU e pelo menos € 70 em dinheiro.
Nas mesmas circunstâncias de tempo, o arguido retirou outro computador portátil, de marca Toshiba, bem como um telemóvel marca Nokia, dois carregadores de telemóvel marca Nokia, um manual de instruções de telemóvel e um molhe de chaves, tudo localizado na mencionada sala anexa ao escritório, que também se encontrava fechada.
Os objectos retirados nas ditas circunstâncias ascendiam ao valor global não inferior a € 918,00.

SEGUNDO SEGMENTO

Em data concretamente não apurada, mas anterior a 25 de Dezembro de 2008, pelas 12 horas, o arguido dirigiu-se à residência sita na Rua ..., pertença de E....

Uma vez aí, por forma concretamente não apurada, contra a vontade e sem a autorização das pessoas aí residentes, designadamente da referida E..., logrou entrar em tal residência e daí levar em seu poder, pelo menos, um rato para computador, da marca «FCC E», de cor cinza e preto, um carregador de telemóvel marca «LG», um teclado de computador, marca «FCC Notice», de cor cinza e preto, um prato de cristal acondicionado numa caixa com a designação «F& D, Light, quality cristal glass», com o valor comercial de €10, 00, um fio de ouro, com malha corrente, com cerca de 50 cms., com uma medalha oval em ouro, com o signo touro, no valor de €300, 00, e um brinco em ouro, «bola de Viana», no valor de €80, 00.
O arguido, nas mesmas circunstâncias de modo, apropriou-se das chaves do veículo Audi matrícula 80-87-SA e, na posse destas, também do referido veículo, tudo pertença da dita E... ..

Em ambas as ocasiões e circunstâncias descritas, o arguido apropriou-se dos bens referidos, integrando-os no seu património, sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade dos respectivos proprietários.

Alguns dos referidos objectos foram encontrados na posse do arguido por elementos da GNR, no interior do mencionado veículo, e entregues aos seus proprietários.

O arguido A..., entre Dezembro de 2008 e 15 de Janeiro de 2009, fez a entrega à arguida B... de uma pulseira em ouro em troca de €20, 00.

Actuou o arguido A...de modo livre e voluntário, tendo perfeito conhecimento que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

            Quanto à factualidade datada de Dezembro de 2008 – entrada furtiva no armazém X... -, entende o recorrente que nenhuma testemunha presenciou os factos, mormente as testemunhas, H...e C…, retirando-se destes depoimentos apenas suspeitas e presunções em relação à sua pessoa.
No que tange à factualidade de 25 de Dezembro de 2008 – entrada em casa da mãe -, entende o recorrente que também nenhuma testemunha – D... e C...-  viu o assalto, alegando que estas testemunhas apenas referiram aquilo que alegadamente a mãe do arguido – que não falou em audiência – lhes transmitiu.
Contudo, apenas lança o teor dos depoimentos mas não demonstra de forma suficiente a forma como tal prova deveria ser avaliada, não avançando com «as provas que impõem decisão diversa da recorrida».
           
b)- Ouvindo os depoimentos, é certo que nenhuma das 4 testemunhas viu o arguido a entrar nas instalações em causa ou na casa de sua mãe.
            Contudo, a prova criminal não vive só do «visto, claramente visto», como é óbvio.
A convicção do Tribunal “a quo” é formada da conjugação dialéctica de dados objectivos fornecidos por documentos e outras provas constituídas, com as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, em função das razões de ciência, das certezas, das lacunas, contradições, inflexões de voz, serenidade e outra linguagem do comportamento, que ali transparecem.
Por isso, resulta que, para respeitarmos os princípios da oralidade e imediação na produção de prova, se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção baseada na credibilidade de determinadas declarações e depoimentos e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso.
Como opina o acórdão da Relação de Coimbra de 6 de Março de 2002 (C.J. , ano XXVII , 2º , página 44) , “quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.
Nesta parte importa realçar que o objecto da prova pode incidir sobre os factos probandos (prova directa), como pode incidir sobre factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto a este (prova indirecta ou indiciária).
A prova indirecta “…reside fundamentalmente na inferência do facto conhecido – indício ou facto indiciante – para o facto desconhecido a provar, ou tema último da prova” – cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira, “ Curso de Processo Penal”, Vol. II, pág. 289[4].
Como acentua o acórdão do STJ de 29 de Fevereiro de 1996, “ a inferência na decisão não é mais do que ilação, conclusão ou dedução, assimilando-se todo o raciocínio que subjaz à prova indirecta e que não pode ser interdito à inteligência do juiz.” – cfr. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 6.º, tomo 4.º, pág. 555.
No mesmo sentido veja-se o acórdão da Relação de Coimbra, de 9 de Fevereiro de 2000, ano XXV, 1.º, pág. 51.
Como já se disse, em matéria de apreciação da prova, o artigo 127.º do C.P.P. dispõe que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
Na expressão regras de experiência[5], incluem-se as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, devendo as inferências basear-se na correcção do raciocínio, nas regras da lógica, nos princípios da experiência e nos conhecimentos científicos a partir dos quais o raciocínio deve ser orientado e formulado (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2.ª edição, p. 127, citando F. Gómez de Liaño, La Prueba en el Proceso Penal, 184).
            Atentas as naturais dificuldades de reconstituição do facto delituoso, há que recorrer, por vezes, à prova indirecta para basear a convicção da entidade decidente sobre a existência ou não da situação de facto.
            Como acentua Euclides Dâmaso, no seu artigo «Prova indiciária (contributos para o seu estudo e desenvolvimento em dez sumários e um apelo premente)», publicado na Revista Julgar, n.º 2, 2007, «vale isto por dizer-se que a “prova indirecta, indiciária, circunstancial ou por presunções”, que alguns decisores por vezes (infelizmente raras e apenas em crimes contra as pessoas) meticulosa e exigentemente praticam sem claramente assumirem fazê-lo, tem que ganhar adequada relevância jurisprudencial e dogmática também entre nós. Sob pena de a Justiça não se compatibilizar com as exigências do seu tempo e de se agravar insuportavelmente o sentimento de impunidade face aos desafios criminosos de maior complexidade e desvalor ético-jurídico, mormente os “crimes de colarinho branco” em geral e a corrupção e o branqueamento em particular».
Prieto-Castro Y Fernandiz e Gutiérrez de Cabiedes opinam mesmo que «o indício apresenta grande importância no processo penal, já que nem sempre se têm à disposição provas directas que autorizem a considerar existente a conduta perseguida e então, ante a realidade do facto criminoso, é necessário fazer uso dos indícios, com o esforço lógico — jurídico intelectual necessário, antes que se gere impunidade».
            Ao decidir como decidiu, não se alcança que o tribunal a quo tenha valorado contra o arguido qualquer estado de dúvida em que tenha ficado sobre a existência dos factos, do mesmo modo que também não se infere que o tribunal recorrido, que não teve dúvidas, devesse efectivamente ter ficado num estado de dúvida insuperável, a valorar nos termos do princípio in dubio pro reo.
Não se verificou, por conseguinte, em abstracto, e numa 1ª abordagem do problema, qualquer violação dos princípios da presunção de inocência e in dubio e dos artigos 340.º, 355.º e 356.º, do CPP, num processo em que se discutem crimes de furto qualificado, com entradas furtivas nocturnas,  matéria complexa e de difícil e tortuosa prova, assente que foi suficientemente explicitada na prolixa motivação da decisão final, no fundo, a peça processual onde se encontra «el trámite esencial para el control sobre la racionalidad de la convicción del juez» (Michele Taruffo, La Prueba de los Hechos, Editorial Trotta, SEPS 2002, p. 437).
Em conclusão, diremos ainda que inexiste, in casu, a violação do princípio da livre apreciação da prova.
O já citado princípio da livre apreciação da prova, como princípio estruturante do direito processual do continente europeu e, especificamente do direito processual penal português, assume, na dinâmica do processo de fundamentação da sentença penal simultaneamente, uma dupla função de ordenação e de limite.
Vinculado ao princípio da descoberta da verdade material, contrariamente ao sistema probatório fundado nas provas tabelares ou tarifárias que estabelece um valor racionalizado a cada prova, possibilita-se ao juiz um âmbito de discricionariedade na apreciação de cada uma das prova atendíveis que suportam a decisão.
Estamos perante uma discricionariedade assente num modelo racionalizado, na medida em que implica que o juiz efectue as suas valorações segundo uma discricionariedade guiada pelas regras da ciência, da lógica e da argumentação.
Tal equivale a dizer que «o princípio da livre convicção libertou o juiz das regras da prova legal mas não o desvinculou das regras da razão» cf. Michelle Taruffo, «Conocimiento cientifico y estándares de prueba judicial», Jueces para la Democracia, Información y debate, nº 52, Marzo, 2005, p. 67.
Aqui chegados, só há que constatar que o tribunal recorrido, para chegar à sua decisão, valorou um conjunto diverso de provas, utilizando, de boa feição e pelo melhor método, as regras da razão, fundadas na lógica e na experiência, não se vislumbrando qualquer vício no seu modo de decidir.
Conclui-se, assim, que, não sendo meio de prova proibido por lei, pode o julgador, à luz das regras da experiência e da sua livre convicção, retirar dos factos conhecidos as ilações que se ofereçam como evidentes ou como razoáveis e firmá-las como factos provados, sendo esse um mecanismo recorrente na formação da convicção («basta pensar na prova da intenção criminosa; a intenção, enquanto elemento volitivo do dolo - enquanto decisão pela conduta, suposto serem conhecidos pelo agente os elementos do tipo legal de crime -, na medida em que traduz um acontecimento da vida psicológica, da vivência interna, não é facto directamente percepcionável pelos sentidos do espectador, havendo que inferi-la a partir da exteriorização da conduta. Só por recurso à presunção judicial, diluída naquilo que em processo penal se designa por “livre convicção”, é possível determiná-la, através de outros factos susceptíveis de percepção directa e das máximas da experiência, extraindo-se como conclusão o facto presumido, que assim se pode ter como provado»).
Foi isso que fez o Colectivo para sabiamente colocar o arguido no epicentro destes dois assaltos – e justificou-se de forma desusadamente explícita e prolixa, como atrás se pode ver.

c)- Recordemos o seu raciocínio (a sistematização do seu teor é da nossa autoria, assinalando-se a bold as partes relevantes para a culpabilidade do arguido):
PREMISSA 1 - Os arguidos remeteram-se ao silêncio.

PREMISSA 2 - A testemunha G..., fiel de armazém da «X..., S.A.», desde data anterior a 2008 até Setembro de 2009, confirmou que o arguido aí trabalhou, durante parte do ano de 2008, sem primar pela assiduidade, a pontos de ter interrompido a prestação laboral por mais que uma vez, pelo que tem a impressão de que, em Dezembro de 2008, o mesmo já aí não trabalhava.
No dia 22 de Dezembro de 2008, pelas 7 horas, a testemunha foi das primeiras pessoas a dar conta de a fechadura da porta que dava para o escritório se encontrar forçada, tendo sido substituída.
O arguido, com conhecimento desta testemunha, dirigiu-se ao dito armazém por diversas vezes, e, na companhia de C..., foi até ao escritório, designadamente, para receber dinheiro de empréstimo.
Confirmou igualmente a recuperação dos bens identificados na matéria assente, bem como a subtracção dos demais também aí identificados, na mesma ocasião, apenas não estando ao corrente da quantia exacta em dinheiro existente no cofre.

PREMISSA 3 - A testemunha H..., administrativo ao serviço da «X...», desde Novembro de 2008 a Dezembro de 2010, começou por dar conta que não conheceu o arguido.
Confirmou os bens subtraídos, inclusive a quantia, no seu mínimo, apreendida.
Referiu que a única pessoa que tinha acesso ao cofre, além de si, era C..., que exercia as funções de encarregado geral (cfr. fls. 69), constando que o mesmo digitava o código de abertura do cofre, sem o cuidado de manter as pessoas afastadas do local, como, aliás, a anterior testemunha confirmou.

PREMISSA 4 - A testemunha I..., militar da GNR, no posto de ..., confirmou o aditamento de fls. 5, esclarecendo que, no dia 25 de Dezembro de 2008, à hora aí consignada, se encontrava de patrulha e deparou com a viatura identificada imobilizada, por despiste, e, nas proximidades, o arguido, já conhecido por essa força policial pela prática de factos ilícitos contra o património.
Considerando que o arguido – apesar de afirmar a sua titularidade sobre os bens encontrados no interior da viatura e apreendidos, conforme fls. 15 – não justificar a sua posse, foi o mesmo conduzido para o posto, tanto mais que o mesmo se encontrava na posse de sacos de viagem e bilhete de avião para os Açores; tal como, aliás, o arguido confirmou - ter regressado aos Açores em Janeiro de 2009.
Esta testemunha não chegou a falar com E... ..
Certificou-se a mesma testemunha da identidade de parte dos bens na posse do arguido A...e parte dos subtraídos a «X..., S.A.» (cfr. fls. 39).

PREMISSA 5 - A testemunha J..., empresária do ramo de ourivesaria em ..., reconheceu os arguidos por se terem deslocado, em altura determinada, separadamente, ao seu estabelecimento, nesta cidade, vendendo peças em ouro.
Já não recorda, precisamente, de que material se tratava, mas confirmou os registos de que se encontram cópias a fls. 82 e 142-147.

PREMISSA 6 - A testemunha C..., encarregado geral da «X...», no distrito de ..., desde há 28 anos, confirmou tudo o dado por assente, nos pontos 1º e 2º, da matéria provada, embora tecendo elogios às qualidades de trabalho do arguido e enaltecendo as suas proveniências familiares, a pontos de se considerar um segundo pai para ele.
De forma peremptória, esta testemunha afirmou que, por diversas vezes, durante o ano de 2008, o arguido lhe pediu dinheiro emprestado, independentemente de ter ou não créditos sobre a entidade patronal, ao que a testemunha acedia, considerando que o mesmo acabava por lhe pagar e vinha de «boas famílias» (sic).
A última ocasião desse género foi em 19 de Dezembro de 2008, por volta das 18 horas, numa altura em que o arguido, depois de período de ausência, regressava de um dia de trabalho ao serviço da «X..., S.A.». Então, de forma despreocupada, na presença do arguido, dirigiu-se ao escritório e digitou o código do cofre. O arguido, aliás, apenas em Janeiro de 2009, foi despedido por abandono do lugar.
Na segunda feira seguinte (22 de Dezembro), pelas 7 horas, deu por falta do dinheiro no cofre – cerca de €120/130, 00 - e, mais tarde, à medida que lhe ia sendo acusada a falta e solicitado o material, dos restantes bens subtraídos.

1ª CONCLUSÃO:
Deu-se por provado que o arguido conhecia o código do cofre por ter trabalhado ao serviço da «X...», porque a testemunha em análise apenas permitiu que o arguido entrasse no escritório e assistisse à abertura do código, por o conhecer da relação laboral que aquele mantinha com a sua entidade patronal.
Mais garantiu a testemunha C... que a fechadura da porta do escritório já havia sido forçada em anterior ocasião, pelo que o modo de entrada no escritório e demais instalações do estaleiro só poderia ter sido com uso de cópia das chaves respectivas. Essa sua suspeita confirmou-se quando a GNR de ... lhe entregou as chaves encontradas na posse do arguido e as experimentou nas fechaduras correspondentes.
Mais reconheceu os bens subtraídos e recuperados.

PREMISSA 7 - Deu ainda conta que a própria mãe do arguido, dias mais tarde, comentou consigo que o filho lhe havia entrado em casa, sem a sua autorização, e subtraído vários adornos em ouro e, além do mais, as chaves do carro e, na posse daquelas, este.

PREMISSA 8 - A testemunha D..., comandante do posto da GNR de ..., confirmou fls. 8 e 15, tendo sido quem procedeu à apreensão dos bens aí descriminados, apurando-se que os primeiros pertenciam à ofendida «X...» e parte dos demais a E... ., razão pela qual esta última reclamou a respectiva entrega, após notificação, conforme fls. 18 e lhe foram entregues (cfr. fls. 216).
Além disso, foi esta testemunha quem telefonou à mãe do arguido, confrontando-a com o facto de este último se encontrar na condução do veículo, ao que a mesma comentara consigo que o arguido apenas poderia ter tido acesso às chaves da viatura entrando na sua residência contra a sua vontade e sem a sua autorização e do seu marido, pelo que iria de imediato apresentar queixa no posto da GNR de Ribeira Brava, como, de facto, procedeu.
Mais informou que a residência do filho, em ..., não era a de seus pais, como aliás, o mesmo reconheceu, ao permitir a busca nessa outra residência.

PREMISSA 9 - Valorámos ainda a avaliação de fls. 28, os termos de entrega de fls. 6, 8 e 216, fls. 50, 54, 67 a 70 e 132.
De salientar, igualmente, que foi o arguido A...a reconhecer que permaneceu em Portugal Continental até inícios de Janeiro de 2009 e durante o ano de 2008, período durante o qual se encontrava a consumir produtos estupefacientes, maxime heroína, de forma intensiva, fazendo muitas «asneiras» (sic) para os conseguir.
A QUESTÃO RESUME-SE AO SEGUINTE:
No caso concreto, o que importar saber era se do facto de parte dos objectos furtados, relativamente quer à «X...», quer a E... ., ter sido encontrada na posse assumida do arguido, e do facto de parte dos objectos em ouro descriminados a fls. 50 – além dos demais que lhe foram entregues conforme fls. 216 - pelo próprio punho da ofendida, coincidirem com os que, na mesma altura em que o mesmo reconhecera estar em Portugal Continental, foram vendidos a ourivesaria (cfr. fls. 143), se pode inferir, com suficiente segurança, pelas regras da lógica e da experiência comum, ter sido o arguido o autor dos furtos.
Ora, raciocinou o Colectivo que provado está que o arguido A...era consumidor intensivo, sobretudo, de heroína, e não tinha, assumidamente, meios suficientes de subsistência, o que, conjugado com o facto de, na sua esfera de disponibilidade (veículo por si conduzido, apropriado à mãe, á revelia desta) se encontrarem bens provenientes de outros furtos, objecto do presente processo, complementa, com o carácter de necessidade, a força indiciatória dos demais indícios já salientados.
Na realidade, a presença dos ditos objectos e a venda de outros cuja comercialização o sistema legal permite seja feita de forma célere e sem porquês, em conjugação com as demais circunstâncias destacadas, não pode ser senão devido à causa furto, cuja autoria apenas aponta para o arguido A....
Por outro lado, relativamente ao contributo probatório que o militar da GNR D..., ou até o próprio C…, recolheu no contacto informal que manteve com E... ., a tendência jurisprudencial mais recente encaminha-se no sentido do respectivo aproveitamento.
Portanto, existem vários indícios que apontam para o A...– e cremos que o facto de lhe terem sido apanhados na sua posse bens furtados não é o menor dos mesmos (esquecendo-se ele de se referir a esse facto na sua peça recursória).

d)- Uma palavra sobre os depoimentos indirectos.
Estatui o art. 129.º do C.P.P., cuja epígrafe é depoimento indirecto”:
«1. Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas[6].
2. O disposto no número anterior aplica-se ao caso em que o depoimento resultar da leitura de documento de autoria de pessoa diversa da testemunha.
3. Não pode, em caso algum, servir como meio de prova o depoimento de quem recusar ou não estiver em condições de indicar a pessoa ou a fonte através das quais tomou conhecimento dos factos».
Estes depoimentos indirectos só podem ser valorados nos estritos limites permitidos na norma, só valendo relativamente ao que se ouviu dizer a outra potencial testemunha, quando a inquirição de quem disse não for possível por força das circunstâncias referidas na norma.
A norma do artigo 129º do CPP é pois excepcional, excepcionalidade que deriva, logo, do texto do art. 128.º do C.P.P., que diz, no seu n.º 1, que «a testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo …».
A regra é, pois, que o limite do depoimento da testemunha é aquilo que ela viu e/ou ouviu.
O que a lei pretende com a proibição do depoimento indirecto é que não acolham como prova depoimentos que se limitam a reproduzir o que se ouviu dizer.
Para que um tal depoimento seja valorado é essencial que seja confirmado pela pessoa que disse, confirmação que tem em vista a própria validade e eficácia do depoimento, já que o mérito de uma testemunha tem muito a ver com a razão de ciência da própria testemunha (excepção feita aos casos de impossibilidade superveniente de inquirição da pessoa indicada).
Nesta matéria bem sabemos que jurisprudência existe quem entende que as declarações de uma testemunha relatando conversa mantida com o arguido constituem depoimento indirecto, portanto proibido, a menos que o arguido corrobore tais declarações.
Entendemos o contrário - considerando que o depoimento indirecto é uma comunicação, com função informativa, de um facto de que o sujeito teve conhecimento por um terceiro, parece-nos razoavelmente claro que não constitui depoimento indirecto - portanto não enquadrável no art. 129.º do C.P.P. e, portanto, não constituindo prova proibida -, o depoimento de uma testemunha que relata o que ouviu o arguido dizer, isto mesmo que o arguido não preste declarações na audiência, no exercício do seu direito ao silêncio.
Já alguém escreveu que «o depoimento de uma testemunha que relata a conversa que manteve com a arguida não deriva de conhecimento indirecto, mas de conhecimento directo, pelo que não pode ser considerado depoimento indirecto».
Deste modo, considera-se resultar do art. 129.º, n.º 1, em conjugação com o art. 128.º do Código Processo Penal, que o depoimento de uma testemunha que em audiência relata factos que um arguido lhe confessou, não é um depoimento indirecto, pois versa sobre factos de que directamente teve conhecimento na conversa que estabeleceu com a arguida.
Demos a palavra ao ELOQUENTE Acórdão da Relação do Porto de 9/2/2011 (Pº 195/07.2GACNF.P1):
«No que respeita à prova testemunhal, dispõe o artº 128º nº 1 do C. Proc. Penal que a testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova.
Ora, a testemunha tem conhecimento directo dos factos, quando os percepcionou de forma imediata e não intermediada, através dos seus próprios sentidos.
Já no âmbito do testemunho indirecto, “a testemunha refere meios de prova, aquilo de que se apercebeu foi de outros meios de prova relativos aos factos, mas não imediatamente dos próprios factos”(…) “é o vulgarmente designado testemunho de ouvir dizer”.
Ora, a regra é que o testemunho indirecto só serve para indicar outro meio de prova directo.
Daqui resulta, em primeiro lugar, que a regra é a do testemunho directo.
Mas, por outro lado, a lei não proíbe de forma absoluta a produção de depoimentos indirectos.
O que o código proíbe é a valoração de tais depoimentos, se o juiz não chamar a depor a pessoa indicada pela testemunha como fonte do conhecimento que transmitiu ao tribunal.
No entanto, o depoimento indirecto pode ser valorado sempre que a inquirição da fonte não seja possível, por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de ser encontrada.
Assim, chamando o juiz a fonte a depor, o depoimento indirecto pode ser valorado, mesmo nos casos em que a aquela se recusa, lícita ou ilicitamente, a prestar depoimento ou, por exemplo, diz de nada se recordar já.
É que nesta situação é possível o exercício do contraditório na audiência de julgamento, através do interrogatório e do contra-interrogatório, quer da testemunha de ouvir dizer, quer da testemunha fonte, assim se assegurando o respeito pela estrutura acusatória do processo criminal, imposto pelo art. 32º, nº 5, da CRP.
(…)
Tão-pouco se pode afirmar que a estrutura acusatória do processo criminal, que impõe que a audiência de julgamento e mesmo os actos instrutórios determinados por lei estejam subordinados ao princípio do contraditório, ponha em causa a regulamentação do segmento da norma em causa.
A lei processual penal veda, em princípio, a admissibilidade do testemunho de ouvir dizer, impondo que seja chamada a depor a pessoa determinada invocada no testemunho prestado, assegurando-se a imediação, relativamente ao tribunal criminal e aos sujeitos processuais”.
Pese embora a lei não fixe as regras de valoração do depoimento indirecto, quando tal valoração é admissível, deve entender-se, face ao princípio geral da livre apreciação da prova estabelecido no art. 127º do C. Proc. Penal, que o depoimento deve ser avaliado conjuntamente com a demais prova produzida, incluindo o correspondente depoimento directo, quando tenha sido prestado, tudo conforme a livre apreciação e as regras da experiência comum portanto, sem qualquer hierarquia de valoração entre um e outro.
Com efeito, a melhor interpretação da formulação legal conduz a que só se considere depoimento indirecto, v.g. se a pessoa que faz o relato, não assistiu ou presenciou a ocorrência («ouvi dizer que o B disse ao A», nota nossa).
O critério operativo da distinção entre depoimento directo e indirecto é o da vivência da realidade que se relata: se o depoente viveu e assistiu a essa realidade o seu depoimento é directo, se não, é indirecto.
Como se diz no citado aresto, “o que o legislador quis afastar foi o «depoimento em segunda mão»: o C vem a tribunal dizer que o A lhe disse que o B fez ou aconteceu. São estes, mas não apenas estes, os depoimentos indirectos que o legislador quis vetar como meio de prova, salvo se chamar o «intermediário» a depor”.
Com efeito, quando em audiência uma testemunha afirma o que ouviu ao arguido, que está presente e que fez uso do seu direito ao silêncio, não colocando em crise a afirmação da testemunha acerca do que afirmou lhe ter ouvido, o depoimento, não deixa, nessa parte, de poder ser valorado.
Não é prova proibida e, como qualquer outra, deve ser apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal – art. 127º do CPP.
O art. 129º do CPP admite o testemunho de ouvir dizer, somente impõe que as pessoas referenciadas no depoimento, sejam chamadas a depor (ressalvando as excepções aí previstas e já referidas).
No caso, estando o arguido presente e escusando-se a prestar declarações, verifica-se a impossibilidade de ouvir a “pessoa indicada como fonte”.
Assim, como salienta o Ac. do T.C. nº 440/99 de 8.7, aquele depoimento de ouvir dizer deve ser valorado como meio de prova, “desde logo, porque não há diferença substancial entre a situação do arguido que não pode ser encontrado e a daquele que, chamado à audiência, invoca o seu direito ao silêncio para não depor”.
Nesse Acórdão tirou-se a seguinte conclusão: ”Há, assim, que concluir que o artigo 129°, n° 1 (conjugado com o artigo 128°, n° 1) do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que o tribunal pode valorar livremente os depoimentos indirectos de testemunhas, que relatem conversas tidas com um co-arguido que, chamado a depor, se recusa a fazê-lo no exercício do seu direito ao silêncio, não atinge, de forma intolerável, desproporcionada ou manifestamente opressiva, o direito de defesa do arguido”.
Também o STJ. tem aceite tais depoimentos de ouvir dizer, valorando-os como meio de prova, nomeadamente no Ac. de 30.09.1998, in BMJ 479-414 - aí se têm como válidas as declarações da queixosa/demandante civil sobre matéria que lhe foi oralmente transmitida pelo arguido, o qual se negou a prestar declarações em audiência de julgamento.
“Não estamos, contudo, perante depoimento indirecto proibido. A queixosa/demandante civil prestou declarações dizendo o que ouviu directamente da boca do arguido e fê-lo na presença deste, que estava assistido pelo respectivo defensor”. “Por conseguinte, a posição assumida in casu pelo arguido – no uso de direito que não se põe em causa - de optar pelo silêncio, de forma alguma pode obstar à admissão e valoração das declarações da queixosa/demandante civil”.
Aliás, a génese do direito ao silêncio não assenta num intuito de beneficiar o arguido, condicionando a prova testemunhal, antes decorrendo do princípio do acusatório, que impõe à acusação o dever de provar os factos que lhe são imputados, facultando ao arguido um comportamento que, em última análise, poderá obstar a que se auto-incrimine.
Estando o arguido presente em audiência, pode sempre contraditar plenamente a testemunha que relatou aquilo que lhe ouviu dizer, requerer as diligências que entenda pertinentes, tendentes a demonstrar a sua falta de idoneidade, a contraditar a sua razão de ciência, a impossibilidade do seu testemunho.
É indiscutível que o arguido mantém intocado o seu direito ao silêncio, art.º 343º n.º1 do Código de Processo Penal.
Agora, o que não pode o arguido pretender é que o exercício desse direito ao silêncio inviabilize o depoimento de directamente ouvir dizer».
Concordamos em absoluto com esta posição[7].
E como tal consideramos que não estava vedado ao tribunal «a quo» fazer uso da conversa havida entre a mãe do arguido – apesar do seu mais do que compreensível silêncio em julgamento - e as testemunhas de acusação C...e D....

e)- E uma última palavra sobre o princípio «in dubio pro reo».
No fundo, o que o recorrente pretende, nos termos em que formula a sua impugnação, é ver a convicção formada pelo tribunal substituída pela convicção que ele próprio entende que deveria ter sido a retirada da prova produzida.
O recorrente limita-se a divulgar a sua interpretação e valoração pessoal das declarações e depoimentos prestados e da credibilidade que devem merecer uns e outros, exercício que no entanto é irrelevante para a sindicância da forma como o tribunal recorrido valorou a prova.
Não se evidencia qualquer violação das regras da experiência comum, sendo certo que fora dos casos de renovação da prova em 2ª instância, nos termos previstos no art. 430º do CPP - o que, manifestamente, não é o caso - o recurso relativo à matéria de facto visa apenas apreciar e, porventura, suprir, eventuais vícios da sua apreciação em primeira instância, não se procurando encontrar uma nova convicção, mas apenas e tão-só verificar se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável na prova documentada nos autos e submetida à apreciação do tribunal de recurso.
Decidiu-se, no douto Acórdão da Relação de Coimbra de 9/9/2009 (Pº 564/07.8PAVCD.P1) o seguinte:
«Acresce que vigorando no âmbito do processo penal o princípio da livre apreciação da prova, com expressa previsão no art. 127º, a impor, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, a mera valoração da prova feita pelo recorrente em sentido diverso do que lhe foi atribuído pelo julgador não constitui, só por si, fundamento para se concluir pela sua errada apreciação, tanto mais que sendo a apreciação da prova em primeira instância enriquecida pela oralidade e pela imediação, o tribunal de 1ª instância está obviamente mais bem apetrechado para aquilatar da credibilidade das declarações e depoimentos produzidos em audiência, pois que teve perante si os intervenientes processuais que os produziram, podendo valorar não apenas o conteúdo das declarações e depoimentos, mas também e sobretudo o modo como estes foram prestados, já que no processo de formação da convicção do juiz “desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um determinado meio de prova) e mesmo puramente emocionais”, razão pela qual quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum».
Na realidade, ao tribunal de recurso cabe apenas verificar se os juízos de racionalidade, de experiência e de lógica confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar.
«Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração” (Paulo Saragoça da Matta, “A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença”, texto incluído na colectânea “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, pág. 253).
Portanto, a prova produzida foi coerentemente valorada.
Se há duas versões dos factos (mesmo que uma delas tenha dois veículos), não é uma maioria matemática que faz escolher a versão verdadeira.
O facto de haver duas afirmações opostas, não conduz necessariamente a uma “dúvida inequívoca”, por força do princípio in dubio pro reo.
Não está em causa a igual valoração de declarações ou depoimentos, mas a valoração de cada um dos meios de prova em função da especial credibilidade que mereçam.
As declarações e depoimentos produzidos em audiência são livremente valoráveis pelo tribunal, não tendo outra limitação, em sede de prova, que não seja a credibilidade que mereçam.
Voltamos ao Acórdão de 9/9/2009:
«Uma vez verificado que o tribunal recorrido formulou a sua convicção relativamente à matéria de facto com respeito pelos princípios que disciplinam a prova e sem que tenham subsistido dúvidas quanto à autoria dos factos submetidos à sua apreciação, não tem cabimento a invocação do princípio in dubio pro reo, que como reflexo que é do princípio da presunção da inocência do arguido, pressupõe a existência de um non liquet que deva ser resolvido a favor deste. O princípio em questão afirma-se como princípio relativo à prova, implicando que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal. Contudo no caso dos autos, o tribunal a quo não invocou, na fundamentação da sentença, qualquer dúvida insanável. Bem pelo contrário, a motivação da matéria de facto denuncia uma tomada de posição clara e inequívoca relativamente aos factos constantes da acusação, indicando clara e coerentemente as razões que fundaram a convicção do tribunal.».
Sabemos que o julgador deve manter-se atento à comunicação verbal mas também à comunicação não verbal.
Se a primeira ainda é susceptível de ser escrutinada pelo tribunal de recurso mediante a audição do gravado (e foi o que se fez nesta sede de recurso), fica impossibilitado de aceder à segunda para complementar e interpretar aquela.
Deste modo, quando a opção do julgador se centra em prova oral, o tribunal de recurso só estará em condições de a sindicar se esta for contrária às regras da experiência, da lógica, dos conhecimentos científicos, ou não tiver qualquer suporte directo ou indirecto nas declarações ou depoimentos prestados.
E repetimos: o juiz pode formar a sua convicção com base em apenas um testemunho (ou numa só declaração), desde que se convença que nele reside a verdade do ocorrido.
Não basta que o recorrente diga que determinados factos estão mal julgados.
É necessário constatar-se esse mal julgado face às provas que especifica e a que o julgador injustificadamente retirou credibilidade.
Atente-se que o art.º 412/3 alínea b) do CPP fala em provas que imponham decisão diversa.
Por isso entendemos que a decisão recorrida só é de alterar quando for evidente que as provas não conduzam àquela, não devendo ser alterada quando perante duas versões, o juiz optou por uma, fundamentando-a devida e racionalmente.
Ao reapreciar-se a prova por declarações, o tribunal de recurso deve, salvo casos de excepção, adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido desde que o seu juízo seja compatível com os critérios de apreciação devidos.
Quer isto significar que não vemos que deva ser alterada a decisão de facto.
Decorre do princípio «in dubio pro reo» que todos os factos relevantes para a decisão desfavoráveis ao arguido que face à prova não possam ser subtraídos à dúvida razoável do julgador não podem dar-se como provados.
Tal princípio tem aplicação no domínio probatório, consequentemente no domínio da decisão de facto, e significa que, em caso de falta de prova sobre um facto, a dúvida se resolve a favor do arguido. Ou seja, «será dado como não provado se desfavorável ao arguido, mas por provado se justificar o facto ou for excludente da culpa».
O princípio só é desrespeitado quando o tribunal colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação dos factos decidir por uma apreciação desfavorável à posição do arguido.
Não ficou o Tribunal de Castelo Branco em estado de dúvida.
E este tribunal de recurso também não, assente que o tribunal recorrido valorou os meios de prova de acordo com a experiência comum e com critérios objectivos que permitem estabelecer um “substrato racional de fundamentação e convicção”, com o apoio de presunções naturais, “juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinada facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido“ – v. g. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 07-01-2004 (Proc. 03P3213 - Rel. Cons. Henriques Gaspar - SJ200401070032133).
Por tal razão, não faz sentido fazer aqui valer e funcionar o princípio constitucional in dubio pro reo.
Diga-se ainda que não se vislumbra que tivesse havido alguma violação do artigo 32º/2 da CRP durante este processo pois não se visualiza que o arguido tenha sido prejudicado no seu direito de defesa, estando nós perante um processo que correu célere e escorreito, sob o ponto de vista processual.

            3.2.7. Em CONCLUSÃO, da análise da prova produzida, através da audição dos depoimentos indicados no recurso, e sem esquecer que o recurso é um remédio e não um segundo julgamento, conclui-se que inexistem quaisquer razões para alterar o juízo probatório constante do acórdão recorrido, mantendo-se, em consequência, toda a matéria de facto dada como provada – e não provada - na decisão «a quo».           

            3.3. IMPUGNAÇÃO DE DIREITO

3.3.1. Temos como assentes a prática de 2 crimes consumados de furto qualificado, um p. e p. pelos artigos 202º/d), 203º/1 e 204/2 e) do CP – a entrada na X... - e outro – a entrada em casa da mãe – p. e p. pelos artigos 203º/1 e 204º/1 f) do CP.
Resta falar das penas aplicadas pelos 2 crimes em causa, assente que o arguido considera excessivas tais penas.
Importa, agora proceder à escolha e graduação das penas a aplicar.
O 1º crime de furto qualificado é punido com pena de 2 a 8 anos de prisão e o 2º crime de furto qualificado é punido com pena de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias.
Na determinação da pena concreta, dentro dos mencionados limites, há que ter em consideração a culpa do arguido e as exigências de prevenção de futuros crimes, devendo ainda atender-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de ilícito, deponham a favor e contra ele (art. 71º do mesmo Código). As directrizes a observar são, por um lado, a culpa do agente, que impõe uma retribuição justa e, por outro, as exigências decorrentes do fim preventivo especial, ligadas à reinserção social do delinquente e as exigências decorrentes do fim preventivo geral, ligadas à contenção da criminalidade e à defesa da sociedade (cfr. Acs. do STJ de 24-02-93, BMJ 424º, 405 e da RC de 17-01-96, CJ I, 38).
            No caso presente, decidiu assim o tribunal recorrido, quanto a circunstâncias atenuantes e agravantes:
«No caso dos autos, releva contra o arguido:
· a prática de factos criminosos da mesma natureza, pelos quais foi condenado em pena de prisão efectiva, mediante decisão transitada em julgado, antes da prática dos factos pelos é condenado nestes autos;
· o ter voltado a consumir produtos estupefacientes, depois de um interregno de 7 anos, numa altura em que a sua vida pessoal e profissional se encontrava normalizada, recrudescendo a intensidade criminosa por causa de tal comportamento aditivo;
· a compreensível saturação dos pais do arguido relativamente à dependência do arguido face à heroína, sobretudo porque custearam três tratamentos, com internamento, que o arguido não aproveitou;
· a ausência de qualquer outra retaguarda familiar e profissional de que o arguido beneficie;
· concretamente, em relação ao caso vertente, o valor dos bens subtraídos não é desprezível (€918, 00 e €390, 00).
· acresce que, em qualquer das situações, o arguido desconsiderou a sua entidade patronal (X...) e a sua própria mãe, ou seja, suportes da sua integração comunitária.
Nada se vislumbra que atenue a responsabilidade criminal do arguido».

Como tal, atender-se-á ao grau médio da ilicitude dos factos (em face dos elementos que já fazem parte dos tipos incriminadores), sendo de ter em conta o valor dos bens subtraídos, bem como a sua parcial recuperação, subsistindo prejuízos relevantes; à elevada intensidade do dolo, na modalidade de directo, com que o arguido actuou, querendo apoderar-se de bens de terceiro e obter benefícios ilegítimos, à existência de inúmeras condenações criminais, o que é de ter em conta e revela uma personalidade propensa para o crime (já lhe foi aplicada toda a panóplia possível de penas – multa, prisão suspensa, prisão efectiva e dias de trabalho).
Ponderando todos estes elementos e tendo em consideração as elevadas necessidades de prevenção, não só especial, mas também de ordem geral, que neste tipo de ilícito se fazem sentir, atenta a sua elevadíssima frequência e o alarme social que provocam, afigura-se adequado aplicar ao arguido as SEGUINTES penas de prisão (opinando-se que já não se justifica, à luz do artigo 70º do CP, a aplicação de uma mera pena de multa ao 2º crime, atento o número de crimes idênticos já praticados no passado):
· CRIME CONSUMADO de furto qualificado – 3 anos e 2 meses;  
· CRIME CONSUMADO de furto qualificado - 2 anos.
            Segundo o artigo 77º, nº 1, do Código Penal, “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”
Acrescenta o nº 2 desse preceito que “A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.”
            Assim, a moldura do concurso tem como limite mínimo 3 anos e 2 meses de prisão e como limite máximo 5 anos e 2 meses de prisão.
Nesta conformidade, sendo que todos os ilícitos foram cometidos num lapso temporal bastante reduzido, consideramos mais ajustado aplicar-lhe, em cúmulo jurídico, a pena única de 4 anos de prisão.

3.3.2. E SERÁ OU NÃO DE A SUSPENDER NA SUA EXECUÇÃO?
Dispõe o artigo 50º, nº 1, do Código Penal que “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição.”
Contudo, não basta que a pena aplicada seja igual ou inferior a cinco anos, antes se impondo, para se poder determinar a suspensão da sua execução, a conclusão de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição. E para chegar a essa conclusão tem de atender-se à personalidade do arguido, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste. Ou seja, não é relevante, por si só, a afirmação do arguido de que vai corrigir-se e que não cometerá outros crimes, sendo essa conclusão a extrair da sua personalidade e condições de vida, bem como do seu comportamento anterior e posterior aos factos, concretamente em termos de condenações criminais, e também das circunstâncias em que aqueles foram praticados.
De todos esses elementos deve ressaltar um juízo de prognose favorável ao arguido, que leve o Tribunal a optar pela não execução da pena de prisão.
Importa ainda considerar que mesmo a efectiva reintegração social do agente não pode relegar, para plano secundário, a prevenção geral e especial positiva, como finalidade também principal das penas (art. 40º do C. Penal).  
            Como refere Figueiredo Dias, o tribunal terá sempre de concluir “por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente”, para a formulação do qual “não pode bastar nunca ou só a personalidade ou só as circunstâncias do facto”, sendo certo que a existência de condenações anteriores tornam o prognóstico favorável “bem mais difícil e questionável”. Em todo o caso, “a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime”, já que estão aqui em questão “considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico”.
Assim, havendo “razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada” (in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Reimpressão, Coimbra Editora, 2005, págs. 342 a 344). 
            Na situação sub judice, não é de cogitar lançar mão desta benesse, pois o passado do arguido não é de molde a lhe darmos uma chance.
Esteve na sua mão sair do jugo desses heróis e dessas heroínas que entendeu como suas – e não saiu…
Por tal motivo, e de concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão NÃO realizarão de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, razão pela qual não iremos suspender a execução da pena de prisão unitária.
Nesta medida, procederá parcialmente o recuso, pois descemos a pena em um mês.

3.3.3. Uma palavra final para o facto de não atenuarmos especialmente a pena, nos termos do artigo 72º do CP, tal como vem requerido em recurso.
Fundamenta tal pedido na sua toxicodependência que, a seu ver, deve ter esse efeito atenuativo.
No artigo 72º do CP estabelece-se que “o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena”.
Conforme tem ensinado a doutrina, o legislador sabe estatuir, à partida, as molduras penais atinentes a cada tipo de factos que existem na parte especial do Código Penal e em legislação extravagante, valorando para o efeito a gravidade máxima e mínima que o ilícito de cada um daqueles tipos pode assumir.
Porém, entende, ainda, a doutrina, que o sistema só pode funcionar de forma justa e eficaz se contiver válvulas de segurança, vendo estas como circunstâncias modificativas.
Por isso, quando, em hipóteses especiais, existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo padrão de casos que o legislador teve em mente à partida, aí haverá um caso especial de determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa.
Tem-se entendido, e bem, que a atenuação especial da pena só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar, uma vez que, para a generalidade dos casos normais, existem as molduras penais normais, com os seus limites máximos e mínimos próprios.
Opinou o Acórdão de 17/10/02, do S.T.J., Processo n.º 3210/02, da 5.ª Secção (Relator: Conselheiro Pereira Madeira):
«Como instituto, a atenuação especial da pena surgiu em nome dos valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade. Surgiu da necessidade de dotar o sistema de uma verdadeira válvula de segurança que permita, em hipóteses especiais - quando existam circunstâncias que diminuam de forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer uma imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva - a possibilidade, se não mesmo a necessidade, de especial determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto, por outra menos severa».
Aqui chegados, pergunta-se:
É de justificar – porque atenuar aqui não é mais do que justificar - a sua conduta à luz desta toxicodependência que o tem levado ao inferno – a si e aos seus - na Terra?
Não.
Da análise da matéria de facto considerada provada não se extraem elementos que permitam o recurso à drástica alteração da moldura penal prevista para o facto, no sentido da sua atenuação especial (nenhuma das alíneas do n.º 32 do artigo 72º surge no nosso horizonte como passível de justificar, sem mais, esta atenuação)
Somos nós que podemos também escolher o nosso próprio destino, passageiros de um tempo igualmente por nós determinado.
E a escolha foi a errada, para este rapaz que teve o mundo a seus pés e que escolheu o sub-mundo, talvez por fartura, ócio ou talvez por falta de prioridades…
E escolheu-o depois de estar 7 anos sem consumir.
Se o voltou a fazer, e em força, tem de arcar com as consequências desse facto.
Como tal, improcede a conclusão 15ª.

3.4. Termos em que se conclui que o recurso do arguido procede parcialmente.

            III – DISPOSITIVO
           
Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em

1º- conceder parcial provimento ao recurso intentado pelo arguido A... e, nessa medida, CONDENAM o mesmo arguido nas seguintes penas parcelares e na seguinte pena de cúmulo:
· por um CRIME CONSUMADO de furto qualificado – 3 anos e 2 meses de prisão
· POR UM CRIME CONSUMADO de furto qualificado - 2 anos de prisão
· eM CÚMULO JURÍDICO, CONDENA-SE O ARGUIDO NA PENA DE QUATRO (4) ANOS DE PRISÃO.

No mais, mantém-se o teor do acórdão recorrido.

            2º- Havendo decaimento parcial, condena-se o arguido em custas, com a taxa de justiça fixada em 3 UCs (artigos 513º, n.º 1 do CPP e 87º, n.º 1, alínea b) do CCJ ainda aplicável aos autos).
Paulo Guerra (Relator)
Cacilda Sena


[1] Diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls 335 - «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões»).
[2] Por lapso, passa-se do facto 7 para o 9.
[3] Cf. Acórdão da Relação do Porto de 11/7/2001, processo n.º 01110407, lido em www.dgsi.pt/trp.
[4] Cfr. ainda Michele Taruffo, La Prueba de los Hechos, Editorial Trotta, SEPS 2002, p. 455-456 – aí se deixa opinado que «la prueba podrá definirse como directa o indirecta en función de la relácion que se dé entre el hecho a probar y el objeto de la prueba. Se está ante una prueba directa cuando las dos enunciaciones tienen por objeto el mismo hecho, es decir, cuando la prueba versa sobre el hecho principal. Por tanto, es prueba directa aquella que versa directamente sobre el hecho a probar. En cambio, se estará ante una prueba indirecta cuando esta situación no se produzca, es decir, cuando el objeto de la prueba este constituído por um hecho distinto de aquel que debe ser probado por ser juridicamente relevante a los efectos de la decisión».
[5] A propósito de prova por regras de experiência e por presunções, leia-se o douto Acórdão da Relação de Coimbra de 6/1/2010 (25/07.5IDCBR.C1):
«Relevantes, no domínio probatório, para além dos meios de prova directos, são os procedimentos lógicos para prova indirecta, de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de um facto conhecido: as presunções.
O artigo 349.º do Código Civil prescreve que «presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido», sendo admitidas as presunções judiciais nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (artigo 351.º do mesmo diploma).
No plano de análise em que nos movemos, importam as chamadas presunções naturais ou hominis, que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquiri um facto desconhecido.
«Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência (ou de uma prova de primeira aparência)».

As presunções simples ou naturais são simples meios de convicção, pois que se encontram na base de qualquer juízo. O sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto desconhecido para um facto conhecido; toda a prova indirecta se faz valer através desta espécie de presunções.
As presunções simples ou naturais são, assim, meios lógicos de apreciação das provas, são meios de convicção. Cedem perante a simples dúvida sobre a sua exactidão no caso concreto.
Como é referido no Ac. do STJ de 07-01-2004
[10], «na passagem de um facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.(…)
A ilação decorrente de uma presunção natural não pode, pois, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penam em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável.
Há-de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de descontinuidade, e sem relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios no percurso lógico de congruência experimental típica determina um corte na continuidade do raciocínio e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões».
Em suma, nos parâmetros expostos, a apreciação da prova engloba não apenas os factos probandos apresáveis por prova directa, mas também os factos indiciários, factos interlocutórios ou habilitantes, no sentido de factos que, por deduções e induções objectiváveis a partir deles e tendo por base as referidas regras da experiência, conduzem á prova indirecta daqueles outros factos que constituem o tema de prova. Tudo a partir de um processo lógico-racional que envolve, naturalmente, também elementos subjectivos, inevitáveis no agir e pensar humano, que importa reconhecer, com consistência e maturidade, no sentido de prevenir a arbitrariedade e, ao contrário, permitir que actuem como instrumento de perspicácia e prudência na busca da verdade processualmente possível».
[6] Cfr. Acórdão da Relação do Porto de 13.12.2006, Processo-0615421 - «A credibilidade de um depoimento afere-se pela sua razão de ciência. A fonte de conhecimento dos factos é um elemento da maior relevância para a apreciação da força probatória do depoimento.
Em regra, a testemunha depõe sobre factos, pertinentes ao objecto da prova e dos quais possua conhecimento directo (cfr. art. 128º). O que bem se compreende dadas as exigências próprias dos princípios de imediação, de igualdade de armas e da regra da cross-examination.
Aliás, são estas mesmas exigências que justificam que, também em regra, o depoimento indirecto não possa ser eficaz como meio de prova, a menos que se verifiquem determinados condicionalismos. Desde logo, terá de resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, sendo que as vozes ou rumores públicos se encontram expressamente afastados pelo nº 1 do art. 130º do C. Penal. Em segundo lugar, é conditio sine qua non para que possa ser valorado, que o juiz chame a depor a pessoa a quem a testemunha ouviu relatar os factos que transmite ao tribunal. No entanto, e procurando algum equilíbrio entre os princípios acima aludidos, prevê a lei uma excepção a esta regra, decorrente da impossibilidade de ouvir as pessoas indicadas.
Impossibilidade essa que terá de se enquadrar numa das hipóteses taxativamente enumeradas: a morte, a anomalia psíquica ou a impossibilidade de encontrar aquelas pessoas. É o que resulta da disciplina estabelecida no nº 1 do art. 129º do C. Penal que, assim, contém uma proibição não absoluta do depoimento testemunhal indirecto.
A verificação das duas hipóteses enumeradas em primeiro lugar não sofrerá grandes dúvidas, pois nestes casos a impossibilidade é absoluta; já o mesmo se não dirá em relação à impossibilidade de encontrar as pessoas indicadas.
Terá essa impossibilidade de ser absoluta, no sentido de que, esgotadas todas as diligências tendentes a encontrá-las, nem mesmo assim foi possível determinar o seu paradeiro? Ou bastar-se-á a lei com uma impossibilidade relativa, decorrente do insucesso das diligências efectuadas para as encontrar no local onde era suposto que deviam estar, insucesso esse que permite antever que só a muito custo (ou, quiçá, nem mesmo assim) elas serão encontradas? Inclinamo-nos para a admissibilidade da impossibilidade relativa, desde que, obviamente, hajam sido efectuadas as diligências que, no caso concreto e atentos os seus condicionalismos, se apresentavam como razoáveis».

[7] Veja-se ainda o Acórdão desta Relação de 30/3/2011, que opinou o seguinte:
«Pressupostos do direito ao silêncio são a existência de um inquérito e a condição de arguido. A partir da aquisição dessa qualidade, este assume um estatuto próprio, com direitos e deveres e, entre aqueles, o direito de não se auto-incriminar. Daí que as suas declarações só possam ser recolhidas e valoradas nos precisos termos legais, não detendo validade probatória as “conversas informais”.
Em fase anterior, não há ainda inquérito instaurado, não existem ainda arguidos constituídos. As informações que forem então recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo.
Situação assaz diversa se verifica em relação às “conversas informais” ocorridas no decurso do inquérito, quando há arguido constituído, e se pretende com as mesmas suprir o silêncio daquele por depoimentos de agentes de polícia».