Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
220/12.5TBSEI-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: EXCEÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO CONTRATUAL
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 12/03/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA –JUÍZO COMP. GENÉRICA DE SEIA – JUIZ 1
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 401º, Nº 3, E 428º, AMBOS DO C.CIVIL.
Sumário: I- Suscitada a excepção de não cumprimento do contrato deixa de poder considerar-se como decisão surpresa que o tribunal, na apreciação dos pressupostos de que depende a verificação dessa excepção venha a julgá-la improcedente por não ter havido, por parte do arguente da aludida excepção, interpelação admonitória necessária a que a obrigação do invocado seja exigível.

II- Não podendo a excepção do não cumprimento do contrato ser oposta pelo contraente que devia cumprir primeiro, aquele que tinha por obrigação pagar em prazo certo e determinado a prestação, não pode invocar esta excepção contra aquele outro que tinha por obrigação, sem prazo algum fixado, “proceder, (…) à competente rectificação, quer no que à área e confrontação diz respeito, quer junto da competente repartição de Finanças, quer ainda da respectiva Conservatória do Registo Predial 8…)”

III- Determinando-se a possibilidade da prestação nos termos do art. 401º, nº3 do CCivil mesmo a ter-se como certificado que à data da celebração da transacção, a aquisição de ¼ e ½ dos prédios identificados, respectivamente, se encontrava registada a favor de outra comproprietária tal constituiria somente uma impossibilidade subjectiva que não invalidaria o acordo de transacção atenta a possibilidade de os obrigados virem a obter, no prazo que dispõem até ao cumprimento, conforme a natureza da sua obrigação antes enunciada, as condições para poderem cumprir com aquilo a que se vincularam.

Decisão Texto Integral:











                Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

Relatório

No Tribunal Judicial da Comarca da Guarda - Juízo de Competência Genérica de Seia - Juiz 1 – a Associação A..., executada no processo principal, veio opor-se à execução mediante embargos de executado, invocando a excepção de não cumprimento pelo facto de a transacção homologada por sentença emergirem obrigações para ambas as partes, exequentes e executada, sendo legítimo a esta recusar a sua prestação, mais concretamente a segunda parte da prestação (por a primeira já ter sido cumprida), enquanto os exequentes não cumprirem a sua, a saber, a rectificação, no que à área e confrontação diz respeito, quer junto da competente repartição de Finanças, quer da respectiva Conservatória do Registo Predial, por referência aos prédios referidos na cláusula 1 da aludida transacção.

Na contestação os exequentes alegam que o legal representante da executada não compareceu na reunião agendada com vista à regularização do cadastro predial nos serviços competentes, o que abalou a confiança depositada na transacção alcançada; que a obrigação que sobre si recaí, decorrente da referida transacção, não tem qualquer prazo, o que os legitima apenas a cumprir a sua obrigação após o cumprimento integral da obrigação da executada. Sustentaram ainda que a executada actua em abuso de direito, na modalidade do venire contra factum proprium. Por fim, alegam que o exequente J... dirigiu-se ao Serviço de Finanças, bem como à Conservatória do Registo Predial de ... para regularizar a situação, o que lhe foi negado por o documento justificativo para o acto estar bastante confuso, situação que lhes é alheia. Por fim, salientaram que o irmão do referido exequente, M..., é comproprietário de dois dos prédios.

Realizada a instrução dos autos a embargante apresentou articulado superveniente, que foi admitido, no qual invocou que já após a apresentação dos embargos recepcionou duas cartas de dois comproprietários de um dos prédios cuja área os exequentes se comprometeram a rectificar, nas quais os mesmos referem não autorizarem tal rectificação, o que impossibilita os embargados de cumprirem a sua obrigação.

Os exequentes/embargados apresentaram resposta alegando que sempre se apresentaram como comproprietários dos referidos terrenos, o que era do conhecimento da embargada no momento da aceitação da transacção.

Realizado o julgamento foi proferida sentença que julgou os embargos improcedentes e determinou o prosseguimento da execução.

Inconformada com esta decisão dela interpôs recurso a embargante concluindo que:

“ 1) O Tribunal a quo não aplicou a excepção de não cumprimento por entender que a obrigação dos Recorridos não se encontra vencida e assim não ser exigível, pelo facto de a Recorrente não ter alegado nem demonstrado que procedeu à interpelação dos Recorridos para cumprirem a sua obrigação.

2) Tal argumento que não foi alvo de discussão e o Tribunal a quo não deu oportunidade à Recorrente de se pronunciar, o que constituiu uma decisão surpresa.

3) Ao decidir assim, o Tribunal a quo violou o princípio do contraditório, consagrado no artigo 3.º, n.º 3.º do CPC.

4) Acresce que foram os Recorridos que declararam antecipadamente não reunirem as condições para cumprirem a obrigação, quer por razões de ordem objectiva quer por razões de ordem subjectiva.

5) Os Recorridos reconhecerem que não cumpriram a sua obrigação devido ao facto de “o documento justificativo para aquele ato de correcção das confrontações e áreas, neste caso a sentença, está bastante confuso e que dessa forma não se pode dar início ao procedimento de reclamação cadastral de modo a corrigir a matriz predial” (cf. art. 29 da Contestação).

6) Daqui sempre resultaria que a contraprestação não é devida.

7) Ao decidir diferentemente, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 401.º, n.º 1 do CC.

8) Tanto é impossível a obrigação que a primeira sessão da Audiência Prévia foi suspensa por 45 dias para permitir aos Recorridos procederem à rectificação quer no que à área e confrontação diz respeito, quer junto da competente repartição de Finanças, quer ainda da respectiva Conservatória do Registo Predial.

9) Frise-se que esta Audiência teve lugar cerca de 3 anos após a celebração da transacção que criou na esfera jurídica dos Recorridos a obrigação a ser cumprida.

10) Por outro lado, os Recorridos reconheceram que não têm legitimidade para cumprir a sua obrigação e que o cumprimento da sua obrigação está dependente de terceiros (três comproprietários).

11) E dois dos comproprietários remeteram cartas a declarar que não autorizam qualquer alteração da área ou das confrontações do imóvel em causa – Cf. Factos Provados n.º 8 e 9.

12) Tendo-se tornado do conhecimento de todos os intervenientes – Partes e Tribunal – que dois dos comproprietários de quem depende o cumprimento da obrigação dos Recorridos opõem-se expressamente à realização dos actos necessários, impossibilitando o cumprimento da obrigação!

13) Pelo que é claro que os Recorridos não reúnem as condições para cumprirem a sua obrigação.

14) Ainda que assim não se entenda sempre seria aplicável a excepção de não cumprimento invocada pela Recorrente.

15) E assim e porque desde logo os próprios Recorridos reconheceram que estão em incumprimento.

16) Ao decidir diferentemente, o Tribunal a quo está a violar o artigo 428.º do CPC.

Nestes termos, deve o presente recurso ser procedente, revogando-se a sentença e, consequentemente, ser julgada procedente a acção.”

Nas contra alegações os embargados defenderam a confirmação da decisão recorrida.

Cumpre decidir.

Fundamentação

O tribunal em primeira instância julgou provada a seguinte matéria de facto:

“ 1 – Nos autos de execução para pagamento de quantia certa de que estes constituem apenso foi apresentado como título executivo sentença homologatória de transacção, proferida no dia 4 de Fevereiro de 2016, transitada em julgado, no âmbito da acção principal de processo ordinário n.º ..., que J... e F... moveram contra «E..., S.A» e em que foi admitida a intervenção principal provocada da Associação A...

2 – A transação referida em 1) tem o seguinte teor:

 “1- Os autores reconhecem que os seus prédios melhor identificados na matéria de facto assente sob as alíneas A), C) e E) têm na extremidade nascente como limite a Estrada Nacional nº 230, sendo que o prédio da interveniente Associação dos A... melhor descrito na matéria de facto assente sob a alínea J), correspondente ao artigo matricial ..., que confronta do poente também ele com a mesma Estrada Nacional 230 e prolonga-se até à linha de cumeada, aí confrontando com o limite da freguesia de ...;

2- Mais acordam que as parcelas de terreno C), A) e E) da Estrada Nacional 230 para cima e até à linha de cumeada fazem parte integrante do prédio melhor descrito na al. J) da matéria de facto assente;

3- A interveniente Associação dos A..., a título de compensação e de molde a pôr termo ao presente litígio, aceita entregar aos autores a quantia global de 90.000,00 €, a qual será paga da seguinte forma:

a) 45.000,00 € até ao final do mês de Fevereiro do ano em curso;

b) O remanescente será pago até ao final do mês de Maio do ano em curso.

4- As quantias a que acima se fez referência serão pagas pela interveniente Associação dos A... aos autores, através de transferência bancária para o IBAN disponibilizado pelos autores para o efeito: ...

5- Autores e réus declaram que o acordo a que ora chegaram tem como referência o levantamento topográfico efectuado pelo Sr. Perito L..., página 13 do relatório e fls. 453 dos autos, tendo autores e réus se socorrido do referido levantamento constante na supra referida página 13;

6- Os autores obrigam-se a proceder, por força do presente acordo, à competente rectificação, quer no que à área e confrontação diz respeito, quer junto da competente repartição de Finanças, quer ainda da respectiva Conservatória do Registo Predial, por referência aos prédios referidos na cláusula 1 – A), C) e E) da matéria de facto assente;

7- As partes desde já declaram que renunciam à interposição do competente recurso da presente decisão, de molde a que esta possa operar o seu imediato trânsito;

8- Custas que se mostrarem em dívida a Juízo ficam a cargo dos autores e réus na proporção de metade, sendo certo que todos eles reciprocamente prescindem de custas de parte”.

3 – A executada procedeu ao pagamento da primeira prestação de 45.000,00€ referida em 2).

4 – Os exequentes ainda não procederam à rectificação de área e confrontação referida em 2).

5 – O prédio rústico identificado na alínea A) da matéria de facto assente referida em 2) encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de ... com o nº ..., e inscrito na matriz predial rústica com o número ..., ali sendo descrito com 2,600ha, ali constando as seguintes confrontações: ...

6 - O prédio rústico identificado na alínea C) da matéria de facto assente referida em 2) encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de ... com o nº ... e inscrito na matriz predial rústica com o número ..., ali sendo descrito com 13,485ha, ali constando as seguintes confrontações: ...

7 - O prédio rústico identificado na alínea E) da matéria de facto assente referida em 2) encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de ... com o nº ... e inscrito na matriz predial rústica com o número ..., ali sendo descrito com 3,1238ha, ali constando as seguintes confrontações: ...

8 – A executada recepionou uma carta datada de 25 de Janeiro de 2019, subscrita por M..., com o seguinte teor: “Exmo. Senhores, Tomei agora conhecimento do acordo feito entre os Srs. J... e F... e a AA..., que muito me surpreende. Como sabem, sou comproprietária do prédio rústico sito em ... Como também sabem não autorizei, nem autorizo qualquer alteração da área ou das confrontações do alusivo imóvel. Muito menos quando não recebi qualquer contrapartida. Agradeço que, no prazo 8 (oito) dias a contar da receção desta carta confirmem por escrito que nada irem fazer que ponha em causa o meu direito de propriedade. Com os meus cumprimentos M...”.

9 – A executada recepcionou uma carta datada de 31 de Janeiro de 2019, subscrita por J..., com o seguinte teor: “Meus Senhores, Recebi uma carta da Senhora D. M..., com a qual concordo. Tenho a mesma posição e faço o mesmo pedido. Com os melhores cumprimentos J...”.

… …

Além de delimitado pelo objecto da acção, pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (arts. 635 nº3 e 4 e 637 nº2 do CPC).

Na observação destas prescrições normativas concluímos que o objecto do recurso incide sobre saber se existe excepção de não cumprimento que admita a embargante a não cumprir a prestação a que se obrigou por transacção homologada por sentença.

Apreciando, como primeira questão a decidir impõe-se a suscitada no recurso e que remete para a verificação de ter havido por parte do tribunal a quo violação do disposto no art. 3 nº3 do CPCivil por não haver sido dada a possibilidade de os recorrentes terem exercido o contraditório.

Refere o normativo citado que “ o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo , o principio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que aa partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”. E, sustenta a embargante, o tribunal a quo ao não aplicar a excepção de não cumprimento por entender que a obrigação dos Recorridos não se encontra vencida e não ser exigível em virtude de a Recorrente não ter alegado nem demonstrado que procedeu à interpelação dos Recorridos para cumprirem a sua obrigação, deveria ter-lhe dado oportunidade de se pronunciar, o que, não tendo feito, a decisão sobre essa matéria constitui decisão surpresa.

Apreciando esta questão verificamos que ela improcede uma vez que da análise dos articulados, nomeadamente o inicial, apresentado pela recorrente, concluímos que foi ela quem suscitou a excepção de não cumprimento do contrato e que, com isso abriu aos embargados a possibilidade de, na resposta e em defesa a essa excepção, virem protestar que “20.º Repita-se que, como é bem patente na Transação dada à execução, a Oposta tinha prazos para cumprir a sua obrigação, tendo apenas cumprido o primeiro, incumprindo o segundo o que motiva a Execução agora posta em causa,

21.º todavia, na já referida transação não se impõe qualquer prazo para o cumprimento da obrigação dos Opostos o que os legitima a apenas cumprir a sua obrigação após o cumprimento integral das obrigações da Opoente.”

Decorre desta circunstância que a recorrente desde que invocou a excepção de não cumprimento do contrato deixou de poder considerar como surpresa que o tribunal, na apreciação dos pressupostos de que depende a verificação dessa excepção viesse a julgá-la improcedente por não ter havido interpelação admonitória necessária a que a obrigação dos exequentes fosse exigível. E não existiria decisão surpresa mesmo que os embargados nada tivessem alegado quanto à necessidade dessa interpelação porque o seu conhecimento decorreria do próprio e necessário conhecimento dos requisitos da excepção de não cumprimento do contrato que sempre o tribunal deveria realizar. Isto é, tendo sido invocada a excepção de não cumprimento o tribunal estaria sempre obrigado a indagar se os pressupostos dessa excepção estariam verificados e, por isso, sempre teria de apurar da exigibilidade e da relação temporal, prioritária ou não, entre as prestações de embargante e embargados. Porém, no caso, foram os próprios embargados que alegaram a matéria concreta de os diferentes prazos das recíprocas prestações fazerem improceder a excepção e, acrescida desta razão, é forçoso concluir que o ter o tribunal julgado improcedentes os embargos com base na não verificação da excepção de não cumprimento não constitui qualquer decisão surpresa (a questão foi introduzida pela própria embargante) nem houve violação do princípio do contraditório porquanto, depois de ter invocada a excepção na qual deveriam estar enunciados os seus requisitos de direito traduzidos em factos, nenhuma outra pronúncia tinha sentido ao embargante realizar sobre essa matéria.

Nestes termos improcede, nesta parte, a alegação da recorrente quanto a haver ocorrido violação do princípio do contraditório.

Quanto ao objecto do recurso e procedência dos embargos, temos sublinhar que, efectivamente, o que cumpre apreciar e decidir nesta Apelação é se existe fundamento de facto e de direito para que a embargante se possa eximir ao pagamento aos embargados da quantia de 45.000,00 € em que, como segunda prestação, se obrigou na transacção que constitui o título executivo. E este sublinhado resulta de, segundo nos parece, existir nos autos um equívoco que importa desfazer e que reporta à circunstância de ter sido introduzida uma discussão, que encontra rebate na própria sentença, sobre a eventual existência de outros comproprietários dos prédios referidos na transacção, de forma a retirar dessa existência outra causa de procedência dos embargos já não directamente pela excepção de não cumprimento mas sim pela impossibilidade dos embargantes realizarem a prestação de rectificação das áreas dos prédios a que se haviam obrigado na aludida transacção.

Apreciando em concreto, os autos revelam que no âmbito do processo comum que J... e F... (ora exequentes) moveram contra «E..., S.A» e em que foi admitida a intervenção principal provocada da Associação A... (ora executada) foi estabelecida uma transacção nos termos da qual os autores reconheceram determinadas confrontações com um prédio da Associação dos A... reconhecendo igualmente que as parcelas identificadas dos terrenos que diziam pertencer-lhes faziam parte integrante desse outro prédio dos Amigos da A...

Em resultado desse reconhecimento estabeleceu-se que a Associação dos A..., a título de compensação pagaria de 90.000,00€, dos quais 45.000,00€ até ao final do mês de Fevereiro do ano em curso e o remanescente até ao final do mês de Maio do ano em curso.

 Por sua vez, os autores obrigaram-se a proceder, à rectificação, quer no que à área e confrontação diz respeito, quer junto da competente repartição de Finanças, quer ainda da respectiva Conservatória do Registo Predial.

Sendo este o acordo firmado, a presente execução resultou de a Associação A... haver apenas pago a primeira prestação de 45.000,00€, tendo os autores, como exequentes, accionado essa associação para obterem os restantes 45.000,00€. É nesta sequência que é proposta a presente oposição à execução pretendendo a executada no seu requerimento inicial, que se declare que “não há fundamento para a pretensão dos Executados, nem mesmo base para a presente acção.”. E esta pretensão é baseada, exclusivamente, na excepção de cumprimento porque, em seu entender, o não terem os exequentes procedido à alteração das áreas na Finanças e Conservatória, sendo uma obrigação sua, justifica e autoriza que a segunda prestação não seja realizada enquanto tal não aconteça.

Na compreensão dos termos da oposição, a verdade é que, tendo a embargante requerido a junção de dois documentos, posteriormente, sob a forma de articulado superveniente, veio legar que, afinal, os exequentes nunca poderão cumprir a obrigação de rectificação das áreas junto das Finanças e da Conservatória porque, não sendo os únicos proprietários dos prédios, nunca poderão proceder sozinhos a essa alteração.

Analisando este segmento alegatório, diga-se que, embora o articulado superveniente tenha sido admitido, certo é que nele não se requereu a alteração do pedido nem da causa de pedir dizendo expressamente que incorporava factos/prova documental tendente a incluir a alegação dos arts. 17 e 18 da petição de oposição.

Ora, se atendermos a esses artigos 17 e 18 observamos que aí o que se articula é que “ (…) os Exequentes não cumpriram a sua obrigação na medida em que não corrigiram a área e a confrontação dos referidos prédios – cf. Docs. 1, 2, 3, 4, 5” e “ Pelo que, enquanto os Exequentes não cumprirem a sua obrigação, à Executada é concedida a faculdade de recusar a sua prestação, mais concretamente, a segunda parte da sua prestação”.

Assim, é de todo pacífico que em parte alguma do seu requerimento inicial ou do articulado superveniente a embargante alegou que os prédios referidos na transacção tinham outros comproprietários e, desde logo, esta circunstância, impediria que se pudesse tomar em consideração uma matéria que, não só não foi alegada, como nem sequer foi julgada provada, ou seja, não julgou o tribunal a quo sob a forma de factos provados que os prédios identificados ou algum deles tivesse outros (com)proprietários ou quais fossem eles.

Com evidência, no final do articulado superveniente, sem nunca aí afirmarem como facto que os exequentes não eram os únicos proprietários dos prédios relativamente aos quais se obrigaram, o opoente acaba por afirmar que “E, por tal razão, os Embargados estão impossibilitados de cumprir a sua obrigação.

Termos em que deve ser admitido o presente articulado superveniente, com todas as consequências legais.

Termos em que a execução deve ser extinta por impossibilidade de cumprimento, por parte dos Embargados, com todas as consequências legais.”

Analisando com atenção esse final de articulado, aí se afirma que eles, executados opoentes, estão justificados a não realizar o pagamento em falta em virtude de os exequentes não terem cumprido a sua contra prestação (como afirmavam no requerimento inicial de oposição no sentido de invocarem a excepção de não cumprimento) mas, acrescentam agora, também, porque esses mesmos exequentes nunca poderão cumprir a sua obrigação, por não serem os proprietários exclusivos desses prédios e só todos esses comproprietários poderem realizar a prestação. Não tendo alegado que os exequentes não são os únicos proprietários, mas querendo extrair desse facto a conclusão de impedimento de eles cumprirem, de uma maneira avulsa, o que os opoentes pretendem é que o tribunal tome em consideração e releve, com base em documentos sem qualquer força probatória plena (as cartas que juntaram) no sentido da propriedade dos imóveis, factos que em momento algum alegaram e se provaram.

Uma vez mais sublinhamos, sem terem alegado que os exequentes não são proprietários exclusivos dos prédios sobre os quais se obrigaram, sem alegarem e provarem uma causa absoluta de impossibilidade[1] e sem arguirem qualquer nulidade da transacção por esse motivo, a opoente, pretende que o tribunal julgue, já não a excepção de incumprimento que os autoriza a não realizar a prestação, mas antes que, por os exequentes se encontrarem “impossibilitados” de proceder à rectificação, a execução deveria esta ser julgada extinta. Esta deslocação e extensão do conhecimento da excepção de incumprimento, para outra causa de impossibilidade absoluta de cumprimento, esbarraria, desde logo, com o obstáculo denunciado de não terem sido alegados factos de onde pudesse extrair-se a compropriedade nem pedido onde pudesse fundar-se a impossibilidade absoluta dos embargados/nulidade da transacção que eximiria definitivamente o opoente de cumprir a sua prestação mas, esbarraria também, sempre, nos argumentos que na sentença (que aceitou sem considerar provada a existência de compropriedade) se deixaram expressos.

Poder-se-ia argumentar, embora a recorrente não o faça, que, na resposta ao articulado superveniente, os exequentes confirmaram que existiam mais comproprietários dos prédios e que, assim, essa aceitação supriria a falta de alegação no sentido de que, se os exequentes confirmam factos que os opoentes não chegaram a alegar é como se tivessem sido alegados. Só que, dispensado considerações que a jurisprudência já tem firmadas[2], diremos que a alegação de não serem os exequentes os únicos proprietários é matéria que não pode ser considerada facto instrumental [de livre fixação pelo juiz - art. 5 nº2 al.a) do CPCivil] nem sequer facto complementar [com possibilidade de atendimento desde que cumprido o art. 5 nº 2 al.b) do CPCivil] e, deste modo nunca poderia ser considerada na fixação dos factos provados, como o não foi, nem considerada na sentença. Aliás dizer-se que a executada recepcionou duas cartas de pessoas que se diziam comproprietárias não é, obviamente, suficiente para se tomar como assente que essas pessoas, cujas cartas a executada recepcionou, eram comproprietários dos prédios referidos na transacção.

Por outro lado, e de maneira mais relevante, a circunstância de nos pontos 5 e 6 dos factos provados se dizer a partir do teor de certidões da Conservatória, que o prédio rústico identificado na alínea A) da matéria de facto assente referida em 2), e o prédio rústico identificado na alínea C) da matéria de facto assente referida em 2), se encontram descritos na Conservatória do Registo Predial de ... e que dessa descrição consta a sua aquisição a favor de G..., na proporção de ¼, de F..., na proporção de ¼, e de M..., na proporção de ¼, quanto ao primeiro deles e a inscrição da aquisição, quanto ao segundo, a favor de G..., na proporção de ½, e de F..., na proporção de ½, nem essa circunstância, dizíamos, permite, em nosso entender, que pudesse ter-se por provado serem esses outros aí mencionados, que não só os executados, também comproprietários, porque, independentemente do sentido que pudesse extrair-se da força probatória desses documentos, sempre se teria de considerar que quem devia, não alegou esses factos de compropriedade.

Ainda que o CPC tenha reforçado o sentido do apuramento da verdade material e tenha envolvido o julgador na utilidade e dinâmica do processo com um dever de gestão processual (art. 6º do CPCivil), obviamente, o citado art. 5º estabelece os limites além dos quais o juiz não pode ir sob pena se se estar a imiscuir num domínio da exclusiva disponibilidade das partes e que é o de serem elas a ter de alegar os factos essenciais da causa de pedir e delimitar o significado útil do pedido.

Enfim, realizada esta explicação, necessária, sobre os termos exactos do objecto da acção e do recurso, concluindo que este é o de saber se existe excepção de não cumprimento que, com base num incumprimento por parte dos exequentes permitiria aos executados não cumprir a sua prestação em falta, diremos que a sentença recorrida não merece censura.

Efectivamente, como aí se deixou expresso, o artigo 1248.º do Código Civil configura a transacção como um contrato por via do qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões o que pode envolver, como ocorre no caso presente, a constituição de obrigações para uma ou ambas as partes. E, assim, a transacção é fonte das obrigações que, através dela, as partes hajam constituído e que a sentença que a homologou reconheça[3].

Na sua estrutura obrigacional a transacção homologada por sentença na acção principal revela que a ora executada/embargante assumiu a obrigação de entregar aos aí autores, aqui exequentes, a quantia de 90.000,00€, em duas prestações de 45.000,00€, a realizar, a primeira, até ao final do mês de Fevereiro de 2016 e, a segunda, até ao final do mês de Maio do ano de 2016.

A executada/embargante, reconhecendo o incumprimento da sua parte da segunda prestação a que estava obrigada invocou a excepção de não cumprimento, sustentando que também os exequentes estavam obrigados a uma prestação que, por não terem cumprido, autoriza os executados a que não cumpram a sua.

A excepção de não cumprimento do contrato, prevista no art. 428.º do Código Civil, traduz-se na recusa de execução da prestação por um dos contraentes, em contrato bilateral, quando o outro a reclama, sem, por sua vez, ter ele próprio realizado a respectiva contraprestação.

No âmbito desta excepção quem a invoca (o excipiens) não nega nem limita o direito do autor ao cumprimento e menos ainda coloca em crise a integridade do contrato, apenas recusa a sua prestação enquanto não for realizada ou oferecida simultaneamente a contraprestação, prevalecendo-se do princípio da simultaneidade do cumprimento das obrigações recíprocas que servem de causa uma à outra. E o seu regime está identificado, tratando-se de excepção de direito material e peremptória, de natureza disponível, impondo que os factos integradores sejam alegados alegada na contestação, sob pena de preclusão – artigos 571.º, 573.º e 579.º, todos do Código de Processo Civil[4].

Adverte-se no entanto que, a invocação da excepção do não cumprimento do contrato pode ser oposta ainda que haja vencimentos diferentes, apenas não podendo ser oposta pelo contraente que devia cumprir primeiro[5], o que determina, no caso em decisão, a análise da transacção revele que para lá da ora executada se ter obrigado ao pagamento de determinada importância, também os ora exequentes assumiram a obrigação de “proceder, por força do presente acordo, à competente rectificação, quer no que à área e confrontação diz respeito, quer junto da competente repartição de Finanças, quer ainda da respectiva Conservatória do Registo Predial, por referência aos prédios referidos na cláusula 1 – A), C) e E) da matéria de facto assente”. Porém, não foi estipulado na transacção um prazo para o cumprimento desta obrigação dos exequentes ao contrário das obrigações da executada que tinham prazo certo.

Nesta conformidade de contexto, enquanto as obrigações da executada referentes ao pagamento se venciam na data estabelecida, sem necessidade de interpelação do credor e passando a partir dessa data a existir mora, a obrigação dos exequentes, por não lhe ter sido fixada qualquer data/prazo de cumprimento, apenas pode ser accionada nos termos do art. 805 nº1 do CCivil que determina que “o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.”.

No âmbito deste tipo de obrigações sem prazo de cumprimento, deve atender-se a que, como a sentença recorrida faz nota, a falta de estipulação dum prazo pode não significar a possibilidade para o credor de exigir, a todo o tempo, o cumprimento da obrigação prevendo o art. 777.º, n.º 2 do CCivil a necessidade de estabelecer um prazo em atenção à natureza da prestação, às circunstâncias que a determinaram ou aos usos[6]. Nestas, atendendo às razões de natureza, uso e circunstância que lhe presidem, impede-se a fixação unilateral de prazo pelo credor, pelo que, na falta de acordo, será necessário o recurso à intervenção do Tribunal, através de um processo especial de fixação de prazo, previsto nos artigos 1026.º e 1027.º do Código de Processo Civil.

Em nosso entender a obrigação assumida pelos exequentes não implica a fixação de qualquer prazo pelo tribunal ou por acordo das partes e depende da simples interpelação do credor. E, ainda que entendesse de modo diverso, como se refere na sentença com acerto, a excepção de não cumprimento invocada pela executada/embargante teria sempre de improceder por não ter sido alegado nem ter ficado provada[7] a existência de interpelação dos exequentes, por parte da executada, para cumprimento da sua obrigação, quer quanto à determinação do prazo por acordo das partes ou à sua fixação pelo Tribunal.

Em resumo, como conclui a sentença recorrida, a obrigação dos exequentes não se encontra vencida e, por conseguinte, não é exigível, não podendo a executada/embargante opor a excepção de não cumprimento.

Sendo este o teor da decisão em primeira instância, que se confirma, não obstante havermos dito que era este, e só este, o objecto da oposição e do recurso, a verdade é que a sentença apelada pronunciou-se ainda sobre aquilo que define como o objecto do articulado superveniente, ou seja, a impossibilidade da prestação dos exequentes, pelo facto de estes não serem os únicos proprietários de um dos prédios sobre o qual incide a sua obrigação.

Em verdade, mesmo que fosse de relevar esta matéria como objecto de decisão a proferir valeriam aqui as considerações normativas expendidas na sentença no sentido de que, “a possibilidade da prestação determina-se no momento em que a obrigação é constituída, de harmonia com critérios práticos de normalidade ou de razoabilidade, que relevem para a apreciação jurídica dos factos, pouco importando, porém, que a impossibilidade seja conhecida dos interessados após a constituição da obrigação.”[8]

Com rebate no caso em decisão, mesmo a ter-se como certificado que à data da celebração da transacção, a aquisição de ¼ e ½ dos prédios identificados, respectivamente, nos pontos 5) e 6) da matéria de facto provada, já se encontrava registada a favor de outra comproprietária (como o considerou a sentença recorrida), tal remeteria para a problemática da impossibilidade originária da prestação que, o art. 401 do CCivil disciplina como “ 1. A impossibilidade originária da prestação produz a nulidade do negócio jurídico.

2. O negócio é, porém, válido, se a obrigação for assumida para o caso de a prestação se tornar possível, ou se, estando o negócio dependente de condição suspensiva ou de termo inicial, a prestação se tornar possível até à verificação da condição ou até ao vencimento do termo.

3. Só se considera impossível a prestação que o seja relativamente ao objecto, e não apenas à pessoa do devedor”.

Na decorrência deste normativo, a impossibilidade física é apurada em termos objectivos e, resultando da coisa em si mesma, não tem a ver com a pessoa do obrigado, nem com maior dificuldade ou mais onerosidade no cumprimento tornando irrelevante qualquer impossibilidade originária subjectiva da prestação e, por consequência, não afecta a validade do negócio jurídico. Só a objectiva releva e produz a nulidade do negócio jurídico e, mesmo assim, com as excepções do nº 2 do artigo 401º CC.

Sendo assim, a obrigação de rectificação de áreas e confrontações, mesmo a não poder ser realizada somente pelos exequentes, por não serem os únicos proprietários de dois dos prédios em questão, constituiria somente uma impossibilidade subjectiva que não invalidaria o acordo de transacção. E isto porque, no domínio das possibilidades atendíveis, os exequentes poderiam/poderão vir a obter, no prazo que dispõem até ao cumprimento, conforme a natureza da sua obrigação antes enunciada, as condições para poderem cumprir com aquilo a que se vincularam, v.g. por via de negociações efectuadas com os demais comproprietários, sendo que, só no caso de tal não suceder ficarão sujeitos às consequências do incumprimento culposo.

Pelo que fica sobredito, mesmo na circunstância de se considerar certificado nos autos que não tinham, só por si, poderes para se obrigarem e para, consequentemente, cumprirem a obrigação que assumiram na transacção, (a rectificação de áreas e confrontações de prédios na Repartição de Finanças e Conservatória de Registo Predial) tal não constituiria fundamento para a nulidade do negócio[9], nem para, na expressão da executada, se declarar a “impossibilidade” de os exequentes cumprirem a sua obrigação.

Por estas razões se nega provimento à Apelação, na consideração de que não existe fundamento para julgar verificada a excepção de não cumprimento do contrato nem para julgar nula a transacção e impossível o cumprimento das obrigações por parte dos embargantes e embargada.

Síntese conclusiva:

- Suscitada a excepção de não cumprimento do contrato deixa de poder considerar-se como decisão surpresa que o tribunal, na apreciação dos pressupostos de que depende a verificação dessa excepção venha a julgá-la improcedente por não ter havido, por parte do arguente da aludida excepção, interpelação admonitória necessária a que a obrigação do invocado seja exigível.

- Não podendo a excepção do não cumprimento do contrato ser oposta pelo contraente que devia cumprir primeiro, aquele que tinha por obrigação pagar em prazo certo e determinado a prestação, não pode invocar esta excepção contra aquele outro que tinha por obrigação, sem prazo algum fixado, “proceder, (…) à competente rectificação, quer no que à área e confrontação diz respeito, quer junto da competente repartição de Finanças, quer ainda da respectiva Conservatória do Registo Predial 8…)”

- Determinando-se a possibilidade da prestação nos termos do art. 401 nº3 do CCivil mesmo a ter-se como certificado que à data da celebração da transacção, a aquisição de ¼ e ½ dos prédios identificados, respectivamente, se encontrava registada a favor de outra comproprietária tal constituiria somente uma impossibilidade subjectiva que não invalidaria o acordo de transacção atenta a possibilidade de os obrigados virem a obter, no prazo que dispõem até ao cumprimento, conforme a natureza da sua obrigação antes enunciada, as condições para poderem cumprir com aquilo a que se vincularam.

Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a Apelação e, em conserq1uencia, confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Apelante

Coimbra, 3 de Dezembro de 2019


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[1] Como diremos adiante o facto de eventuais comproprietários não terem intervindo na transacção e ou mesmo terem declarado que se opõem a ela, não equivale juridicamente a uma certificação normativa de impossibilidade porque esta só existirá se no prazo fixado para cumprimento, através de interpelação para esse efeito, os devedores não realizarem a prestação, havendo sempre, na previsão legal, a possibilidade, até esse momento, de eles obterem dos comproprietários em falta um possível acordo não obstante as declarações que estes tenham realizado ou não.
[2]  Ac. RC de 7-11-2017 no proc. 1335/13.8TBCBR.C1, in dgsi.pt
[3] Ver por todos, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05/03/2013, acessível in www.dgsi.pt
[4] Vd. Calvão da Silva, “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, 334; José J. Abrantes, “A Excepção de não Cumprimento do Contrato…”, 148 e ss.; Lebre de Freitas “CPC, Anotado”, vol. 2º, 314.
[5] Ver por todos, Neste sentido, vide, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26/09/2017, acessível in www.dgsi.pt.

[6] Vd. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. II, 3ª ed., Almedina, Coimbra, 1980, p. 41.
[7] Cabia à embargante alegar e provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelos exequentes nos termos do artigo 342.º n.º 2 do Código Civil – cfr. Rui Pinto, A Acção Executiva, AAFDL, 2018, pág. 373.

[8] Vd. Professor Antunes Varela ("Das Obrigações em Geral", I, 10 Ed., 802),
[9] Esta é a disciplina do nº 3 do artigo 401.º do Código Civil, à semelhança do que sucede com outros contratos dotados de eficácia meramente obrigacional, designadamente, o contrato promessa de venda de coisa alheia, o qual é perfeitamente válido (vide, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10/07/2013, o Acórdão do STJ de 23/09/2004 e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04/05/2017, todos acessíveis in www.dgsi.pt).