Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
41/15.3T8GVA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CATARINA GONÇALVES
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
NOTIFICAÇÃO
CREDORES
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
NULIDADE PROCESSUAL
IMPUGNAÇÃO
Data do Acordão: 04/26/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA - GOUVEIA - INST. LOCAL - SEC. COMP. GEN. - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 17º-D, Nº 1, DO CIRE
Sumário: I – A comunicação a efectuar pela devedora, nos termos do art. 17º-D, nº 1, do CIRE, não corresponde a uma formalidade essencial e imprescindível do processo cuja omissão possa determinar uma qualquer nulidade com base na qual devam ser anulados todos os actos subsequentes a essa omissão.

II – O facto de a devedora ter omitido essa comunicação a determinada pessoa que dela se arroga credora poderá vir a determinar a sua responsabilização pelos prejuízos causados com essa omissão – em conformidade com o disposto no citado art. 17º-D, nº 11 – mas, além de não produzir qualquer nulidade processual, não poderá determinar a concessão de um novo prazo para que o credor em causa possa reclamar o crédito que não reclamou em momento oportuno, quando é certo que o prazo para a reclamação de créditos não é contado a partir dessa comunicação, mas sim a partir da publicação do despacho a que alude o art. 17º-C, nº 3, alínea a).

III – A qualidade de interessado, para efeitos de impugnação da lista provisória de créditos pressupõe que quem se apresente a impugnar a lista, na qualidade de credor, tenha reclamado o seu crédito ou que, apesar de não o ter reclamado, esse crédito tenha sido relacionado pelo Administrador.

IV – Estando em causa uma impugnação deduzida por determinado credor tendo em vista a inclusão do seu crédito na lista de créditos, tal impugnação apenas poderá ter como fundamento a indevida exclusão do crédito da lista apresentada, seja porque, apesar de ter sido reclamado em tempo oportuno, o administrador (por lapso) não o relacionou, seja porque o administrador entendeu, por qualquer razão, não considerar a reclamação; mas a impugnação com esse fundamento pressupõe, em qualquer circunstância, que o credor tenha reclamado o seu crédito, já que a impugnação da lista de credores não poderá servir para, a pretexto de uma impugnação, reclamar créditos que não foram reclamados no momento próprio.

V – O credor que não reclamou o seu crédito oportunamente não poderá, portanto, impugnar a lista provisória de créditos (onde não foi incluído), seja para o efeito de aí ver incluído o seu crédito ou seja para o efeito de ver excluídos quaisquer créditos que aí tenham sido incluídos.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

Nos autos de processo especial de revitalização em que é devedora A... , S.A. e após apresentação – pelo Administrador judicial provisório – da lista provisória de créditos – veio a B... impugnar a lista de credores, requerendo a verificação e inclusão na lista de um crédito garantido de que é titular, no valor de 2.861.407,96€, requerendo a exclusão dos créditos reconhecidos à sociedade D.. , Ldª e a E.. e invocando, designadamente, uma nulidade processual (com influência na decisão da causa) decorrente da violação da formalidade imposta pelo art. 17º-D, nº 1, do CIRE, uma vez que a devedora não lhe deu conhecimento do processo.

A devedora respondeu, alegando que a B.. não é sua credora – razão pela qual não tinha que lhe dar conhecimento do processo – uma vez que, à data da reclamação de créditos, ainda se encontrava em cumprimento o estabelecido pelas partes quanto ao financiamento, relativamente ao qual a aqui devedora figura como garante da sociedade que obteve esse financiamento (a C...), na qualidade de proprietária de um imóvel que ficou hipotecado para garantia desse crédito. Mais alega ter ficado acordado que essa hipoteca seria libertada logo que o LTV (rácio entre o crédito e o valor das garantias) atinja os 58% e que, não obstante essa condição se ter verificado, a B.. recusou a libertação da hipoteca, não obstante ter a obrigação de o fazer em conformidade com o que havia sido acordado. Sustenta ainda a devedora que a reclamação do crédito em causa não é admissível, porquanto as reclamações devem ser dirigidas ao Administrador Judicial Provisório no prazo de 20 dias a contar da publicação do despacho de nomeação do mesmo e a B.. não reclamou qualquer crédito dentro desse prazo e junto do Administrador.

E.. e D.. , Ldª, responderam sustentando a improcedência da impugnação deduzida relativamente aos seus créditos.

Por decisão proferida em 01/09/2015, foi julgada improcedente a arguição da nulidade processual que havia sido invocada por alegada violação do art. 17º-D, nº 1, do CIRE e foi indeferida a impugnação apresentada – na parte referente à inclusão da B.. como credora – por falta de legitimidade e de fundamento legal, dada a extemporaneidade da reclamação de créditos. Mais se decidiu, no que toca aos créditos de D.. , Ldª e E.. , o seguinte:

» Em face dos elementos resultantes dos autos, como sejam os documentos apresentados com a reclamação de créditos, entendemos, num juízo perfunctório, que o crédito de D.. , Lda. deve ser reconhecido nos termos da lista provisória de credores reconhecidos;

» Em face dos elementos resultantes dos autos, como sejam os documentos apresentados com a resposta à impugnação apresentada, entendemos, num juízo perfunctório, que o crédito de E.. deve ser reconhecido e considerado como subordinado e não como comum, nos termos dos artigos 48.º, a) e 49.º, n.º 2, alínea c) do C.I.R.E.”.

Inconformada com essa decisão, a B.. veio interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso vem interposto do Despacho do Mmo Juiz a quo de 01/09/2015 pelo qual:

■ Foi julgada improcedente, por não provada, a arguição de nulidade processual arguida pela Apelante

■ Indeferida a inclusão da Recorrente como credora por falta de legitimidade e de fundamento legal, atenta a extemporaneidade da reclamação de créditos, coincidente, assim, com a sua inexistência

■ Foi proferida decisão de reconhecimento, em face dos elementos resultantes dos autos, como sejam os documentos apresentados com a reclamação de créditos, num juízo perfunctório, do crédito de D.. , Lda nos termos da lista provisória de credores reconhecidos e o crédito de E.. , embora apenas quanto a este último credor se discorde de ter sido reconhecido o valor crédito, tendo a sua natureza sido, e bem, rectificada, o qual a ser considerado sempre teria ser como subordinado e não como comum, pelo que quanto classificação a decisão do Dgno não merece qualquer reparo.

■  DA NULIDADE PROCESSUAL ARGUIDA

2. Somente com a publicação da lista provisória de créditos, a Apelante constatou que apesar de credora da Devedora, com responsabilidades garantidas por hipoteca sobre imóvel da Devedora, tais responsabilidades não se encontravam relacionadas na aludida lista.

3. Com efeito a Apelante detém créditos garantidos por hipoteca prestada pela Devedora A... S.A., a favor da B.. , tendo a credora/Recorrente pela documentação junta com a impugnação atestado a inexistência inequívoca de tais créditos, designadamente a Escritura de Hipoteca e informação predial que atestava a constituição da garantia e registo da hipoteca em vigor.

4. A B.. é credora da sociedade A... S.A por força de hipoteca prestada por esta para garantir financiamento identificado nos autos, concedido a outra sociedade “ C.. , SA”, sob a forma de Abertura de Crédito no montante de 2.300.000,00 Euros (dois milhões e trezentos mil euros) cuja dívida se cifrava à data da reclamação na impugnação apresentada pela B... nestes autos em 2.861.407,96 EUR (Dois Milhões, Oitocentos e Sessenta e Um Mil, Quatrocentos e Sete Euros e Noventa e Seis Cêntimos), com a natureza de crédito garantido.

5. A hipoteca a favor da B.. incide sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº 3153 e inscrito na matriz sob o artigo 1277, da freguesia de Aradas, concelho de Aveiro, registada a favor da Credora Recorrente na Conservatória do Registo Predial de Aveiro pela Ap. 3683 de 30/03/2012, como ficou provado pela Escritura e informação predial junta nos autos e garante o Montante Máximo de Capital e Acessórios de 4.035.695,00 EUR.

6. A Devedora tinha desde o início e muito anteriormente à data de apresentação ao Processo de Revitalização perfeito conhecimento dos créditos garantidos pela hipoteca constituída a favor da Recorrente, como aliás ficou inequivocamente demonstrado pelos documentos juntos aos autos e peças processuais apresentadas.

7. A resposta da Devedora A... S.A à Impugnação apresentada pela Recorrente confirma precisamente o reconhecimento das responsabilidades que assumiu junto da B.. .

8. É a própria Devedora quem alude à hipoteca que constituiu a favor da B.. e fá-lo por diversas vezes e de forma manifesta e expressa, como se exemplifica transcrevendo da resposta da própria Devedora à Impugnação o que a mesma afirma de forma veemente:

43º

É, portanto, sua obrigação libertar a dita hipoteca nas condições aí descritas sendo que, ao não o fazer, está a violar de forma grosseira o compromisso por si assumido.

(…)

53º

A B... não pretende mais do que segurar, a todo o custo (contra a sua própria palavra, inclusivamente), a(s) referida(s) hipoteca(s), o que não lhe é, de todo, legítimo fazer.”

9. De igual modo E.. , administrador da Devedora na resposta à impugnação expressamente e inequivocamente admite conhecer o crédito em questão, como resulta da leitura da sua peça, designadamente no artigo 22 :

E que a empresa A... SA, pessoa colectiva nº (...) dá o imóvel urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº 3153, avaliado pela B.. pelo valor de 5.022.638,00 € (cinco milhões e vinte e dois mil seiscentos e trinta e oito euros)

&Acta Nº 36 ; Foi deliberado por unanimidade, dar em hipoteca à B.. para garantia de empréstimo a conceder por este à C.. SA, no valor de €2.300.00,00 (dois milhões e trezentos mil euros), incluídos os juros, Doc 3

10. A Devedora não poderia nestes termos jamais deixar de atender ao crédito da Impugnante aquando da junção da documentação a que alude o art. 24º nº 1 do CIRE.

11. Nos termos do disposto no art.º 17º-C, nº 2 al. b), do CIRE o Devedor que pretenda dar início ao processo de revitalização, deve remeter ao Tribunal competente as cópias dos documentos mencionados no nº 1 do art.º 24º CIRE, designadamente, entre outros:

Relação de todos os credores com indicação dos respectivos domicílios, montantes dos créditos, data de vencimento, natureza e das garantias que beneficiem (al. a));

Relação de bens que o devedor detenha em regime de arrendamento, aluguer ou locação financeira ou venda com reserva de propriedade e de todos os demais bens e direitos de que seja titular, com indicação da sua natureza, lugar em que se encontrem, dados de identificação registral…(al. e)).

12. De igual forma, de acordo com o prescrito no nº 1 do art.º17º- D do diploma acima indicado, logo após prolação do despacho de nomeação do Administrador Judicial Provisório o Devedor está obrigado comunicar, por meio de carta registada com aviso de recepção, a todos os credores que não tenham subscrito a declaração mencionada no nº 1 do art.º17º C, que deu início a negociações com vista à sua revitalização, convidá-los a participar nas negociações e informá-los da documentação mencionada no nº 1 do art. 24º que se encontra disponível na secretaria do Tribunal.

13. A Devedora não relacionou a credora Recorrente (basta atentar na Relação de Credores apresentada pela Devedora) bem como não enviou à credora/Recorrente carta a comunicar-lhe o início das negociações no âmbito deste processo (como se infere de toda a documentação dos autos).

14. A falta de observância dos deveres impostos ao Devedor aquando a instauração do processo, designadamente indicação da credora/Recorrente na lista de credores e a comunicação àquela para participar nas negociações no âmbito deste processo, determinaram o seu desconhecimento da pendência deste processo e, em consequência, a reclamação atempada dos seus créditos nos presentes autos.

15. Não obstante ocorrer a publicação no portal Citius do despacho de nomeação do Administrador Judicial Provisório e os serviços da credora/Recorrente consultarem diariamente esse portal de modo a tomarem conhecimento da instauração destes processos, a verdade é que, atendendo à vastíssima lista de clientes como é próprio da actividade bancária, este meio de informação revela-se falível.

16. A Devedora ao não dar cumprimento aos ditames legais, determinou a credora Apelante, de forma deliberada, ao desconhecimento do processo e colocou-a numa posição de “refém” da vontade daquela de a incluir no processo de revitalização o que é claramente demonstrativo não só da insegurança e incerteza jurídicas, mas também profundamente limitativo do direito fundamental da tutela jurídica do credor interessado em intervir no processo.

17. Não pode pois a Recorrente ficar sujeita ao não cumprimento por parte da Devedora do disposto no nº 1 do art. 17º D sob pena de ver os seus créditos arredados nas negociações e das condições a prever no plano de recuperação.

18. Caso contrário, corre-se o risco de ser aprovado um plano de revitalização por credores “escolhidos” pelo devedor ao abrigo do nº 1 do art. 17º D do CIRE.

19. Dado o sucedido a Recorrente arguiu a nulidade para a violação dessa formalidade a qual no seu entendimento assim consubstancia, sendo ao processo de revitalização aplicável o disposto no código de processo civil sobre a prática dos diversos actos processuais.

20. Uma nulidade tal como está compreendida no n.º 1 do art. 195.º do Código de Processo Civil pois pode influir na decisão da causa nos termos do disposto nos artigos 199.º, n.º 1, e 149.º, n.º 1, ambos do CPC, por ter sido a credora/Recorrente precludida de conhecer ab initio o PER e participar no acto de reclamar créditos, no procedimento de negociações e elaboração do plano de recuperação, em consequência da omissão/ocultação do seu crédito por parte da Devedora, sendo dela perfeitamente conhecido.

21. Neste sentido vide o Acordão no Acordão da Relação de Guimarães com o nº 3129/13.1TBBRG.G1 de 03 de Julho de 2011 proferido pelo Tribunal da Relação do Guimarães disponível in www.dgsi.pt, donde destacamos o infra transcrito:

Ora, como se verifica no caso em análise, os devedores, perfeitamente cientes de que existia contra si o crédito agora reclamado pela requerente omitiram a existência desse crédito, bem como a dita comunicação do início do processo de revitalização, não fazendo constar sequer o mesmo da relação a que se refere as assinaladas alíneas a) e b) do nº 1, do artº 24º, no presente processo de revitalização proposto em 13.05.2013.

E, pasme-se, tal crédito, no valor de € 46.056,01 e respectivos juros de mora, constitui, além do mais, o segundo maior crédito sobre os devedores.

Daí que o seu comportamento indicie manifestamente uma atitude censurável, com falta de transparência e com quebra da confiança e boa fé que devem nortear as relações entre devedores e credores no propalado processo de revitalização.

Houve, assim, falta da comunicação à credora, aqui recorrente, do início do processo de revitalização, nos termos do artº 17º-D, nº 1, falta da relação desta credora e do seu crédito e montante, nos termos do artº 24º, nº 1, als. a) e b), o que acarretou consequentemente a não citação da credora, a não reclamação do seu crédito e a sua não participação no processo de negociação que conduziu ao plano de homologação aprovado, inquinando a possibilidade legal da sua participação no processo de revitalização em causa.

Ocorreu, pois, a preterição das ditas formalidades essenciais por parte dos devedores/recorridos, as quais constituem violação não negligenciável de regras procedimentais.

A omissão de tal comunicação à credora e de relação de tal crédito conhecido, por parte dos credores, configura uma irregularidade susceptível de influir no exame e na decisão da causa - desde logo de participação da credora nos actos de reclamação do seu crédito, de negociações com vista ao plano de recuperação e homologação deste – o que implica a anulação dos actos subsequentes à apresentação da lista provisória de credores, devendo ser concedido à recorrente o prazo a que alude o artº 17º-D, nº2, a fim de reclamar o seu crédito.”

22. A Recorrente entende que a douta decisão no Acordão acima referido, de deferir a nulidade, no caso em tudo semelhante, salvaguardou o princípio da segurança fundamental no processo especial de revitalização em prol da observância dos princípios legais que presidiram à sua criação, ao contrário do que sucedeu com a decisão de que ora se recorre.

23. Com a simplificação e a celeridade não se quis sacrificar interesses maiores como a certeza e protecção jurídicas.

24. Não se pode olvidar que o Juiz tem o dever de garantir a legalidade, assegurando que não é efectuado um uso abusivo do processo de revitalização.

25. A Devedora omitiu a existência do crédito o qual era de ser perfeito conhecimento desde o início do processo, não efectuou a comunicação de início do processo de revitalização nem fez constar os créditos garantidos pela hipoteca da relação, nos termos das alíneas a) e e) do nº 1 do artigo 24º .

26. O Dgmo tribunal aquo refere que a comunicação do devedor é um “plus relativamente à notificação e publicidade do despacho feitas nos termos dos artigos 37º e 38º mas não os visa substituir”.

27. Se de facto o credor não está dispensado de reclamar os seus créditos, o que no caso em análise não aconteceu pelos motivos expostos e constantes dos autos, tal não justifica que se permita o não cumprimento do disposto na lei dando origem a “um expediente que para se tentar afastar deliberada e arbitrariamente da reclamação quaisquer credores, ocultando o devedor os seus créditos, quando a lei lhe impõe taxativamente que os declare, por força do disposto no artigo 17º D nº 1 do CIRE”.

28. Pelo que deveria a arguição da nulidade processual invocada ter implicado a anulação da lista provisória de credores e dos actos processuais subsequentes devendo ser concedido à Recorrente o prazo a que alude o artigo 17º D nº 2 do CIRE, a fim de reclamar o seu crédito, seguindo-se os termos processuais ulteriores.

Sem condescender e por cautela de patrocínio,

■ DA INCLUSÃO NA LISTA DE CRÉDITOS DA APELANTE COMO CREDORA

29. Sempre haveria que considerar a admissão dos créditos indicados pela credora /Recorrente, pois foram apresentadas provas inequívocas da existência dos mesmos nos autos.

30. Tal comportamento de omissão da Devedora e de ocultação do crédito da Recorrente não devia ser negligenciado pelo Sr. Administrador Judicial e era passível de, como deveria, ser escrutinada pelo tribunal a quo, o que não sucedeu, já que o fundamento da decisão alicerçou-se puramente no facto de não ter sido apresentada a reclamação de créditos, desconsiderando provas que demonstravam inequivocamente a qualidade da Recorrente credora com hipoteca.

31. Tão mais grave porquanto se tratam de responsabilidades publicitadas, como é o caso da hipoteca a favor da Recorrente que está registada no registo predial e que se provou irrefutavelmente estar em vigor e não cancelada.

32. Salvo o devido respeito não perfilha a Recorrente do entendimento do tribunal a quo, cuja decisão versou o seguinte:

Repare-se que, pese embora a lei confira ao Administrador da Insolvência a faculdade de inserir na lista aqueles credores, cujo crédito conste da contabilidade do devedor (isto por paralelo ao processo de insolvência), a verdade é que a lei não isenta o credor reclamante de reclamar o seu crédito atempadamente. Portanto, não o isentando da reclamação, não o autoriza a escudar-se na eventual existência de informação sobre o seu direito na contabilidade. Com efeito, a inclusão sem reclamação (que é possível) tem como modo de reacção a impugnação posterior, podendo sanar-se algum erro.

Desta feita, poderíamos cair no limite de todos os credores não reclamarem créditos e não os vendo reconhecidos lançarem mão da impugnação.

Afigura-se, por isso, que sendo a reclamação de créditos extemporânea, não assiste qualquer fundamento, nem legitimidade ao credor reclamante para impugnar a lista de créditos provisória, no âmbito do processo de revitalização, peticionando a inclusão de um crédito que não reclamou atempadamente.

Está igualmente ultrapassado a fase de elaboração da lista provisória, não se afigurando ser de admitir qualquer rectificação à mesma, na medida em que a rectificação assentaria num pressuposto que não existe: a reclamação inicial.

Pelo exposto, indefiro a impugnação apresentada por falta de legitimidade e de fundamento legal, atenta a extemporaneidade da reclamação de créditos, coincidente, assim, com a sua inexistência.”

33. Sempre salvo o devido respeito, não compreende a Recorrente como é que tribunal a quo não considerou os documentos juntos aos autos, que atestam os créditos com garantia hipotecária da credora Recorrente e fundamentou a sua decisão estritamente no facto da Recorrente não ter efectuado a reclamação de créditos atempadamente para concluir que a extemporaneidade dos créditos cuja inclusão foi peticionada é coincidente com a sua inexistência.

34. Tal conclusão merece o total repúdio da aqui Recorrente.

35. Salvo melhor entendimento - o qual não se vislumbra, atento o facto do património do Devedor estar onerado com hipoteca registada a favor da Impugnante - não poderia também o Sr. Administrador Judicial Provisório deixar de reconhecer os créditos da Impugnante na lista provisória de créditos, o que não aconteceu!

36. No caso em análise tais responsabilidades eram do perfeito conhecimento do Sr. Administrador Judicial Provisório, o que ficou demonstrado nos autos pela aqui Recorrente atento

- o facto do património imobiliário da Devedora se encontrar onerado por hipoteca a favor da Impugnante sobre o imóvel de que a Devedora é proprietária, hipoteca que não está cancelada, estando em pleno vigor.

- bem como pelo exercido das funções de Administrador Judicial Provisório noutro processo, nos autos que correram termos sob o nº 613/13.0T2AVR, o Processo Especial de Revitalização da C.. , SA, não ignorando que reconheceu precisamente à Devedora nestes autos, “ A... S.A.”, o crédito então por esta reclamado por força das responsabilidades assumidas precisamente perante a B.. (por força da hipoteca constituída) para garantia de financiamento concedido à sociedade C.. , SA.

37. Pelas funções que por lei lhe estão cometidas impunha-se que o Sr. Administrador Judicial Provisório pelos menos tivesse comunicado à Impugnante a sua decisão de exclusão, por não reclamado o crédito, dado tratar-se de crédito hipotecário.

38. Porém ao despacho do tribunal a quo “Notifique igualmente o Senhor Administrador da Insolvência para que se pronuncie sobre as impugnações apresentadas, em concreto, para que esclareça se foi apresentada reclamação de créditos pela B.. .”

39. Foi prestada nos autos a seguinte resposta pelo Sr. Administrador Judicial Provisório:

“A B.. não reclamou os seus créditos nestes autos.

O AJP não foi notificado da douta impugnação apresentada pela referida credora.”

(sublinhado da Recorrente)

40. Não deixa de causar profunda estupefacção e após o ordenado pelo Mmo tribunal a quo que ante o teor da resposta do Sr. Administrador nenhum esclarecimento adicional tenha sido pedido ou nova diligência efectuada.

41. O Sr. Administrador Judicial Provisório, e salvo o devido respeito, queda-se simplesmente em referir que não foi notificado da impugnação da B.. .

42. Ora o despacho do Tribunal a quo consistia precisamente em que fosse notificado da impugnação para pronúncia.

43. Ante a natureza e finalidade do processo de revitalização e à semelhança do existente no processo de insolvência (no qual está previsto o incidente de verificação ulterior de créditos) não pode o credor ser excluído, por omissões por parte do devedor e/ou do Administrador Judicial Provisório.

44. É uma questão de sensatez, sempre salvo o devido respeito.

45. Note-se estão em causa responsabilidades que não se pode conceber que passem despercebidas ou sejam desatendidas - o imóvel sobre o qual incide hipoteca a favor da credora Recorrente garante créditos vencidos no valor global 2.861.407,96 € (Dois Milhões, Oitocentos e Sessenta e Um Mil, Quatrocentos e Sete Euros e Noventa e Seis Cêntimos), e tal hipoteca espelha no registo predial como garantido Montante Máximo de Capital e Acessórios garantido de 4.035.695,00 €

46. Perante os documentos apresentados nos autos o Dgmo Tribunal a quo sempre deveria ter decidido de forma diversa, ordenando a inclusão na lista dos créditos reconhecidos dos créditos da Impugnante e não ao invés, como decidiu, o indeferimento da sua inclusão.

■ DOS CRÉDITOS IMPUGNADOS

47. A credora recorrente B.. impugnou créditos de outros credores, nomeadamente os reconhecidos à sociedade D.. LDA (credor identificado sob o nº 1) e a E.. (credor identificado na Lista sob o nº 3)

48. Da Impugnação do alegado crédito de D.. LDA (credor identificado sob o nº 1) - a credora/Recorrente por ser titular de um crédito com natureza garantida, dada a evidente conflitualidade do seu crédito impugnou tendo o crédito, tendo em conta o valor considerado e reconhecido à credora reclamante D.. Lda, classificação da sua natureza, com a consequente inclusão no plano de recuperação e inerente direito de voto correspondente aos créditos.

49. Entende a Apelante que de forma ardilosa, e um expediente cada vez mais usual, nos processos especiais de revitalização alegados credores invocam créditos com valores gigantescos, em geral com privilégios, sem qualquer sustentabilidade ou prova idónea.

50. Estando em causa direitos de terceiros que merecem legítima protecção jurídica, não pode dar-se acolhimento a situações dúbias, dir-se-ia mesmo de carácter fraudulento, como a que aqui se crê estar retratada.

51. Pese embora a argumentação do Mmo Juiz e salvo o devido respeito compreende-se que no processo especial de revitalização haja de facto uma especial atenção à celeridade tendo vindo a ser defendido que este processo é incompatível com a produção de prova que não seja estritamente documental.

52. Mas tal apreciação da prova documental exigirá particular rigor - com efeito o Tribunal é chamado à apreciação das impugnações quando há litígio e tal tem um desiderato e significado que não se pode olvidar – a intervenção do Juiz como garante da legalidade, para uma decisão à luz da lei.

53. A Credora D.. Lda reclamou nestes autos um crédito titânico no valor de 11.416.494,64 € (onze milhões quatrocentos e dezasseis mil quatrocentos e noventa e quatro euros e sessenta e quatro cêntimos), por alegado incumprimento de contrato promessa e invocou gozar de um privilégio imobiliário nos termos do disposto nos artigos 751º e 759º do Código Civil sobre o imóvel hipotecado a favor da credora aqui Recorrente.

54. Ora tal crédito não poderia ter sido reconhecido nos termos em que o foi, pelas razões aduzidas na impugnação que ora sucintamente se indicarão.

55. Os documentos que a Credora D.. Lda intitulou de contrato promessa e aditamento ao mesmo são escritos particulares, não foram submetidos a registo, mão têm as assinaturas reconhecidas notarialmente e tão pouco foi identificada a qualidade em que assinam os outorgantes.

56. Não consta do contrato a certificação notarial referente à existência da respetiva licença de utilização/construção (410.º n.º3 CC),

57. A verdade é que tal contrato encontra-se ferido de invalidade formal, determinante da sua nulidade (artigo 220º do CC)

58. Nulidade mista e atípica que decorre da violação de uma formalidade “ad substantiam”.

59. No que toca à pretensa comunicação endereçada à Devedora não é acompanhada de qualquer comprovativo de envio/recepção.

60. Todas razões mais do que suficientes para a Apelante ter impugnado os documentos apresentados.

61. A credora D.. Lda invocou que celebrou um contrato promessa em 26 de Março de 2006 pelo qual a Devedora nestes autos lhe prometeu ceder pelo preço de 150.000,00 o projecto de arquitectura e todos os direitos inerentes à construção da habitação no prédio composto por um conjunto de prédios ocupados por estabelecimentos fabris, sito na Rua (...) de Aradas, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1227º e descrito na Conservatória de Aveiro sob o nº 3153.

62. Mais alegou que a Devedora lhe prometeu vender o prédio acima identificado pelo preço de 10.954.493,75 (dez milhões novecentos e cinquenta e quatro mil quatrocentos e noventa e três e setenta e cinco cêntimos).

63. Basicamente sustenta o pedido em incumprimento dos prazos e que volvidos mais 3 anos sobre um improrrogável prazo (Dezembro de 2011) refere que viu-se “finalmente” D.. Lda impossibilitada de realizar obras de construção e dado que por alegada exclusiva da Devedora resolveu o contrato promessa.

64. Remete para missiva enviada e alega a D.. Lda ter ficado impedida da contraprestação (insolitamente) pelo que procede à resolução do contrato por incumprimento definitivo imputável à Devedora e solicita a módica quantia de 11.254.493,75, dentro de 15 dias sob pena de intentarem acção judicial.

65. Pena é que não tenha a Credora D.. Lda intentado a acção para cobrança desse invocado crédito…

Do alegado pagamento /Da inexistência do crédito/ Da inexistência do direito de retenção 66. Alega a Credora D.. Lda que a Devedora se obrigou a restituir 300.00,00 EUR.

67. Ora não se pode admitir o montante reclamado de 300.000,00 EUR, a ser restituído se só supostamente teria entregue pela promessa de cessão de projecto de arquitectura somente 150.000,00 EUR.

68. O que consta do citado Contrato é que a Devedora prometia ceder um projecto de arquitectura não por 300.000,00 EUR, mas pelo preço de 150.000,00 EUR.

69. Tal menção não constitui, de todo, prova do pagamento e inconcebivelmente não é feita pois qualquer prova do pagamento de tal substancial quantia.

70. Não há junção de qualquer documento comprovativo da quantia que a Reclamante alega ter pago, saída da sua esfera patrimonial e ingresso na esfera patrimonial e contabilística da Devedora.

71. Porque não provado o pagamento tal crédito não pode ser reconhecido, devendo ser excluído.

72. Na Cláusula Primeira do Contrato refere-se na alínea b) que a Devedora promete vender à aqui Reclamante o já identificado prédio pelo preço de 10.954.493,75 EUR.

73. Nenhuma quantia a título com carácter de sinal é entregue pela Reclamante a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço à Devedora.

74. Não havendo sinal tão pouco se vislumbra qualquer incumprimento obviamente e irrefutavelmente que não há lugar aplicação o disposto no artigo 755º f) do Código Civil , inexistindo qualquer direito de retenção.

75. A Credora D.. Lda refere na suposta comunicação que perdeu o interesse na manutenção do negócio, que há incumprimento definitivo imputável à Devedora que portanto em consequência de resolução solicita o pagamento de 11.254.493,75 EUR, alegadamente:

a) 300.000,00 EUR a título de restituição (não se vislumbra de quê…)

b) e 10.954.493,75 EUR a título de cláusula penal

76. Ora a consignação de uma cláusula penal com este valor astronómico redunda em nulidade por se entender exceder os limites impostos pela boa fé, ser ofensiva dos bons costumes e manifestamente abusiva, a admitir-se a existência do contrato

Sem prescindir e com total repúdio, por mero dever de patrocínio, sempre se dirá

77. Para que o beneficiário de promessa de transmissão gozasse de direito de retenção e da aplicação das sanções previstas no aludido art.º 442.º, sempre teria de haver incumprimento definitivo e não simples mora imputável à outra parte.

78. Não existe no caso vertente incumprimento definitivo do alegado contrato promessa de compra e venda.

79. Tão pouco se encontra fixada pelas partes qualquer data para a escritura, cuja aquisição não passou de um mero vislumbre desinteressado da Reclamante.

■ Da inexistência Tradição;

80. Vem a Reclamante alegar na sua Reclamação que tem a posse do imovél, facto que a Impugnante desconhece, não passando de uma mera alegação sem qualquer prova, mas que também não tem qualquer cabimento ou fundamento.

81. Porém é certo que “O contrato-promessa, só por si, não é susceptível de transferir a posse ao promitente-comprador. Se este obtém a entrega da coisa antes da celebração do negócio translativo, adquire o ‘corpus’ possessório, mas não adquire o ‘animus possidendi’, ficando, pois, na situação de mero detentor ou possuidor precário”.

82. Mas o acima refutado quanto à inexistência de incumprimento, não verificação da traditio e não aplicação do artigo 755º alínea f) pois que não foi entregue sinal, não releva sequer para a classificação da natureza do eventual crédito pois certo é que Reclamante não beneficiaria jamais de qualquer direito de retenção, pois não se trata de consumidora e muito menos necessitada de protecção, antes bem pelo contrário pois o que presidiu à criação da norma do direito de retenção foi precisamente salvaguardar o consumidor de sociedades como a Reclamante que desenvolve a sua actividade no ramo imobiliário.

83. O direito de retenção, entendimento unânime na jurisprudência, apenas protege o promitente adquirente quando este for um consumidor, dado que a norma do artigo 755º nº 1 alínea f) do CC é uma norma material e excepcional de protecção do consumidor e deve ser interpretada restritivamente, somente a este beneficiando.

De acordo com o nº 2 do art. 17º D apenas os credores podem reclamar créditos, sendo que os créditos para serem reclamados têm de existir, ou seja, têm de estar constituídos.

84. Estando a Apelante ciente que a apreciação das impugnações seja perfunctória porque baseada na prova documental, precisamente do mero confronto da prova documental não poderia o Mmo Juiz, salvo o devido respeito, reconhecer nos termos nos termos dos autos créditos peticionados dada a ausência de prova aduzida.

85. Nenhum dos documentos constantes dos autos permite concluir inequivocamente que a relação contratual estabelecida entre as partes tem os contornos delineados pela Credora D.. Lda.

86. Tão pouco encontra documentado, com valor de prova plena, o pagamento de qualquer sinal, não constando também dos autos qualquer documento que permita concluir que a alegada indemnização é devida.

87. O crédito Credora D.. Lda, foi impugnado quer quanto à existência quer quanto à natureza e tal tem notórias e decisivas repercussões no que toca à atribuição do direito de voto e quórum quer quanto ao tratamento e condições a definir no Plano de Recuperação.

88. Não pode aceitar-se que em nome da agilização tudo seja simplificado, designadamente a prova da existência do crédito (valores entregues e sua real existência) incumprimento contratual alegado, não esquecendo que estamos perante um valor astronómico.

89. Deveria o crédito da credora D.. Lda ter sido excluído, por não provada a sua existência.

Da Impugnação do alegado crédito de E.. ( credor identificado na Lista sob o nº 3)

90. Consta na Lista Provisória de Créditos reconhecido um crédito a E.. pelo Sr. Administrador Judicial Provisório no montante de 31.558,50 Euros.

91. A aqui Apelante impugnou o crédito pelo facto do Sr. Administrador Judicial Provisório o ter reconhecido os créditos nos moldes efectuados, quer atendendo à total ausência de prova da sua existência quer porque admitindo por mera hipótese a sua existência sempre a sua natureza teria de ter distinta classificação.

92. Alegou o credor E.. deter um pretenso crédito global de 31.588,50 Euros sobre a Devedora:

30.000,00 Euros alegadamente por não usufruir de qualquer remuneração por parte da Devedora pelo cargo de Administrador.

1.588,50 Euros alegadamente com vista a auxiliar no pagamento de valores em débito junto de fornecedores ou Finanças.

93. Sem que tenha sido junta na Reclamação qualquer prova que permitisse reconhecer o alegado crédito.

94. E mais grave, considerando que E.. foi declarado insolvente nos autos que correram termos sob o nº de processo 2183/12.8T2AVR por sentença de 26/04/2013, Comarca do Baixo Vouga – Aveiro – Juízo do Comércio, conforme se atesta e prova pela publicação que foi junta sob Doc 6 à peça de impugnação da Recorrente.

95. A falta de junção de tais elementos de prova, leia-se, documentos comprovativos do direito à remuneração reclamada e alegado empréstimo à Devedora, determina necessariamente o não reconhecimento do alegado crédito reclamado.

96. O Mmo considerou como impugnado pela credora que efectivamente o crédito teria de ter a natureza de subordinado.

97. Nem de outro se conceberia porquanto foi o próprio credor E.. que invocou a qualidade de administrador da Devedora, pelo que, e nos termos do disposto artigo 48º al. a) tratando-se de pessoa especialmente relacionadas com a Devedora, sempre tal crédito como subordinado teria de ser considerado.

98. Porém não pode merecer a concordância da Apelante a decisão de considerar o crédito perante o demais invocado pela Recorrente:

- falta de legitimidade do credor E.. , já declarado Insolvente, com o competente processo em curso, teria pois Reclamação ter sido apresentada pelo Sr. Administrador de Insolvência pois a existir qualquer crédito, o que não se concede sempre o mesmo teria de ser negociado pelo Sr. Administrador de Insolvência e reverter para a massa insolvente bem como

- a inexistência do crédito, pela falta prova que pudesse valorar a sua inequívoca existência.

Nestes termos – conclui – deve o presente Recurso ser julgado procedente e em consequência:

- Deferida a nulidade processual, arguida pela Recorrente, com anulação dos actos subsequentes à Lista Provisória de Credores, seguindo-se os termos processuais ulteriores

Sem prescindir, em alternativa

- Reconhecido verificado e incluído na Lista de Credores nos presentes autos a totalidade do crédito ora reclamado pela Impugnante no montante de 2.861.407,96 € (Dois Milhões, Oitocentos e Sessenta e Um Mil, Quatrocentos e Sete Euros e Noventa e Seis Cêntimos), crédito de natureza garantida;

E

- Excluídos da Lista Provisória os créditos reconhecidos à sociedade D.. LDA (credor identificado sob o nº 1) e a E.. (credor identificado na Lista sob o nº 3) por falta de prova da sua existência.

A devedora apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

1) A Apelante, confessadamente, falhou internamente ao deixar precludir o seu direito à reclamação de créditos nos presentes autos, por violação do prazo de 20 dias previsto no artigo 17ºd, nº1 do CIRE.

2) Apesar de tal facto, procurou ainda fazê-lo por via da impugnação prevista no nº3 do mesmo artigo, o que, como bem entendeu o tribunal a quo, lhe é defeso.

3) A impugnação pressupõe a legitimidade como credora, seja por via da lista fornecida pelo devedor ou pela via da reclamação de créditos descrita em 1), de que por um lado não consta e por outro, que não fez.

4) A Apelante não é credora da devedora nestes autos, nem estava a devedora e/ou o administrador judicial provisório obrigados a reconhecê-la como tal.

5) O PER tem normas quer adjectivas quer substantivas próprias, pautadas pela urgência e celeridade, com prazos e obrigações de tal forma simplificados que não se compaginam, nomeadamente, com a análise de toda a contabilidade da devedora por parte do AJP (prevista no artigo 129º do CIRE, para a insolvência).

6) Normas que, a admitir-se a actividade e pretensões da Recorrente, sairiam violadas.

Conclui pela improcedência do recurso e pela confirmação da decisão recorrida.


/////

II.

Questões a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações da Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

• Saber se a circunstância de a devedora não ter efectuado à Apelante a comunicação a que alude o art. 17º-D, nº 1, do CIRE, constitui uma nulidade processual que implique a anulação dos actos processuais subsequentes e a concessão à Apelante do prazo a que alude o art. 17º-D, nº 2, do CIRE, a fim de reclamar o seu crédito;

• Saber se, ainda que não exista a aludida nulidade, deveria ter sido atendida a impugnação que a Apelante deduziu à lista provisória de credores com vista à inclusão do seu crédito por inexistirem provas inequívocas da sua existência;

• Saber se deveria ter sido atendida a impugnação deduzida pela Apelante relativamente aos créditos D.. , Ldª e de E.. e se, como tal, esses créditos devem ser excluídos da lista de créditos.


/////

III.

Nulidade processual

Sustenta a Apelante – em desacordo com a decisão recorrida – que a circunstância de a devedora não lhe ter efectuado a comunicação a que alude o art. 17º-D, nº 1, do CIRE, constitui uma irregularidade que, por ter impedido a Apelante de reclamar atempadamente o seu crédito e participar nas negociações, tem influência na decisão da causa e determina, em conformidade com o disposto nos arts.195º do CPC, uma nulidade processual, implicando a anulação dos actos processuais subsequentes com a concessão à Apelante do prazo a que alude o art. 17º-D, nº 2, do CIRE, a fim de reclamar o seu crédito.

Não nos parece que lhe assista razão.

Vejamos.

Determina, efectivamente, o art. 17º-D, nº 1, do CIRE[2] que “Logo que seja notificado do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo anterior, o devedor comunica, de imediato e por meio de carta registada, a todos os seus credores que não hajam subscrito a declaração mencionada no n.º 1 do mesmo preceito, que deu início a negociações com vista à sua revitalização, convidando-os a participar, caso assim o entendam, nas negociações em curso e informando que a documentação a que se refere o n.º 1 do artigo 24.º se encontra patente na secretaria do tribunal, para consulta”.

Parece indiscutível, ao que resulta dos autos, que a devedora não enviou à Apelante a aludida comunicação (o que, como também se depreende dos autos, terá sido determinado pela circunstância de a devedora não reconhecer a Apelante como sua credora).

Mas, ao contrário do que sustenta a Apelante, a omissão dessa comunicação não é geradora de nulidade processual que seja susceptível de provocar a anulação de todos os actos subsequentes.

Veja-se que, como dispõe o nº 2 da citada disposição legal, o prazo de que os credores dispõem para reclamar os seus créditos não se inicia com a aludida comunicação, mas sim com a publicação no portal Citius do despacho que nomeia o administrador judicial provisório e isso não poderá deixar de significar que o acto processual relevante e imprescindível para o exercício dos direitos dos credores não é a comunicação efectuada pelo devedor (que, apesar de enviada, até pode chegar tardiamente) mas sim a aludida publicação no portal Citius.

Importa notar que, porque o momento que releva para efeitos de contagem do prazo para a reclamação de créditos é a aludida publicação, o credor a quem o devedor não faz a referida comunicação não fica em situação diferente daquele a quem a comunicação é efectuada mas que, por uma razão ou por outra, apenas a recebe tardiamente e quando já se encontra esgotado o prazo para reclamar o seu crédito. Assim, a admitir-se que a comunicação do devedor era um acto processual imprescindível – cuja falta era geradora de nulidade processual – tal significaria que os actos subsequentes do processo teriam que ser anulados – eventualmente até mais do que uma vez – e o processo regressaria ao início sempre que viesse a constatar a existência de créditos (não reclamados atempadamente) que o devedor, por não reconhecer a sua existência, não havia relacionado e a cujos titulares não havia enviado a aludida comunicação; mas tais actos também teriam que ser anulados sempre que se viesse a constatar que a aludida comunicação não havia sido remetida imediatamente mas sim ao fim de uns dias ou quando se constatasse que essa comunicação não havia sido enviada para o endereço correcto e que, por isso, não havia sido recepcionada pelo credor. Em suma, a admitir-se que aquela comunicação é um acto processual imprescindível, teria que ser admitida a discussão de todas essas questões, com vista a apurar se tal comunicação havia sido ou não enviada a todos os credores e se havia sido ou não enviada em tempo oportuno (imediatamente) e de modo a ser efectivamente recepcionada em tempo útil.

Dando conta dessas questões, escrevem Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dias[3], “…se o dever de comunicação previsto no n.º 1 do artigo 17.º-D fosse verdadeiramente um iter processual imprescindível e causa de nulidade, teríamos de admitir a discussão nos autos sobre quem é que o devedor deveria sequer considerar como credor para efeitos de notificação. O que sucederia se o devedor não notificasse um credor por não lhe reconhecer essa qualidade, e este pretendesse demonstrar que era efectivamente credor e que o devedor não o poderia ignorar? Por outro lado, teríamos de admitir também, nos próprios autos do PER, a discussão sobre se a comunicação foi remetida imediatamente, ou não, se foi para o endereço correcto, se o devedor deveria conhecer o endereço correcto, etc. A equiparação da obrigação da comunicação aos credores prevista no nº 1 a um vício insanável tornaria o PER, afinal, um processo bem mais pesado e formalista do que o próprio processo de insolvência”.

De facto, se a falta daquela comunicação correspondesse a uma formalidade essencial do processo, ela teria que ser efectuada – como se dispõe na norma citada – a todos os credores, sob pena de os actos processuais subsequentes a essa omissão serem anulados. Mas isso significaria o quê? Significaria que, para garantir a regularidade do processo, o devedor deveria efectuar essa notificação a todos os credores eventuais ainda que não lhes reconhecesse qualquer crédito? E como seriam determinados esses credores? E o que aconteceria nas situações em que, apesar de não existir qualquer crédito (razão pela qual o devedor não envia qualquer comunicação), alguém se apresenta no processo, arrogando-se (indevidamente) titular de um crédito e invocando uma nulidade processual pelo facto de aquela comunicação não lhe ter sido enviada? Seria o Tribunal obrigado, numa situação dessas, a admitir a produção de prova apenas para o efeito de poder concluir que não existia qualquer crédito e que, como tal, não havia qualquer comunicação a efectuar?

Pensamos, na verdade, que tal comunicação não tem essa relevância.    

Aquela comunicação visará, naturalmente, facilitar e acelerar o início das negociações com vista a concluir, de forma célere, um acordo com vista à revitalização do devedor, mas tal comunicação não poderá ser vista como uma formalidade essencial do processo cuja falta seja susceptível de afectar a regularidade da instância e originar a anulação de qualquer acto processual. Desde logo, porque o legislador nada disse nesse sentido e tão pouco tratou essa comunicação com essa relevância; o legislador não atribuiu a essa comunicação qualquer efeito processual positivo, já que, independentemente da sua efectiva realização ou da data em que é efectuada, o acto processual a que atendeu para início do prazo para a reclamação de créditos não foi a data da sua realização, mas sim a data da publicação do aludido despacho no Citius; e, se não lhe atribuiu qualquer efeito processual positivo, também não atribuiu qualquer efeito processual à omissão ou irregularidade dessa comunicação, limitando-se a estabelecer – no nº 11 da norma supra citada – que o devedor poderá ser responsabilizado civilmente pelo prejuízo causado aos seus credores, em virtude da falta ou incorrecção, das comunicações ou informações a estes prestadas.

Significa isso, portanto, que a falta da aludida comunicação poderá determinar eventual responsabilidade da devedora pelos prejuízos que essa omissão possa ter causados aos credores – designadamente à ora Apelante – mas não tem relevância processual para o efeito de poder determinar uma qualquer nulidade com base na qual devessem ser anulados todos os actos subsequentes a essa omissão.

Neste sentido se pronunciam Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dias[4], dizendo, designadamente, que “…a violação do dever previsto no n.º 1 do artigo 17.º-D é uma matéria a ser discutida em acção de responsabilidade nos termos do n.º 11, onde se deverão atender – entre outros – a critérios de culpabilidade, mas já não uma violação processual geradora de nulidade processual ou do efeito do plano de recuperação sobre todos os credores, participantes ou não”.

Além do mais, e ao contrário do que sustenta a Apelante, ainda que procedesse a nulidade invocada, tal não poderia implicar a concessão de novo prazo para a Apelante reclamar o seu crédito. Com efeito, a procedência dessa nulidade apenas determinaria, em conformidade com o disposto no art.195º, nº 2, do CPC, a anulação dos termos subsequentes do processo que dependessem em absoluto daquela comunicação e, portanto, não poderia determinar a anulação do despacho que nomeou o administrador e a respectiva publicação no portal Citius. Assim, porque é a partir desta publicação (e não a partir daquela comunicação) que se contabiliza o prazo para a reclamação de créditos, este prazo sempre estaria definitivamente ultrapassado sem que fosse possível conceder à Apelante um novo prazo para o efeito. Se a falta daquela comunicação tivesse como consequência a concessão de um novo prazo para que a Apelante reclamasse o seu crédito, isso significaria que teria que ser sempre concedido esse prazo a qualquer credor que, em qualquer momento, se apresentasse a invocar a falta daquela comunicação e significaria que também teria que ser concedido novo prazo aos credores que, por uma razão ou por outra, receberam tardiamente aquela comunicação. Ou seja, a ser desse modo, estar-se-ia a atribuir àquela comunicação uma relevância decisiva para efeito de contagem do prazo para a reclamação de créditos quando é certo que aquilo que o legislador pretendeu – e consignou de modo expresso na lei – foi que a contagem desse prazo se iniciasse com a publicação do despacho e não com aquela comunicação.

Atente-se, aliás, no disposto no art. 9º, nº 4, do CIRE, onde se preceitua que “Com a publicação, no local próprio, dos anúncios requeridos neste Código, acompanhada da afixação de editais, se exigida, respeitantes a quaisquer actos, consideram-se citados ou notificados todos os credores, incluindo aqueles para os quais a lei exija formas diversas de comunicação e que não devam já haver-se por citados ou notificados em momento anterior, sem prejuízo do disposto quanto aos créditos públicos”. Se no âmbito do processo de insolvência os credores se consideram citados ou notificados com as publicações obrigatórias, por que razão deveria ser diferente no processo de revitalização? Porque razão se deveria aqui considerar que, apesar de a lei dizer expressamente o contrário, a omissão de uma comunicação (que nem sequer é efectuada pelo Tribunal mas sim pelo devedor) deveria implicar a concessão de um novo prazo para os credores reclamarem os seus créditos não obstante ter sido efectuada, em termos regulares, a publicação de que a lei faz depender a notificação de todos os credores com vista à reclamação dos seus créditos e ao exercício dos demais direitos que a lei lhe confere?

Concluímos, portanto, em face de tudo o que foi exposto, que não se configura a aludida nulidade processual, impondo-se, por isso, confirmar, no que toca a esta questão, a decisão recorrida.

Inclusão da Apelante como credora

Sustenta ainda a Apelante que o seu crédito sempre deveria ter sido considerado, uma vez que, tendo sido apresentadas provas inequívocas da sua existência, o Sr. Administrador Judicial Provisório não poderia deixar de reconhecer a sua existência.

Mas, salvo o devido respeito, a Apelante nem sequer ataca os verdadeiros fundamentos que conduziram à decisão de não admitir o seu crédito e que se reconduzem ao facto de a Apelante não ter sequer legitimidade ou fundamento legal para impugnar a lista provisória de credores com vista à inclusão do seu crédito que não reclamou atempadamente.

E, ao que nos parece, a decisão está inteiramente correcta.

Vejamos.

Não interessa saber se, no âmbito do processo de especial de revitalização, o Administrador Judicial provisório podia – à semelhança do que acontece no processo de insolvência (cfr. art. 129º, nº 1) – reconhecer créditos que, apesar de não terem sido reclamados, constassem da contabilidade da devedora ou fossem, por qualquer outra forma, do seu conhecimento.

A verdade é que, podendo ou não fazê-lo, o Sr. Administrador não incluiu o crédito da Apelante na lista provisória de créditos e a Apelante apenas poderia reagir contra esse facto – contestando a indevida exclusão do seu crédito dessa lista – por via da impugnação da lista nos termos previstos no art. 17º-D, nº 3. Mas, para que o pudesse fazer, era necessário que tivesse, para o efeito, a necessária legitimidade e foi esta legitimidade que a decisão recorrida não lhe reconheceu. E, a nosso ver, correctamente.

O citado art. 17º-D, nº 3, não define, de modo expresso, quem detém legitimidade para impugnar a lista provisória de créditos, devendo considerar-se que, à semelhança do que acontece no âmbito do processo de insolvência (cfr. art. 130º, nº 1), tal impugnação poderá ser deduzida por qualquer interessado.

Diz a este propósito a decisão recorrida que “No âmbito da reclamação de créditos no processo especial de insolvência, entende a doutrina que no conceito de interessados devem considerar-se, além do insolvente, os credores em relação aos quais exista a possibilidade de conflito com o titular do crédito reconhecido, segundo os termos concretos em que o reconhecimento se verificou. Acresce, naturalmente, aquele credor que reclamou e não viu o seu crédito reconhecido”.

Concordando, no essencial, com essa afirmação, diremos que a qualidade de interessado, para esse efeito, não poderá, de facto, estender-se a toda e qualquer pessoa que se apresente no processo com a alegação de que é credor e de que, por essa razão, tem interesse na impugnação, ainda que não tenha reclamado esse crédito e ainda que este não tenha sido relacionado pelo devedor ou pelo administrador judicial. A ser de outro modo, o Tribunal teria de indagar (com produção de prova mais ou menos morosa e complexa) e decidir se o alegado crédito tem ou não efectiva existência, não para o efeito de verificar e reconhecer esse crédito (reconhecimento que não poderia ser efectuado em virtude de o crédito não ter sido reclamado ou relacionado), mas apenas para o efeito de averiguar a legitimidade do interessado para a impugnação, situação que não nos parece ser de admitir.

Parece-nos, portanto, que o pressuposto básico do interesse que está subjacente à legitimidade para impugnar a relação de créditos é que o alegado “interessado” tenha reclamado o seu crédito ou que, apesar de não o ter reclamado, esse crédito tenha sido relacionado pelo Administrador.

Estando em causa – como acontece no caso sub judice – uma impugnação deduzida por determinado credor tendo em vista a inclusão do seu crédito na lista de créditos, tal impugnação apenas poderia ter como fundamento a indevida exclusão do crédito da lista apresentada, seja porque, apesar de ter sido reclamado em tempo oportuno, o administrador (por lapso) não o relacionou, seja porque o administrador entendeu, por qualquer razão, não considerar a reclamação.

Mas a impugnação com esse fundamento pressupunha, em qualquer circunstância, que o credor tivesse reclamado o seu crédito, já que, como parece evidente, a impugnação da lista de credores não poderá servir para, a pretexto de uma impugnação, reclamar créditos que não foram reclamados no momento próprio. A impugnação poderá servir, naturalmente, para discutir a tempestividade da reclamação de créditos anteriormente efectuada, mas não pode servir – porque não é essa a sua finalidade – para pedir a verificação e reconhecimento de um crédito que, até então, não havia sido reclamado e não constava da lista de credores, sob pena de, como se diz na decisão recorrida, os credores, ao invés de reclamarem os seus créditos no momento oportuno, recorrerem à impugnação da lista para procederem a tal reclamação e obterem o respectivo reconhecimento.

Assim, além de não possuir legitimidade para impugnar a lista de créditos (porque não havia reclamado qualquer crédito e porque não havia sido incluída na lista de credores), a Apelante deduziu uma impugnação, cujos fundamentos não se ajustam àqueles que se encontram legalmente previstos, porquanto, ao invés de impugnar a lista com fundamento na indevida exclusão do seu crédito (exclusão que só seria indevida se, apesar de o ter reclamado, ele não tivesse sido considerado pelo administrador), o que a Apelante pretende, na realidade, é reclamar um crédito que ainda não havia reclamado e que, por essa razão, não constava da lista de créditos. Essa reclamação – como preceitua expressamente o art. 17º-D, nº 2 – teria que ser efectuada no prazo de vinte dias a contar da publicação no portal Citius do despacho ali mencionado e, não tendo sido efectuada nesse prazo, não pode, naturalmente, ser atendida a reclamação do crédito que, sob a capa e sob o pretexto, de uma impugnação à lista provisória de créditos, a Apelante pretendeu efectuar.

E não se diga – como parece dizer a Apelante – que o Tribunal deveria ter reconhecido o seu crédito por terem sido apresentadas provas inequívocas da sua existência.

De facto, a questão não está em saber se existem ou não provas inequívocas (ou bastantes) da existência do crédito; a questão é que, ainda que essas provas existam, o Tribunal nunca poderia reconhecer ou decretar uma pretensão que não lhe foi formulada e, portanto, não poderia reconhecer um crédito que não foi relacionado pelo Administrador e que não foi reclamado pela forma e no momento que a lei define como adequados para tal reclamação.

Como expressamente se determina na lei, a Apelante dispunha – como qualquer outro credor – de um prazo de vinte dias, a contar da publicação no portal Citius do despacho de nomeação do administrador, para reclamar o seu crédito e a verdade é que não o fez. Pouco importa agora saber se o crédito existe ou não; o que releva agora é que não foi reclamado no momento oportuno e, nessas circunstâncias, não poderá a Apelante basear-se em pretensas omissões da Devedora ou do Administrador para ver considerado e reconhecido o seu crédito. A Devedora não lhe efectuou a comunicação que, nos termos legais, deveria enviar aos seus credores porque terá entendido (não interessa agora saber se bem ou mal) que a Apelante não era sua credora e o Administrador não relacionou o seu crédito porque terá entendido (também não interessa saber se bem ou mal) que não o poderia fazer por não ter sido reclamado ou por ter entendido que a sua existência não estava suficientemente comprovada; mas era, naturalmente, a Apelante que, enquanto titular do crédito, tinha o ónus de exercer e defender o seu direito pela forma e nos prazos que a lei lhe concedia para esse efeito (prazo que, como supra se referiu, não se contava a partir da comunicação omitida, mas sim da publicação do despacho) e, não o tendo feito, não poderá agora pretender que o Tribunal aprecie a prova apresentada com vista a reconhecer (ou não) a existência do seu crédito.  

 Confirma-se, portanto, a decisão recorrida, na parte em que julgou improcedente a impugnação apresentada pela Apelante com vista à inclusão e reconhecimento do seu crédito.

Os créditos de D.. , Ldª e de E..

Sustenta ainda a Apelante que, ao contrário do que se decidiu na decisão recorrida, tais créditos não poderiam ter sido reconhecidos e que, como tal, deveriam ser excluídos da lista provisória.

Sucede, no entanto, que esta questão está prejudicada pela solução dada às demais questões que haviam sido suscitadas.

Na verdade, a apreciação desta questão pressupunha que a Apelante tivesse a necessária legitimidade para impugnar a lista provisória de credores o que, como se referiu supra, não acontecia.

Tal como dissemos supra, o art. 17º-D, nº 3, não define, de modo expresso, quem detém legitimidade para impugnar a lista provisória de créditos, devendo considerar-se que, à semelhança do que acontece no âmbito do processo de insolvência (cfr. art. 130º, nº 1), tal impugnação poderá ser deduzida por qualquer interessado. Mas, como também referimos supra, a qualidade de interessado, para esse efeito, não poderá estender-se a toda e qualquer pessoa que se apresente no processo com a alegação de que é credor e de que, por essa razão, tem interesse na impugnação, ainda que não tenha reclamado esse crédito e ainda que este não tenha sido relacionado pelo devedor ou pelo administrador judicial; a qualidade de interessado, para esse efeito, há-de pressupor que quem se apresente a impugnar a lista, na qualidade de credor, tenha reclamado o seu crédito ou que, apesar de não o ter reclamado, esse crédito tenha sido relacionado pelo Administrador.

Com efeito, sendo indiscutível que a impugnação da lista de créditos não poderá ser um procedimento aberto a quem não detenha um real interesse na sua impugnação – interesse que há-se pressupor a possibilidade de conflito entre o impugnante e o titular do crédito que é impugnado, em virtude, designadamente, de o reconhecimento deste envolver a diminuição da hipótese de recuperação do crédito daquele[5] - a admissão da impugnação a toda e qualquer pessoa que se apresente nos autos arrogando-se a qualidade de credor, haveria de exigir, necessariamente, que se averiguasse e decidisse se era, efectivamente, credor. Não parece, no entanto, curial admitir que o Tribunal tivesse que desenvolver essa actividade apenas para o efeito de apurar esse interesse e a legitimidade para a impugnação quando é certo que esse crédito não poderia ser atendido e considerado nos autos por não ter sido reclamado ou relacionado no momento próprio. Por isso nos parece que a existência (ou não) desse interesse há-de ser apurado em função dos créditos que, ainda que controvertidos (por terem sido impugnados), tenham sido reclamados ou relacionados, de tal forma que a legitimidade para a impugnação ficará reservada aos titulares dos créditos que têm real possibilidade de vir a ser reconhecidos e considerados no processo, seja porque foram reclamados no momento oportuno, seja porque foram relacionados e eventualmente reconhecidos pelo administrador nos termos previstos na lei.

Ora, tal não acontecia com a Apelante.

A Apelante não reclamou qualquer crédito e esse crédito também não foi considerado pelo Sr. Administrador e incluído na lista provisória de créditos. A Apelante não figura, portanto, nos autos como credora e, como tal, não lhe poderá ser reconhecida legitimidade para impugnar a lista de créditos, seja para o efeito de aí ver incluído o seu crédito (como supra se considerou) seja para o efeito de ver excluídos quaisquer créditos que aí tenham sido incluídos.

Assim, também no que toca a esta questão, o recurso terá que improceder, confirmando-se a decisão recorrida.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

I – A comunicação a efectuar pela devedora, nos termos do art. 17º-D, nº 1, do CIRE, não corresponde a uma formalidade essencial e imprescindível do processo cuja omissão possa determinar uma qualquer nulidade com base na qual devam ser anulados todos os actos subsequentes a essa omissão.

II – O facto de a devedora ter omitido essa comunicação a determinada pessoa que dela se arroga credora poderá vir a determinar a sua responsabilização pelos prejuízos causados com essa omissão – em conformidade com o disposto no citado art. 17º-D, nº 11 – mas, além de não produzir qualquer nulidade processual, não poderá determinar a concessão de um novo prazo para que o credor em causa possa reclamar o crédito que não reclamou em momento oportuno, quando é certo que o prazo para a reclamação de créditos não é contado a partir dessa comunicação, mas sim a partir da publicação do despacho a que alude o art. 17º-C, nº 3, alínea a).

III – A qualidade de interessado, para efeitos de impugnação da lista provisória de créditos pressupõe que quem se apresente a impugnar a lista, na qualidade de credor, tenha reclamado o seu crédito ou que, apesar de não o ter reclamado, esse crédito tenha sido relacionado pelo Administrador.

IV – Estando em causa uma impugnação deduzida por determinado credor tendo em vista a inclusão do seu crédito na lista de créditos, tal impugnação apenas poderá ter como fundamento a indevida exclusão do crédito da lista apresentada, seja porque, apesar de ter sido reclamado em tempo oportuno, o administrador (por lapso) não o relacionou, seja porque o administrador entendeu, por qualquer razão, não considerar a reclamação; mas a impugnação com esse fundamento pressupõe, em qualquer circunstância, que o credor tenha reclamado o seu crédito, já que a impugnação da lista de credores não poderá servir para, a pretexto de uma impugnação, reclamar créditos que não foram reclamados no momento próprio.

V – O credor que não reclamou o seu crédito oportunamente não poderá, portanto, impugnar a lista provisória de créditos (onde não foi incluído), seja para o efeito de aí ver incluído o seu crédito ou seja para o efeito de ver excluídos quaisquer créditos que aí tenham sido incluídos.


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IV.
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da Apelante.
Notifique.  

Relatora: Maria Catarina Gonçalves

Adjuntos: Nunes Ribeiro

                   Helder Almeida


[1] Reg. nº 305.
[2] Diploma a que se reportam as demais disposições legais que venham a ser citadas sem menção de origem.
[3] PER – O Processo Especial de Revitalização, Coimbra Editora, 2014, pág. 46.
[4] Ob. cit., pág.46 a 48.
[5] Cfr. Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª edição, Quid Juris Sociedade Editora, 2008, pág. 455.