Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
189/09.3IDSTR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: CRIME FISCAL
PENA DE PRISÃO
SUSPENSÃO
JUÍZO DE PROGNOSE
CUMPRIMENTO
CONDIÇÃO
PRISÃO EFECTIVA
Data do Acordão: 03/19/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE ALCANENA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 14º E 105.º DO RGIT E 50º Nº 1 CP.
Sumário: 1.- Sendo o arguido condenado em pena de prisão pela prática de crime de abuso de confiança fiscal, a suspensão da execução dessa pena fica obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos;

2.- Efetuado um juízo negativo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal, por parte do condenado, durante o limite máximo do período de suspensão, não se verificam os requisitos, não havendo por isso lugar à aplicação da suspensão da pena e devendo por essa razão o arguido cumprir a pena efetiva de prisão.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.

No processo supra identificado em que são arguidos:

«A..., Lda», sociedade por quotas, com sede na Rua (...) Alcanena, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Alcanena sob o nº (...), representada pelo respetivo gerente B... e

B... , gestor, casado, filho de (...) e de (...), natural da freguesia de (...), concelho de Lisboa, nascido em 01-02-1965, titular do B.I. n.° (...), residente na Rua (...), Torres Novas.

Na sequência do reenvio ordenado, foi proferida decisão que:

Julgou, integralmente, procedente a acusação pública deduzida, pelo Ministério Público, e,

- a) condenou a arguida, A..., Lda., como autora material de um crime de abuso de confiança fiscal, sob a forma consumada e continuada, previsto e punível pelo artigo 105 do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pelo artigo 1, número 1, da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros), perfazendo um total de € 750 (setecentos e cinquenta euros);

b) advertiu o arguido, B..., que, de acordo com o disposto no artigo 8, número 1, alínea a), do R.G.I.T., é, subsidiariamente, responsável pelo pagamento da pena de multa em que a arguida, A..., Lda., vai condenada;

c) condenou o arguido, B..., como autor material de um crime de abuso de confiança fiscal sob a forma consumada e continuada, previsto e punível pelo artigo 105 do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pelo artigo 1, número 1, da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, e 30, número 2, do Código Penal, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de € 7 (sete euros), perfazendo um total de € 2.100 (dois mil e cem euros);

d) advertiu o arguido, B..., que, subsidiariamente e caso não pague a pena de multa em que foi condenado no prazo legal que lhe for fixado (ou requeira a respetiva substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade), a dita pena de multa poderá ser convertida em 200 (duzentos) dias de prisão subsidiária, nos termos do disposto no artigo 49, número 1, do Código Penal;

e) julgou, parcialmente, procedente por provado o pedido de indemnização civil formulado – em representação da Fazenda Nacional, pelo Ministério Público – contra os arguidos, A..., Lda. e B..., condenando estes últimos no pagamento à primeira, Fazenda Nacional, da quantia total de € 78.467,13 (setenta e oito mil, quatrocentos e sessenta e sete euros e treze cêntimos), acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, contabilizados às taxas de juros de mora, sucessivamente, em vigor, aplicáveis às dívidas ao Estado Português e a outras entidades públicas, a partir do dia em que o mesmo foi notificado para, querendo, contestar este pedido até efetivo e integral pagamento, em conformidade com o preceituado nos artigos 804, número 1, e 806, números 1 e 2, ambos do Código Civil (e, bem assim, nos artigos 18, 30, 31, 35, 36 e 44 da Lei Geral Tributária e o artigo 89 do C.I.V.A., no artigo 3 do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março, e, finalmente, o Aviso n.º 27831-F/2010, de 31 de Dezembro, no que tange à taxa de juro, atualmente, em vigor) e, finalmente, nos – outrora - artigos 661 e 668, número 1, alínea e), do Código de Processo Civil e atuais artigos 609 e 615, número 1, alínea e), do mesmo diploma legal.


***

Inconformado interpôs recurso, o Magistrado do Mº Pº, para esta Relação:

São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do seu recurso, e que delimitam o objeto do mesmo:

1- Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos à margem identificados, na parte atinente à pena aplicada ao arguido B...;

2- O Tribunal a quo ao optar pela aplicação da pena de multa ao arguido B... violou o disposto no art. 40, n.º 1 e 70 do Código Penal;

3- De facto, a pena não privativa da liberdade não se revela suficiente para acautelar as finalidades da punição atendendo ao passado criminal do arguido;

4- O arguido apresenta historial criminal extenso e por crimes da mesma natureza daquele pelo qual foi condenado nos presentes autos;

5- O que denota clara tendência para a prática de crimes de natureza fiscal com o consequente depauperar do sistema fiscal;

6- O crime pelo qual o arguido foi condenado nos presentes autos foi praticado no período da suspensão da pena de prisão aplicada no Processo n.º 87/02.1TAACN, onde o arguido foi condenado pela prática de crime de idêntica valoração jurídico-normativa;

6 (repetida) - O que reforça a conclusão que a pena de multa é insuficiente para acautelar as finalidades da punição;

7- De realçar ainda que, embora em momento ulterior à prática dos factos em apreciação nos presentes autos mas por factos anteriores, o arguido foi condenado em pena de prisão efetiva pela prática de crimes de idêntica valoração jurídico-normativa; e

8- Face ao exposto entendemos que uma correta aplicação do normativo ínsito no art. 40, n.º 1 e 70 do Código Penal impunha a aplicação ao arguido B...s de pena não privativa da liberdade, pelo que se pugna.

Não foi apresentada resposta pelo arguido/recorrido.

Nesta Instância, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto entende, no parecer emitido, que o recurso merece provimento.

Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.

Não foi apresentada resposta.

Foram colhidos os vistos legais.

Efetuada a conferência cumpre decidir.


***

É a seguinte a matéria de facto apurada:

Fundamentação:

Matéria de facto provada:

1. A sociedade por quotas « A..., Ldª» foi constituída em 06 de Abril de 1990, tendo como objeto social a comercialização de hardware, serviços contabilísticos e fiscais e a mediação de serviços, situando-se a sua sede na Rua A... Alcanena e está enquadrada no regime normal de periodicidade mensal para efeitos de tributação por Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA).

2. O arguido B... foi um dos fundadores da referida sociedade e assumiu a gerência da mesma desde a respetiva constituição, sendo o único gerente designado para a sociedade arguida.

3. O arguido B..., desde a constituição da sociedade arguida, exerceu de facto a gerência da mesma, nomeadamente decidindo quanto ao cumprimento e incumprimento das obrigações fiscais da mesma.

4. No âmbito da atividade da sociedade arguida, esta, veio desde a sua constituição prestando serviços a terceiros, que faturava e de que se fazia pagar.

5. Em data não concretamente apurada mas situada no primeiro trimestre de 2005, o arguido B... decidiu não entregar aos competentes serviços da administração fiscal nem as declarações periódicas mensais relativas a Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) daquela sociedade, nem os valores de tal imposto que fosse, mensalmente, apurado a favor do Estado pela sociedade arguida – resultante da diferença entre o IVA por esta suportado e o IVA liquidado aos seus clientes – mais decidindo passar a usar as disponibilidades financeiras assim obtidas no normal giro de tal sociedade.

6. Nos períodos de imposto que a seguir se indicam, a sociedade arguida apurou IVA a favor do Estado nos seguintes montantes, que efetivamente recebeu dos respetivos clientes:

- no 1.º trimestre de 2005, um total de € 16.113,92, sendo de € 6.348,90, € 6.660,68 e € 3.104,34 o valor do IVA apurado e recebido nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2005, respetivamente;

- no 2.º trimestre de 2005, um total de € 11.442,98, sendo de € 39,45, € 7.514,49 e € 3.889,04 o valor do IVA apurado e recebido nos meses de Abril, Maio e Junho de 2005, respetivamente;

- no 3.º trimestre de 2005, um total de € 9.075,95, sendo de € 5.912,14, € 1.426,26 e € 1.737,54 o valor do IVA apurado e recebido nos meses de Julho, Agosto e Setembro de 2005, respetivamente;

- no 4.º trimestre de 2005, um total de €15.358,13, sendo de € 4.179,69, € 7.597,68 e € 3.590 o valor do IVA apurado e recebido nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2005, respetivamente;

e

- no 2.º trimestre de 2006, um total de € 26.476,15, sendo de € 358,31, € 25.996,04 e € 121,80 o valor do IVA apurado e recebido nos meses de Abril, Maio e Junho de 2006, tudo perfazendo o montante de € 78.467,13;

7. O arguido B..., como gerente da sociedade arguida, devia ter remetido ou feito remeter à administração fiscal quer as declarações periódicas relativas a tais períodos de tributação, quer cada um dos valores de IVA assim apurados a favor do Estado.

8. Porém, em execução daquele seu desígnio apropriativo, o arguido B... não remeteu nem fez remeter aos competentes serviços da administração fiscal as declarações devidas e os valores de IVA apurados, nem no prazo legalmente previsto para o efeito, acima referido, nem nos noventa dias seguintes ao termo de tal prazo.

9. As declarações de IVA acima referidas não foram entregues à administração fiscal até à presente data e os valores devidos que se indicaram não deram entrada nos cofres do Estado.

10. Agindo do modo descrito, logrou o arguido B... apropriar-se de cada um daqueles valores, passando a dispor das disponibilidades financeiras resultantes de tal omissão de entrega em benefício da sociedade arguida, como se tais valores seus fossem.

11.O arguido B... sabia que os valores de IVA apurados mensalmente pela sociedade arguida não lhes pertenciam, nem à sociedade por si administrada, e que eram pertença da Fazenda Nacional, bem como que deviam entregá-los nos cofres do Estado até ao dia 15 do segundo mês seguinte ao termo do período de tributação a que respeitavam, mas não se abstiveram de omitir a sua entrega, o que quiseram.

12.O arguido B... agiu em representação e no interesse da primeira arguida, em razão de dificuldades financeiras que a mesma atravessava.

13.Ao omitir tais entregas, o arguido B... agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, em nome e no interesse da sociedade arguida, bem sabendo que estava a prejudicar o regular funcionamento do sistema fiscal e o erário público e que a sua conduta era proibida e punida por lei;

14.A sociedade arguida e respetivo gerente foram notificados nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105º, nº 4, al. b), do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, em 19 de Janeiro de 2011, não tendo sido pagos os valores em dívida nem o acrescido nos termos ali previstos.

15.Os arguidos não foram notificados do teor da alteração da periodicidade oficiosamente determinada pela Administração Fiscal conforme dispõe o artigo 41, n.º 7 do CIVA.

16.Os arguidos têm averbados no seu registo criminal os crimes constantes de fls. 1216 e 1266 e ss..

17.O arguido B... reside com a mãe dos 2 (dois) filhos (menores) que tem, juntamente com estes.

18.O arguido B... tem como habilitações literárias o 12.º ano de escolaridade.

19. Atualmente, e já depois de ter recuperado a liberdade, o arguido B... retomou a atividade empresarial, desta feita, no Brasil, onde gere negócios de terceiros que, por conta dela, o remuneram com 5.000 reais, mensalmente.

20. As despesas em que incorre com habitação e deslocações ascendem, mensalmente, a cerca de € 2.500.

II.2. Matéria de Facto Não Provada

Inversamente, com interesse para a decisão a proferir não ficou demonstrado que a sociedade arguida estivesse enquadrada no regime de periodicidade trimestral para efeitos de IVA.


*

E foi tido em consideração na escolha e determinação concreta da pena:

(…)

Assim, e porque o crime que concluímos ter sido praticado pelos ora arguidos é punido, no que concerne às pessoas singulares, em alternativa com pena de prisão até 3 (três) anos ou com pena de multa, é forçoso - antes de mais - determinar qual a natureza da pena a aplicar, mas só, efetivamente, no que ao arguido, B... (…).

A este propósito, e, desde logo, dispõe o artigo 40 do Código Penal que a aplicação de penas e medidas de segurança visa a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Por sua vez, prescreve o artigo 70 do Código Penal que, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dará preferência à segunda sempre que esta realizar, de forma adequada e suficiente as finalidades de prevenção, ou seja, se mostre suficiente para promover a reintegração social do agente e satisfaça as exigências de reprovação e de prevenção do crime.

A opção por uma pena de prisão só pode, assim, ter lugar quando estejam presentes razões de prevenção que não fiquem suficientemente salvaguardadas com uma pena não detentiva, ou seja, quando as sanções não detentivas não se mostrem adequadas à satisfação das exigências de prevenção.

Atenta as molduras penais abstratas previstas para o crime em apreço, a primeira operação que urge levar a cabo é, portanto, a escolher entre a aplicação ao caso sub judice de penas privativas da liberdade ou de penas não detentivas.

A este propósito, e para o efeito, importa ter presente que são muito elevadas as exigências de prevenção geral que se fazem sentir neste domínio, porquanto se trata de um crime que vem sendo praticado com cada vez maior frequência, causando forte alarme social, essencialmente, por contribuir para a “falência” dos mecanismos de proteção social.

A isto acresce que o arguido, B..., está longe de se poder dizer primário, omitiu a remessa das declarações periódicas à administração fiscal e, ainda, não liquidou a dívida acumulada. Mantém-se – outrossim – em atividade, o que, desde logo, faz aumentar o risco da situação se repetir.

A verdade é, porém que, também não pode deixar de se ter presente, que a última condenação sofrida diz respeito a factos ocorridos há perto de uma década e que o arguido, B..., cumpriu, entretanto, pena de prisão efetiva, tendo refeito a sua vida sem dificuldades e não há notícia de ter acumulado dívida “nova”.

A isto acresce que está, perfeitamente, integrado familiar e socialmente, razões pelas quais se considera que a aplicação de uma pena de multa é, ainda, suficiente, para realizar as finalidades da punição, para mais volvidos que são tantos anos sobre a data da prática dos factos.

Afigura-se-nos – pois, em face de tudo quanto ficou dito e também em face da confiança que não podemos deixar de acalentar no efeito ressocializador das penas (designadamente, das penas de prisão de cumprimento efetivo como é o caso da que o arguido, B..., cumpriu – que é possível acreditar que a mera sanção pecuniária se revela suficiente para realizar as finalidades da punição, razão pela qual o que importa – agora - é proceder à determinação da medida concreta das penas de multa a aplicar.

(…)

A favor dos arguidos, A..., Lda. e B..., militam:

-as suas condições pessoais;

-o destino que terá sido dado às prestações em falta (a saber, o pagamento a outros credores da firma que, seguramente, os pressionaram mais);

e, finalmente,

-a sua postura extraprocessual, traduzida na não acumulação de dívida adicional.

Ao invés, e contra os mesmos divisam-se o seu passado criminal, a intensidade do dolo com que agiram (dolo direto), o grau da ilicitude da sua conduta, que é mediano se considerarmos o hiato temporal durante o qual a mesma se prolongou, a dimensão do prejuízo causado ao Estado Português, a não remessa das declarações periódicas em devido tempo, a qual não terá deixado de obstaculizar à deteção (precoce) do sucedido e, finalmente, a circunstância de não terem regularizado – sequer – em parte a dívida acumulada.

(…)


***

Conhecendo:

O recorrente insurge-se:

- Relativamente à escolha da pena aplicada ao arguido B..., entendendo como insuficiente a pena de multa, tendo como necessária e adequada a aplicação de pena detentiva (embora por lapso na conclusão 8 refira “impunha a aplicação… de pena não privativa da liberdade”.


***

Escolha da pena:

O recorrente coloca em crise a aplicação de pena não detentiva, pena de multa, entendendo que, in casu, apenas pena detentiva satisfaz as necessidades da punição.

Conforme art. 70 do CP, o tribunal deve dar preferência à pena não detentiva sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, mas apenas nesses casos.

Perante a previsão abstrata de uma pena compósita alternativa (multa ou prisão), o tribunal deve dar preferência à multa sempre que formule um juízo positivo sobre a sua adequação e suficiência face às finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial de socialização, preterindo-a a favor da prisão na hipótese inversa.

Como refere o Prof. Figueiredo Dias «são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efetiva aplicação.» - Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, § 497, pág. 331.

E, sobre esta matéria foi referido na sentença, “A este propósito, e para o efeito, importa ter presente que são muito elevadas as exigências de prevenção geral que se fazem sentir neste domínio, porquanto se trata de um crime que vem sendo praticado com cada vez maior frequência, causando forte alarme social, essencialmente, por contribuir para a “falência” dos mecanismos de proteção social” (sublinhado nosso), sendo que depois se optou por pena não detentiva.

Assim como se considerou que, “A isto acresce que o arguido, B..., está longe de se poder dizer primário, omitiu a remessa das declarações periódicas à administração fiscal e, ainda, não liquidou a dívida acumulada. Mantém-se – outrossim – em atividade, o que, desde logo, faz aumentar o risco da situação se repetir”, verificando-se, por conseguinte, exigências de prevenção especial.

A escolha entre a pena de prisão e a alternativa ou de substituição depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial – Maia Gonçalves, em anotação ao artigo 70 do Código Penal anotado e comentado.

A escolha das penas é determinada apenas por considerações de natureza preventiva, uma vez que as “finalidades da punição” são exclusivamente preventivas – Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código Penal, 2ª edição atualizada, pág. 266.

Temos assim que a escolha da pena depende de critérios de prevenção geral e especial v.g. Acórdão deste Tribunal, de 17 de Janeiro de 1996, in CJ, ano XXI, tomo I, pág. 38., pelo que o julgador, perante um caso concreto, tem que valorar os factos para depois optar por aplicar uma pena detentiva ou não detentiva.

A escolha da pena, nos termos do artigo 70 depende exclusivamente das finalidades da punição pelo que o julgador só deve optar pela cominação de pena privativa da liberdade quando a mesma se mostre consentânea com os princípios de prevenção geral e especial, isto é, quando se mostre necessária porque a aplicação de pena não detentiva não se mostra adequada e suficiente às finalidades da punição. Mas em tal situação deve aplica-la.

Certo é que, nos casos como o em apreço, atentas as acentuadas necessidades de prevenção geral atualmente ligadas aos tipos de crime em causa e as necessidades de prevenção especial que o presente caso encerra já que o arguido possui antecedentes criminais (para além de outros, com crime da mesma natureza).

Além de outras condenações, esta é a terceira condenação do arguido, pela prática de factos semelhantes:

Factos de 2000, foi condenado em 2005, pela prática de dois crimes de fraude fiscal, na pena de 2 anos e oito meses de prisão, suspensa na sua execução;

Factos de 2002, foi condenado em 2009, pela prática de três crimes de abuso de confiança fiscal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.

Constatando-se que o arguido praticou factos integrados na conduta analisada nestes autos, na altura e após a condenação em 2005, em que lhe foi suspensa a execução da prisão. Praticou factos integradores da conduta, no período em que vigorava a suspensão da execução da pena.

Sobre a escolha da pena a aplicar nos crimes de abuso de confiança fiscal, se pronunciou o STJ no Ac. de 6-01-2005, in Col. Jurisp. Tomo 1, pág. 165, «Em face da banalização da prática dos crimes em análise, demonstrada pelos elevados índices de criminalidade fiscal, mormente na área desta comarca, cuja economia assenta fortemente na indústria, são de considerar prementes no caso as exigências de prevenção geral.

Também não podem ser descuradas as exigências de prevenção especial que no caso se fazem sentir, na medida em que, pese embora o arguido não tenha passado criminal [contrariamente ao verificado nestes autos], o mesmo continua a exercer a atividade que o levou à prática dos crimes apurados, o que potencia a repetição de idênticas condutas criminosas.

Ante o exposto, e com vista à promoção de uma consciência ética fiscal, opta-se pela aplicação ao arguido da pena de prisão, sob pena de as sanções para as condutas em análise serem tomadas como simples impostos, assim se contribuindo para a manutenção do grau de frequência dos referidos delitos, precisamente porque nestas circunstâncias se perdeu a noção de que a regra é para ser levada a sério, enquanto padrão de comportamento (cfr. Herbert Hart, O Conceito de Direito, Gulbenkian, pág. 47).

Como a este respeito refere Jorge dos Reis Bravo, "O fenómeno da evasão fiscal, sendo uma realidade endémica e quase cultural, fez com que se reclamasse uma atitude mais firme e exigente por parte do Estado, no sentido de ser efetivado o cumprimento dos deveres fiscais, por todos os cidadãos e em condições de igualdade de tratamento". E essa firmeza de atitude, no confronto com a realidade atualmente patenteada nos tribunais, revela-se ainda mais necessária (cfr. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 9, fasc.º 4, Out./Dez. 1999, pág. 630)».

Sendo do seguinte teor o sumário. “nas infrações fiscais ou tributárias puníveis, em alternativa, com pena de multa ou de prisão, a opção por esta ultima impõe-se dadas as fortes razões de prevenção geral que particularmente se fazem sentir neste tipo de ilícitos e sempre que o benefício ilegítimo obtido pelo arguido, com o correspondente prejuízo para o Estado, seja significativo”

Também e, face às condenações anteriores respeitando a ilícitos de diversa (e idêntica) natureza, são significativas as exigências de prevenção especial, dada a persistência do arguido na violação das normas penais.

Assim que se entenda ser de revogar a decisão recorrida, entendendo-se que pena não detentiva não se mostra suficiente para realizar as finalidades da punição –art. 70 do CP, proteção dos bens jurídicos e a integração do agente na sociedade –art. 40 do mesmo CP.

Havendo agora que determinar em concreto a pena a aplicar.

Medida da pena:

Na aplicação da medida da pena deve ter-se em conta o disposto no art. 71, nº 1 e 2, do C. Penal.

Aí se diz – no seu nº 1 – que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (geral e especial).

Visando-se, com a aplicação das penas, a proteção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, art. 40 nº1 do Cód. Penal.

No que se refere à prevenção geral, haverá que dizer que esta radica no significado que a "gravidade do facto" assume perante a comunidade, isto é, importa aferir do significado que a violação de determinados bens jurídico penais tem para a comunidade (na sociedade ocidental releva os crimes cometidos contra a vida) e satisfazer as exigências de proteção desses bens na medida do necessário para assegurar a estabilização das expectativas na validade do direito (cfr. ANABELA RODRIGUES, A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra, 1995, págs. 371 e 374) ou, por outra forma, a consideração da prevenção geral procura dar "satisfação à necessidade comunitária de punição do caso concreto, tendo-se em conta de igual modo a premência da tutela dos respetivos bens jurídicos" (Ac. STJ de 4-7-1996, CJSTJ, II, p. 225).

Sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, art. 40 nº 2 do C. Penal.

Decorre, assim, de tais normativos que a culpa e a prevenção constituem os parâmetros que importa ter em apreço na determinação da medida da pena.

Na determinação concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele – art. 71 nº 2 do C. Penal.

Enunciando-se, de forma exemplificativa, no mesmo nº 2 quais as circunstâncias que podem ter tal função.

No caso concreto:

A ilicitude revela-se acentuada, atento o número de condutas ilícitas que integram a continuação criminosa, o período de tempo durante o qual se manteve a reiteração da atividade criminosa e, o valor de cada um dos montantes não declarados, retidos e não entregues;

As consequências dos ilícitos assumem muita gravidade, na medida em que o arguido causou ao Estado um prejuízo no valor total de € 78.467,13, prejuízos esses que nenhum dos arguidos ressarciu;

O grau da culpa mostra-se acentuado, tendo em conta que o arguido agiu com dolo direto, apenas havendo a considerar as dificuldades económico-financeiras que o mesmo na altura atravessava e que terão estado na origem das suas apuradas condutas criminosas;

As exigências de prevenção geral e especial revelam-se acentuadas, pelas razões acima apontadas, valendo aqui os argumentos lá expendidos, havendo que incentivar nos cidadãos a convicção que comportamentos deste jaez são punidos, assim como há que dissuadir o arguido para que não volte a prevaricar;

As condições de vida do agente - o arguido vivencia normais condições de vida, estando social, profissional e familiarmente integrado;

A pena só cumpre a sua finalidade enquanto sentida como tal pelo seu destinatário – cfr. Ac. desta Relação de 7-11-1996, in Col. jurisp. tomo V, 47. O que parece não ter surtido efeito com as penas anteriormente aplicadas.

É de ponderar o facto de o arguido já ter sofrido condenações e cumprido penas, pela prática de crimes de igual natureza (e de outra).

O arguido praticou os factos pelos quais ora responde, antes e depois de condenação por factos da mesma natureza.

Atenta a natureza de uma pena ou sanção, o condenado tem de senti-la sob pena de se poder traduzir em “absolvição encapotada”, e não surtir o efeito pretendido pela lei. As penas têm essa designação, de outro modo não o seriam, nem constituiriam dissuasor necessário para prevenir as infrações, se não forem sentidas como tal, quer pelo agente, quer pela comunidade em geral.

As condenações sofridas manifestam que o arguido desde há muitos anos adota comportamento contrário aos ditames da vida em sociedade e a quem já foram dadas as oportunidades para inverter esse seu comportamento.

As advertências efetuadas ao arguido deveriam ter servido para que o mesmo evitasse voltar a prevaricar, o que não sucedeu.

Tendo em conta os vetores apontados, tendo em conta a moldura penal do crime, pena de prisão até três anos, temos como justa e adequada a pena concreta de 9 (nove) meses de prisão.

Pena de substituição:

Suspensão da execução da pena de prisão.

O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2012, in Diário da República, 1.ª série — N.º 206 — 24 de outubro de 2012, decidiu: «No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia.»

O arguido aufere mensalmente 5000 reais, quantia superior a 1500,00€ e apresenta despesas mensais de 2500,00€, pontos 19 e 20 dos provados.

Donde resulta inexistir o indicado juízo de prognose de possibilidade de satisfação da condição legal.

O Tribunal Constitucional tem julgado compatível com a Constituição a norma do art. 14 do RGIT, nomeadamente no Ac. de 27-10-2009, no processo n.º 1005/08, no qual se decidiu “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 14.° do RGIT, em conjugação com os artigos 50.º e 51.º do Código Penal, na redação dada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, interpretada no sentido de que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de duração da pena de prisão concretamente determinada, de prestação tributária e acréscimos legais”.

Nos termos do art. 14 do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de 5 anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, podendo ser acrescida do pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa. Preceito que não sofre de inconstitucionalidade conforme Ac. do STJ de 06-01-05, in Col. Jurisp. Tomo I, pág. 165.

Pelo que não se verificando aquele juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal, pagamento da prestação tributária e legais acréscimos, por parte do condenado durante o limite máximo do período de suspensão, temos que não se verificam os requisitos, não havendo lugar à aplicação desta pena de substituição.


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Decisão:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra e Secção Criminal:

1- Em julgar procedente o recurso interposto pelo Magistrado do Mº Pº e, em consequência:

a)- Revoga-se parcialmente a sentença recorrida e:

1- Pela prática, em autoria material e na forma consumada e continuada, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos artigos 6 e 105 do RGIT e 30, nº 2 do Código Penal, condena-se o arguido B... na pena de 9 (nove) meses de prisão;

b)- No mais mantem-se a sentença recorrida.

Sem custas.

Jorge Dias (Relator)

Orlando Gonçalves