Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
861/11.8TBLSA-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
NOMEAÇÃO DE PATRONO
INTERRUPÇÃO DE PRAZOS PROCESSUAIS EM CURSO
REVOGAÇÃO DE MANDATO FORENSE
Data do Acordão: 05/03/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – INST. CENTRAL – SEC. EXECUÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 24º DA LEI Nº 34/2004, DE 29/07 (LAJ); 47º, Nº 2 DO NCPC.
Sumário: I – Nos termos do disposto no art.º 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (LAJ), os prazos que, na pendência de uma acção, se encontrem a decorrer, interrompem-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo (cf. n.º 4 do preceito). A solução consagrada, na ausência de qualquer distinção da lei, será de aplicar, em nosso entender, tanto aos casos em que ocorreu prévia constituição de mandatário, como àqueles em que o requerente não se encontra representado.

II - Decorre do disposto no art.º 47.º do CPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aqui aplicável, que a revogação do mandato deve ter lugar no próprio processo, obedecendo à tramitação aqui prescrita e produzindo os seus efeitos aquando da notificação ao mandatário (cf. n.º 2 do preceito).

III - Quando o pedido de apoio judiciário tendente à nomeação de patrono é apresentado na pendência de uma acção judicial, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.

IV. Para que tal efeito interruptivo se verifique não é necessário, nem tal faria sentido, que a parte que requereu a nomeação de patrono revogue o mandato que conferiu oportunamente ao advogado que a vinha representando, não se aplicando nem se ajustando ao caso o art. 47º do CPC.

V. Com a nomeação de patrono fica automaticamente extinta a preexistente relação de mandato, por aplicação (por analogia de situações) do art.º 1171.º do Código Civil.

Decisão Texto Integral:



Acordam na 3.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório

Por apenso à execução que lhe foi movida por L... tendo em vista a cobrança coerciva da quantia de €37.543,56, veio o executado A... deduzir oposição, pedindo a extinção da execução.

O exequente contestou e, tendo os autos prosseguido seus termos, foi a final proferida douta sentença que, na procedência parcial da oposição, determinou a anulação, também parcial, da escritura de justificação e compra e venda celebrada em 5/8/2009, com a consequente e proporcional redução do preço fixado, ordenando o prosseguimento da execução apenas para cobrança da quantia de €24.899,06.

Por mail remetido ao Tribunal em 15 de Outubro de 2015, conforme certificado a fls. 1 destes autos, e data de entrada na secção a 16, foi pelo exequente apresentado requerimento de interposição de recurso da sentença e respectivas alegações, subscritas por Il. Advogada constituída.

Na resposta, invocou o executado a extemporaneidade do recurso apresentado, por ter terminado em 23 de Junho de 2014 o prazo para a sua interposição.

Por despacho datado de 6/2/2015 foi rejeitado o recurso com fundamento em manifesta extemporaneidade, tendo a Mm.ª juiz considerado, para tanto, que o prazo para o efeito se havia esgotado em 23 de Junho de 2014. E acrescentou: “A circunstância de, em 28/5/2014, o exequente ter junto aos autos documento demonstrativo de haver requerido apoio judiciário na modalidade, entre outras, da nomeação de patrono, não acarretou a interrupção do prazo em curso (nos termos do art.º 24.º, n.º 4 da LAJ), pois que estava representado por advogado e assim se manteve”.

Notificadas as partes, reclamou o recorrente, defendendo a tempestividade do requerimento de interposição do recurso, o que fez com apelo aos seguintes argumentos:

i. Seguramente por lapso, não atentou o Tribunal na circunstância do recorrente, antes do termo do prazo para interposição do recurso, ter revogado a procuração ao seu mandatário, o qual não foi substituído por nenhum outro, já que requerera a nomeação de patrono;

ii. O mandante comunicou a revogação da procuração aos presentes autos através de requerimento apresentado em 28 de Maio de 2014, que não é assim “de mera junção aos autos do documento comprovativo de haver requerido apoio judiciário na modalidade, entre outras, de nomeação de patrono”, uma vez que se apresentou a requerer a nomeação de patrono por ter revogado a procuração ao Mandatário; daí ter requerido ao Tribunal a suspensão do prazo em curso;

iii. Deste modo, não pode considerar-se que o recorrente estava representado por advogado e assim se manteve.

iv. Acresce que o mandatário do recorrente recepcionou a comunicação de revogação através de carta registada com a/r, não tendo tido, consequentemente, qualquer subsequente intervenção no processo, mostrando-se o requerimento apresentado em 28 de Maio subscrito pelo próprio exequente;

v. O mandato foi revogado, donde existir erro no pressuposto de que partiu o despacho reclamado, entendendo que o recorrente se encontrava patrocinado, o que não era manifestamente o caso à luz do que dispõe o art.º 39.º, n.º 1 do CPC.

Juntou um A/R relativo a missiva cujos destinatários eram os Ex.mºs Srs. Drs. ..., que terá sido recepcionada em 6 de Junho de 2014, como dele consta, e um talão de registo referente a carta cujo destinatário era o mesmo, datado de 5 de Agosto de 2014.

Respondeu a parte contrária, alegando que os comprovativos do correio postal dirigido ao Ex.mº Sr. Dr. ... nada confirmam quanto ao teor das comunicações subjacentes, sendo certo, em todo o caso, que nunca poderiam aceitar-se como cumprimento do disposto no art.º 47.º, nºs 1 e 2 do CPC. Deste modo, e tendo o requerimento e documento de revogação dado entrada em juízo apenas a 18 de Junho, mantinha-se o mandato à data do trânsito em julgado da sentença, concluindo pela manutenção do despacho reclamado.

O reclamante respondeu, reiterando ter procedido atempadamente à revogação do mandato através de comunicação escrita dirigida aos Ex.mºs Advogados que o representavam em 5/6/2014 e que por estes foi recepcionada no dia imediato, como o comprovam os documentos que juntou.

*

A ora relatora, após ter conhecido previamente da questão da inadmissibilidade da resposta apresentada pelo reclamante, cujo desentranhamento e entrega determinou, decidiu no sentido da tempestividade do recurso interposto.

Reclama agora o recorrido para a conferência, assinalando que o recorrente foi notificado, tal como o seu, à data, Il. Mandatário constituído, do despacho proferido pela Mm.ª juíza que recaiu sobre o requerimento apresentado em 28 de Maio, devendo entender-se que se manteve devidamente representado em juízo.

Argumenta que mesmo a atribuir o valor de revogação do mandato à declaração emitida pelo recorrente em 18 de Junho de 2004, e ainda que tivesse sido dado cumprimento ao disposto no art.º 47.º do CPC, tal revogação nunca produziria os seus efeitos antes de se ter esgotado o prazo para interposição do recurso, o qual, incluídos os 3 dias do prazo de complacência previsto no art.º 139.º, terminou a 23 de Junho, pelo que se teria igualmente extinguido o direito ao recurso pelo decurso do prazo.

Por outro lado, defende, o requerimento de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono só suspende o prazo processual em curso inexistindo advogado constituído pois, a existir, não pode suspender qualquer prazo, ao que acresce o facto do tal requerimento não constituir meio idóneo à revogação de mandato forense. Ademais, mesmo considerando que com a nomeação do patrono fica extinta a preexistente relação de mandato, tal só ocorre após a sua notificação ao advogado constituído, o que no caso vertente nunca ocorreu.

A revogação do mandato tem um formalismo prescrito na lei, não podendo inferir-se como efeito automático da nomeação de patrono. Deste modo, tendo-se mantido o mandato forense e conhecendo o Il. Mandatário constituído a intenção do seu constituinte, teria que interpor recurso no prazo em curso, o que não ocorreu, devendo manter-se o despacho proferido pela Mm.ª juíza “a quo”.

O recorrente respondeu, reafirmando que a apresentação em 28 de Maio do requerimento segundo modelo facultado pela própria secretaria do Tribunal, ao qual fez juntar cópia do pedido de concessão do apoio judiciário formulado junto da Segurança Social na modalidade de nomeação de patrono “para recorrer da sentença”, e pedindo a suspensão do prazo em curso, era claro quanto à sua intenção de não manter o mandato. Acrescenta que sobre tal requerimento veio a recair despacho que, não só não é claro quanto ao seu conteúdo, como não foi notificado ao requerente. Por último, afirma, tendo o Il. Mandatário constituído sido notificado desse requerimento, não podia interpor o recurso em “conformidade com a vontade do mandante”, conforme pretende o recorrido, por ser evidente que se havia quebrado a confiança que é pressuposto da subsistência do mandato.

Está em causa nos autos apenas e só apurar da tempestividade do recurso interposto pelo exequente/reclamante.

II Fundamentação

De facto

À decisão interessam os seguintes factos ocorridos no processo:

1. L..., aqui recorrente, instaurou contra A... acção executiva tendo em vista a cobrança coerciva da quantia de €37.543,56.

2. O executado deduziu oposição à execução, pedindo a respectiva extinção, tendo invocado para tanto a prescrição do direito incorporado no título cambiário e a inexistência de válido título executivo. Posteriormente, alegadamente em ampliação e desenvolvimento do pedido inicial, pediu fosse declarada a existência de erro incidental no objecto do negócio firmado na escritura de compra e venda realizada e, consequentemente, decretada a redução da área do negócio nela formalizado, com proporcional redução do preço a pagar pelo oponente comprador.

3. O exequente contestou e, tendo os autos prosseguido seus termos, foi a final proferida douta sentença com data de 30 de Abril de 2014 que, na procedência parcial da oposição, determinou a anulação, também parcial, da escritura de justificação e compra e venda celebrada em 5/8/2009, com a consequente e proporcional redução do preço fixado, ordenando o prosseguimento da execução apenas para cobrança da quantia de €24.899,06.

4. A sentença foi notificada via citius os Ils. Mandatários das partes -Ex.mª Sr.ª Dr.ª ..., constituída pelo executado, e Ex.mº Sr. Dr. ..., por banda do exequente - presumindo-se tal notificação efectuada em 12 de Maio de 2014, conforme certificado a fls. 1 destes autos.

5. Por requerimento apresentado em juízo no dia 28 de Maio de 2014, pelo próprio exequente subscrito, solicitou este a junção de documento comprovativo de haver requerido protecção jurídica na modalidade de “nomeação de advogado para recorrer da sentença, sem pagar honorários e custas”, mais requerendo a suspensão do prazo de recurso.

6. O requerimento referido em 5. mereceu por banda da Mm.ª juíza “a quo” o despacho exarado a fls. 304 dos autos, com o seguinte conteúdo: “Visto, decorre da procuração de fls. 7 dos autos principais que o exequente/oponido tem mandatário constituído, pelo que nada a determinar”.

7. O despacho referido em 6. foi notificado pelo menos aos Ils. Mandatários de exequente e executado.

8. Com data de 11 de Junho foi comunicada ao Tribunal a concessão de protecção jurídica ao requerente, também na requerida modalidade de nomeação de patrono, e com data de 13 de Junho foi recebida a informação de que havia sido nomeada patrona a Ex.mª Sr.ª Dr.ª ..., já em substituição da inicialmente nomeada Dr.ª ...

9. A 18 de Junho de 2014 a Il. Patrona nomeada deu a conhecer ao Tribunal ter formulado pedido de escusa do patrocínio.

10. Mediante requerimento com carimbo de entrada desse mesmo dia 18 de Junho, agora certificado a fls. 12 v.º, veio novamente o exequente, ainda pelo seu punho, desta feita requerer “a junção aos autos do documento de revogação da procuração que se junta”, mais requerendo “a suspensão do prazo de recurso”.

11. Acompanhava o requerimento referido em 10. cópia de um dito “documento de revogação”, manuscrito assinado pelo exequente, com o seguinte teor (segue a exacta transcrição, com a ortografia que dele consta):

“L..., exequente nos autos, a margem referenciados vem a revogar a procuração sobscrita por si a favor dos Exmºs Srs. Advogados, Drs. ..., a quem, em conjunto ou isoladamente, conferio poderes forenses gerais em 12 de Outubro de 2011, a partir da ressente data”.

O documento encontra-se datado de 18 de Junho de 2014, seguindo-se a assinatura do exequente.

12. Presentes os autos à Mm.ª juíza em 20/6/2014, exarou despacho nessa mesma data, no qual, nada dizendo a respeito do requerimento apresentado pelo ora reclamante, ordenou que a decisão de deferimento do pedido de apoio judiciário fosse notificada à parte contrária, “em cumprimento do disposto no art.º 26.º, n.º 4 da LAJ”.

13. A 23 de Junho foi nomeada para patrocinar o requerente, em substituição da Il. Advogada escusada, a Il. Advogada Dr.ª ...

14. A 7 de Julho veio a mesma Il. Patrona comunicar a juízo ter formulado pedido de escusa do exercício do patrocínio, após o que, com data de entrada de 21 de Julho, foi comunicada a nomeação, em sua substituição, da Sr.ª Dr.ª ...

15. Por decisão da Segurança Social proferida em 25/7/2014 foi “revogado o despacho de deferimento de 3 de Junho de 2014, e retirado o apoio judiciário concedido ao requerente”, a qual foi comunicada ao Tribunal a 5 de Agosto (cf. fls. 97 a 99).

16. O requerente impugnou judicialmente a decisão da Segurança Social a 13 de Agosto, a qual se encontrava ainda pendente em 28 de Outubro, conforme resulta da decisão agora certificada de fls. 33 a 35.

17. O exequente/recorrente procedeu à junção aos autos de procuração a favor de Il. Advogada mediante requerimento introduzido em juízo no dia 3 de Outubro de 2014.

18. Por mail remetido ao Tribunal em 15 de Outubro de 2015, conforme certificado a fls. 1 destes autos, e data de entrada na secção a 16, foi pelo exequente apresentado requerimento de interposição de recurso da sentença e respectivas alegações, subscritas pela Il. Advogada constituída.

De Direito

Interessando à decisão os factos acima elencados, defende o recorrente a tempestividade do recurso interposto, por entender que o prazo se encontrava suspenso (quererá dizer interrompido) - ao que se presume nos termos do art.º 24.º do LAJ, embora não o diga expressamente -, dado que procedera anteriormente à revogação do mandato, motivo pelo qual deu a conhecer ao Tribunal que requerera a concessão do benefício do apoio judiciário, também na modalidade de nomeação de patrono.

Reporta-se o recorrente ao requerimento apresentado em juízo a 28 de Maio, por si subscrito, no qual, para além do mais que dele consta, requereu também a suspensão do prazo de recurso. Tal requerimento mereceu da Mm.ª juíza o despacho referido no ponto 6., o qual foi notificado aos Ils. advogados de ambas as partes, dissentindo agora recorrente e recorrido quanto ao facto de ter sido igualmente notificado pessoalmente ao primeiro. A este respeito, e mesmo admitindo que o tivesse sido, afigura-se que não permitiria ao seu destinatário a apreensão cabal do seu conteúdo, nomeadamente, e para o que aqui releva, que o prazo continuava a decorrer.

Nos termos do disposto no art.º 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (LAJ), os prazos que, na pendência de uma acção, se encontrem a decorrer, interrompem-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo (cf. n.º 4 do preceito). A solução consagrada, na ausência de qualquer distinção da lei, será de aplicar, em nosso entender, tanto aos casos em que ocorreu prévia constituição de mandatário, como àqueles em que o requerente não se encontra representado (cf., neste preciso sentido, a decisão singular proferida pelo T. da Relação de Lisboa em 22/2/2016, no processo n.º 669/11.0TTCSC-A.L1, em www.dgsi.pt). Assim não o terá entendido a Mm.ª juíza que, conforme se alcança do supra referido despacho, considerou que nada havia a ordenar - quanto à requerida suspensão do prazo, presume-se - com fundamento em que o mandato conferido ao Il. Advogado constituído se mantinha. E porque tal despacho foi notificado ao então Il. Mandatário do requerente, ficou este a saber não só da apresentação pelo seu constituinte do pedido de nomeação de patrono, mas ainda que a pedida “suspensão” do prazo de recurso não havia sido atendida, dado o entendimento expresso pela Mm.ª juíza no sentido de que o mandato se mantinha.

Admitindo assim que, apesar do recorrente ter comprovado nos autos a apresentação de pedido de nomeação de patrono com a específica finalidade de “interpor recurso da sentença”, o prazo em curso não se interrompeu (ou suspendeu) na sequência deste requerimento entrado em juízo a 28 de Maio, dirigiu o recorrente ao processo um segundo em 18 de Junho, no qual deu com clareza a conhecer a sua intenção de revogar o mandato, juntando até declaração nesse sentido, que teria enviado ao Il. Advogado que o patrocinava mediante carta a este remetida.

É certo, conforme observa o recorrido, que os A/R juntos não fazem prova do conteúdo das missivas que terão sido enviadas, mas não é menos verdade que o Il. Advogado constituído pelo recorrente não teve qualquer intervenção no processo após a notificação do despacho que apreciou o requerimento de 25 de Maio, o que legitima a presunção de que tomou efectivo conhecimento da declaração de revogação do mandato que lhe havia sido conferido.

Decorre do disposto no art.º 47.º do CPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aqui aplicável, que a revogação do mandato deve ter lugar no próprio processo, obedecendo à tramitação aqui prescrita e produzindo os seus efeitos aquando da notificação ao mandatário (cf. n.º 2 do preceito). É também incontestável que tal procedimento não foi seguido no caso vertente. Mas daqui decorrerá, pergunta-se, que o mandato se tenha mantido em vigor, fundamento invocado pela Mm.ª juíza para rejeitar o recurso “por manifesta extemporaneidade”?

Sem discutir agora o acerto do entendimento adoptado pelo Tribunal aquando da apreciação do requerimento de 28 de Maio, inferindo-se do despacho então proferido que não haveria lugar à suspensão/interrupção do prazo dada a afirmação de que o mandato se mantinha, parece no entanto que o mesmo não poderá validamente sustentar-se a partir do momento em que, pela via do deferimento do pedido de apoio judiciário formulado pelo requerente, lhe foi nomeado um patrono, o que foi comunicado ao Tribunal em 11 de Junho. Defender que o mandato subsistiu mesmo após a nomeação de patrono pressupõe admitir que o requerente se encontra, a um tempo, representado pelo advogado constituído, com o prazo a decorrer ininterruptamente, e patrocinado pelo patrono nomeado, com o mesmo prazo a iniciar-se. O que não pode ser, como facilmente se intui.

Conforme se concluiu no aresto do TRG de 29/1/2015, proferido no processo n.º 1319/09.0TJVNF-A.G1, aqui com plena pertinência, “I. Quando o pedido de apoio judiciário tendente à nomeação de patrono é apresentado na pendência de uma acção judicial, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo. II. Para que tal efeito interruptivo se verifique não é necessário, nem tal faria sentido, que a parte que requereu a nomeação de patrono revogue o mandato que conferiu oportunamente ao advogado que a vinha representando, não se aplicando nem se ajustando ao caso o art. 47º do CPC. III. Com a nomeação de patrono fica automaticamente extinta a preexistente relação de mandato, por aplicação (por analogia de situações) do art.º 1171.º do Código Civil.”

Por outro lado, a entender a Mm.ª juíza - o que, como vimos, não parece sustentável - que o mandato se mantinha após a nomeação, não podia deixar de advertir as partes para esse facto, desencadeando do mesmo passo a notificação a que se reporta o n.º 2 do art.º 47.º, em conformidade com os deveres consagrados nos art.ºs 6º e 7.º, sendo todos os preceitos do CPC, já que dúvidas não subsistiam quanto a corresponder à vontade real do mandante, dada a apresentação, em 18 de Junho, de novo requerimento. Mas nada disto foi feito, tendo-se a Mm.ª abstido de proceder à apreciação deste último, antes determinado que fosse dado cumprimento ao preceituado na última parte do n.º 4.º do art.º 26.º da LAJ, assim criando nas partes, interessando sobretudo o requerente, a legítima convicção de que nenhuma questão se levantava quanto à regularidade da relação de patrocínio assim constituída.

O recorrido insiste que o mero requerimento de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono não é meio idóneo de revogação de mandato forense em vigor, efeito que, identicamente, não se pode inferir da nomeação de patrono.

O artigo 1171.º do CC confere valor de revogação do mandato à designação pelo mandante de outra pessoa para a prática dos mesmos actos. À luz deste dispositivo não nos suscita especial dificuldade a atribuição ao pedido de nomeação de patrono de um significado equivalente, por se tratar de comportamento concludente nesse sentido: o requerente, que dispunha de advogado constituído, pediu a nomeação de outra pessoa - dada a impossibilidade de o fazer por si - para a prática dos actos que àquele competia, designadamente, e conforme indicou expressamente, para interpor recurso da sentença, assim fazendo operar a revogação, por aplicação analógica do convocado artigo 1171.º.

Argumenta o recorrido que, conforme resulta do citado preceito, a revogação só produz efeito depois de ser conhecida pelo mandatário, o que não teria ocorrido. A propósito desta objecção, faz-se notar que a lei não exige a notificação ao anterior mandatário da nova designação, mas apenas que este tenha, por algum modo, dela tomado conhecimento.

No caso em apreço não existem elementos nestes autos que permitam esclarecer se a nomeação de patrono ao requerente foi notificada ao Il. Advogado que antes constituíra, omissão que, no entanto, tendo ocorrido no âmbito do processo, não o pode prejudicar. Por outro lado, tendo o Il. Advogado tomado conhecimento da formulação do pedido de nomeação de patrono e não mais tendo intervindo nos autos, a par da declaração de revogação que, embora extra judicialmente, lhe foi comunicada, surge como razoável a conclusão de que tomou conhecimento da sua substituição por patrono nomeado, dando assim por cessado o mandato que lhe fora conferido.

Por último, não pode deixar de se entender que o cumprimento do disposto no art.º 26.º, n.º 4 da LAJ, nada tendo sido dito em contrário, pressupõe o reconhecimento, por banda do Tribunal, de que a representação do requerente passava a ser assegurada pelo patrono nomeado, iniciando-se novo prazo para a interposição de recurso com a notificação deste, o que decorre do funcionamento das regras do patrocínio judiciário (cf. art.º 24.º, n.º 5, al. a) da LAJ). O que eventualmente justificará que o requerimento apresentado pelo recorrente em 18 de Junho não tenha sido objecto de apreciação, isto atendendo aos elementos que constam do presente apenso.

Assente, portanto que com a notificação da nomeação à patrona nomeada, notificação que terá sido simultânea com a comunicação ao processo em 11 de Junho de 2014, se iniciou novo prazo de recurso, o mesmo teria o seu termo em 11 de Julho, a que acresceria eventualmente o prazo suplementar de 10 dias e ainda o de complacência previsto no art.º 139.º do CPC, findando a 9 de Setembro.

Sucede, porém, que, conforme os autos dão conta, de nomeação em nomeação e de pedido de escusa em pedido de escusa, com as consequentes sucessivas interrupções do prazo em curso nos termos do art.º 34.º, n.º 2, só no dia 21 de Julho, aquando da comunicação da nomeação de uma outra Il. Advogada, no caso a Sr.ª Dr.ª ... em substituição da Sr.ª Dr.ª ..., se iniciaria (pela última vez) novo prazo para interposição do recurso. Tal prazo, contudo, iniciaria a sua contagem apenas a 1 de Setembro, uma vez que a nomeação ocorreu em pleno período de férias judiciais e não se tratava de processo urgente (cf. art.º 138.º, n.º 1 do CPC).

Mas uma incidência mais terá que ser levada em conta.

Por despacho datado de 25 de Julho foi “retirado o apoio judiciário concedido ao requerente”, cancelamento que teve lugar ao abrigo do art.º 10.º da LAJ, decisão que o agora reclamante impugnou judicialmente, nos termos previstos nos artºs 12.º, 27.º e 28.º do mesmo diploma legal e que não tinha sido ainda objecto de decisão à data de 28 de Outubro.

Não obstante, sem aguardar pela decisão, em 3 de Outubro fez o reclamante juntar aos autos procuração a favor de Il. Advogada, assim se conformando a final com a decisão que determinou o cancelamento do benefício do apoio judiciário, ao menos na modalidade de nomeação de patrono.

Reconhece-se que, no que concerne à nomeação de patrono em (ou para) processo de natureza civil, não existe na LAJ norma equivalente ao art.º 43.º, que rege para o processo penal, por cujos termos “cessam as funções do defensor nomeado sempre que o arguido constitua mandatário”. Todavia, não poderá deixar de se entender que a solução é a mesma, por não se afigurar compatível a subsistência do patrocínio por patrono nomeado, a par da representação por advogado constituído, devendo entender-se que o requerente assumiu um comportamento concludente no sentido de renunciar a tal benefício (cf. neste sentido, com recenseamento de abundante doutrina e jurisprudência, o acórdão da Relação de Lisboa de 7/9/2014, processo n.º 97/12-0 TBVPV.L1-2, acessível em www.dgsi.pt).

É, pois, seguro que a partir de 3 de Outubro o reclamante se encontrava (de novo) representado por advogado, sucedendo ao patrono nomeado, que se conservara em funções até então[1].

Aqui chegados, haverá a considerar, neste acidentado percurso, ainda um outro percalço, a saber, os constrangimentos causados pela inoperância do Citius, havendo que atender a quanto dispõe o DL 150/2014, de 13 de Outubro, com entrada em vigor no dia imediato (cf. art.º 6.º, n.º 1).

Nos termos do art.º 5.º, no seu n.º 1 “Os prazos previstos para a prática de qualquer acto previsto no n.º 1 do artigo anterior pelos sujeitos e intervenientes processuais, magistrados e secretarias judiciais ou do Ministério Público que se tenham iniciado após o dia 26 de agosto de 2014 inclusive ou, tendo-se iniciado anteriormente, terminem após esta data, consideram-se suspensos a partir do referido dia 26 de agosto de 2014, retomando-se a sua contagem a partir da entrada em vigor do presente diploma.”

Os actos a que se reporta a transcrita disposição são, por força da remissão efectuada, todos aqueles que devam ser praticados no sistema informático, como ocorria obrigatoriamente com a apresentação das alegações de recurso, nos termos prescritos no n.º 1 do art.º 144.º do CPP.

No caso vertente, conforme se procurou demonstrar, o prazo iniciar-se-ia no dia 1 de Setembro, tendo por isso beneficiado do regime de suspensão estabelecido no diploma agora referido até ao dia 14 de Outubro.

Ao ter dado entrada do recurso por meio de mail no dia 15 - e esta data aproveita ao recorrente nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 144.º, n.ºs 7 e 8 do CPC - fê-lo ao fim e ao cabo no 1.º dia do prazo de que dispunha.

Tudo em suma para concluir pela tempestividade do recurso interposto, tal como foi decidido na decisão reclamanda.

III. Decisão

Em face do exposto, e no indeferimento da reclamação, acordam em conferência os juízes da 3.ª secção deste Tribunal da Relação de Coimbra em confirmar a decisão singular.

Custas a cargo do ora reclamante (recorrido nos autos).

Relatora:
Maria Domingas Simões
Adjuntos:
1º - Jaime Ferreira
2º - Jorge Arcanjo


***


[1] E assim seria porquanto, em nosso entender, a impugnação judicial suspende a eficácia do acto de cancelamento do benefício do apoio judiciário, apesar de se tratar de um acto administrativo.
O procedimento de concessão de protecção jurídica tem, é sabido, natureza administrativa. Todavia, a LAJ afastou o regime de recursos previstos no Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do art.º 37.º, prevendo como único meio de impugnação das decisões de cancelamento e verificação de caducidade previstas no art.º 10.º e 11.º (bem como das demais), a impugnação judicial. Pareceria assim ser de aplicar o regime do art.º 50.º do CPTA, do qual resulta que, exceptuados os casos em que está em causa o pagamento de quantia certa (cf. o n.º 2), a impugnação judicial não suspende a eficácia do acto administrativo, que produz os seus efeitos, impondo-se sem restrições ao respectivo destinatário.
Tal solução, no entanto, pelas mesmas razões que determinaram o TC a declarar a inconstitucionalidade, “com força obrigatória geral da norma contida na leitura conjugada dos artigos 12.º, n.º 1, alínea a), e 6.º, n.º 1, 1.ª parte, do Regulamento das Custas Processuais, na interpretação de que a apreciação da impugnação judicial da decisão administrativa que negou a concessão de apoio judiciário está condicionada ao pagamento prévio da taxa de justiça prevista no referido artigo 12.º, n.º 1, alínea a)” (acórdão n.º 538/2014, DR I-Série, n.º 182, de 22/9/2014), é aqui de rejeitar. Com efeito, seria gravemente violador do direito de acesso ao Direito e aos Tribunais e do princípio da igualdade dos cidadãos, permitir que a decisão, a despeito da impugnação, produzisse os seus efeitos, ficando o requerente sem patrocínio e os prazos a decorrer, situação que não seria possível reverter caso lhe fosse reconhecida razão. É pois, por esta ordem de razões que se afirma que, a despeito da decisão, se manteve em funções a última patrona nomeada, questão que, no entanto, não assume nestes autos qualquer relevância.