Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1959/11.8T2OVR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: FIANÇA
BENEFÍCIO DA EXCUSSÃO PRÉVIA
PRAZO
VENCIMENTO
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
Data do Acordão: 07/03/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA OVAR J. EXECUÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 405, 627, 631, 634, 640, 781, 782 CC
Sumário: 1. O artigo 634.º do C.C. estabelece a regra geral segundo a qual a fiança tem o conteúdo da obrigação principal, nomeadamente no que se reporta à mora, encontrando-se, no entanto, previsto no artigo 782.º do mesmo diploma legal, um regime de excepção no que concerne à perda do benefício do prazo, que não é extensível ao fiador.

2. O regime enunciado no artigo 782.º do C.C. tem natureza supletiva, podendo ser afastado pelas partes de acordo com o princípio da liberdade contratual consagrado no artigo 405.º do mesmo código.

3. A expressa renúncia ao benefício de excussão por parte do fiador não determina por si só o afastamento do regime previsto no artigo 782.º do C.C., não tendo o alcance nem se traduzindo na renúncia ao benefício do prazo.

4. A regra prevista no artigo 781.º do C.C., de acordo com a qual, se a obrigação puder ser liquidada em várias prestações, a falta de realização de uma delas determina o vencimento das restantes, tem natureza supletiva.

5. Do facto de as partes terem consignado no documento complementar da escritura de mútuo, um regime idêntico ao previsto no artigo 781.º do C.C., prevendo a “imediata exigibilidade de todas as responsabilidades garantidas” no caso de não realização de uma das prestações, não decorre a renúncia ao benefício do prazo por parte do fiador.

6. Não tendo o fiador renunciado ao benefício do prazo, vigorando o regime do artigo 782.º do C.C., de acordo com o qual a perda de tal benefício por parte do devedor principal não lhe é extensível, não tendo o exequente alegado nem demonstrado a interpelação do fiador, terá que se concluir que a execução deverá prosseguir quanto a este, apenas para cobrança das prestações vencidas pelo decurso do prazo e não realizadas pelo devedor principal.

Decisão Texto Integral: I. Relatório
O Banco (…) SA instaurou contra C (…), M (…) e L (…), a acção executiva sob forma comum n.º 1959/11.8T2OVR, que corre termos no Juízo de Execução de Ovar, Comarca do Baixo Vouga.
Por apenso à referida acção executiva, vieram M (…) e L (…) deduzir oposição, alegando em síntese: subscreveram os títulos dados à execução, na qualidade de fiadores; apesar de terem expressamente declarado a sua renúncia ao benefício de excussão prévia, não renunciaram ao benefício do prazo, previsto no artigo 782.º do Código Civil; requerem em consequência que a execução seja julgada extinta, relativamente aos opoentes.
Foi proferido despacho, onde se decidiu:

«Os Oponentes não puseram em causa a autoria das assinaturas apostas na escritura dada à execução, e que a eles são imputadas.

Pelo que, no quadro do artigo 374.º, n.º 1 do Código Civil, há que dar por assente a autoria de tais assinaturas.

[…] no caso “sub judice” não foi arguida, porém, a falsidade do documento dado à execução, donde resulta, pois, que se acham plenamente provadas as declarações negociais emitidas pelos oponentes na qualidade de fiadores (vontade de prestar fiança).

Interessa, em particular, para a decisão da causa, a seguinte cláusula contratual (fls. 5 da escritura): “Declarou o segundo por si e em representação de sua mulher: Que em seu nome pessoal se constituem fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido ao Banco (…) S.A., em consequência do empréstimo que o mutuário contraiu junto do B(…)e aqui titulado, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia, dando já o seu acordo a quaisquer modificações de taxa de juro e alterações de prazo, bem como a mudança de regime de crédito, que venham a ser convencionadas entre o Banco credor e o devedor. A fiança ora constituída manter-se-à plenamente em vigor enquanto subsistir qualquer dívida de capital, juros ou despesas, contraída por qualquer forma e imputável ao indicado devedor.”

[…] No que se refere à aplicabilidade do disposto no art. 782.º do Código Civil, este preceito é renunciável, pois trata de matéria do âmbito da disponibilidade das partes (art. 405.º do mesmo código). E tal acontece nos casos, como o dos autos, em que se verifique a previsão do art. 640.º daquele código, já que os oponentes não só renunciaram ao benefício da excussão prévia como também assumiram a qualidade de principais pagadores.

A fiança, para ser válida, é preciso que no termo respectivo fique estabelecido o critério para a sua determinação (arts. 280.º, n.º 1 e 400.º do Código Civil), desde logo, o limite máximo do montante a garantir e o prazo de validade da fiança. E esta exigência legal foi observada, pois que o objecto da fiança se encontra delimitado: são todas as obrigações que a parte mutuária assumiu a título do empréstimo e que se encontram descritas nas cláusulas da mencionada escritura, bem como no documento complementar a ela anexo.

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julgo improcedente a presente oposição, devendo a execução prosseguir em conformidade.»
Inconformados, os opoentes interpuseram recurso de apelação, apresentando alegações onde formulam as seguintes conclusões:

(…)
O recorrido Banco (…), SA respondeu às alegações de recurso, alegando que, conforme consta dos títulos dados à execução, os opoentes renunciaram expressamente ao benefício do prazo.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se numa única questão: saber se os executados/opoentes renunciaram ao benefício do prazo, previsto no artigo 782.º do Código Civil.

2. Fundamentação de facto
É a seguinte a factualidade relevante:
2.1. Por escritura pública outorgada no dia 04 de Maio de 2005 (junta aos autos a fls. 120), o exequente Banco (…), S.A., concedeu, no exercício da sua actividade bancária, ao 1.º executado C (…), um financiamento sob a forma de mútuo com hipoteca e fiança, no montante inicial de 200.000,00 (duzentos mil euros), pelo prazo de 40 anos, na modalidade de quatrocentas e oitenta prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros, destinado à aquisição de habitação própria e permanente.
2.2. Em contrapartida, o 1.º executado comprometeu-se a reembolsar o Banco Exequente da quantia mutuada, acrescida dos juros que fossem devidos, contabilizados nos termos fixados na aludida escritura pública.
2.3. Nessa mesma data - 04 de Maio de 2005 – o exequente Banco (…), S.A. e o 1.º executado celebraram nova escritura pública (junta aos autos a fls. 137), nos termos da qual, o banco, no exercício da sua actividade bancária, concedeu um outro financiamento ao ora 1.º executado, sob a forma de mútuo com hipoteca e fiança, no montante inicial de l00.000,00 (cem mil euros), pelo prazo de 40 anos, que se destinou a fazer face a compromissos financeiros assumidos anteriormente pelo ora 1.º executado e à aquisição de equipamento para a sua residência, na modalidade de quatrocentas e oitenta prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros.
2.4. Em contrapartida, o 1.º executado comprometeu-se a reembolsar o Banco Exequente da quantia mutuada, acrescida dos juros que fossem devidos, contabilizados nos termos fixados na escritura pública.
2.5. Para garantia de todas as responsabilidades assumidas em cada um dos contratos de mútuo supra referidos, respectivos juros e demais encargos, o 1.º executado constituiu duas hipotecas voluntárias a favor do banco exequente sobre a fracção autónoma designada pela letra “E”, destinada a habitação, correspondente ao segundo andar duplex esquerdo e garagem na cave, tipo T-quatro, Bloco “A”, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua de Moçambique, Urbanização Forca/ Vouga, Sector F, Lote n.º 6, freguesia de ..., concelho de Aveiro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o n.º .../ ... e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ....
2.5. As referidas hipotecas foram constituídas abrangendo todas as construções, benfeitorias e acessões presentes e futuras, bem como as indemnizações devidas por sinistro, expropriação e quaisquer outras, que o Banco Exequente poderá receber de quem competir até à liquidação das responsabilidades garantidas pelas hipotecas., encontrando-se devidamente registadas junto dos serviços da Conservatória do Registo Predial competente.
2.6. Essas hipotecas foram, ainda, constituídas em garantia do valor devido a título de capital mutuado, acrescido dos juros que forem devidos, bem como das despesas judiciais e extrajudiciais inerentes à acção ou à execução necessárias à eventual cobrança judicial, subsistindo enquanto o Banco Exequente não se encontrasse integralmente pago das responsabilidades referidas.
2.7. Consta do “Documento Complementar” elaborado nos termos do artigo 64.º do Código do Notariado, referente à escritura aludida em 2.1. (fls. 127 e 133), na cláusula 18.ª: “… a falta de pagamento nos respectivos vencimentos, de qualquer das responsabilidades agora garantidas, importarão a imediata exigibilidade de todas as responsabilidades garantidas e, consequentemente, a imediata exequibilidade desta escritura”.
2.8. Consta do “Documento Complementar” elaborado nos termos do artigo 64.º do Código do Notariado, referente à escritura aludida em 2.3. (fls. 142 e 148), na cláusula 18.ª: “… a falta de pagamento nos respectivos vencimentos, de qualquer das responsabilidades agora garantidas, importarão a imediata exigibilidade de todas as responsabilidades garantidas e, consequentemente, a imediata exequibilidade desta escritura”.
2.9. Para garantia dos financiamentos supra descritos, e nas mesmas escrituras acima referidas, constituíram-se, como fiadores e principais pagadores, com expressa renúncia ao beneficio da excussão prévia, os executados ora opoentes M (…) e L (…).
2.10. Consta da escritura referida em 2.1. (fls. 123 e 124 dos autos), que M (…) outorgando por si como fiador, em representação do comprador (1.º executado) e de sua mulher, também fiadora L (…), declarou: «Que este empréstimo se rege ainda pelas cláusulas constantes do documento complementar, elaborado nos termos do número dois do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado e que faz parte integrante desta escritura, o qual os outorgantes declararam conhecer perfeitamente pelo que dispensam a sua leitura».
2.11. Consta da escritura referida em 2.1. (fls. 124 dos autos), que M (…), outorgando por si como fiador, e em representação de sua mulher, também fiadora L (…), declarou: «Que em seu nome pessoal se constituem fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido ao Banco Internacional de Crédito S.A., em consequência do empréstimo que o mutuário contraiu junto do BIC e aqui titulado, com expressa renúncia ao beneficio da excussão prévia, dando já o seu acordo a quaisquer modificações de taxa de juro e alterações de prazo, bem como a mudança de regime de crédito, que venham a ser convencionadas entre o Banco credor e o devedor. A fiança ora constituída manter-se-à plenamente em vigor enquanto subsistir qualquer dívida de capital, juros ou despesas, contraída por qualquer forma e imputável ao indicado devedor.»
2.12. Consta da escritura referida em 2.3. (fls. 140 dos autos), que M (…), outorgando por si como fiador, em representação do comprador (1.º executado) e de sua mulher, também fiadora L (…), declarou: «Que este empréstimo se rege ainda pelas cláusulas constantes do documento complementar, elaborado nos termos do número dois do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado e que faz parte integrante desta escritura, o qual os outorgantes declararam conhecer perfeitamente pelo que dispensam a sua leitura».
2.13. Consta da escritura referida em 2.3. (fls. 140 dos autos), que M (…), outorgando por si como fiador, e em representação de sua mulher, também fiadora L (…), declarou: «Que em seu nome pessoal se constituem fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido ao Banco Internacional de Crédito S.A., em consequência do empréstimo que o mutuário contraiu junto do BIC e aqui titulado, com expressa renúncia ao beneficio da excussão prévia, dando já o seu acordo a quaisquer modificações de taxa de juro e alterações de prazo, bem como a mudança de regime de crédito, que venham a ser convencionadas entre o Banco credor e o devedor. A fiança ora constituída manter-se-à plenamente em vigor enquanto subsistir qualquer dívida de capital, juros ou despesas, contraída por qualquer forma e imputável ao indicado devedor.»
2.14. No que diz respeito ao contrato de mútuo descrito no ponto 2.1, o 1.º executado deixou de pagar as mensalidades decorrentes daquele contrato de financiamento, situação que ocorre desde 02 de Maio de 2008, determinando.
2.15. No que diz respeito ao contrato de mútuo descrito no ponto 2.3. o 1.º executado deixou de pagar as mensalidade decorrentes daquele contrato de financiamento, situação que ocorre desde 02 de Abril de 2008, determinando, assim, nessa data, o vencimento do total da divida.
2.1.6. No requerimento executivo não vem alegada nem é feita qualquer menção à interpelação dos fiadores para pagarem as prestações em dívida, que o 1.º executado deixou de pagar.

3. Fundamentação de direito
3.1. O benefício do prazo e a sua natureza supletiva
Como ficou dito, a única questão a dilucidar no presente recurso traduz-se em saber se os opoentes – executados/fiadores - com as declarações que ficaram consignadas nos títulos dados à execução (escrituras e documentos complementares), perderam o benefício do prazo, por renúncia ao direito previsto no artigo 782.º do Código Civil.
Na apreciação da questão que se suscita, cumpre começar por apreciar o regime em causa.
A fiança concretiza-se no facto de um terceiro assegurar com o seu património o cumprimento de obrigação alheia, ficando pessoalmente obrigado perante o respectivo credor (art. 627.º, n.º 1 do CC).
Tal responsabilização abrange, em princípio, todo o património do fiador, embora possa limitar-se a alguns dos bens que o integram, desde que tal redução seja convencionada nos termos do art. 602.º do Código Civil.
Decorre do disposto no artigo 634.º do mesmo diploma legal, que «a fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor», de onde se conclui que a responsabilidade do fiador, salvo estipulação em contrário (art. 631.º, n.º 1 do CC), se molda pela do devedor principal e abrange tudo aquilo a que ele está obrigado, não só a prestação devida, mas também a reparação dos danos resultantes do incumprimento culposo (art. 798.º do CC) ou a pena convencional que porventura se haja estabelecido (art. 810.º do CC).
Como características fundamentais deste instituto, costuma a doutrina sublinhar a acessoriedade e a subsidiariedade.
A acessoriedade, expressamente prevista no n.º 2 do artigo 627.º do Código Civil, tem as seguintes consequências essenciais[1]: i) a fiança está submetida à forma exigida para a dívida principal (art. 628.º, n.º 1 do CC; ii) a fiança não pode exceder a dívida principal, podendo, no entanto, ficar aquém desta; iii) caso exceda a dívida principal, a fiança não será nula, mas apenas redutível de acordo com a dívida afiançada (art. 631.º, n.º 1 e 2 do CC); iv) a nulidade ou anulabilidade da dívida principal provoca a invalidade da fiança[2]; v) se estabelecida para garantia de obrigações condicionais (art. 628/2 CC), constitui-se na dependência da mesma condição à qual se submete a obrigação que garante; vi) extinta a dívida principal, fica extinta a fiança (art. 651.º do CC); vii) o carácter civil ou comercial da fiança depende da natureza da obrigação principal.
Quanto à subsidiariedade, concretiza-se no chamado benefício de excussão, traduzido no direito que assiste ao fiador, de recusar o cumprimento, enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal (art. 638.º do CC), sendo tal benefício renunciável, nos termos do n.º 1 do artigo 640.º do Código Civil.
Centremos agora a atenção no que dispõe o já citado artigo 634.º do Código Civil: A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela em anotação ao normativo que se transcreveu[3], as duas obrigações – a do devedor e a do fiador – embora distintas, têm o mesmo conteúdo.
Escrevem os mesmos autores: “O artigo 782.º, quanto às obrigações a prazo, estabelece um princípio que é extensivo aos co-obrigados do devedor e a terceiros que tenham constituído qualquer garantia a favor do crédito. Não lhes pode ser imposta a perda do benefício do prazo (cfr. arts. 780.º e 781.º), o que traduz um desvio da regra do artigo 634.º”.
Sob a epígrafe “Dívida liquidável em prestações”, dispõe o artigo 781.º do Código Civil: «Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas
O artigo 782.º do mesmo código prevê as seguintes excepções ao regime geral previsto no normativo que o antecede: «A perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia
Em anotação à disposição legal que se transcreveu, escrevem Pires de Lima e Antunes Varela[4]: “A perda do benefício do prazo também não afecta terceiros que tenham garantido o cumprimento da obrigação. A lei não distingue entre garantias pessoais e reais. É aplicável a disposição, portanto, não só ao fiador como a terceiros que tenham constituído uma hipoteca, um penhor, ou uma consignação de rendimentos”.
Como refere Mário Júlio de Almeida Costa[5], a perda do benefício do prazo traduz-se no facto de a lei consentir que em determinadas circunstâncias o credor possa exigir antecipadamente o cumprimento da obrigação, apesar de o devedor ser beneficiário exclusivo ou conjunto do prazo estipulado, não sendo extensiva aos garantes da obrigação, nos precisos termos do artigo 782.º do Código Civil.
Conclui o autor citado: “A lei abrange nesta excepção mesmo os co-obrigados solidários, o que logo decorre do regime de solidariedade, «maxime» a respeito dos meios de defesa pessoais. Assim como, quanto à exclusão da eficácia da perda do benefício do prazo relativamente a terceiro que haja garantido o crédito, se não distingue entre garantias reais e pessoais”.
Uma primeira conclusão se retira do regime legal enunciado: aos opoentes (fiadores) não é extensiva a perda do benefício do prazo, face ao disposto no artigo 782.º do Código Civil.
No entanto, a norma citada tem natureza supletiva, de acordo com o entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência, vigorando nesta matéria o princípio da liberdade contratual genericamente enunciado no artigo 405.º do Código Civil.
Em harmonia com tal princípio, a regra prevista no artigo 782.º, que prevê a inaplicabilidade da perda do benefício do prazo (nomeadamente) aos fiadores, considera-se afastada sempre que as partes convencionem de modo diverso, o que ocorreria in casu se os fiadores (ora opoentes) tivessem consignado nos títulos a renúncia ao aludido benefício.
Nesse sentido, vejam-se os seguintes arestos: acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10.05.2007[6]; acórdão da Relação de Lisboa, de 6.06.2002[7]; acórdão da Relação de Lisboa, de 19.11.2009[8].
E somos chegados à magna quaestio que resume o objecto do presente recurso: saber se a partir das declarações consignadas nos documentos que constituem os títulos executivos, os ora opoentes (fiadores) renunciaram ao benefício do prazo que o artigo 782.º do Código Civil lhes confere.
A esta questão se passará a responder.

3.2. O alcance das declarações dos opoentes/fiadores consignadas nos títulos
Vejamos a factualidade relevante:
1) Consta das escrituras, que os fiadores (ora opoentes) declararam «Que este empréstimo se rege ainda pelas cláusulas constantes do documento complementar, elaborado nos termos do número dois do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado e que faz parte integrante desta escritura, o qual os outorgantes declararam conhecer perfeitamente pelo que dispensam a sua leitura».
2) Consta dos “Documentos Complementares” elaborados nos termos do artigo 64.º do Código do Notariado: “… a falta de pagamento nos respectivos vencimentos, de qualquer das responsabilidades agora garantidas, importarão a imediata exigibilidade de todas as responsabilidades garantidas e, consequentemente, a imediata exequibilidade desta escritura”.
3) Consta das mesmas escrituras, que os fiadores (ora opoentes) declararam que: «… se constituem fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido ao Banco (…) S.A., em consequência do empréstimo que o mutuário contraiu junto do BIC e aqui titulado, com expressa renúncia ao beneficio da excussão prévia, dando já o seu acordo a quaisquer modificações de taxa de juro e alterações de prazo, bem como a mudança de regime de crédito, que venham a ser convencionadas entre o Banco credor e o devedor. A fiança ora constituída manter-se-à plenamente em vigor enquanto subsistir qualquer dívida de capital, juros ou despesas, contraída por qualquer forma e imputável ao indicado devedor.»
O fulcro da questão é este: na versão dos recorrentes (opoentes), as declarações consignadas nos títulos não constituem renúncia ao benefício do prazo previsto no artigo 782.º do Código Civil; na versão do recorrido (exequente), tais declarações constituem efectiva renúncia ao benefício aludido.
Cumpre desde já realçar o facto de a renúncia ao benefício de excussão prévia feita pelos recorrentes (fiadores) não implicar automaticamente a renúncia ao benefício do prazo.
Como refere Mário Júlio Almeida Costa[9], renunciando ao benefício de excussão, o fiador “equipara-se, do ponto de vista do credor, a um verdadeiro devedor solidário”, no entanto “[a] posição do fiador que se obrigou como principal pagador não se identifica com a do condevedor solidário. Na verdade, a obrigação daquele, embora não seja subsidiária em face do credor, continua a ser acessória em relação à do devedor afiançado”.
A renúncia ao benefício de excussão tem apenas como consequência o afastamento da regra da subsidariedade, traduzida no direito que assiste ao fiador de, nada sendo estipulado em contrário, recusar o cumprimento enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal.
Tal renúncia nada tem a ver com o benefício do prazo, já que a perda de tal benefício não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que garanta a obrigação, de acordo com o que dispõe o artigo 782.º do Código Civil, salvo se houver estipulação em contrário.
No sentido de que a renúncia ao benefício de excussão não implica a renúncia ao benefício do prazo, decidiu a Relação de Lisboa no acórdão de 17.11.2011[10], “As garantias, constituídas por terceiro, de obrigação relativamente à qual se opere a perda do benefício do prazo, só podem ser postas a funcionar depois de atingido o momento em que a obrigação normalmente se venceria. A referência, nos contratos respectivos, a constituírem-se os terceiros como ‘fiadores e principais pagadores das dívidas contraídas pelos primeiros outorgantes no âmbito do presente contrato, renunciando expressamente ao benefício de excussão prévia’, não tem o alcance da renúncia ao benefício do prazo.”[11][12]
Decorre do exposto que o direito ao benefício do prazo invocado pelos recorrentes (fiadores) só se encontrará afastado se dos títulos dados à execução constar a expressa renúncia por parte dos fiadores[13].
Sob a epígrafe “Dívida liquidável em prestações”, dispõe o já citado artigo 781.º do Código Civil: «Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas
Provou-se que as partes estipularam o seguinte regime, quanto à exigibilidade da obrigação: “… a falta de pagamento nos respectivos vencimentos, de qualquer das responsabilidades agora garantidas, importarão a imediata exigibilidade de todas as responsabilidades garantidas e, consequentemente, a imediata exequibilidade desta escritura”.
A norma refere-se ao “vencimento” imediato, tendo as partes optado por consignarem a “imediata exigibilidade”.
A diferença entre os conceitos referidos encontra-se abordada com profundidade por Mário Júlio de Almeida Costa[14], que opõe “antecipação do vencimento” a “simples antecipação de exigibilidade”, citando autores que defendem a interpretação do artigo 781.º do Código Civil, no sentido de que este consagra a mera “antecipação de exigibilidade” (Pessoa Jorge e Vasco da Gama Lobo Xavier) e outros que defendem que se trata de “vencimento automático” (Galvão Telles).
Aceitando com reservas a tese do “vencimento automático”[15], escreve o Professor Mário Júlio de Almeida Costa[16]: “Mostra-se, todavia, mais razoável, também neste caso, a solução de que o credor tenha de interpelar o devedor para exigir antecipadamente as prestações vincendas. É a interpretação da lei que se impõe”.
O Supremo Tribunal de Justiça, de 19.06.1995[17], em acórdão cujo sumário se transcreve parcialmente, reflecte a querela doutrinária enunciada: «Ainda que se admita como exacta a interpretação do art. 781.º do C. Civil de que ‘vencimento imediato’ das prestações posteriores de uma dívida pelo não pagamento de uma delas, significa a ‘exigibilidade imediata’ que não dispensa a interpelação do devedor, o certo é que, como aquela regra não é imperativa, o posterior acordo das partes pode alterar o regime legal decorrente dessa interpretação».
No sentido de que o “vencimento imediato” previsto no artigo 781.º do CC, não dispensa a interpelação do devedor, vai o acórdão desta Relação, de 20.10.2009[18][19].
Como se referiu, no caso em apreço as partes acordaram que “… a falta de pagamento nos respectivos vencimentos, de qualquer das responsabilidades agora garantidas, importarão a imediata exigibilidade de todas as responsabilidades garantidas e, consequentemente, a imediata exequibilidade desta escritura”.
Pensamos, com o devido respeito, que da estipulação em causa não resulta a renúncia por parte dos fiadores ao benefício do prazo que o artigo 782.º do Código Civil lhes garante (salvo convenção em contrário).
Vejamos porquê.
Nada estipulando as partes sobre o vencimento das obrigações exequendas (dívidas liquidáveis em prestações), sempre seria supletivamente aplicável o regime previsto no artigo 781.º do Código Civil: a falta de realização de uma delas importaria o vencimento de todas.
Ora, da aceitação de tal regime (de vencimento imediato das prestações subsequentes), decorrente do facto de as partes nada estipularem em contrário, não poderia, obviamente, concluir-se que os fiadores renunciavam por omissão ao benefício do prazo.
Ou seja: nada estipulando as partes quanto ao vencimento imediato da dívida em caso de não pagamento de uma prestação, vigora esse regime nos termos do artigo 781.º do CC, e de tal omissão de estipulação não se poderá concluir pelo afastamento da regra prevista no artigo 782.º do CC (de que a perda do benefício do prazo não é extensiva ao fiador).
A conclusão anterior leva-nos, por um processo de pura lógica, à conclusão que se segue: estipulando as partes um regime idêntico ao previsto no artigo 781.º do CC (imediata exigibilidade das prestações futuras no caso de incumprimento de uma delas), daí não se poderá concluir sem mais que visaram afastar o regime previsto no artigo 782.º, ou, dito de outra forma, que o fiador renunciou ao benefício do prazo que a lei lhe garante[20].
Sem quebra do respeito devido, a argumentação do recorrido (exequente) revela-se insustentável, na medida em que suporta exclusivamente na afirmação de que os fiadores (opoentes) afastaram o regime previsto no artigo 782.º, renunciando ao benefício do prazo, pelo mero facto de ter ficado consignado nos documentos complementares das escrituras, um regime semelhante ao previsto no artigo 781.º do Código Civil: a falta de realização de uma prestação delas importaria o vencimento (in casu a exigibilidade) das restantes.
Tal conclusão levar-nos-ia ao absurdo de considerar que, na falta de qualquer convenção sobre o vencimento das prestações futuras, sendo supletivamente aplicável o regime geral (supletivo), de acordo com o qual a falta de realização de uma delas importaria o vencimento das restantes, se entenderia que o fiador renunciava ao benefício que o artigo 782.º do CC, expressa e excepcionalmente ressalva.
No requerimento executivo não refere o exequente qualquer interpelação dos fiadores e, como já se referiu, tal interpelação tornava-se necessária, dando aos fiadores a possibilidade de, para além de pagarem as prestações vencidas (pelas quais são imediatamente responsáveis), assumirem a posição do devedor principal, pagando as prestações que se fossem vencendo[21].
Concluindo-se que não foi afastado o regime legal previsto no artigo 782.º do Código Civil, não se estendendo aos fiadores a perda do benefício do prazo, na execução a que se reporta a presente oposição, os fiadores (ora opoentes) apenas poderão responder pelas prestações vencidas[22].
Esta solução parece-nos, além de juridicamente a mais sustentável, a que melhor garante a natureza acessória do instituto da fiança (que se mantém mesmo sem a subsidariedade afastada pela renúncia ao benefício da excepção), porque o prazo também é estabelecido a favor do fiador, que terá interesse em ser alertado (interpelado) pelo banco, no sentido de pagar as prestações vencidas e as que se forem vencendo pelo decurso do tempo, em vez de ser abruptamente confrontado com uma dívida de centenas de milhares de euros.
Esta solução é a que subsidiariamente preconizam os recorrentes na 46.ª conclusão das suas alegações de recurso: “46. Ou, pelo menos, improceder parcialmente o pedido, apenas sendo de exigir aos fiadores o pagamento das quantias já vencidas pelo decurso normal do prazo, sem qualquer tipo de antecipação por incumprimento do devedor principal.”
É nessa exacta medida que o recurso procede.

IV. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso, e, em consequência, em revogar a decisão recorrida, que se substitui por outra que determina o prosseguimento da execução, relativamente aos recorrentes/fiadores M (…) e L (..), apenas para cobrança das prestações que se venceram pelo decurso do prazo e que não foram pagas pelo 1.º executado.
                                                         *                                                
Custas do recurso pelos Apelantes e Apelado, na proporção dos decaimentos.
                                                         *


Carlos Querido ( Relator )
Virgílio Mateus
Carvalho Martins


[1] Veja-se, nesse sentido Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª edição revista, 2011, Almedina, pág. 893 e seguintes.
[2] Admitindo-se um única excepção: sendo a dívida principal anulada por incapacidade ou por falta ou vício da vontade do devedor, a fiança não deixará de ser válida se o devedor, ao tempo em que a prestou, conhecia a causa de anulabilidade.
[3] Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, 1987, Coimbra Editora, pág. 652
[4] Código Civil Anotado, Volume II, 2.ª edição, 1981, Coimbra Editora, pág. 29
[5] Direito das Obrigações, 12.ª edição revista, 2011, Almedina, págs. 1014 e seguintes.
[6] Proferido no Processo n.º 07B841, acessível em http://www.dgsi.pt
[7] Proferido no Processo n.º 0013967, acessível em http://www.dgsi.pt, com o seguinte sumário que aqui se transcreve: «O art. 782º do CC consagra uma excepção ao art. 634º, ao excluir o fiador das consequências da perda do benefício do prazo nos casos previstos nos arts. 780º e 781º do mesmo diploma, seja subsidiária ou solidária a responsabilidade do fiador. A norma do referido art. 782º tem natureza supletiva e, por isso, nada impede que o fiador, no âmbito da liberdade contratual consignada no art. 405º do CC, assuma, como no caso dos autos, a responsabilidade pelas consequências da perda do benefício do prazo por parte do devedor afiançado, nos mesmos termos que este».
[8] Proferido no Processo n.º 701/06.0YXLSB.L1-6, acessível em http://www.dgsi.pt
[9] Obra citada, pág. 896
[10] Proferido no processo n.º 1156/09.2TBCLD-D.L1-2, acessível em http://www.dgsi.pt

[11] No mesmo sentido, veja-se o acórdão da Relação de Lisboa, de 15.01.2008, 10365/2007-7, acessível em http://www.dgsi.pt: “Por conseguinte, o artigo 782º consagra, nessa medida, uma excepção ao disposto no já citado artigo 634º. Nem a dita excepção deixará de se aplicar aos casos em que o fiador se assuma como principal devedor ou fiador solidário, tanto mais que o artigo 782º contempla também os devedores solidários, em consonância, aliás, com o estabelecido no artigo 525º, nº 1, do CC.”
[12] Em sentido contrário, veja-se o acórdão da relação de Lisboa, de 13 de Abril de 2000, CJ, Ano XXV, Tomo II, pág. 132
[13] Considerando que não foi efectuada qualquer interpelação admonitória nesse sentido, por parte do exequente (pelo menos não vem alegada no requerimento executivo nem no articulado de alegações).
[14] Direito das Obrigações, 12.ª edição revista, 2011, Almedina, págs. 1016 e seguintes.
[15] Face ao argumento interpretativo literal, torna-se dificilmente suportável conclusão diversa.
[16] Direito das Obrigações, 12.ª edição revista, 2011, Almedina, págs. 1018.
[17] CJ, Acs. STJ, Ano III, 1995, Tomo II, pág. 132.

[18] Proferido no Processo n.º 1535/09.5YRLSB-7, acessível em http://www.dgsi.pt, cujo sumário se transcreve parcialmente: “V – O art. 781º do C. Civil, ao determinar o vencimento imediato das restantes prestações, deve ser interpretado no sentido de que o inadimplemento do devedor gera o direito do credor de exigir dele a satisfação daquelas prestações, e não no sentido de que o não pagamento de uma das prestações no prazo acordado, determina, por si só, a entrada em mora do devedor quanto ao cumprimento das demais.
VI – Quanto às prestações ainda não vencidas à data em que ocorre a falta de pagamento de uma prestação, a entrada em mora, e o correlativo vencimento de juros moratórios, depende de interpelação do devedor para o respectivo pagamento, ou, na sua falta, da verificação da data em que cada uma delas deveria, de acordo com o plano contratual estabelecido, ser paga.”

[19] Em sentido convergente, vejam-se os seguintes arestos, todos acessíveis em http://www.dgsi.pt, cujos sumários se transcrevem parcialmente:

Acórdão da Relação de Lisboa, de 6.06.2002, Proc. n.º 0013967: “O art. 782º do CC consagra uma excepção ao art. 634º, ao excluir o fiador das consequências da perda do benefício do prazo nos casos previstos nos arts. 780º e 781º do mesmo diploma, seja subsidiária ou solidária a responsabilidade do fiador. A norma do referido art. 782º tem natureza supletiva e, por isso, nada impede que o fiador, no âmbito da liberdade contratual consignada no art. 405º do CC, assuma, como no caso dos autos, a responsabilidade pelas consequências da perda do benefício do prazo por parte do devedor afiançado, nos mesmos termos que este.”

Acórdão da Relação de Lisboa, de 20.10.2009,Proc. n.º 1535/09.5YRLSB-7: “V – O art. 781º do C. Civil, ao determinar o vencimento imediato das restantes prestações, deve ser interpretado no sentido de que o inadimplemento do devedor gera o direito do credor de exigir dele a satisfação daquelas prestações, e não no sentido de que o não pagamento de uma das prestações no prazo acordado, determina, por si só, a entrada em mora do devedor quanto ao cumprimento das demais. VI – Quanto às prestações ainda não vencidas à data em que ocorre a falta de pagamento de uma prestação, a entrada em mora, e o correlativo vencimento de juros moratórios, depende de interpelação do devedor para o respectivo pagamento, ou, na sua falta, da verificação da data em que cada uma delas deveria, de acordo com o plano contratual estabelecido, ser paga.”

Acórdão da Relação de Lisboa, de 15.09.2009, Proc. n.º 1448/07.5TVLSB.L1-7: “V – A falta de pagamento de uma das prestações acordadas rompe a confiança depositada no devedor pelo credor, dando a este o direito de exigir o pagamento integral e imediato da dívida por antecipação do vencimento das prestações posteriores; mas não procedendo à respectiva interpelação, não se dá a imediata entrada do devedor em mora quanto a estas prestações.”

Acórdão da Relação de Lisboa, de 12.05.2009, Proc. n.º 463/07.3TVLSB.L1-7: “I. O que está em causa, no caso de uma dívida fraccionada em prestações, não é se a falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento das restantes, mas sim, o saber se é ou não necessário a interpelação do devedor para que este benefício concedido ao credor se efective. II. No caso de dívida fraccionada em prestações, o artigo 781.º do Código Civil deve ser interpretado no sentido de que, na falta de pagamento de uma das prestações, é necessário a interpelação do devedor para se converter a exigibilidade das prestações futuras em vencimento imediato e automático.”
[20] O conceito utilizado pelas partes nos documentos particulares anexos às escrituras coincide com o proposto por Mário Júlio de Almeida Costa (in Direito das Obrigações, 12.ª edição revista, 2011, Almedina, págs. 1016 e segs.), de “simples antecipação de exigibilidade” (em oposição ao de “antecipação do vencimento”), pressupondo a necessária interpelação do devedor, como se defende no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19.06.1995, que se citou supra.

[21] A jurisprudência vem entendendo que do imediato vencimento das prestações futuras, previsto no artigo 781.º do CC, não decorre automaticamente a entrada em mora do devedor relativamente a tais prestações, revelando-se necessária a sua prévia interpelação.

Nesse sentido, vejam-se os seguintes arestos da Relação de Lisboa, cujos sumários se transcrevem parcialmente, todos acessíveis em http://www.dgsi.pt:

RL, 20.10.2009, Proc. 1535/09.5YRLSB-7 “V – O art. 781º do C. Civil, ao determinar o vencimento imediato das restantes prestações, deve ser interpretado no sentido de que o inadimplemento do devedor gera o direito do credor de exigir dele a satisfação daquelas prestações, e não no sentido de que o não pagamento de uma das prestações no prazo acordado, determina, por si só, a entrada em mora do devedor quanto ao cumprimento das demais. VI – Quanto às prestações ainda não vencidas à data em que ocorre a falta de pagamento de uma prestação, a entrada em mora, e o correlativo vencimento de juros moratórios, depende de interpelação do devedor para o respectivo pagamento, ou, na sua falta, da verificação da data em que cada uma delas deveria, de acordo com o plano contratual estabelecido, ser paga.”

RL, 15.09.2009, Proc. 1448/07.5TVLSB.L1-7: “V – A falta de pagamento de uma das prestações acordadas rompe a confiança depositada no devedor pelo credor, dando a este o direito de exigir o pagamento integral e imediato da dívida por antecipação do vencimento das prestações posteriores; mas não procedendo à respectiva interpelação, não se dá a imediata entrada do devedor em mora quanto a estas prestações.”
RL, 12.05.2009, Proc. 463/07.3TVLSB.L1-7: “I. O que está em causa, no caso de uma dívida fraccionada em prestações, não é se a falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento das restantes, mas sim, o saber se é ou não necessário a interpelação do devedor para que este benefício concedido ao credor se efective. II. No caso de dívida fraccionada em prestações, o artigo 781.º do Código Civil deve ser interpretado no sentido de que, na falta de pagamento de uma das prestações, é necessário a interpelação do devedor para se converter a exigibilidade das prestações futuras em vencimento imediato e automático.”

[22] Neste sentido, vejam-se os seguintes arestos da Relação de Lisboa, acessíveis em http://www.dgsi.pt: Acórdão de 11.10.2002, proferido no Proc. 0049998; e acórdão de 19.11.2009, proferido no Proc. 701/06.0YXLSB.L1-6