Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1175/12.1T2AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: REVITALIZAÇÃO
RELAÇÃO DE CRÉDITOS
PLANO DE RECUPERAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
PRAZO
Data do Acordão: 02/26/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
COMARCA DO BAIXO VOUGA - AVEIRO - JUÍZO DO COMÉRCIO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS17.º-C, N.º 3, AL.S A) E B); 37.º; 38.º DO CIRE
Sumário: 1. Relevante, para efeitos de contagem do prazo para a conclusão das negociações, é a apresentação da lista inicial provisória de créditos, ainda que outras venham a ser apresentadas.

2. O prazo para a conclusão das negociações apenas depende da publicação da lista provisória (e não definitiva) de créditos no Citius, desde logo se iniciando o prazo para a respectiva impugnação e, findo o prazo para estas serem deduzidas, logo se inicia o prazo para a conclusão das negociações.

3. Ou seja, este prazo não fica dependente nem da decisão de impugnações formuladas nem da conversão em definitiva da lista provisória de créditos.

Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

            A... e B..., já identificados nos autos principais, vieram efectuar a comunicação de que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º-C, n.º 3, al.s a) e b), do CIRE, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 16/2012, de 20/4, pretendiam dar início às negociações conducentes à sua recuperação através do procedimento especial de revitalização, juntando os documentos que acompanham tal requerimento, sugerindo a pessoa que poderia desempenhar o cargo de Administrador Provisório e requerendo a imediata suspensão de todas as acções que contra eles correm.

            Depois de despacho a determinar a junção de alguns documentos, cf. despacho de fl.s 225, proferido em 11 de Junho de 2012, foi declarado como validamente iniciado o processo especial de revitalização dos requerentes e nomeado como administrador judicial provisório o que os requerentes haviam indicado.

            Ordenou-se, ainda, a notificação dos requerentes, da credora, do administrador provisório, nos termos do disposto nos artigos 17.º-C, n.º 4 e 17.º-D, n.º 1 do CIRE e do MP, nos termos dos artigos 17.º-C, n.º 4 e 37.º, n.º 2 do CIRE.

            Determinou-se, também, a publicação do despacho no portal Citius e a comunicação à conservatória de registo civil, para registo e a inscrição no registo informático de execuções e na página informática do tribunal, cf. artigos 37.º e 38.º do CIRE.

            Posteriormente, cf. fl.s 225 e 226 (existe um erro de paginação, dado que após fl.s 252, se voltou a fl.s 213), em 06 de Julho de 2012, o Administrador Provisório apresentou a Lista Provisória de Créditos, a que se refere o artigo 17.º-D do CIRE, indicando os 9 credores nela identificados.

            Esta lista foi publicada no Portal Citius em 06 de Julho de 2012, cf. fl.s 228.

            E a 12 de Julho de 2012, cf. fl.s 234 e 235, veio apresentar nova Lista Provisória, de que constam os mesmos credores, mas referindo-se a existência de lapsos na primeiramente apresentada, relativamente à natureza de dois deles.

            No seguimento do que, a fl.s 244, em 13 de Julho de 2007, foi proferido o despacho que ali consta e em que se ordenou a notificação do Administrador para que informasse o que tivesse por conveniente, sobre a não inclusão na lista de credores que apresentara, de credores reconhecidos pelos requerentes na relação de credores que acompanhou o requerimento inicial.

            Depois de requerimentos de impugnação da lista provisória por parte da segurança social e de uma credora a pugnar pelo indeferimento do procedimento da revitalização, veio, em 26 de Julho de 2012, o Administrador juntar nova Lista de Credores, em que se incluem os reconhecidos pelos requerentes na lista de credores que acompanhou o requerimento inicial, cf. fl.s 380 a 384, passando os credores ali reconhecidos para 39.

            Notificada tal lista aos interessados, vieram os devedores impugnar o crédito de C..., alegando já lhe terem pago a quantia de 2.000,00 €, bem como impugnaram os créditos apresentados pela Segurança Social (fl.s 453 a 455 e que não vieram a ser reconhecidos nos presentes autos) por o mesmo já ter sido reclamado noutros autos, tendo os visados apresentado resposta às respectivas impugnações.

            Após o que, cf. fl.s 562, em 20 de Setembro de 2012, foi proferido o seguinte despacho:

            “Antes do mais, porque se mostra decorrido o prazo legal para conclusão das negociações entre os devedores e credores, nos termos do art. 17.º-D/5 do CIRE, notifique o Sr. Administrador da insolvência para informar/requerer o que a esse respeito tiver por conveniente.”.

            Na sequência do que em 21 de Setembro de 2012 (fl.s 565) foi junto requerimento subscrito pelo administrador e devedores, a solicitar a prorrogação do prazo por mais um mês, nos termos do artigo 17.º-D, n.º 5 do CIRE e a solicitar a sua publicação no Citius.

            Como consta de fl.s 578, em 26 de Setembro de 2012 e depois de requerimentos em que alguns credores deram notícia da inexistência de quaisquer contactos/reuniões para as negociações tendentes ao procedimento de revitalização, foi proferido o seguinte despacho:

            “Resulta do disposto no art. 17.º-A/1 do CIRE que o processo especial de revitalização tem por objecto o estabelecimento de negociações entre devedor e credores, a fim de procurar concluir um plano de recuperação.

            Ora, apesar de notificado para o efeito, o Sr. Administrador judicial nada informou sobre o estado de tais negociações, tendo apenas requerido a prorrogação do prazo legal para a sua conclusão.

            Por outro lado, resulta dos requerimentos antecedentes, para além do mais, que nenhuma reunião foi até à data realizada, sendo pedida pelo credor C..., SA, a substituição do administrador provisório.

            Pelo exposto, determino se notifique o Sr. Administrador judicial, com cópia dos requerimentos antecedentes, para sobre os mesmos se pronunciar nos termos que tiver por convenientes, em sete dias, informando, igualmente, em tal prazo, sobre o estado das negociações que lhe compete orientar e fiscalizar.”.

            De fl.s 581 a 622 constam requerimentos dos vários credores a dar conta de que não aprovam a proposta de pagamentos, entretanto, apresentada pelos devedores.

            Após o que, em 09 de Outubro de 2012, cf. fl.s 624 e 625, o administrador judicial, veio informar que as negociações ainda não se encontravam concluídas, juntando (cf. fl.s 626 e 627) uma proposta de pagamento que os devedores tinham apresentado aos credores em 28 de Setembro desse ano e que estes não aceitaram e informando estar a estabelecer contactos com vista a apresentar nova proposta que possa vir a ser aceite pelos credores.

           

            Em seguida, cf. fl.s 641 a 643, foi proferida a seguinte decisão:

“Compulsados os autos, constata-se que, proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório, por este foi elaborada a lista provisória de créditos, junta a fls. 224ss e publicada no portal Citius a 6/7/2012 (cfr. fls. 228).

Assim, como o prazo legal para impugnações é de cinco dias (art. 17.º-D/3 do CIRE), mostra-se decorrido o prazo de dois meses para conclusão das negociações entre devedores e credores, nos termos do art. 17.º-D/5 do CIRE, mesmo com a prorrogação de um mês acordada entre os primeiros e o administrador provisório nomeado.

Segundo pensamos, as correcções posteriores à lista provisória de créditos, por iniciativa do Sr. administrador ou na sequência de despachos judiciais, e suas publicações, em nada alteram a contagem dos prazos acima referida, com as legais consequências.

Por isso, deve considerar-se legalmente encerrado o processo negocial, mercê do disposto no art. 17.º-G/1 do CIRE, situação que convoca a aplicação do nº4 do referido preceito legal, sendo ainda certo que, findo o prazo legal, os devedores não remeteram ao Tribunal plano de recuperação devidamente aprovado, nos termos do art. 17.º-F/1 e 2 do mencionado diploma.

Acresce que vários credores ( D..., Lda, Caixa E..., CRL, C..., SA, F..., SA, Caixa G..., CRL, H..., Lda, I..., IP, J..., SA, e L..., Lda.) já manifestaram nos autos a sua oposição à única proposta de pagamento que, durante todo o período previsto na lei para a realização de negociações, foi apresentada pelos devedores.

O final do processo de negociações, que nestes termos se verifica, conduz inexoravelmente ao encerramento do processo especial de revitalização, ainda que acompanhado do início de processo de insolvência dos devedores, por força do preceituado no art. 17.º-F/2, 3 e 4 do CIRE.

Ora, como é evidente, estas circunstâncias tornam inútil a apreciação das impugnações de fls. 246ss, 269ss e 396ss – sendo certo que essa apreciação não poderia aproveitar ao processo de insolvência, mesmo que este seja iniciado com o encerramento do processo de revitalização. pois naquele apenas pode ser aproveitada a lista que não deva considerar-se impugnada, mercê das disposições conjugadas dos arts. 17.º-G/7 e 17.º-D/4 do CIRE – dirigidas à lista provisória de créditos.

Por outro lado, as mesmas circunstâncias aconselham fortemente à manutenção em funções do Sr. administrador provisório (pelo menos por ora), desde logo, porque o processo está em fase de encerramento e qualquer credor pode requerer, se for o caso, a insolvência dos devedores, mesmo que aquele não o faça.

A inexistência de qualquer reunião entre devedores e credores, no entanto, justifica a devida comunicação à Comissão de Acompanhamento, atenta a especial incumbência que o art. 17.º-D/8 e 9 do CIRE atribui aos administradores judiciais provisórios em processo especial de revitalização.

Cumpre ainda dizer que as mesmas circunstâncias acima referidas tornam inútil a apreciação das questões da omissão de indicação ou ocultação de bens, da dissipação de direitos de crédito e de bens, as quais, aliás, não entram no objecto do processo especial de revitalização, face ao disposto nos arts. 17.º-A e seguintes do CIRE.

Por último, o indeferimento do pedido não pode ser acolhido, admitido que foi, com a nomeação do administrador provisório, o início do processo, por despacho de fls. 225, e a fixação do valor da causa apenas tem lugar na decisão final (art. 315.º do CPC).

Nos termos expostos, decide-se:

A) Relegar para decisão final a questão da fixação do valor da causa e, no restante, indeferir ao requerido pela credora C..., SA;

B) Não tomar conhecimento, por inutilidade, das demais impugnações;

C) Determinar se extraia certidão de fls. 569 a 571, 575, 578, 581, 582, 585 e 586, 624 e 625 e se remeta à Comissão de Acompanhamento da Actividade dos Administradores da Insolvência, com cópia desta decisão, para apreciação do comportamento do Sr. administrador judicial provisório;

D) Determinar que o Sr. administrador judicial provisório dê cumprimento, em cinco dias, ao disposto no art. 17.º-G/1 e 4 do CIRE.

Notifique igualmente aos devedores e aos credores impugnantes, bem assim, os que se pronunciaram pela não aceitação da proposta de pagamento.”.

            A fl.s 661/662, veio o administrador manifestar a opinião de que o prazo para as negociações a estabelecer entre os devedores e os credores terminava apenas em 01 de Novembro de 2012, com o fundamento em que a terceira e última lista provisória de credores foi publicada no Citius em 25 de Julho de 2012, a que haveria que adicionar o prazo de 5 dias úteis para as impugnações, pelo que só em 01/08/2012 se iniciou o prazo de dois meses para as negociações, acrescido de mais um mês e mais informando que continuava com as negociações com vista a obter o acordo dos credores para uma nova proposta de pagamentos a apresentar pelos devedores.

            Entretanto, inconformados com a decisão que ora se transcreveu, dela foi interposto recurso pelos requerentes (fls. 958), o qual foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 1107), embora, posteriormente e já depois de recebidos os autos neste Tribunal da Relação, se tenha pedido a sua remessa à 1.ª instância, no estado em que se encontravam, por para aqui terem sido remetidos em separado (cf. ofício de fl.s 1116), finalizando a respectiva motivação com as seguintes conclusões:

(….)

            Contra-alegando, a credora C..., apresentou as seguintes conclusões:

(……)

            No seguimento do requerimento de fl.s 661/662, a que acima já se fez referência, em 31 de Outubro de 2012, cf. fl.s 671 a 695, veio o Sr. Administrador requerer a junção de novo plano de recuperação e proposta de pagamento, que obteve uma aprovação por parte dos credores que perfazem 72,12% dos créditos totais, requerendo ao M.mo Juiz a quo a respectiva homologação, nos termos e para os efeitos do artigo 17.º-F do CIRE.

            A credora C... opôs-se a tal plano, cf. seu requerimento de fl.s 742 a 746, pelos fundamentos aí constantes.

            Responderam-lhe os requerentes, pugnando pelo seu indeferimento, a que se seguiu novo pedido de indeferimento da proposta apresentada por parte da mesma credora, pelos fundamentos expostos de fl.s 821 a 838 e em que também pediu a destituição do Administrador.

            Foi este notificado para se pronunciar quanto a tal pedido (fl.s 840).

            Após o que, cf. seu requerimento de fl.s 842, emitiu parecer, nos termos do artigo 17.º-G, n.º 4, do CIRE, no sentido de que os devedores não se encontram em situação de insolvência iminente ou actual e têm capacidade para ultrapassar a situação económica/financeira complexa que os levou a apresentar o pedido de revitalização.

            Depois de outras vicissitudes que ao recurso em apreço não importam foi, em 28 de Novembro de 2012, proferida decisão (fl.s 872 a 875), recusando a homologação do plano de recuperação apresentado e que é do seguinte teor:

            “Fls. 671ss e 797ss: Foi apresentado plano de recuperação pelos devedores, com a indicação da obtenção de 72,22% de votos favoráveis, requerendo a homologação do plano.

A credora C... SA, mediante requerimento de fls. 821ss, suscitou irregularidade na actuação do administrador da insolvência, invocou a nulidade do plano e requereu ainda a sua não homologação nos termos do art. 216.º do CIRE.

Os devedores pronunciaram-se sobre o requerimento (fls. 847ss), assim como o Sr. administrador judicial (fls. 865ss).

Apreciando e decidindo:

Salvo o devido respeito por outra opinião, pensamos que as questões da irregularidade da actuação do Sr. administrador provisório e da nulidade do plano não merecem apreciação autónoma, visto que, mercê da remissão prevista no art. 17.º-F/5 do CIRE, é fundamento da não homologação do plano, quer a violação não negligenciável de regras procedimentais, quer das normas aplicáveis ao seu conteúdo, nos termos do art. 215.º do CIRE.

Por isso, importa apenas decidir sobre se deve ser homologado o plano de recuperação ou recusada a sua homologação, considerando os elementos dos autos e o disposto nos arts. 17.º-F, 215.º e 216.º do CIRE.

Ora, a este respeito, pensamos que estão verificadas várias circunstâncias que justificam a recusa de homologação do plano.

Em primeiro lugar, e salvo o devido respeito por outra opinião, entendemos que o plano foi apresentado fora do prazo legal para o efeito.

Como se disse em decisão anterior, a lista provisória de créditos, junta a fls. 224ss dos autos, foi publicada no portal Citius a 6/7/2012 (cfr. fls. 228), pelo que, nos termos do art. 17.º-D/3 e 5 do CIRE, mesmo com a prorrogação de um mês, o prazo para a conclusão das negociações terminou, sem a aprovação de qualquer plano, a 13/10/2012.

A nosso ver, as correcções posteriores à lista provisória de créditos, por iniciativa do Sr. administrador ou na sequência de despachos judiciais, e suas publicações, em nada alteram a contagem do prazo acima referida.

Com efeito, segundo dispõe o art. 17.º-D/3 do CIRE, a lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias úteis, sendo certo que, nos termos do nº5 do mesmo preceito legal, findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações, sem prejuízo da prorrogação por um mês.

Daqui resulta, segundo entendemos, que o prazo de negociações se inicia sem dependência de qualquer decisão sobre as impugnações, por um lado (como também se infere do disposto no art. 17.º-F/3 do CIRE), e que esse prazo, uma vez iniciado, não é interrompido ou suspenso por qualquer circunstância, nomeadamente a publicação de nova lista, por outro.

Entender de modo diverso equivaleria, segundo pensamos, a permitir o alargamento injustificado, quer do prazo das impugnações, quer do prazo para a conclusão das negociações, bastando para o efeito que o administrador judicial procedesse sucessivamente a alterações da lista provisória de créditos, fosse por reconhecer a existência de lapsos na mesma, fosse na sequência de impugnações de credores que chegassem ao seu conhecimento.

Nos mesmos termos, aliás, acontece com a impugnação da lista de credores reconhecidos, que de acordo com o disposto no art. 130.º/1 do CIRE, deve acontecer nos 10 dias seguintes ao termo do prazo previsto no nº1 do artigo anterior, e não à apresentação de uma lista corrigida de créditos reconhecidos.

Em segundo lugar, verifica-se que o plano de recuperação foi apresentado na sequência de reuniões realizadas desde o dia 26/10 (cfr. requerimento de fls. 665-6), ou seja, não só depois de terminado o prazo de conclusão das negociações, mas também efectuadas muito depois de ter sido proferido despacho de fls. 641ss, determinando a realização das diligências inerentes ao encerramento do processo.

Estas circunstâncias constituem, a nosso ver, e salvo o devido respeito por outra opinião, violação não negligenciável das regras processuais relativas à apresentação do plano de recuperação que, de harmonia com o art. 215.º do CIRE, justificam a recusa de homologação do plano.

Verifica-se, em terceiro lugar, que ao arrepio do disposto no art. 195.º/1 do CIRE, o plano não é claro relativamente ao crédito da Fazenda Nacional, mencionando-se a prestação de garantia idónea, que não se identifica, nem sobre que bem incidirá, e terminando-se com a referência que, na dúvida, prevalecem as exigências expressas pela Fazenda Nacional.

Assim, segundo entendemos, não se indicam claramente as alterações decorrentes do plano para a posição dos credores, situação que implica violação de normas aplicáveis ao seu conteúdo, justificativa da não homologação oficiosa.

Por último, pensamos que os factos invocados pela credora C... SA, e não impugnados, preenchem efectivamente a previsão do art. 216.º/1, al. a), do CIRE, no sentido da recusa da homologação do plano por solicitação de algum interessado.

Na verdade, uma vez que esse credor, no âmbito de processo executivo identificado nos autos, logrou a penhora de bens suficientes para a liquidação integral da dívida, na sequência de título constituído por sentença homologatória de acordo das partes, é manifesto que, com o perdão de 50% do capital proposto no plano de recuperação, a situação da credora é previsivelmente menos favorável do que existiria na ausência de qualquer plano.

Não se trata aqui, a nosso ver, de comparar a situação da credora no âmbito de um processo de insolvência, mas sim com a situação resultante simplesmente da inexistência de plano, donde resultam irrelevantes as referências à inexistência de garantias hipotecárias ou à desconsideração das penhoras.

Segundo pensamos, não é admissível que, no âmbito de um processo de revitalização, destinado precisamente à obtenção de um acordo com a maior abrangência possível de credores, os devedores descurem de forma flagrante a posição jurídica de um deles, para mais representativo de um crédito de valor significativo.

Pelo exposto, decide-se recusar a homologação do plano de recuperação.

Custas pelos devedores, fixando-se o valor da acção em € 30.000,00.

Notifique.

Cumpra-se o disposto no art. 17.º-G/1 do CIRE.

Publicite e registe, nos termos do art. 17.º-F/6 do CIRE.”.

           

            Notificados de tal decisão, inconformados com a mesma, interpuseram recurso, os requerentes, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo, (cf. despacho de fl.s 944), finalizando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:

(…..)

            Não foram apresentadas contra-alegações.

            Dispensados os vistos legais, há que decidir.  

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

            Recurso da decisão de fl.s 641 a 643:

            A. Se o plano de recuperação proposto pelos requerentes foi tempestivamente apresentado e;

B. Se a decisão recorrida viola o disposto nos artigos 3.º e 13.º da CRP.

            Recurso da decisão de fl.s 872 a 875:

            C. Se o plano de recuperação deve ser homologado.

            A matéria de facto a ter em conta para a apreciação e decisão destas questões é a que consta do relatório que antecede.

Recurso da decisão de fl.s 641 a 643:

A. Se o plano de recuperação proposto pelos requerentes foi tempestivamente apresentado.

Como resulta do que se deixou dito no relatório que antecede e das posições assumidas pelos intervenientes processuais, a questão em apreço reconduz-se em saber quando se deve considerar que se inicia o prazo para a conclusão das negociações que estão na génese do processo especial de revitalização.

Efectivamente, ao passo que na decisão ora em apreço se considerou que tal prazo se inicia com a publicação no Citius da lista provisória de créditos, os recorrentes sustentam que só depois de publicada a última lista de créditos, se, como in casu, existir mais do que uma, se poderá iniciar tal prazo.

Pensamos que não é despiciendo para a resolução desta questão que se faça uma breve análise do instituto do processo especial de revitalização e fins que lhe estão subjacentes.

Esta figura foi introduzida no nosso ordenamento jurídico pelo artigo 3.º da Lei 16/2012, de 20/4, nascida já em plena vigência do designado regime excepcional de ajuda financeira externa, com todas as condicionantes que de tal situação emergem.

Como resulta do artigo 17.º-A do CIRE, designadamente o seu n.º 1, o procedimento ora em apreço, tem em vista permitir ao devedor que se encontre numa situação de sérias dificuldades para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito (definição dada pelo seu artigo 17.º-B) ou em situação de insolvência iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.

Apenas se exigindo (artigo 17.º-C) para que se inicie tal procedimento de revitalização uma manifestação de vontade, nesse sentido, por parte dos devedores e de, pelo menos, um dos seus credores.

Após o que, cf. artigos 17.º-C, n.º 3 e 17.º D, n.os 1 e 2, incumbe ao devedor comunicar ao tribunal que pretende dar início ás aludidas negociações, devendo o Juiz competente nomear, de imediato, o administrador provisório.

Logo que notificado desta decisão, o devedor tem de comunicar, de imediato, a todos os seus credores que não hajam subscrito a declaração inicial, que deu início a negociações com vista á sua revitalização, convidando-os a nelas participarem e prestando as demais informações aí referidas.

Acrescentando-se no n.º 2 do artigo 17.º-D, que qualquer credor tem o prazo de 20 dias contados da publicação no Citius do despacho a que se refere o n.º 3 do artigo 17.º-C, para reclamar os seus créditos, devendo-as remeter ao administrador provisório, que, no prazo de 5 dias, elabora uma lista provisória de créditos.

Lista, esta, que, conforme n,º 3 do artigo 17.º-D, é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de 5 dias úteis e dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas.

Não sendo a mesma impugnada, a referida lista provisória converte-se de imediato em definitiva – cf. n.º 4 do artigo 17.º-D.

Referindo-se, por último, no seu n.º 5, que findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius.

Ora, das normas a que ora nos referimos resultam, desde logo, duas ideias base que enformam e conformam a figura em causa, e a primeira é a de que as negociações a estabelecer com os credores estão subjacentes a tal procedimento, logo desde o início, pelo que não faz sentido a alegação dos recorrentes que o prazo para as mesmas ainda não se iniciou.

Por outro lado, trata-se de procedimento sujeito a prazos muito curtos, atenta a sua natureza de processo com carácter urgente, como resulta do disposto no artigo 17.º-A, n.º 3, o que tem consequências directas no seu não cumprimento, designadamente, a nível da sua conclusão com ou sem aprovação do plano, como resulta dos artigos 17.º-F e 17.º-G, como adiante melhor referiremos.

Retornando à questão em apreço, há que ter em conta o disposto no n.º 5 do artigo 17.º-D, já acima transcrito.

Ora, de acordo com este preceito, conjugado com o seu n.º 3, importa concluir que a lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no Citius, podendo ser impugnada no prazo de 5 dias úteis e findo o prazo para as impugnações, conta-se o prazo de 2 meses mais um para a conclusão das negociações encetadas, como decorre do n.º 5 do preceito em análise.

Daqui decorre, pois, salvo o devido respeito, que se determina que a lista provisória seja imediatamente apresentada no tribunal e publicada no Citius, desde logo se iniciando o prazo as impugnações e findos os 5 dias úteis em que estas podem ser arguidas, se começa a contar o prazo para a conclusão das negociações.

O que nos leva ainda a concluir que relevante, para tais efeitos, é a apresentação da lista inicial provisória de créditos e ainda que outras venham a ser apresentadas, o prazo conta-se desde a publicação da primeira.

Como acima referimos, o procedimento especial de revitalização visa ser expedito, célere, com prazos muito curtos e tem carácter urgente e a assim não se considerar, estaria aberto o caminho para que inexistisse, de facto, prazo para a conclusão das negociações, bastando, para tal que o administrador fosse apresentando sucessivas listas de créditos ou alterando-as, para que o prazo curto previsto no artigo 17.º-D, n.º 5, fosse completamente postergado.

O prazo para a conclusão das negociações apenas depende da publicação da lista provisória (e não definitiva) de créditos no Citius, desde logo se iniciando o prazo para a respectiva impugnação e findo o prazo para estas serem deduzidas, logo se inicia o prazo para a conclusão das negociações.

Ou seja, este prazo não fica dependente nem da decisão das impugnações formuladas (a qual, como resulta de fl.s 642, não foi feita em virtude de se ter considerado que o processo devia ser encerrado) nem da conversão em definitiva da lista provisória de créditos.

O que mais se acentua no caso dos autos, uma vez que a segunda lista provisória foi apresentada pelo administrador apenas tendo em vista alterar/corrigir a natureza de alguns dos créditos apresentada na primeira e a terceira, a impulso do M.mo Juiz porque o administrador não havia relacionado a totalidade dos créditos que os próprios devedores haviam relacionado aquando da apresentação do requerimento inicial em tribunal, vindo a fazê-lo na sequência de notificação que para tal lhe foi feita e que, prontamente, aceitou.

Do que decorre não haver qualquer incerteza para os devedores nem para os credores acerca da existência e titularidade dos créditos objecto das sucessivas listas provisórias.

No caso dos autos, como acima já referido, a lista provisória de créditos acha-se junta a fl.s 224 e seg.s e foi publicada no Citius em 6 de Julho de 2012, pelo que o prazo para a mesma ser impugnada terminou em 13 de Julho de 2012.

Consequentemente, o prazo de dois meses para a conclusão das negociações ocorreu em 13 de Setembro de 2012.

Conforme fl.s 565 e 566, só depois de notificado do despacho de fl.s 562, proferido em 20 de Setembro de 2012, que ordenou a notificação do administrador para que este informasse o que houvesse por conveniente em face de já ter decorrido o prazo para a conclusão das negociações, é que o administrador veio requerer, em 21 de Setembro de 2012, a prorrogação por mais um mês.

Isto é, este pedido de prorrogação já foi feito depois de esgotado o prazo que legalmente lhes era concedido para tal, pelo que carece de relevância, uma vez que só se pode prorrogar um prazo que ainda não se tivesse esgotado, do que, decorre, ainda, ser irrelevante a sua não publicação no Citius, desde logo porque inexiste decisão a deferir tal prorrogação, a mesma se destina a publicitar tal prorrogação junto dos credores e não dos devedores e ainda que se tratasse de nulidade, a mesma há muito se encontraria sanada, em face das sucessivas intervenções nos autos por parte dos ora recorrentes, sem que a mesma fosse arguida tempestivamente e sem que se alegue só agora dela ter sido tomado conhecimento, tudo como decorre do disposto nos artigos 201.º, n.º 1, 203.º e 205.º, n.º 1, todos do CPC.

Não obstante, a decisão ora em apreço apenas foi proferida em 16 de Outubro de 2012, isto é, para além do terminus do prazo para a conclusão das negociações, mesmo considerando a pretendida prorrogação do prazo de um mês, o qual, mesmo assim, terminou em 13 de Outubro de 2012.

E nesta data (16 de Outubro de 2012) não foi alcançado qualquer acordo (ao invés, como consta de fl.s 581 e seg.s, os credores vieram opor-se à proposta apresentada), vindo apenas em 31 de Outubro de 2012, a ser apresentado nova proposta de acordo, com a anuência da maioria dos credores, ou seja, para além da data em que foi proferido o despacho ora em apreço, que determinou o encerramento do processo, nova proposta, esta, que foi apresentada na sequência de uma reunião havida em 26 de Outubro de 2012 (cf. referido a fl.s 668).

Assim, urge concluir que em 13 de Outubro de 2012 (mesmo considerando a prorrogação de um mês) nenhum acordo foi alcançado e junto aos autos, mostrando-se, pois, ultrapassado, na data por último ora referida, o prazo referido no artigo 17.º-D, n.º 5 do CIRE.

Ora, nos termos do disposto no artigo 17.º-G, n.º 1 do CIRE, dado ter sido ultrapassado o prazo previsto naquele artigo 17.º-D, n.º 5, sem que as negociações tivessem sido concluídas, impunha-se, tal como decidido em 1.ª instância, o encerramento do processo negocial de revitalização até então em curso.

Efectivamente, no n.º 1 do artigo 17.º-G, dispõe-se, claramente, que, caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º-D, o processo negocial é encerrado.

Consequentemente, tudo o que foi acordado depois de expirado este prazo carece de relevância, uma vez que o legislador imprimiu a este procedimento especial de revitalização um carácter de bastante celeridade, impondo que as negociações sejam concluídas no prazo máximo de três meses, contados nos moldes acima já explicitados, para o que as partes intervenientes se devem rodear de todas as cautelas a fim de o mesmo (prazo) não ser ultrapassado, sob pena de o processo negocial ser, sem mais, encerrado, com as consequências que daí advêm.

Pelo que, é de manter a decisão recorrida, improcedendo o recurso ora em apreço, quanto a esta questão.

B. Se a decisão recorrida viola o disposto nos artigos 3.º e 13.º da CRP.

Para tal aduzem os recorrentes que a não revogação da decisão recorrida os impediria de concretizar, aprovar e homologar o acordo que estabeleceram com dois terços dos seus credores, antes de esgotado o prazo dessas negociações, com manifesta violação da lei e dos preceitos constitucionais em epígrafe.

Como decidido na anterior questão do presente recurso, a decisão recorrida foi proferida já depois de esgotado o prazo legal para serem encerradas as negociações.

No artigo 3.º da CRP consagra-se o princípio da soberania e da legalidade, bem como o de que a validade das leis depende da sua conformidade com a Constituição.

Não vemos, nem os recorrentes o esclarecem, em que é que a decisão recorrida viola este preceito.

A Constituição da República apenas estabelece os princípios e regras fundamentais do ordenamento jurídico-social, cabendo ao legislador ordinário a feitura das leis que, especifica e concretamente, regulam as mais diversas vertentes da vida em sociedade.

Na referida Lei 16/2012, entendeu-se regulamentar o procedimento especial de revitalização nos moldes que aí constam, designadamente, em obediência aos prazos ali estabelecidos e em termos de que não vislumbramos qualquer desconformidade com a Constituição da República.

No artigo 13.º desta consagra-se o princípio da igualdade de todas as pessoas perante a lei.

A lei aplicável (e aplicada) no caso sub judice é a mesma para todos, pelo que não vemos onde resida a violação de tal princípio, para além de que os recorrentes (como todos os demais intervenientes) tiveram acesso a um processo judicial justo e equitativo, em pé de igualdade uns com os outros, em obediência às regras processuais e substantivas aplicáveis.

Do que decorre não sofrer a decisão recorrida das invocadas inconstitucionalidades.

Consequentemente, também, quanto a esta questão, improcede o presente recurso.

A improcedência do presente recurso, com a consequente manutenção da decisão recorrida, a qual pôs termo ao procedimento de revitalização, torna inútil a apreciação do recurso da decisão de não homologação do plano, uma vez que este perde qualquer interesse em face do encerramento do processo de revitalização.

Encerrado este, já não poderia ser, posteriormente, apresentado e apreciado qualquer plano de recuperação.

Assim, dada a sua inutilidade, não se conhece do recurso interposto da decisão de fl.s 872 a 875.

            Nestes termos se decide:       

            Julgar improcedente o recurso de apelação interposto da decisão de fl.s 641 a 643, a qual se mantém e;

            Por prejudicado, não se conhece do recurso interposto da decisão de fl.s 872 a 875.

Custas pelos recorrentes.

           

Arlindo Oliveira (Relator)

Emídio Francisco Santos

Catarina Gonçalves