Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
146/19.1T8NZR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: CONDOMÍNIO
IMPUGNAÇÃO DE DELIBERAÇÕES DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
LEGITIMIDADE PASSIVA
Data do Acordão: 02/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DA NAZARÉ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 1436º, AL. H) DO C. CIVIL.
Sumário: I – Nas ações de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, a legitimidade passiva pertence ao condomínio, representado pelo respetivo administrador.

II – A legitimidade passiva na ação de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos compete ao condomínio, representado pelo administrador, pois que se a este cabe executar as deliberações da assembleia de condóminos (artigo 1436º, alínea h), do Código Civil), por igualdade de razão cumpre-lhe sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio.

Decisão Texto Integral:









Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra1:
I - Relatório:
A) – 1) – M..., divorciada, com residência na Rua ..., veio instaurar ção de anulação de deliberações de condóminos contra C... e outros, todos condóminos do CONDOMÍNIO DO PRÉDIO SITO NA URBANIZAÇÃO ... (doravante “CONDOMÍNIO”) requerendo a citação de todos na pessoa do administrador desse condomínio.
Pretende a Autora, mediante a presente ação, que se anulem as deliberações que indica e que foram tomadas na assembleia de condóminos do  passado dia 17 de Agosto de 2019.
Com a petição inicial - que inicia logo com 6 artigos a justificar a legitimidade passiva dos RR, citando um Acórdão da Relação de Guimarães e dois Acórdãos da Relação de Lisboa juntou, entre o mais, a Acta nº 37 onde  foram vertidas as deliberações em causa.
2) Na contestação que veio a ser oferecida, os RR, que foram citados na pessoa do Sr. Administrador do “CONDOMÍNIO, vieram, entre o mais, arguir a exceção da ilegitimidade passiva, uma vez que, no seu entender, deveria a ação ter sido intentada contra o “CONDOMÍNIO” e contra todos os condóminos.
A Autora veio sustentar a improcedência da referida exceção dilatória.
3) - Por despacho de 28.02.2020 a Mma. Juiz do Tribunal “a quo”, alicerçando-se, para o efeito, no dever de gestão processual previsto no art. 6.º do Código de Processo Civil, convidou as partes para, em 10 dias, informarem se prescindiam da realização da audiência prévia, advertindo logo que o respetivo silêncio seria tido como aceitação tácita quanto a prescindirem da realização de tal diligência;
4) Na sequência desse despacho, os RR nada vieram dizer aos autos, mas a Autora, dizendo reconhecer o mérito e pertinência desse despacho, veio declarar que não se opunha à dispensa da realização da audiência prévia.
B) Tendo-se dispensado a audiência prévia, no saneador que foi proferido em 22/6/2020 julgou-se procedente a exceção da ilegitimidade passiva dos RR e absolveram-se estes da instância, entendendo-se, para o efeito, que a legitimidade passiva na ação de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos compete ao condomínio, representado pelo administrador, pois que se a este cabe executar as deliberações da  assembleia de condóminos (artigo 1436º, alínea h), do Código Civil), por igualdade de razão cumpre-lhe sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio.”.
- O valor da causa foi fixado em € 30.001,00.
II - Inconformada com o decidido em tal saneador, no que concerne à absolvição da instância dos RR, dele Apelou a Autora que, a finalizar a sua alegação de recurso, apresentou as seguintes conclusões:
...
J. Termos em que, a considerar que se verifica a exceção dilatória de ilegitimidade, então deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outro despacho que ordene o convite à Autora para, querendo, sanar a irregularidade e demandar o Condomínio para regularizar a instância. […]».
Na resposta à alegação do recurso, os RR pugnaram pela improcedência do recurso e pela manutenção do decidido na sentença recorrida.
III - Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do novo Código de Processo Civil2 (doravante NCPC, para o distinguir do Código que o precedeu, que se passará a identificar como CPC), o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por  imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo  diploma legal.
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que  antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, “questões”, para efeito do disposto no n.º 2 do artº 608º do NCPC, são apenas as que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações, “considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos  de valor  produzidos pelas partes”3 e que o  Tribunal, embora possa abordar para  um maior esclarecimento das partes, não está obrigado a  apreciar.
O que está aqui em causa, essencialmente, é saber a quem cabe a legitimidade passiva na acção de anulação de deliberações da assembleia de condóminos, acrescendo saber - a entender-se que em tais acções essa legitimidade pertence ao condomínio, representado pelo respectivo administrador -, se o Tribunal “a quo” praticou acto inútil, se deveria previamente a ter proferido a decisão em causa, ter prevenido as partes e, designadamente, quanto à Autora, convidado esta “a sanar o vício”.
IV - Fundamentação:
A) - O circunstancialismo processual e a factualidade provada que importa ponderar para a decisão do presente recurso estão elencados em I “supra”.
B) A questão da legitimidade passiva na ação de anulação de deliberações da assembleia de condóminos tem sido objecto de controvérsia, quer na doutrina, quer na jurisprudência.
Porque transmite, em termos absolutamente claros e profusamente fundamentados, o nosso entendimento na matéria, passamos a transcrever, do Acórdão da Relação de Lisboa de 7/3/2019 (Apelação nº 26294/17.4T8LSB.L1-2),4 os extractos que para o caso mais interessam: «[…] A sentença recorrida sugere que, de qualquer modo, sempre existiria ilegitimidade passiva do Condomínio quanto ao pedido A: quem a teria seriam só os condóminos que tivessem votado favoravelmente as deliberações (art. 1433º/1-6 do CC).
Esta posição tem suporte, por exemplo, nos acs. do TRL de 08/02/1990 e de 30/09/1997, ambos referidos por Sandra Passinhas (obra citada, págs. 336 a 338), mas a posição correta é a contrária, defendida por esta autora, isto é, de que a deliberação exprime a vontade do Condomínio, do grupo, e não dos condóminos (individualmente considerados). “As controvérsias respeitantes à impugnação de deliberações da assembleia só satisfazem exigências coletivas da gestão condominial, sem atinência direta com o interesse exclusivo de um ou vários participantes […].”
Ou, como diz Miguel Mesquita: “A deliberação, contra a qual se reage, traduz, bem vistas as coisas, a vontade do condomínio. Este acaba por ser, portanto, uma realidade distinta dos seus membros, uma realidade constituída, segundo alguma doutrina, por uma espécie de "personalidade jurídica rudimentar" […]. A deliberação exprime a vontade da maioria […]. Ora, se assim é, a boa solução consiste em demandar o condomínio, uma vez que a deliberação promana do condomínio e não apenas dos condóminos que votaram a favor da deliberação.” (na sua anotação ao ac. do TRL de 25/06/2009, proc. 4838/07, sobre A personalidade judiciária do condomínio nas ações de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, pág. 53, já seguido no ac. do TRL de 20/06/2013, proc. 6942/04.7TJLSB- B.L1-2).
Veja-se no mesmo sentido o lugar e a argumentação paralelos relativamente às deliberações dos sócios das sociedades comerciais: “as deliberações dos sócios são  juridicamente imputáveis  à sociedade. Natural, por isso, que nas ações de declaração de nulidade ou de anulação das deliberações a legitimidade processual passiva seja da sociedade contra esta devem ser propostas as ações – art. 60º/1 do CSC” (Jorge M. Coutinho de Abreu, CSC em comentário (IDET/Almedina, 2010, pág. 695; também neste sentido, Pinto Furtado, Deliberações dos sócios, Almedina, 1993, págs. 514 a 517).
É certo que o art. 1433º/6 do CC (tal como o art. 1433º/4 antes do DL 267/94, de 25/10) diz que “a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as ações compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito”. E que o art. 383º/2 do CPC diz que “é citada para contestar [a providência cautelar de suspensão das deliberações da assembleia de condóminos] a pessoa a quem compete a representação judiciária dos condóminos na ação de anulação.”
Só que, como lembra Sandra Passinhas, a redação do artigo 1433º/4 do CC é anterior à reforma de 94 e não foi objeto de atualização.
Ou, como explica Miguel Mesquita, na sua anotação, pág. 54:
“A solução para o problema passa, precisamente, em nosso entender, pela interpretação atualista do art. 1433º/6 do CC. Vejamos porquê: Esta norma - cuja redação deriva do DL 267/94, de 25/10 - foi redigida numa época em que o condomínio não gozava de personalidade judiciária, ou seja, não podia, enquanto tal, ser parte ativa ou passiva num processo cível. A causa dizia respeito ao condomínio? Pois bem, tornava-se indispensável a intervenção, no processo, do lado ativo ou do lado passivo, de todos os condóminos.
Só muito mais tarde a Reforma processual de 1995/1996 veio estender, no art. 6º/-e [agora 12/-e], a personalidade judiciária ao condomínio. E o art. 231º/1 [agora 223º/1 e tb 26º], cuja redação deriva da mesma Reforma, acrescentou que o condomínio é citado ou notificado na pessoa do seu legal representante (o administrador). Quer dizer, o condomínio é a parte, e parte legítima, assumindo o administrador o papel de representante de uma entidade desprovida de personalidade jurídica, sendo incorreto, por isso, afirmar-se que a legitimidade pertence ao administrador.
Torna-se, assim, necessário levar a cabo uma interpretação atualista do citado art. 1433º/6 do CC, substituindo a expressão condóminos pela palavra condomínio.
[…]
E de interpretação atualista tem igualmente de ser alvo o art. 398º/2 do CPC [agora 383º/3], cuja redação se mantém inalterada desde 1967 [do DL 47690/11/05/1967]. […] À luz da interpretação por nós propugnada, é citado aquele a quem cabe a representação judiciária do condomínio e não dos condóminos.”
No mesmo sentido veja-se o acórdão do TRP de 13/02/2017, proc. 232/16.0T8MTS.P1:
“A deliberação de condóminos é a forma por que se exprime a vontade da assembleia de condóminos (artigos 1431º e 1432º, ambos do CC), órgão a quem compete a administração das partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal (art. 1430º/1 do CC), sendo o administrador o órgão executivo da assembleia de condóminos (artigos 1435º a 1438º, todos do CC).
Se a deliberação exprime a vontade da assembleia de condóminos, estruturalmente percebe-se que seja essa entidade, porque vinculada pela deliberação, a demandada em ação em que se questione a existência, a validade ou a eficácia de uma sua qualquer deliberação.
Por outro lado, mal se percebe que os condóminos, pessoas singulares ou coletivas, dotados de personalidade jurídica, careçam de ser representados judiciariamente pelo administrador do condomínio. De facto, a representação judiciária apenas se justifica relativamente a pessoas singulares desprovidas total ou parcialmente de capacidade judiciária ou relativamente a entidades coletivas, nos termos que a lei ou respetivos estatutos dispuserem, ou ainda relativamente aos casos em que as pessoas coletivas ou singulares se venham a achar numa situação de privação dos poderes de administração e disposição dos seus bens por efeito da declaração de insolvência.
Serve isto para vincar que quando art. 1433º/6 do CC se faz referência aos condóminos, o legislador incorreu nalguma incorreção de expressão e de facto parece ter-se tido na mira, uma entidade coletiva, a assembleia de condóminos corporizada pelos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação impugnada, o condomínio vinculado pelas deliberações impugnadas e cuja execução compete ao administrador, como já antes se viu.” É certo, entretanto, que Sandra Passinhas entende que “sendo um acto do Condomínio, a legitimidade passiva cabe ao administrador”. Ou seja, a parte passiva seria o administrador. O que a autora, na 2ª edição da obra, 2002, pág. 347, reforça, dizendo: “O administrador é o órgão através do qual se executa a vontade do condomínio. Em consequência, só ele pode depor como parte. Os condóminos apenas poderão depor como testemunhas, devendo o seu interesse na (im)procedência da ação ser tido em consideração na convicção a extrair dos seus depoimentos.”
Mas esta autora logo acrescenta: “[cabe ao administrador] como representante orgânico do Condomínio”. E antes tinha dito: “O administrador nunca é prejudicado pela procedência da ação (nem numa ação de anulação de deliberação social, nem em qualquer outra ação), ele age como o representante orgânico do condomínio.”
E logo a seguir a autora refere: “Nas palavras do ac. do TRL de 14/05/1998, CJ, III, pág. 96 e ss., "entre os poderes do administrador contam-se os inerentes à representação judiciária dos condóminos contra quem sejam propostas ações de impugnação de deliberação da assembleia, salvo se outra pessoa for nomeada pela assembleia, conforme se preceitua no artigo 1433º/6. (...) Significa isto que o condomínio, ou seja, o conjunto dos condóminos, pode ser diretamente demandado quando, designadamente, estejam em causa deliberações da assembleia. (...) Da especificidade da representação do condomínio resultante da propriedade horizontal nas ações de anulação das deliberações decorre que, para cabal cumprimento do disposto no artigo 476º/1-e do CPC, se o autor demandar o condomínio, deverá indicar o nome e  a residência do administrador ou da pessoa que a assembleia tenha porventura designado para representar o condomínio nessas ações, sem o que o condomínio não pode ter-se por devidamente identificado".
Ou seja, independentemente desta aparente incongruência (decorrente da citação do ac. do TRL) não há dúvida de que para esta autora o administrador está na ação como representante do condomínio e não dos condóminos que aprovaram as deliberações (considerando que nas ações do art. 1437º do CC, que não necessariamente nesta, o administrador é a própria parte, embora em substituição processual, veja-se Miguel Teixeira de Sousa, em vários post’s colocados no blog do IPPC em 01/03/2015. O que significa o disposto no art. 1437.º CC?; em 06/03/2018, Jurisprudência (805); e em 21/01/2019, Jurisprudência 2018 (158); -, e Paula Costa Silva e Remédio Marques, citados no ac. do TRL de 20/06/2013, proc. 6942/04.7TJLSB-B.L1-2, bem como Antunes Varela, CC, vol. III, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1984, pág. 455, mas este sem referência à substituição processual; Lebre de Freitas e Miguel Mesquita criticam estas posições da substituição processual -, obras citadas, págs. 43-44 e 50/51, respetivamente, entre o mais porque o administrador não tem um interesse próprio).
No mesmo sentido de que a parte é o Condomínio, representado embora pelo administrador (como resulta dos arts. 1433º/6 do CC e 383º/2 do CPC com a interpretação atualista proposta por Miguel Mesquita), vejam-se anotações de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, obra citada, vol. 1.º, 2014, 3.ª edição, págs. 41 [“a alínea d) concede personalidade judiciária ao condomínio, relativamente às ações em que, por ele, pode intervir o administrador, nos termos dos arts.1433º/6 do CC (como réu) e 1437º CC (como autor ou réu), o  que já resultava, pelo menos, desta disposição”], 43 e 44, anotações 5 e 9 ao art. 12º, págs. 63/64 em anotação ao art. 26º, e págs. 121 e 122 do vol. 2.º em anotação ao art. 383º do CPC, aqui entendidos com as devidas adaptações.
No mesmo sentido, ainda, Aragão Seia, obra citada, págs. 207 e 208 e, também, por ser um dos últimos e com variadíssimas referências jurisprudenciais e doutrinárias num e noutro sentido, o já citado acórdão do TRP de 13/02/2017, proc. 232/16.0T8MTS.P1: As ações de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos devem ser instauradas contra o condomínio que será representado pelo seu administrador ou por quem a assembleia designar para esse efeito.
Miguel Mesquita, na anotação citada, ainda acrescenta:
“Resta dizer que esta solução afasta uma série de problemas que resultariam da obrigatoriedade de demandar, em litisconsórcio necessário, os condóminos que votaram a favor da deliberação inválida. Por isso, a propósito das associações desprovidas de personalidade jurídica, Habscheid qualifica como razoável, à luz de uma ideia de economia processual, a solução de, no processo, aparecer a mera indicação do nome coletivo […].
Quanto ao nosso problema, a necessidade de identificar todos os condóminos pode ser "diabólica", por duas razões: por causa do elevado número de condóminos de certos edifícios sujeitos ao regime da propriedade horizontal; por causa, também, da impossibilidade prática, na esmagadora maioria das vezes, de identificar, na acta da assembleia, os condóminos que votaram a favor da deliberação inválida. Na realidade, a lei não exige que sejam mencionados os condóminos que votaram a favor de uma deliberação. […]
[…]
Os pressupostos processuais não devem servir para complicar, desnecessariamente, o conhecimento do pedido e a resolução dos litígios, finalidades precípuas do processo civil.”
Dadas estas dificuldades e estas razões, não se concorda com a desvalorização da divergência feita por Rui Pinto Duarte no CC anotado, vol.  II, 2017, Almedina, pág. 287 […]».
Este entendimento, que se acaba de transcrever, teve a concordância do Prof. Teixeira de Sousa, no “Blog do IPPC” (02/05/2019, Jurisprudência 2019 (13))…que aí comenta5: «[…] O acórdão esclarece, com bastante clareza, a interpretação atualista do disposto no art. 1433.º, n.º 6, CC.
Aproveita-se para agradecer a referência à interpretação do disposto no art. 1437.º CC, no sentido de que, como este preceito atribui legitimidade ao administrador do condomínio, o mesmo só pode ser compreendido através da substituição processual.
Contra isto não vale invocar que o administrador do condomínio não pode ser um substituto processual, porque não tem um interesse próprio. Basta  recordar que há inúmeras situações em que o substituto processual age no interesse de outrem. Delas são exemplo a legitimidade do administrador da insolvência para ser parte em substituição do insolvente (art. 85.º, n.º 3, CIRE) e a legitimidade do cônjuge sobrevivo ou de qualquer ascendente, irmão, sobrinho ou herdeiro do ofendido nos seus direitos de personalidade ou no seu bom nome para requerer as providências adequadas a evitar a consumação  da ameaça ou a atenuar os efeitos de ofensa já cometida (art. 71.º, n.º 2 e 3, e 73.º CC). […]».
Também no Acórdão do STJ de 24-11-2020 (Revista nº 23992/18.9T8LSB.L1.S1 - 6.ª Secção) se expressou o entendimento de que “Na ação de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, a legitimidade passiva pertence ao condomínio, representado pelo respetivo administrador.” 6.
Deste modo e de acordo com esta asserção, tem que se concluir existir a arguida ilegitimidade passiva dos RR na presente ação, já que foi contra eles e não contra o “CONDOMÍNIO”, representado pelo respetivo administrador, que foi instaurada a ação.
E como a questão não consiste na ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário passivo, ou seja, não se trata de não se ter demandado o “CONDOMÍNIO” a par dos RR, mas antes a de se ter  demandado estes indevidamente, em lugar daquele, a exceção não é suprível (v.g. mediante o suscitar de incidente de intervenção principal provocada), pelo que não se pode censurar ao Tribunal “a quo” a omissão de convite que a Autora ora lhe aponta.
Por outro lado, a questão da ilegitimidade dos RR foi amplamente discutida nos articulados, com posições divergentes das partes, consistindo numa questão de direito, que não se concebe porque não carecia de qualquer prova a produzir que não fosse de conhecer logo no saneador (Cfr. artº 592º nº 1 al. b) e 595º nº 1, a), do NCPC)7.
Ora, a Autora, que na sequência do despacho de 28.02.2020 veio declarar que não se opunha à dispensa da realização da audiência prévia, bem sabia, ou deveria saber, que isso implicaria que, no despacho saneador a proferir, a questão da ilegitimidade iria ser conhecida, e sendo-o, poderia ser decidida contra si.
Não se vê, por isso, como considerar a decisão de julgar os RR parte ilegítima  e absolvê-los da instância pode ser entendido, como defende a Apelante,  como o fazer “rebentar a bomba atómica” na esfera jurídica desta sem qualquer aviso e sem que nada fizesse prever”.
Aliás, de acordo com o Acórdão do STJ de 29-10-2020 (Revista n.º 4316/18.1T8FNC.L1.S1 - 7.ª Secção) “O tribunal ao reconhecer que as partes já discutiram suficientemente a questão, conhecendo a posição das partes sobre a matéria em litígio, tem plenamente justificada a dispensa do contraditório, inexistindo qualquer decisão surpresa, não permitida pelo nosso ordenamento jurídico.”.
Não se entende o motivo que leva a Apelante a apodar a sentença de “inútil”.
A sentença, embora com uma decisão em desfavor da Autora, julgou a exceção da ilegitimidade dos RR, debatida nos articulados, pelo que a respetiva utilidade é patente.
Em conclusão: Sem violação das normas que a Apelante aponta como infringidas, foi correcta, pois, a procedência da exceção e a consequente absolvição dos RR da Instância, pelo que improcede o recurso.
V - Decisão:
Em face de tudo o exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação, julgar a apelação improcedente e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Apelante (artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6, 663º, nº 2, todos do NCPC).
23/2/2021
(Luiz José Falcão de Magalhães)
(António Domingos Pires Robalo)
(Sílvia Maria Pereira Pires)

1 Segue-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.

2 Aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, e que entrou em vigor em 01/09/2013.
3 Acórdão do STJ de 06 de Julho de 2004, Revista nº 04A2070, embora versando a norma correspondente da legislação processual civil pretérita, à semelhança do que se pode constatar, entre outros, no Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e no Ac. do STJ  de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586, todos estes arestos consultáveis em “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”.

4 Consultável em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf?OpenDatabase.

5 Consultável em “https://blogippc.blogspot.com/2019/05/jurisprudencia-2019-13.html.

6 Cfr. o sumário deste Acórdão em https://www.stj.pt/?page_id=4471.

7 Cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado - Volume 2.º, 3ª edição, Almedina, 2017, em anotação ao artº 591º, págs. 640 e 641.