Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5894/17.8T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: RECURSO
CONCLUSÕES
ACIDENTE DE VIAÇÃO
SEGURADORAS
CONVENÇÃO IDS
DANOS
RESPONSABILIDADE
Data do Acordão: 09/22/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JL CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.639, 640 CPC, 483, 486, 487 CC
Sumário: 1.- Quando as conclusões contenham um fundamento ou razão que não tenha sido exposta/desenvolvida nas alegações deve considerar-se não formulada tal questão, com a consequente impossibilidade de conhecimento, nesse segmento, da pretensão apresentada pelo apelante ao interpor o seu recurso.

2.- Como consequência de acidente de viação em que tenha sido accionada a convenção IDS (indemnização directa ao segurado), a falta de acordo entre o lesado e a sua seguradora faz cessar a intervenção desta ao abrigo daquela convenção;

3.- Na sequência da cessação da intervenção da seguradora do lesado, este apenas poderá pedir o ressarcimento dos danos sofridos e ainda não indemnizados junto da seguradora do lesante ao abrigo do seguro da responsabilidade civil;

4.- A falta de reparação por parte da seguradora do lesado não inverte a responsabilidade civil das seguradoras intervenientes, ou seja, a seguradora do lesado não se torna responsável pelos danos causados, na medida em que a sua intervenção é tão só para agilizar o pagamento da indemnização devida e não mais que isso.

Decisão Texto Integral:


1 – Relatório

1. U (…), Ld.ª, com sede em (...) , propôs acção contra Companhia de Seguros A (…) com sede no (...) , peticionando seja a ré condenada a pagar-lhe a quantia de 16.318,40 €, acrescida de juros calculados da taxa legal desde o dia 28.4.2017 até integral pagamento.

Alegou, em suma, ter por actividade o transporte de passageiros, sendo filiada na A (…) e, por esta via, em caso de acidente rodoviário com alguma das suas viaturas, sujeita ao cumprimento do acordo ANTROP/APS, quando intervenham seguradoras aderentes ao mesmo. Sucedendo que, no dia 28 de Março de 2017, ocorreu um acidente de viação entre um seu autocarro e um veículo, por exclusiva culpa do ligeiro, culpa reconhecida pela L (…), seguradora do ligeiro, e pela ré, seguradora do autocarro. Que discordou do valor de reparação apurado em peritagem efectuada pela ré. Que esta, à revelia do acordo ANTROP/APS, remeteu para a L(…) a resolução do sinistro, tendo esta seguradora iniciado um novo processo, realizado uma nova peritagem a 19 de Julho, donde resultou o apuramento de um valor de regularizou à autora. Todavia, declinou qualquer responsabilidade relativamente aos dias de paralisação desde a data do acidente (28 de Março), até ao dia em que teve conhecimento do sinistro (17 de Julho), paralisação essa que a autora reclamou à ré e que esta se recusa a assumir, informando que essa responsabilidade é da L(…).

A R. contestou, invocando que é a seguradora da responsabilidade civil da autora, e daí a sua falta de legitimidade para ser demandada. Fez a peritagem aos danos do veiculo da autora apenas e só ao abrigo da dita convenção. Mas como a autora não aceitou a peritagem a regularização ficou excluída da referida convenção. Assim, o lesado apenas pode pedir o ressarcimento dos danos sofridos junto da seguradora do lesante ao abrigo do seguro da responsabilidade civil, ou seja, junto da L(…), e não da seguradora da própria autora. Conclui pela sua consequente absolvição do pedido.

*

A final foi proferida decisão que julgou a acção procedente, e em consequência condenou a R. a pagar à A. a quantia de 16.318,40 €, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento.

*

2. A R. recorreu, formulando as seguintes conclusões:

(…)

3. A A. contra-alegou, concluindo que:

(…)

 

II – Factos Provados

 

1. A A. é uma sociedade comercial cujo objeto é o transporte de passageiros, possuindo para o efeito vários autocarros que são utilizados na persecução do seu objeto social.

2. Sendo filiada na ANTROP – Associação Nacional dos Transportes Rodoviários de Passageiros.

3. E, por esta via, em caso de acidente rodoviário com alguma das suas viaturas, sujeita ao cumprimento do acordo ANTROP/APS.

4. Quando intervenham seguradoras aderentes ao mesmo.

5. No dia 28 de Março de 2017, pelas 08.10 horas, na Estrada Municipal 600, na localidade de São Cipriano, freguesia de São Cipriano e distrito de Viseu, ocorreu um acidente de viação entre:

- O veículo pesado de passageiros (autocarro), de marca Mercedes, matrícula (...) ZQ, propriedade da A., conduzido por C (…) portador da carta de condução n.º (…); e,

- O veículo ligeiro de marca Honda-Civic, matrícula SL (...) , conduzido pelo seu proprietário, J (…), portador da carta de condução n.º (…).

6. Segundo o referido auto policial, resulta de forma clara que o acidente se deveu a culpa exclusiva do condutor do veículo SL (...) .

7. O veículo da A. estava segurado na Seguradora aqui Ré e o veículo SL (...) tinha a sua responsabilidade civil transferida para a Seguradora L (…).

8. No dia seguinte ao acidente a Ré foi informada da ocorrência via fax, a que a A. anexou a Declaração Amigável de Acidente Automóvel, assinada pelo condutor do autocarro.

9. A culpa exclusiva na produção do acidente por parte do condutor do veículo SL- (...) foi assumida por ambas as Seguradoras A (…) e L (…).

10. No fax referido em 8., a A. solicitou também à Ré uma peritagem à viatura da A., com carácter de urgência, uma vez que a viatura estava imobilizada.

11. Peritagem essa realizada pela UON a pedido da Ré no dia 04 de Abril, constando do relatório da mesma, o seguinte: “Realizámos a peritagem ao veiculo em questão, informamos que não existiu acordo entre as duas partes e que desse modo a entidade reparadora não assinou o Relatório de Peritagem, salientamos que o orçamento apresentado pela oficina é bastante mais elevado do que a necessidade real da reparação….”.

12. Tendo o relatório referente à peritagem solicitada pela Ré à UON sido elaborado à revelia da A., e apenas disponibilizado a esta no dia 10 de Junho.

13. Deste relatório resultou ainda o seguinte apuramento:

- Valor da reparação: €3.159,77;

- Número de dias úteis necessários à reparação: 5 dias, a contar do dia 3 de Abril.

14. Valor de reparação que foi de imediato recusado pela A. quando dele teve conhecimento.

15. Tendo optado a R., por remeter para a L (…), SA a resolução do sinistro.

16. A L (…), SA iniciou então um novo processo, realizando uma nova peritagem a 19 de Julho.

17. Desta nova peritagem resultou o seguinte apuramento:

- Valor da reparação: € 7.500,00;

- Número de dias úteis necessários à reparação: 7 dias, a contar do dia 20 de Julho, dia seguinte.

18. Tendo a L (…) SA concluído o processo e procedido à respetiva regularização.

19. Nesta regularização a L (…) SA assume que os dias de paralisação que suporta, se iniciam desde o dia em que teve conhecimento para a regularização do sinistro, ou seja, desde o dia 17 de Julho de 2017.

20. Declinando, por conseguinte, qualquer responsabilidade relativamente aos dias de paralisação desde a data do acidente (28 de Março), até ao dia em que teve conhecimento do sinistro (17 de Julho).

21. A Ré fez a peritagem aos danos do veiculo da Autora apenas e só ao abrigo da convenção IDS.

22. A Ré, naquela qualidade, incumbiu a U (…) de, através de um perito desta, avaliar os danos sofridos pelo veiculo da A.

23. Só que face às divergências logo surgidas quanto à forma como devia ser feita a reparação da viatura, a regularização foi excluída da referida convenção IDS.

24. O perito da U (…) fez uma 1ª vistoria ao veiculo em 31/3/2017 e concluiu a peritagem em 4/4/2017, sendo o tempo necessário à reparação do veiculo da A de 5 dias.

25. Quem ia reparar o veiculo era a própria A., na sua oficina.

26. Só que a A., pelo seu representante, não aceitou, nem assinou o relatório de peritagem.

27. A Ré aceitou a oficina da Autora, tendo a divergência surgido apenas no que respeita aos valores e sobre peças que eram reparáveis, mas a A. queria que fossem substituídas.

28. Por isso, o sinistro saiu do âmbito da convenção IDS e passou a ser tramitado normalmente, ou seja, como qualquer caso de responsabilidade civil, em que a seguradora do culpado regulariza os danos do lesado.

 

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Violação dos arts. 607º e 615º do NCPC.

- Alteração da matéria de facto.

- Não responsabilização da R.

- Não indemnização à A.

- Montante dos juros a pagar à A.

2. Afirma a R./recorrente que se mostram violados os arts. 607º e 615º do NCPC, na medida em que não foram indicados os meios de prova e feita a análise crítica dos mesmos (cfr. conclusão 34ª do recurso). Não passa de uma mera afirmação da recorrente, pois no corpo das alegações não explicita, nem justifica, porquê ?

Ou seja, a dita conclusão não encontra apoio algum na motivação de recurso. Não se trata, porém, de qualquer conclusão deficiente carecida de aperfeiçoamento, porquanto a lei só prevê o dito aperfeiçoamento para as conclusões, não para as alegações propriamente ditas (art. 639º, nº 3, do NCPC = ao art. 685º-A, nº 3, do CPC). E é assim no que se refere à matéria de direito, pois tratando-se de matéria de facto, diferentemente nem sequer há qualquer aperfeiçoamento (cfr. corpo do art. 640º, nº 1, in fine, do NCPC). Por isso, por mais obscuras, complexas e deficientes que as alegações sejam, a lei não admite que o recorrente seja convidado a corrigi-las ou ampliá-las.

É sabido que as conclusões consistem na enunciação de proposições que sintetizam os fundamentos do recurso. A exigência de que a alegação conclua pela indicação sintética dos fundamentos, pressupõe necessária e logicamente que se expuseram mais desenvolvidamente esses fundamentos: a lei exige não só que o recorrente conclua senão também que alegue. O recorrente deve expor ao tribunal ad quem as razões da sua impugnação, a fim de que este tribunal decida se tais razões procedem ou não. Quando isso não suceda, i.e., quando as conclusões contenham um fundamento ou razão que não tenha sido exposta nas alegações, em face da impossibilidade legal de convidar o recorrente a ampliá-las, deve considerar-se não impugnada, nessa parte, a decisão recorrida, com a consequente impossibilidade de conhecimento, nesse segmento, do objecto do recurso (cfr. neste sentido, por ex., os Acds. do STJ de 2.12.1988, BMJ 382, pág. 497, de 12.1.1995, C.J., T. 1, pág. 20, de 13.1.2005, Proc.04B4132, de 24.5.2005, Proc.05A1414 e Abrantes Geraldes, Recursos em P. Civil, 2ª Ed., 2008, nota 4. ao artigo 684º do anterior CPC, pág. 92).

Como assim, não encontrando a dita conclusão, sobre este aspecto, apoio algum na motivação de recurso, é como se não houvesse formulação.

Pelo que necessariamente não é cognoscível esta parte do recurso, arguida pela R./recorrente.

Diga-se, aliás, como nota adicional, que a arguição da apelante é incompreensível: se eventualmente fosse verdade que a sentença não indicou os meios de prova e não fez a análise crítica dos mesmos, o que é que essa hipótese tem a ver com as nulidades da sentença, previstas no art. 615º, nº 1, nas suas diversas alíneas, que a recorrente nem sequer se deu ao trabalho de indicar alguma (s) ? A resposta é nada !; por outro lado nessa mesma hipótese então o vício seria da decisão da matéria de facto à sombra do art. 607º, nº 4, 1ª parte, (preceito legal, aliás, que a recorrente se limitou a agitar genericamente), com eventual repercussão no art. 662º, nº 2, d), do mesmo código, mas nunca com repercussão na fundamentação jurídica da sentença.

3. A recorrente impugna a decisão da matéria de facto, relativamente aos factos provados 12., 19. e 20., pretendendo as respostas que indica (cfr. conclusões de recurso 9ª a 24ª e 26ª).

Baseia a mesma nos depoimentos das testemunhas (…), e docs. de fls. 31, 34, 35. e 36. Por sua vez a recorrida/A. defende o indeferimento da impugnação, contrapondo com o depoimento das testemunhas, o referido (…) e indicado doc. de fls. 31 (cfr. conclusões 2ª a 8ª da contra-alegação).

A julgadora de facto expressou a seguinte motivação para sua decisão:

“O art. 341.º do Código Civil dispõe que as provas têm por função demonstrar a realidade dos factos.

Mas como esclarece Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984. págs. 419 e 420), "a demonstração da realidade a que tende a prova não é uma operação lógica, visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente), como é, por exemplo, o desenvolvimento de um teorema nas ciências matemáticas. ( ... ). A prova visa, apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção assente na certeza relativa do facto".

Também Lebre de Freitas (Introdução ao Processo Civil - Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 1996, págs. 157,160 e161) escreve que, no âmbito do princípio da livre apreciação da prova, "ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que através delas se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas da experiência que forem aplicáveis", acrescentando que "não é exigível que a convicção do julgador sobre a validade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma absoluta certeza, raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança".

Assim, tendo em conta tais ensinamentos, e bem assim o princípio da imediação, sendo esse contacto direto com a prova testemunhal, que melhor possibilita ao julgador a perceção da frontalidade, da lucidez, do rigor da informação transmitida e da firmeza dos depoimentos prestados, levando-o ao convencimento acerca da credibilidade dos depoimentos e quanto à veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaíram as provas, (cfr. a este propósito, Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., págs. 657, e Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo Processo Civil, 374), o princípio da livre apreciação das provas constante do artigo 655.º do CPC de 1961 (a que corresponde o art. 607.º, n.º 5 do CPC de 2013), decorrendo de tal normativo que o juiz, fora dos casos de prova legalmente tarifada, goza de liberdade na apreciação das provas e decide segundo a convicção prudente sobre cada facto, (…)

a convicção do Tribunal quanto à determinação da matéria de facto provada atrás descrita fundou-se na análise e apreciação, à luz das regras da lógica c da experiência comum, da globalidade da prova produzida e contraditada em audiência de julgamento, e concretamente:

- no teor do documentos juntos aos autos, designadamente :

 (…)

- Fax enviado pela autora à ré comunicando a ocorrência do sinistro referido na pi. constante de fls. 23 a 28;

- Carta enviada pela ré à autora informando que de acordo com a autorização recebida ao abrigo da Convenção CIDS entre Companhias de Seguros, assumia 100% dos danos sofridos na viatura (...) ZQ resultantes do sinistro ocorrido em 28-03-2017, constante de fls. 29;

- Relatório de peritagem efetuada pela UON a pedido da ré constante de fls. 30;

- Email enviado pela ré à autora em 10 de julho de 2017, informando que encaminhou o assunto para a L (…) com a finalidade de tratar do sinistro em sede de Responsabilidade Civil Automóvel constante de fls. 31;

- Relatório de peritagem efetuada pela L (…), SA constante de fls. 32 a 33;

- Carta enviada pela L (…), SA à autora informando que foi efetuado pagamento no valor de 7 500,00 € referente ao acordo de reparação dos danos do veículo 72-22-ZQ, que conforme relatório de peritagem estão indicados 7 dias uteis de reparação e que o período de imobilização a considerar é de dia 17/07/2017 ate dia 28/07/2017, dia em que foi dado conhecimento do sinistro, somando o dia da peritagem e os dias efetivos de reparação, o que perfaz 11 dias, sendo o valor diário 145,70€, estando o mesmo em conformidade com o acordo ANTROP/APS, totalizando o valor de 1 602.70 €, constante de fls. 34;

- Email enviado pela autora à ré em 19 de setembro de 2017, reclamando os dias de paralisação desde a data do acidente (28 de março) até ao dia em que a L (…) Sa teve conhecimento do sinistro (17 de julho) constante de fls. 35;

- Email enviado pela ré à autora em 21 de setembro de 2017, informando que o valor referente aos dias de paralisação desde a data do acidente (28 de março) até ao dia em que a L (…) SA teve conhecimento do sinistro (17 de julho) deverá ser reclamado à L (…), SA por ser da responsabilidade desta, constante de fls. 36;

(…)

- e nos depoimentos das testemunhas:

A (…), legal representante da autora, o qual apesar dessa qualidade apresentou um depoimento lógico e coerente, descrevendo de forma clara e esclarecedora a situação em causa nos autos, motivo pelo qual logrou convencer o Tribunal. Confirmou a ocorrência do acidente no qual foi interveniente o veículo propriedade da autora, o qual foi comunicado à ré, esta solicitou a realização de peritagem, a qual foi realizada nas instalações da autora e na presença de um seu representante, e que se realizou no dia 31 de março de 2017, sendo que forma propostos pelo perito valores para reparação que não foram aceites pela autora, esta também fez proposta de valores, a qual não foi aceite pelo perito, o qual se recusou a assinar esse orçamento proposto pela autora, não voltou à empresa, não entregou qualquer relatório de peritagem à autora. Referiu também que posteriormente descolou-se às instalações da autora um perito da L (…)Seguros, SA, que na presença dele fez a peritagem, foi apresentado outro orçamento que a autora aceitou e foi pago pela L (…)s, SA. Referiu ainda que o veículo da autora interveniente no sinistro esteve imobilizado desde a data do acidente até á reparação, não sendo possível substituí-lo;

A (…), a qual referiu ser diretora de tráfego da autora, e que confirmou a ocorrência do acidente no qual foi interveniente o veículo propriedade da autora, o qual foi comunicado à ré, esta solicitou a realização de peritagem, a qual foi realizada nas instalações da autora e na sua presença, tendo ela própria entregue ao perito um orçamento elaborado por si, tendo o perito dito que não o aceitava e foi-se embora, não tendo indicado o valor do orçamento dele, é sempre elaborado um relatório de peritagem assinado por ela como representante da autora e pelo perito, quando não há acordo deixam uma folha assinada pelo perito a dizer que estiveram na oficina, uma espécie de relatório, o que neste caso não sucedeu. Referiu ainda que o veículo da autora este parado durante muito tempo, desde o acidente, 28 de março de 2017, até 19 de julho de 2017:

- M (…), o qual é perito coordenador da L (…), SA e que referiu que no dia 17 de julho de 2017 recebeu uma comunicação da L (…), SA a dizer que não havia acordo da ré com a proprietária da veículo e nesse dia veio a Viseu às instalações da autora, foi-lhe apresentado um orçamento que ele achou exagerado, foi embora e no dia 19 de julho de 2017 fechou o acordo com a autora por €7.500,00. Disse ainda que a L (…) terá sido avisada ½ dias antes que não existia acordo entre a ré a autora uma vez que quando isso acontecesse, a peritagem é feita no próprio dia ou no dia seguinte em que essa comunicação é feita. Disse também que ao abrigo da CIDS não havendo acordo entre o segurado e a companhia, a responsabilidade passa para a companhia responsável pelo sinistro e que a companhia do segurado tem comunicar à outra que não houve acordo e que o sistema Audatex não está previsto para aquele veículo da autora, nem peças, nem tempo de reparação, para veículos ligeiros tem que ser atribuído o valor das peças e o tempo de reparação, mas o autocarro não está codificado no sistema Audatex, têm que ser colocados todos os valores, na altura foi acertado o valor da reparação e mais 7 dias de reparação.

Finalmente referiu que, a ré quando não chegou a acordo com a autora tinha que retirar o pedido da CIDS e comunicar à outra companhia que não havia acordo;

- R (…), o qual disse ser perito automóvel a prestar serviços na UON e que efetuou a peritagem do sinistro por solicitação da ré, foi-lhe apresentado um orçamento pela autora, com o qual não concordou, elaborou uma ficha de informação e entregou à ré, não deixou lá o relatório dele e levou o orçamento da autora, não tendo assinado nada em conforme o levava, sendo que fechou o não acordo em 31 de março de 2017 e no dia 4 de abril de 2017 fez a ficha de informação a dizer que não houve acordo com a autora;

- J (…), regularizador de sinistros da ré, o qual referiu apenas referiu que o cliente participou o sinistro ao abrigo da CIDS e que no dia 6 de junho de 2017 propôs a retirada da convenção mas a L(…) não aceitou;

- G (…), o qual disse ser funcionário da ré no serviço de contencioso e que referiu que o sinistro em causa nos autos foi comunicado à ré, tratado ao abrigo da CIDS, foi recebida a DA assinada pelos 2 condutores, o responsável pelo sinistro era o segurado da (…), SA e a ré contactou esta companhia para dizer se aceitava o sinistro, foi nomeado perito da UON para ir fazer a peritagem, tendo sido apresentado um orçamento pela autora que não foi aceite pelo perito, em 6 de junho de 2017 a ré colocou informação na plataforma de “proposta de retirar processo da convenção” e em 17 de abril de 2107 a L (…), SA colocou informação da plataforma que “concorda com a responsabilidade” e em 29 de junho de 2017 a ré faz “proposta de retirar processo da convenção”, acabando por ser retirado;

Face a esta prova produzida, o Tribunal criou a convicção que o sinistro descrito na p.i. ocorreu, no mesmo foi interveniente um veículo propriedade da autora, o qual estava seguro na ré e um outro veículo que estava seguro na L (…) SA, sendo que o acidente ocorreu por culpa do condutor deste ultimo veículo, que tal sinistro foi comunicado à ré, esta entendeu que deveria ser tratado ao abrigo da CIDS e por isso solicitou a realização de uma peritagem à UON, que a realizou no dia 30 de março de 2017 e o perito no dia 4 de abril de 2017 (cfr. doc. de fls. 58 e segs) comunica à ré que não chegou a acordo com a autora quanto aos valores da reparação, que em 17 de abril a ré comunica à autora que de acordo com a autorização recebida ao abrigo da Convenção CIDS entre Companhias de Seguros, assumia 100% dos danos sofridos na viatura (...) ZQ resultantes do sinistro ocorrido em 28-03-2017 e que por email enviado em 10 de julho de 2017, a ré informa a autora que encaminhou o assunto para a L (…) com a finalidade de tratar do sinistro em sede de Responsabilidade Civil Automóvel.

Daqui resulta que, a R. teve conhecimento no dia 4 de abril de 2017 que não existia acordo entre o perito e a autora quanto aos valores a fixar para a reparação do veículo propriedade da autora. Ora assim sendo, teria a R., nessa data, que comunicar esse não acordo à L (…) SA e retirar a regularização do sinistro da CIDS, o que não fez, pois que, apenas em 17 de julho de 2017 a l (…), SA teve conhecimento desse não acordo, e só em10 de julho de 2017, a R. comunicou à autora por email que havia encaminhado o assunto para a L (…) com a finalidade de tratar do sinistro em sede de Responsabilidade Civil Automóvel. Em nosso entender a R. podia e devia, desde o dia 4 de abril de 2017, ter comunicado à L (…), SA que não existia acordo com a autora quanto aos valores de reparação e por isso que retirava a regularização do sinistro da CIDS, ficando a L (…), SA responsável pela regularização do mesmo uma vez que o acidente foi originado pelo condutor do veículo que nela estava seguro. Sendo certo que a R. não alegou, nem não pouco logrou provar que estava impossibilitada de retirar a regularização do sinistro da CIDS, como acabou por o fazer em julho de 2017, ao dar conhecimento do não acordo à L (…) SA em 17 de julho de 2017, tendo esta, a partir dessa data, assumido a regularização do sinistro fazendo as diligências necessárias e tomando a posição que entendeu.

Consideramos ainda que do teor do documento junto pela R. e constante de fls. 70, o qual, segundo ela reproduz as informações trocadas entre a ré e a L (…), SA, não resulta provado que a R. estava impossibilitada de retirar o sinistro da CIDS visto que, mesmo após ter sido colocada pela R. a informação “proposta de retirar processo da convenção” em 06.06.2017 e da L (…), ter colocado “recusa de retirar processo da convenção” em 27.06.2017 e novamente a R. ter colocado em 20.06.2017 a informação “proposta de retirar processo da convenção”, sem que a L (…), SA se tenha pronunciado sobre esta ultima informação, a R., ainda assim, em 17 de julho, retira o sinistro da CIDS, comunicando à L (…) que não existe acordo com a A. e que sem que essa informação conste do referido documento constante de fls. 70 nem qualquer outra informação prestada pela L(…)no sentido de que aceita essa retirada. Daqui podemos pois concluir, sendo nossa convicção, que a R. poderia ter retirado o sinistro da CIDS logo que teve conhecimento que não existia acordo com a A., 4 de abril de 2017, passando a L (…) a ser responsável pela sua regularização desde essas data, evitando assim a paralisação do veículo da A. até à data da reparação aceite e custeada pela L (…), SA.”.

Ouvimos o depoimento das testemunhas indicadas pela recorrente e recorrida quanto aos pontos de facto impugnados.

A testemunha (…), funcionária da A. e por esta arrolada, disse o que consta da motivação da julgadora, e mais em concreto referiu que na peritagem fez um orçamento, apresentei-o ao perito, e ele disse que não ia aceitar. Ele não lhe deu nenhum valor, eu é que lhe dei o nosso orçamento. Ele não me falou em valores. Simplesmente, quando lhe apresentei o nosso orçamento ele disse: este orçamento eu não aceito. E, eu, entretanto disse-lhe assim, então se não aceita devolva-me o orçamento. E ele disse, eu fico com o orçamento e, entretanto, vou encaminhar isto superiormente, e eu disse, então assine-me aqui se faz o favor como lho entreguei, e ele disse ai não, não assino nada, deixe ficar. E foi-se embora, e nunca mais lhe disse nada.

A testemunha (…), ex-perito coordenador da L (… arrolada pela A., declarou o que consta da motivação da julgadora, e mais em concreto referiu que teve conhecimento de um acidente com a viatura da A., que depois foi reparada pela L (…), no dia 17 de Julho de 2017, pois recebeu uma comunicação da L (…) a informar que não havia acordo da congénere A(…) com o proprietário da viatura. Nesse dia foi à A., verificou o orçamento que lhe foi apresentado pela A., achou exagerado, fez uma proposta e voltei no dia 19 de Julho e cheguei a acordo com o representante da firma. Desde o dia em que a companhia tem conhecimento até dizer ao perito que tem que fazer a peritagem, demora normalmente um dia.

A testemunha (…), perito avaliador que trabalha para a Uon Consulting que efectua peritagens para diversas seguradoras, entre elas a R., arrolada por ambas as partes, afirmou o que consta da motivação da julgadora, com as seguintes precisões, que o seu relatório foi elaborado em 31.3. e a ficha de informação no dia 4.4.2017. Não deixou o seu relatório de peritagem à A. Levou o orçamento da A. mas não assinou papel alusivo a tê-lo levado.

A testemunha (…), que trabalha para a R., arrolada por ambas as partes, referiu que não sabe datas. O perito que a R. enviou para a avaliação foi confrontado pela A. com orçamento inflacionado. Não houve acordo, por isso. Nós a partir daí, segundo o que determina a Convenção, limitámo-nos a propor à outra seguradora (a devedora) retirar que o assunto saísse da Convenção e fosse decidido por eles, pela responsabilidade civil automóvel, junto do nosso cliente. A outra Companhia não aceitou a retirada e mais tarde veio-nos a informar que tinha chegado a acordo com o cliente.

A testemunha (…) que trabalha para a R., arrolada por esta, disse que o perito foi ao local e fez um orçamento, que não foi aceite pela A., porque tinha um orçamento superior, com o qual o perito não concordava. O perito sempre entendeu que o valor que elaborou em 4 de Abril era o suficiente, e disso foi informada a oficina e o proprietário da oficina ou o proprietário do veículo, uma vez que não havia acordo. Uma vez que não havia acordo a A(…) disso informou a L(…)dizendo-lhe que ia retirar, que é o termo que nós usamos, que ia retirar o sinistro do âmbito da Convenção. Isto ocorreu no dia 6 de Junho. Viu isso na listagem de comunicações que estão na plataforma entre a L (…) e a A (…) Em 17 de Abril também diz a mesma listagem que a L(…) concorda com a responsabilidade. É uma garantia de que a L(…) está em consonância com aquilo que a A(…) lhe transmitiu. Eu não tenho a comunicação à frente, mas visualizei essa documentação e tenho retido que houve um contacto antes do dia 6 de Junho, a L (…) tinha conhecimento de que o sinistro ia ser retirado da Convenção. E a partir daí a L(…)estaria em condições, porque conhece o que se estava a passar, de contactar o lesado, neste caso o proprietário do autocarro de passageiros da A., e começar a tratar do assunto como lhe competia e de resto era da sua responsabilidade. Quanto ao acordo entre a L(…)e o proprietário do veículo para reparar o veículo, acordo esse ao qual o perito nomeado pela A(…) não esteve presente para controlar ou saber a que é que ele se reportava, desconhece em que moldes foi feito e o que é que representa esse acordo.

Analisando.

Dos testemunhos de (…), únicas pessoas que estiveram directamente envolvidas na feitura do orçamento e que, por isso, têm conhecimento directo dos factos, resulta com toda a clareza que o orçamento elaborado pelo segundo nunca foi facultado à A.

É patente, pois, que a impugnação deduzida pela R. ao facto provado 12. tem que improceder. 

Relativamente aos factos provados 19. e 20., dos docs. de fls. 31, 34 a 36, apenas resulta que a L (…) no doc. de fls.34, diz ter tido conhecimento do sinistro apenas em 17.7.2017. Mas isso é o que afirma a L (…) A testemunha M. (…) diz ter tido conhecimento de um acidente com a viatura da A., no dia 17 de Julho de 2017, pois recebeu uma comunicação da L (…) a informar que não havia acordo da congénere A (…) com o proprietário da viatura. Não significa, pois, mais que isso, que tal testemunha teve conhecimento do referido acidente no referido dia.

A mesma testemunha acrescentou que desde o dia em que a companhia tem conhecimento de que inexiste acordo entre o segurado e a congénere até dizer ao perito que tem que fazer a peritagem, demora normalmente um dia. Reafirma-se, pois, a validade da conclusão que expressamos no parágrafo anterior.

Por outro lado, a testemunha (…) refere que a A (…) informou a L (…)da inexistência de acordo com a A. dizendo-lhe que ia retirar o sinistro do âmbito da Convenção, o que ocorreu no dia 6 de Junho, pois viu isso na listagem de comunicações que estão na plataforma entre a L (…) e A (…). E em 17 de Abril também diz a mesma listagem que a L(…) concorda com a responsabilidade, o que quer dizer que a L(…)está em consonância com aquilo que a A(…) lhe transmitiu. A L(…) tinha conhecimento de que o sinistro ia ser retirado da Convenção. Esses elementos transmitidos por tal testemunha estão confirmados pelo doc. de fls. 70, alusivo às comunicações internas entre a A(…)e a L (…) doc. valorado pela julgadora de facto na sua motivação.

O que tudo significa – docs. referidos e doc. mencionado -, que não pode concluir-se, de modo nenhum, que a L(…)só teve conhecimento do sinistro no dia 17.7, como concluiu a julgadora. É esta a nossa convicção (art. 607º, nº 5, 1ª parte, ex vi do 663º, nº 2, do NCPC).

Deve ser, por isso, deferida parcialmente, a impugnação da recorrente, passando a aludida factualidade a ter a seguinte redação (a negrito, passando os anteriores factos a ficar em letra minúscula):

19. Nesta regularização a L (…) SA assumiu suportar os dias de paralisação, desde o dia 17 de Julho a 28 de Julho de 2017.

20. Declinando qualquer responsabilidade relativamente aos dias de paralisação desde a data do acidente (28 de Março), até ao dia 16 de Julho de 2017.

4. Relativamente à não responsabilização da R. (cfr. conclusões de recurso 1ª a 8ª, 25ª, 31ª a 33ª e 1ª da contra-alegação de recurso).

“Peticiona a A. que seja a R. condenada a pagar-lhe a quantia de €16.218,40 acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento, quantia esta que diz respeito à indemnização correspondente à paralisação de 112 dias que o seu veículo de matrícula sofreu em virtude de ter sido interveniente no acidente descrito na p.i. o qual ocorreu por culpa do condutor do outro veículo interveniente.

Ficou provado que, a A. é uma sociedade comercial cujo objeto é o transporte de passageiros, possuindo para o efeito vários autocarros que são utilizados na persecução do seu objeto social, sendo filiada na ANTROP – Associação Nacional dos Transportes Rodoviários de Passageiros, e, por esta via, em caso de acidente rodoviário com alguma das suas viaturas, sujeita ao cumprimento do acordo ANTROP/APS, quando intervenham seguradoras aderentes ao mesmo.

A R. e a L (…), SA, porque o sinistro em causa nos autos se encontrava abrangido no âmbito de aplicação da CIDS, (cfr. art. 10º, nº 1) concordaram que a regularização do mesmo assim fosse processada. Consistindo a CIDS num protocolo entre seguradoras que tem por finalidade acelerar a resolução de sinistros automóveis e simplificar os reembolsos entre as signatárias, permitindo aos segurados regularizar o sinistro junto da própria seguradora, que, havendo acordo, lhe pagará diretamente os prejuízos, evitando que aquele tenha de contactar a seguradora do outro interveniente, o qual foi o único responsável pelo acidente e aceitou essa responsabilidade, bastando aos segurados dar cumprimento ao disposto no art.º 17, n.º 1, daquela.

Convenção que cfr. se lê no Acórdão desta Relação de 07.07.2011, relatado pelo, agora, Ex.mo Sr. Conselheiro, José Rainho, disponível in www.dgsi.pt, “não passa de um instrumento negocial que apenas envolve as seguradoras que a subscreveram, funcionando assim como uma autêntica res inter alios acta relativamente aos sinistrados. Decorre claramente do teor de tal Convenção que a mesma visa operacionalizar (rectius “simplificar”, nos seus dizeres) em primeira linha os interesses das seguradoras (e reflexamente, é certo, os dos sinistrados), surgindo a seguradora do lesado (ali designada como Credora) como uma mera facilitadora ou intermediária no processo indemnizatório de que são partes únicas e verdadeiras o lesado e a seguradora do veículo mediante o qual se provocaram os danos (ali designada como Devedora).”.

No caso, verifica-se que a A., veio peticionar a condenação da R. no reconhecimento da sua responsabilidade pelo pagamento da indemnização pelos danos que sofreu decorrentes da imobilização do veículo matrícula (...) ZQ desde 28 de março de 2017 até 17 de julho de 2017, fundamentando o seu direito naquela Convenção/Protocolo, supra referido, existente quanto à regularização de sinistro, da qual a Ré e L (…), SA são partes outorgantes.

Encontra-se provado que a R., no âmbito daquele protocolo acionou os procedimentos de regularização do sinistro não tendo posteriormente informado a L (…), SA que a A, não havia aceite o montante da indemnização por si proposta.

Ora, sendo desse modo, não podem suscitar-se dúvidas que a R. não cumpriu o estipulado na Convenção IDS a que aderiu, nomeadamente, a cláusula 23ª, que dispõe sob a epígrafe “Discordância do Segurado”, o seguinte:

“1. Havendo discordância do segurado quanto à responsabilidade que lhe é atribuída, ou quanto ao montante indemnizatório, a devedora dispõe do prazo de 20 dias para efectuar o acordo com o segurado da Credora.

2. Verificado o previsto no número anterior, a Credora remeterá á devedora a documentação respeitante a essa regularização e limitar-se-á, mediante quitação adequada, ao pagamento da quantia que lhe competir indemnizar, cabendo à devedora responder por quaisquer outros pagamentos.

3. Em caso de acordo do segurado com a devedora, por valor inferior ou igual ao limite convencionado e não existindo qualquer pagamento parcial por parte da Credora, observar-se-á o seguinte:

- a Credora reembolsará a Devedora pelo custo real suportado;

- a devedora pagará à credora o custo médio correspondente;

4. Se o total dos montantes pagos ultrapassar o limite convencionado previsto no numero 1 do artigo 13.º, a devedora pagará à credora as quantias por esta suportadas, sendo o processo excluído do âmbito de aplicação do presente Protocolo.”

Tendo resultado provado que a R. não informou a L (…), S.A. de que a A. não aceitou o montante da indemnização proposto, logo após ter conhecimento desse não acordo que lhe foi comunicado pelo perito da UON, verificamos que a R., não cumpriu o disposto no artigo 23.º, n.º 2 do aludido protoloco IDS, não tendo assim, enquanto Seguradora credora comunicado à Seguradora devedora – a L (...) Seguros, SA – da não aceitação por parte da A. do montante indemnizatório proposto, contribuindo assim para o agravamento dos danos de privação do uso da A., sendo pois responsável pelo pagamento da indemnização pelos danos causados à A. decorrentes da imobilização do veículo ZQ a partir de 4.4.2017, data em que a A. não aceitou a proposta indemnizatória apresentada pelo perito por ela designado. Demonstrado que seja o nexo causal entre o facto da não comunicação da não aceitação por parte da A. e o dano, a Ré é responsável pelo pagamento da indemnização pelos danos decorrentes da imobilização do veículo matrícula (...) ZQ a partir de 4 de abril de 2017 até 17 de julho de 2017.”.

Não podemos acompanhar a conclusão a que se chegou na fundamentação jurídica apresentada. Expliquemos.

A apelada defende a existência de responsabilidade civil extracontratual por parte da R., face aos prejuízos sofridos pela privação do uso do seu autocarro, durante um determinado período de tempo, que indica, imputável à mesma.

Como se sabe, no âmbito da responsabilidade civil, é necessário, desde logo, que haja um facto voluntário do agente (não um mero facto natural causador de danos), pois só o homem, como destinatário dos comandos emanados da lei, é capaz de violar direitos alheios ou de agir contra disposições legais. Em 2º lugar, é preciso que o facto do agente seja ilícito (…violar ilicitamente…). Em 3° lugar, importa que haja um nexo de imputação do facto ao lesante («Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar…). Em seguida, é indispensável que à violação do direito subjectivo ou da lei sobrevenha um dano, pois sem dano não chega a pôr-se qualquer problema de responsabilidade civil. Por último, exige a lei que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima, de modo a poder afirmar-se, à luz do direito, que o dano é resultante da violação. (vide Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª Ed., notas 3. a 5., 8. a 11., ao artigo 483º, págs. 444/449).

Desde logo, os factos não permitem concluir que a falta de reparação oportuna do autocarro da A., e subsequente paralisação e privação do uso do veículo, se deve a qualquer acção ou omissão legal por parte da R.
Na verdade, apurou-se (factos 25. a 27.) que a divergência quanto à peritagem entre o perito da UON e a A. (proprietária do autocarro e da oficina onde ia ser reparado) surgiu apenas quanto aos valores e sobre as peças que eram reparáveis, mas a A. queria que fossem substituídas, de onde resulta, como salienta a recorrente, a falta de razão da A. que não pode impor peças novas quando as mesmas são reparáveis.

Por isso, o sinistro saiu do âmbito da convenção IDS e passou a ser tramitado normalmente, ou seja, como qualquer caso de responsabilidade civil, em que a seguradora do culpado regulariza os danos do lesado (facto 28.)

Não se apurando desde logo um pressuposto da responsabilidade civil nos termos enunciados, não existe dever de indemnizar por parte da seguradora R. nos termos pedidos.

De outra parte, e mais decisivamente, é de sublinhar que a intervenção da R., no que respeita ao acidente em causa, se fez ao abrigo da chamada Convenção IDS (indemnização directa ao segurado), convenção existente entre seguradoras para agilizar o ressarcimento dos danos sofridos em consequência de acidente de viação quando haja acordo entre os vários intervenientes quanto à ocorrência do acidente, e por via da qual o lesado é indemnizado directamente pela sua própria seguradora.

Ora, como relembra a decisão recorrida, tal Convenção “não passa de um instrumento negocial que apenas envolve as seguradoras que a subscreveram, funcionando assim como uma autêntica res inter alios acta relativamente aos sinistrados. Decorre claramente do teor de tal Convenção que a mesma visa operacionalizar (rectius “simplificar”, nos seus dizeres) em primeira linha os interesses das seguradoras (e reflexamente, é certo, os dos sinistrados), surgindo a seguradora do lesado (ali designada como Credora) como uma mera facilitadora ou intermediária no processo indemnizatório de que são partes únicas e verdadeiras o lesado e a seguradora do veículo mediante o qual se provocaram os danos (ali designada como Devedora). Segue-se daqui à evidência que as consequências jurídicas do sinistro se repercutem sempre e apenas na pessoa da seguradora dita Devedora." Ac. da Rel. de Guimarães de 7.7.2011, Proc.2843/09.0TBVCT, em www.dgsi.pt.

Ou seja, na falta de acordo entre o lesado e a sua seguradora quanto ao âmbito da reparação dos danos e havendo apenas seguro obrigatório de responsabilidade civil, aquele deverá accionar directamente a seguradora do lesante.

A falta de reparação por parte da seguradora do lesado não inverte a responsabilidade civil das seguradoras intervenientes, isto é, a seguradora do lesado não se torna responsável pelos danos causados, na medida em que a sua intervenção é tão só para agilizar o pagamento da indemnização devida e não mais que isso.

A apelante distorce a intervenção da sua seguradora, em mera representação da seguradora do responsável pelo acidente, com as obrigações decorrentes do contrato de seguro de responsabilidade civil, que no caso é apenas de responsabilidade por danos causados a terceiros e sem abranger danos próprios.

Daí que inexista qualquer responsabilidade civil extracontratual da R., ao invés do que defende a A., não se mostrando violados os arts. 483º, 486 e 487º que ela aponta.

É, aliás, esta a posição da jurisprudência que se conhece, e que julgamos uniforme (vide, ainda, os Acds. da Rel. Guimarães de 22.6.2017, Proc.28/16.9T8EPS, da Rel. Lisboa, de 16.11.2016, Proc. 1209/10.4TJLSB e do STJ, de 10.11.2011, Proc.2120/08.4TVLSB, todos disponíveis no indicado site.

Assim, procede esta questão do recurso, o que implica a procedência total da apelação.

5. Face ao que expusemos no ponto 4. e ao que vamos decidir, fica prejudicado o conhecimento das subsistentes questões referentes à não indemnização à A. e ao montante dos juros a pagar à mesma (art. 608º, nº 2, 1º parte do NCPC).

6. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Quando as conclusões contenham um fundamento ou razão que não tenha sido exposta/desenvolvida nas alegações deve considerar-se não formulada tal questão, com a consequente impossibilidade de conhecimento, nesse segmento, da pretensão apresentada pelo apelante ao interpor o seu recurso;

ii) Como consequência de acidente de viação em que tenha sido accionada a convenção IDS (indemnização directa ao segurado), a falta de acordo entre o lesado e a sua seguradora faz cessar a intervenção desta ao abrigo daquela convenção;
iii) Na sequência da cessação da intervenção da seguradora do lesado, este apenas poderá pedir o ressarcimento dos danos sofridos e ainda não indemnizados junto da seguradora do lesante ao abrigo do seguro da responsabilidade civil;

iv) A falta de reparação por parte da seguradora do lesado não inverte a responsabilidade civil das seguradoras intervenientes, ou seja, a seguradora do lesado não se torna responsável pelos danos causados, na medida em que a sua intervenção é tão só para agilizar o pagamento da indemnização devida e não mais que isso.

 

IV- Decisão

 

Pelo exposto, julga-se procedente o recurso da R., indo a mesma absolvida, assim se revogando a decisão recorrida.

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Custas pela A.

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   Coimbra, 22.9.2020

Moreira do Carmo ( Relator )

Fonte Ramos

Alberto Ruço