Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
93/18.4T9CLB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES DE MENOR GRAVIDADE
CONSUMO
IN DUBIO PRO REO
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
REENVIO DO PROCESSO PARA NOVO JULGAMENTO
Data do Acordão: 03/18/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE CELORICO DA BEIRA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA, EM PARTE
Legislação Nacional: ART. 25.º, AL. A), DO DL 15/93, DE 22-01; ART. 410.º, N.º 2, AL. C), 426.º E 426.º-A, DO CPP
Sumário: I - No caso configurado nos autos, donde decorre a condenação do arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo art. 25.º, al. a), do DL 15/93, de 22-01, a fundamentação da decisão de facto, exarada na sentença, que parcialmente se transcreve “(…) também nada se tendo demonstrado com certeza quanto ao destino que o arguido dava ao produto estupefaciente [37,332g de cannabis, com um grau de pureza de 18,4%] que detinha e transportava (seja consumo, seja cedência/venda a terceiros consumidores)…”, revela inequivocamente a dúvida, manifestada pelo julgador, sobre o fim daquela substância, sendo de admitir, inclusivamente, que fosse para consumo do próprio.

II – Deste modo, ocorre violação do princípio in dubio pro reo, reconduzida ao vício de erro notório na apreciação da prova que, sendo insusceptível de sanação na Relação, determina o reenvio do processo para novo julgamento.

Decisão Texto Integral: Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do processo comum singular n.º 93/18.4T9CLB do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, C. Beira – Juízo C. Genérica, mediante acusação pública, foi o arguido A., melhor identificado nos autos, submetido a julgamento, sendo-lhe, então, imputada a prática, como autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelos artigos 21.º. n.º 1 e 25.º, alínea a), do D.L. n.º 15/93, de 22.01, com referência à Tabela I-C anexa.

2. Realizada a audiência de discussão e julgamento, por sentença de 9 de julho de 2019, o tribunal decidiu [transcrição do dipositivo]:

Pelo exposto, decide-se julgar a acusação procedente, por provada e, em consequência:

a) Condenar o arguido A. pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de produto estupefaciente de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º, al. a) do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, em conjugação com o art.º 21.º do mesmo diploma legal, por referência à Tabela I-C anexa ao mesmo e à Portaria n.º 94/96, de 26/03, na pena de dois anos e dois meses de prisão;

b) Descontar um dia no tempo de prisão fixado em a), ficando, pois, por cumprir dois anos um mês e vinte e nove dias de prisão.

[…]


*

Declara-se perdido a favor do estado o produto estupefaciente apreendido nos presentes autos, ordenando a sua destruição (arts. 35.º, n.ºs 1 e 2 e 62.º, n.º 6 do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro).

[…]”.

3. Inconformado com o assim decidido recorreu o arguido, formulando as seguintes conclusões:

I. QUESTÃO PRÉVIA

O arguido foi notificado por órgão de polícia criminal no dia 30.01.2019 sobre a aplicação de pena em processo sumaríssimo - o que aceitou e não se opôs.

O ato do MP de 04.02.2019 que reenvia e acusa em forma de processo comum configura uma inesperada mutação da ordem jurídica e prejudicou o direito à defesa do arguido, pelo que é nulo todo o processado desde esse momento.

II. DE FACTO

Os dados recolhidos pelo GNR no momento em que elabora o auto de notícia não são suficientes para determinar a autoria de qualquer crime, mormente in casu, a posse ou propriedade de estupefacientes.

No caso dos autos, do auto nada consta como facto indesmentível que todo o produto estupefaciente se encontrava dentro de uma coluna de som de que não se sabe quem era o dono, por serem quatro os passageiros da viatura.

A "confissão" do arguido constante do auto de notícia e depois reproduzido em audiência pela testemunha, militar da GNR,   AR (...)  - 05.06.2019, das 9h46 às 10h07, não pode ser valorada como meio de prova,

6.ª

E ao não ser possível entender-se como prova relevante o depoimento do agente policial, fica sem ser possível determinar quem era o detentor do mesmo produto.

Acresce que, qualquer "confissão" distribuindo o produto pelos quatro ocupantes, sem mais elementos também não podia ser valorado para efeitos de prova em audiência.

Da mesma forma, não resultou provado da sentença recorrida, através de outros elementos de prova que o arguido detivesse qualquer produto estupefaciente e muito menos que o arguido se dedicava ao tráfico de droga, ou tão pouco qual o destino que daria ao produto.

Pelo que, terá de ser dado como não provado o facto 2. dos factos dados por provados e, consequentemente absolvido o arguido segundo o princípio do "in dubio pro reo".

10ª

Do Relatório Social junto aos autos a fls. 252 a 255, a douta sentença recorrida apenas valora probatoriamente a parte potencialmente prejudicial ao arguido.

11ª

Dali resulta claro que o arguido é consumidor deste tipo de estupefacientes.

12ª

Esta matéria deveria ser dada por provada, pois que a dito relatório embora não faça absoluta fé em juízo, é fundamental para a decisão final do processo.

13ª

O mesmo resulta dos restantes elementos dos autos (integração laboral do arguido, uso exclusivo dos rendimentos do trabalho, não foram encontrados quaisquer instrumentos destinados à venda ou quantias monetárias daí resultantes e o ambiente de festival).

14ª

Assim, deverá ser aditado um novo ao elenco dos factos provados e que consiste:"0 arguido/foi consumidor de produtos estupefacientes, pelo menos até Dezembro de 2018."

I.DE DIREITO:

Insuficiente fundamentação da decisão:

15ª

Como se disse a "confissão" do arguido constante do auto de notícia não pode ser valorada como meio de prova, por força do disposto nos artigos 356Q/7, 129Q, 355Q, todos do CPP.

16ª

Subsiste apenas o auto de notícia e não há factos que comprovem, pois, a prática do crime, pelo que há erro notório na apreciação da prova pelo Tribunal "a quo" - art. 410.º/2,a) e c) do CPP,

17ª

O que determina necessariamente a nulidade da sentença, nos termos do art. 379º/1, a) e 374/2 do CPP, e consequentemente a absolvição do arguido.

Sem prescindir,

Crime de consumo - art. 40º/2 do DL 15/93, de 22/1

18ª

Mesmo que se entendesse que o arguido era portador de 37,332 gramas de cannabis (resina), a dúvida sobre qual o destino do produto sempre seria resolvida a seu favor, de acordo com o princípio da inocência e culpa.

19ª

Pelo que, a decisão recorrida deveria ser substituída por outra que condene o arguido pela prática de um crime de consumo, p. e p. pelo art. 40.º/2 do DL 15/93, de 22/1.

Sem prescindir,

Da medida da pena e sua suspensão:

20ª

Mesmo que se entendesse ter havido a prática do crime porque vinha acusado, o Tribunal "a quo" não teve em conta, mais uma vez, o Relatório Social, de onde resulta que o arguido neste momento já se encontra inserido socialmente.

21ª

A suspensão da execução da pena seria um imperativo legal porquanto, pese embora, um passado difícil do arguido, neste momento, trabalha e ajuda a filha menor com os seus rendimentos.

22ª

A não suspensão da pena poderia levar à revogação de outras que tem suspensas, o que implicaria "atirar" o arguido para a prisão por um período de 6 ou 7 anos.

23ª

Ora, as exigências de prevenção especial não são compatíveis com a hipotética situação acabada de referir.


*

Termos em que, revogando a douta sentença, porquanto:

a) Todo o processo é nulo a partir do momento em que o arguido aceita a aplicação da pena em processo especial sumaríssimo;

b) É nula a sentença por inequívoca falta de fundamentação;

c) Sempre seria nula, porque não podiam ser dados como provados os factos exclusivamente com o auto de notícia;

d) Existe, pois, erro notório na apreciação da prova;

Sem prescindir,

e) Nunca poderia ser condenado por tráfico, mas por consumo;

Sem prescindir,

f) Sempre a pena deveria ser reduzida aos seus limites mínimos legais e suspensa a sua execução pelo mesmo período.

Se fará

JUSTIÇA!

4. Foi proferido despacho de admissão do recurso.

5. Ao recurso respondeu [sem que haja formulado conclusões] o Ministério Público, defendendo a respetiva improcedência.

6. Na Relação a Exma. Procuradora-Geral Adjunta proferiu parecer, pronunciando-se no sentido de o recurso não merecer provimento.

7. Cumprido o n.º 2 do artigo 417.º do CPP, o recorrente não reagiu.

8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cabendo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

Considerando as conclusões, pelas quais se delimita o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de eventuais questões de natureza oficiosa, no caso em apreço importa decidir se (i) é nulo o processado; (ii) não foi observado o dever de fundamentação da sentença; (iii) foi valorada prova proibida; (iv) incorreu o tribunal em erro de julgamento e/ou violação do in dubio pro reo e/ou erro notório na apreciação da prova; (v) ocorre erro de direito quanto à qualificação jurídico-penal dos factos; (vi) a pena aplicada peca por excesso; (vii) deveria a pena ter sido suspensa na sua execução.

2. A decisão recorrida

Ficou a constar da sentença em crise [transcrição parcial]:

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

2.1. FACTOS PROVADOS:

Com relevo para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:

1. No dia 5 de Julho de 2018, pelas 17h50, na Rua do    (...) ,    (...),  em    (...) , no interior do veículo da marca (…), modelo (…), com a matrícula (…), seguia o arguido A. e, ainda, (…), (…) e (…).

2. Nesse circunstancialismo de tempo e de lugar, o arguido A. tinha consigo pedaços de cannabis (resina) com um peso líquido total de 37,332 gramas e com grau de pureza de 18,4%, correspondendo a 138 doses individuais.

3. O arguido A. agiu de forma livre e deliberada, conhecendo as características dos produtos que tinha na sua posse, sabendo que não se encontrava autorizado a vender, a comprar, a ceder, a receber, a proporcionar a outrem, a transportar ou a deter estupefacientes.

4. O arguido atuou de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

(…)


*

2.2. FACTOS NÃO PROVADOS:

Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.


*

2.3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO E EXAME CRÍTICO DA PROVA PRODUZIDA:

A convicção do Tribunal para a determinação da matéria de facto dada como provada fundou-se na ponderação crítica e conjugada, apreciada de acordo com as regras da experiência comum e com a livre convicção do julgador, como preceitua o art. 127.° do CPP, dos documentos juntos aos autos - auto de notícia de fls. 4 a 6, reportagem fotográfica de fl. 7, auto de apreensão de fl. 11, teste rápido de fl. 12, suporte fotográfico de fl. 13, concessão provisória de apoio judiciário de fl. 51, relatório pericial de fl. 105, c.r.c. do arguido de fls. 256 a 266 e relatório social de fls. 252 a 255 - com o depoimento da testemunha (…).

A testemunha (…) descreveu, de modo calmo, concreto, desinteressado, preciso, objetivo, pormenorizado e credível, todo o circunstancialismo que rodeou a situação, tal como esta se provou, tendo confirmado o teor (com exceção da data dos factos, uma vez que, conforme a testemunha asseverou, de modo crível e lógico, apesar de aí constar 05.08.2018, os factos ocorreram no dia 05.07.2018, como se constata pelo auto de libertação de fl. 55) e a assinatura do auto de notícia de fls. 4 a 6 por ele, Sargento da GNR, elaborado, bem como o teste rápido de fl. 12, o auto de apreensão de fl. 11 e os relatórios fotográficos de fls. 7 e 13, assegurando ao Tribunal que elaborou todo o expediente mencionado.

Mais afirmou a testemunha ao Tribunal, de modo perentório e credível, que viu que o produto que o arguido detinha na sua posse estava embalado de duas maneiras diferentes, existindo um pedaço maior em bruto e, nas suas palavras, "patelas, pedaços mais reduzidos fatiados, que, de acordo com a minha experiência, são normalmente vendidos a 5,00€/6,00€.”

Não fique por dizer que não se valorou aquilo que a testemunha referiu ter ouvido do arguido, ou seja, que o produto que detinha era para seu consumo, uma vez que, por um lado, nada consta dos autos - nomeadamente, exame toxicológico ao arguido e declarações do mesmo - que permita ao Tribunal dar por provado que o arguido é consumidor de produtos estupefacientes, também nada se tendo demonstrado com certeza quanto ao destino que o arguido dava ao produto estupefaciente que detinha e transportava (seja consumo, seja cedência/venda a terceiros consumidores) e, principalmente, porque, não pode ser valorado, à luz do art. 129.°, n.º 1 e 356.°, n.º 7 do CPP, aquilo que a testemunha ouviu dizer do arguido que não prestou declarações perante o Tribunal (tendo optado por não comparecer).

Como referimos, também foi valorado o relatório pericial de fl. 105 que demonstrou a qualidade das substâncias apreendidas, concluindo tratar-se de Canabis Resina (vários pedaços, como tinha afirmado a testemunha  AR  (...) ), com o peso líquido total de 37,332 gramas e com grau de pureza de 18,4%, correspondendo a 138 doses individuais (o que, só por aqui, afasta a hipótese do consumo).

Em relação à intenção do arguido e conhecimento deste da ilicitude dos factos, tal como objetivamente se apuraram, considerou este Tribunal as regras de experiência comum atendendo à forma de atuação do arguido que se apurou.

Quanto às condições pessoais e sócio-económicas do arguido, tendo o julgamento decorrido na ausência do mesmo, o Tribunal teve em consideração o que consta da concessão provisória de apoio judiciário de fl. 51, ou seja, o aí declarado pelo arguido, bem como o relatório social de fls. 252 a 255.

Por fim, teve o Tribunal também em consideração o teor do c.r.c. junto aos autos quanto aos antecedentes criminais registados do arguido.

3. Apreciação

§1. Da nulidade do “processado”.

(…).

§2. Da falta de fundamentação da sentença

(…).

§3. Da proibição de valoração da prova

(…).

§4. Da impugnação da matéria de facto – [erro de julgamento; violação do in dubio pro reo; erro notório na apreciação da prova].

(…).


*

Ainda em sede de matéria de facto defende o recorrente ofender a sentença o princípio in dubio pro reo, pois – acrescenta - só assim se entende o que consignado vem sob o item 2 dos factos provados.

O in dúbio pro reo,regra de decisão na falta de uma convicção para além da dúvida razoável sobre os factos (FIGUEIREDO DIAS, 1974:215, CLAUS ROXIN, 1988:75 e 106; ULRICH EISENBERG, 1999:97, e COSTA PINTO, 2010:1070)”, cuja “força expansiva” se estende “às decisões essenciais sobre a própria subsistência do processo …” – [cf. Pinto de Albuquerque, inComentário do Código de Processo Penal”, 4.ª edição, Universidade Católica Editora], conduz a que não adquirindo o tribunal a “certeza” (a convicção positiva ou negativa da verdade prática) sobre os factos, a decisão tenha de ser a da absolvição – [cf. Castanheira Neves, in “Processo Criminal”, 1968, 55-60]. Significa que conditio sine qua non para fazer funcionar o princípio é a existência de “uma dúvida racional que ilida a certeza contrária”, pois só esta limita a liberdade de apreciação do juiz, impedindo-o “de decidir com o seu critério pelo menos (…) os factos duvidosos desfavoráveis ao arguido”. De tal modo que, reproduzindo as palavras de Cristina Líbano Monteiro, “O universo fáctico – de acordo com o «pro reo» - passa a compor-se de dois hemisférios que receberão tratamento distinto no momento da emissão do juízo: o dos factos favoráveis ao arguido e o dos que lhe são desfavoráveis. Diz o princípio que os primeiros devem dar-se como provados desde que certos ou duvidosos, ao passo que para a prova dos segundos se exige certeza” – [cf. “PERIGOSIDADE DE INIMPUTÁVEIS E «IN DUBIO PRO REO», in Boletim da Faculdade de Direito, STYDIA IVRIDICA, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, pág. 50-53].

Retomando o caso concreto em sede de fundamentação da decisão de facto, concretamente no que respeita ao fim a que o arguido destinava o estupefaciente exarou o julgador: “Não fique por dizer que não se valorou aquilo que a testemunha referiu ter ouvido ao arguido, ou seja, que o produto que detinha era para seu consumo, uma vez que, por um lado, nada consta dos autos (…) que permita ao Tribunal dar como provado que o arguido é consumidor de produtos estupefacientes, também nada se tendo demonstrado com certeza quanto ao destino que o arguido dava ao produto estupefaciente que detinha e transportava (seja consumo, seja cedência/venda a terceiros consumidores) …” – [negrito nosso].

Ora, pese embora a consideração adiante feita no sentido de afastar “a hipótese do consumo” com base na quantidade de droga que o arguido, na ocasião, detinha [cf. o item 2 dos factos provados], o certo é que semelhante fundamentação induz inequivocamente a dúvida sobre o fim a que o arguido destinava a cannabis (resina). Na verdade se como expressamente refere a sentença nada se demonstrou “com certeza” quanto ao destino do estupefaciente, admitindo-se inclusivamente que fosse a mesma afeta ao consumo do próprio, o que se impõe concluir é que o próprio julgador foi acometido pela dúvida, resolvendo-a, contudo, contra o arguido. É que, como já atrás referido, por força do princípio em questão, os factos favoráveis ao arguido, certos ou duvidosos, devem dar-se como provados. A tal não obstará, em princípio, a quantidade de estupefaciente detido, juízo que não dispensa sejam considerados, entre outros fatores, a natureza da droga, o respetivo grau de pureza e, naturalmente, os hábitos de consumo do arguido.

Não hesitamos, pois, em considerar que no caso concreto ocorre violação do pro reo, a qual resultando do próprio texto da decisão recorrida se reconduz ao vício de erro notório na apreciação da prova [artigo 410.º, n.º 2, alínea c) do CPP], que não sendo, nas circunstâncias, passível de sanação por parte deste tribunal implica o reenvio do processo para novo julgamento a incidir sobre o fim a que o arguido destinava o estupefaciente que lhe foi apreendido, seguindo da prolação de nova sentença, na qual se deverá ter em conta a alteração já produzida por este tribunal à matéria de facto, concretamente o aditamento que passou a integrar o item 20 dos factos provados – [cf. os artigos 426.º e 426.º A, ambos do CPP].


*

Mostra-se, assim, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.

III. Dispositivo

Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal, na parcial procedência do recurso

 a) Em julgar verificado, em consequência da violação do in dubio pro reo, o vício da alínea c), do n.º 2, do artigo 410.º do CPP, determinando o reenvio do processo para novo julgamento a incidir sobre o fim a que o arguido/recorrente destinava o estupefaciente que lhe foi apreendido, seguido da prolação de nova sentença, a qual deverá ter em conta o aditamento produzido por este tribunal na matéria de facto, inscrito sob o item 20 dos factos provados – cf. artigos 426.º e 426.º - A, ambos do CPP;

b) Declarar prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelo recorrente.

Sem tributação.

Coimbra, 18 de Março de 2020

[Texto processado e revisto pela relatora]

Maria José Nogueira (relatora)

Isabel Valongo (adjunta)