Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2351/06.1TBFIG-F.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: PENSÃO DE ALIMENTOS
MAIORIDADE DO FILHO
CESSAÇÃO DOS ALIMENTOS
Data do Acordão: 06/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DA FIG. FOZ – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 1874º, 1880º E 1905º, Nº 2 DO C. CIVIL; LEI Nº 122/2015, DE 01/09.
Sumário: I – A lei nº 122/2015, de 1 de setembro, clarificou que a obrigação de pagamento da pensão de alimentos se mantém depois da maioridade do filho e até que este perfaça 25 anos de idade, ressalvadas as situações em que o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou quando não seja razoável impor ao progenitor tal obrigação.

II – A propósito deste conceito de “razoabilidade”, importará sempre ponderar se o filho maior poderá prover, ainda que parcialmente, às suas necessidades educacionais através de outros meios ou instrumentos que dispensem o direito a alimentos.

III – Sendo certo que o critério sempre assentará, sendo disso caso, na imputação da não conclusão da formação profissional à culpa grave do filho, na medida em que a obrigação de alimentos a favor do filho deve continuar a ser paga pelo progenitor, para além da maioridade daquele, desde que se mantenha a situação de necessidade, sem culpa do beneficiário.

IV – Por outro lado, só a violação grave do dever de respeito por parte do filho para com o pai poderá constituir causa de cessação da obrigação de prestar alimentos após a maioridade, nos termos do art. 1874º do C.Civil.

Decisão Texto Integral:         









       Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]                                              

1 – RELATÓRIO

A... requereu, a 01 de julho de 2020, contra C... a cessação da obrigação alimentícia a favor do jovem D..., por este último ter interrompido voluntariamente os seus estudos.

Na sequência de despacho convite, o requerente veio a requerer a 14.07.2020 a intervenção principal provocada do seu filho maior D..., passando os autos a correr como cessação da obrigação de alimentos, nos termos do art. 45º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.

                                                                          *

Frustrou-se a tentativa de conciliação.

O requerido D... contestou.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, que decorreu de acordo com as legais formalidades.

Na sentença, julgou-se a ação totalmente improcedente, absolvendo os requeridos do pedido.

É com esta decisão que o A./requerente não se conforma e dela vem interpor recurso de apelação, de cujas alegações extraiu as seguintes conclusões:

...

Por sua vez, apresentou o R./requerido as suas contra-alegações, das quais extraiu as seguintes conclusões:

...

A Exma. Juíza a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida devidamente instruído.

Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

               2QUESTÕES A DECIDIR: o âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 635º, nº 4 e 639º do n.C.P.Civil – e, por via disso, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:

- erro de decisão ao declarar improcedente a pretensão do aqui Recorrente de cessação da obrigação de alimentos quanto ao seu descendente já maior de idade [designadamente porque à luz dos três requisitos dispostos no artigo 1905º, nº 2 do C.Civil, importava considerar  preenchidos dois deles, a saber, porque «o filho maior interrompeu voluntariamente o seu percurso de formação académica», e porque «não se demonstra razoável a exigência da manutenção da pensão fixada»].

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Vejamos o que foi considerado fixado/provado pelo tribunal a quo, sendo certo que o recurso deduzido não questiona tal:         

«1) D... nasceu a 17.08.2001, sendo filho do requerente.

2) Aos 16 dias do mês de maio do ano de 2007 foi homologado acordo, em conferência de pais em que se converteu o divórcio litigioso em divórcio por mútuo consentimento entre Requerente e Requerido o qual correu sob o n.º ...

C) No âmbito do qual foi acordado quanto ao acordo de Regulação das Responsabilidades Parentais, que o Requerido, pai dos menores, contribuía, a título de alimentos, com a quantia de 200,00€ (duzentos euros), sendo €100,00 a favor de cada um dos filhos (o aqui requerido e o outro filho, J...), a pagar até ao dia 20 de cada mês, através de depósito bancário a efetuar em conta da requerente sob o NIB ..., acrescida de atualização em janeiro de cada ano, de acordo com o índice de inflação a publicar pelo INE.

D) A Requerida, no requerimento datado de 29/05/2020 (referência ...), no apenso D, afirmou que o D... já se não encontrava a estudar e que pretendia deduzir o incidente de cessação da pensão de alimentos.

E) O Requerente, desde data concretamente não apurada até 27.07.2020, encontrava-se numa situação de desemprego, tendo, a partir dessa data, passado a ter qualificação na pessoa coletiva ... – S..., LDA,

F) Após atingir a maioridade e fruto da inadaptação ao serviço em outubro de 2019, o Requerido ficou desanimado.

G) O requerido não completou o ensino secundário.

H) Pelo menos desde outubro de 2019 o requerido encontra-se a ser acompanhado pela psicóloga, Dr.ª ..., com consultório em ...

I) Atualmente, o requerido já se encontra estabilizado, do ponto de vista emocional, social e familiar.

J) O Requerido D... encontra-se inscrito no Centro de Emprego desde a data de 2 de setembro de 2020.

K) Atualmente e pelo Centro de Emprego e Formação Profissional encontra-se o Requerido D... inscrito no Curso de aprendizagem de Técnico de Informático – Instalação e Gestão de Redes.

L) Aquele curso iniciou-se a 16 de novembro do ano de 2020 e tem a duração de 2 anos e 3 meses, divididos em 3 períodos de formação de 9 meses cada.

M) Este curso de formação é equivalente à frequência do ensino secundário (12.º ano) e permite uma dupla certificação de nível 4, em que a nota obtida no fim do curso permite a candidatura ao ensino superior, caso o formando o pretenda.

N) Os formandos que integrarem este curso têm (se necessário) uma bolsa de formação mensal de 10% do indexante dos apoios sociais ( IAS), no valor de 43,88 €.

O) Estes apoios são atribuídos de acordo com o número de horas ministradas (de acordo com o horário para um determinado mês; as interrupções da formação não são pagas) e frequentadas (ou seja, de acordo com a assiduidade do requerido.

P) O agregado familiar do Requerido D... é constituído por si, pela sua mãe e por mais dois irmãos menores J..., atualmente com 15 anos, também filho do requerente A... e ainda J..., atualmente com 09 anos, filho de C... e J...

Q) A mãe do requerido D..., cozinheira de profissão, aufere mensalmente a quantia de €578,00, com os quais faz jus às despesas domésticas, despesas inerentes ao cuidado de dois filhos menores e, também, despesas do aqui requerido, seu filho maior D...

R) Os €578,00 mensais que a progenitora recebe da sua profissão de cozinheira são insuficientes para fazer face e suporte a todas as despesas de alimentação, saúde, educação, gás, luz, água, telecomunicações, transportes de todo o seu agregado familiar, da qual faz parte integrante o filho D..., maior, aqui requerido.

S) O requerido, em setembro de 2019, celebrou um contrato de trabalho com a sociedade ...., sita no ...

T) O requerido abandonou o posto de trabalho, no âmbito do contrato assente em S), decorridas 3 semanas desde o seu inicio (inicio de outubro de 2019), alegadamente por não ter sabido lidar com as criticas dos seus colegas de equipa no sentido de desvalorização da qualidade do serviço prestado e do tempo da execução.

U) Entre inícios de outubro de 2019 e 16 novembro de 2020 o requerido efetuou trabalhos a pedido de uma pessoa sua conhecida, a rachar lenha e limpar terrenos, pelos quais tem sido renumerado à razão de 30/40€ diários, ainda que não tanha sido chamado diariamente para o efeito.

V) Caso a pessoa referida em U) continue interessada nos seus serviços, mantém-se disponível para o efeito, por entender compatível com a realização do curso e podendo sê-lo também ao fim de semana.»

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Cumpre entrar sem mais na apreciação da questão supra enunciada, a do erro de decisão ao declarar improcedente a pretensão do aqui Recorrente de cessação da obrigação de alimentos quanto ao seu descendente já maior de idade [designadamente porque à luz dos três requisitos dispostos no artigo 1905º, nº 2 do C.Civil, importava considerar  preenchidos dois deles, a saber, porque «o filho maior interrompeu voluntariamente o seu percurso de formação académica», e porque «não se demonstra razoável a exigência da manutenção da pensão fixada»].

Será assim?

Antes de afrontarmos diretamente a questão, rememoremos brevemente o enquadramento jurídico da situação.

Consabidamente, os pais estão obrigados a contribuir para os alimentos dos filhos (cfr. art. 1878º, nº 1, do C.Civil) e, por isso, cada um dos progenitores tem de contribuir dentro do que lhe for humanamente possível para a alimentação dos filhos e se alguém tiver de fazer sacrifícios ou passar necessidades, tal situação deve onerar, em regra, os progenitores.

Esta oneração colocada a cargo dos progenitores funda-se no facto dos filhos enquanto menores, e logo após a maioridade, serem seres humanos em formação e desenvolvimento e da circunstância do seu futuro depender, em regra, desta formação e deste desenvolvimento; em contrapartida, os progenitores já passaram por essa fase e embora possam melhorar as suas vidas e fazer, eventualmente, hoje o que não fizeram nessas idades, já nada podem fazer para alterar o passado.

Daí que o interesse dos filhos deva prevalecer por ser atual e prioritário em relação ao interesse dos progenitores.

De referir igualmente e desde já que a Lei nº 122/2015, de 1/9, alterou o paradigma probatório nesta temática.

Na verdade, antes do contributo legislativo aportado por tal diploma legal, «Embora não houvesse dúvidas de que a obrigação de prestação de alimentos fixada a filho menor não se extinguia automaticamente com a maioridade deste (cfr. art. 989.º, n.º 2, do NCPC; arts. 1880.º e 2013.º do CCiv), na prática, a subsistência dessa obrigação dependia de um impulso processual do filho, já maior, que, em processo especial instaurado contra o progenitor, tinha de demonstrar não ter ainda completado a sua formação profissional e estarem reunidos os demais pressupostos do art. 1880.º do CCiv. Isto porque se considerava que o pedido de alimentos em processo pendente ou formulado na instância renovada de processo findo apenas podia ser apreciado até ao momento da maioridade.

O n.º 2 aditado ao art. 1905.º do C.Civ dispensa o filho maior de alegar e provar tais pressupostos até que complete 25 anos de idade, competindo ao progenitor, atingida a maioridade do seu filho, requerer contra este a cessação ou alteração dos alimentos, nos termos previstos na parte final daquele normativo, uma vez que a continuação da prestação de alimentos para além desse momento é agora automática. É, pois, ao progenitor obrigado que cabe o ónus de alegar e provar os pressupostos que tornam inexigível a permanência da obrigação alimentar.»[2]

Isto é, com a alteração introduzida no art. 1905º do C. Civil, mediante o aditamento do nº 2 pela Lei nº 122/2015, os filhos passaram a ter automaticamente direito à pensão de alimentos que lhes foi fixada durante a menoridade, e até que completem 25 anos, sendo que esta obrigatoriedade de pagamento da prestação de alimentos só cessa (i) se o filho maior já tiver completado a sua educação ou formação profissional, (ii) no caso de essa educação ou formação ter sido interrompida por livre iniciativa do filho ou se (iii) o obrigado a alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.

Mais concretamente, estatui-se pela seguinte forma no atualmente vigente art. 1905º do C.Civil, com a epígrafe de “Alimentos devidos ao filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento”:

«1 - Nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação de casamento, os alimentos devidos ao filho e a forma de os prestar são regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação; a homologação é recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor.

2 - Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.» [sublinhado nosso]

 Mas o que é que se deve entender/interpretar como constituindo a ressalva legal da «formação ter sido interrompida por livre iniciativa do filho»?

Na decisão recorrida não se equacionou diretamente este aspeto, antes se sublinhando que «Ainda que tenha existido interrupção o percurso escolar, com incursão no mercado de trabalho logo que o jovem perfez os 18 anos de idade, a verdade é que, logo em outubro de 2019, deixou tal emprego».

Em contraponto, nas alegações recursivas, após se elencar os factos “provados” argumentou-se com o seguinte:

«Deste modo, ficando demonstrado, por provado, que o Requerido abandonou os estudos de forma livre, voluntária e consciente, na perspetiva clara, de não pretender prosseguir a sua formação escolar e académica. Para tal, conseguiu um contrato de trabalho, porém, decorridas apenas 3 (três) semanas, abandonou, também, o posto de trabalho e o serviço que ia prestando, desistindo da obrigação de que havia assumido e consequentemente, da respetiva, responsabilidade assumida. Não obstante, ter conseguido lograr um trabalho “a rachar lenha e limpar terrenos”, pelo qual vem sendo remunerado à razão de €30,00 (trinta euros) ou €40,00 (quarenta euros) diários. Encontrando-se atualmente inscrito no Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP.»

Que dizer?

Quanto a nós, o que o quadro fáctico apurado permite insofismavelmente concluir é antes o seguinte: a informação sobre o “processo de educação” do Requerido é escassa, apenas se sabendo que o mesmo não concluiu o ensino secundário [cf. facto “provado” sob a al. G)], desconhecendo-se em concreto o momento em que esse ensino foi dado por finalizado ou se até ocorreu mais propriamente um “abandono” e quando; como quer que seja, o que é certo é que no mês subsequente a ter perfazido os 18 anos de idade, iniciou uma atividade laboral, com contrato de trabalho, numa empresa de engenharia e construção [cf. facto “provado” sob a al. S)], mas escassas 3 semanas veio a abandonar esse posto de trabalho, por inadaptação e/ou deficiente prestação das sua parte [cf. factos “provados” sob as als. F) e T)]; depois disso, e logo no imediato mês, iniciou uma prestação de trabalho esporádica e ocasional como rachador de lenha, no âmbito da qual aufere €30/40 diários, quando presta os serviços [cf. facto “provado” sob a al. U)]; sem embargo, antes de decorrido 1 ano, inscreveu-se no Centro de Emprego e Formação Profissional, no âmbito do que frequenta um curso de formação profissional, mais concretamente de “Técnico de Informático – Instalação e Gestão de Redes”, curso esse que tem a duração de 2 anos e 3 meses, divididos em 3 períodos de formação de 9 meses cada, e que no seu final e com aproveitamento dá equivalência ao 12.º de escolaridade, permitindo o acesso ao ensino superior, podendo por via de tal e da efetiva frequência e assiduidade, auferir uma bolsa de formação mensal no valor de € 43,88 [cf. factos “provados” sob as als. J) a O)].

  Neste quadro, não nos parece legítimo nem sustentado falar-se de “interrupção” do “percurso de formação académica”, conceito que, aliás, nem corresponde ao constante do dispositivo legal atinente [no qual se alude a “processo de educação ou formação profissional”].

Com efeito, no quadro temporal em questão – com a maioridade atingida – o Requerido nem interrompeu o seu “processo de educação”, nem interrompeu a sua “formação profissional”!

Quanto à primeira, porque não está em causa uma qualquer “interrupção”, mormente do “processo de educação”.

Antes pelo contrário, quanto a nós, o que se evidencia é que o Requerido iniciou, no quadro da sua inscrição no Centro de Emprego e Formação Profissional, a frequência de um “Curso de aprendizagem de Técnico de Informático – Instalação e Gestão de Redes”, o qual para alem de ter uma valência de educação (ao permitir no seu final o acesso ao ensino superior) é seguramente de “formação profissional”.

Ora se assim é, o que se pode e deve concluir é que por o Requerido não ter competências nem qualificações, não logrou sucesso na sua primeira experiência no mercado laboral, donde lhe ser necessário e imprescindível a frequência de um curso de “formação profissional” como é aquele que ora decorre.

Dito de outra forma: no momento da sua maioridade o Requerido ainda não tinha a sua “formação profissional” feita, processo de formação esse que agora leva a efeito.

É que ainda que se admita que não haja grande consenso na definição do conceito de “formação profissional”, parece-nos que a afirmação positiva de tal não pode ser dissociada do rumo profissional do alimentado.

O que releva sobremaneira no caso vertente!

Por outro lado, não nos parece que tenha qualquer sentido a objeção de que este “processo de formação” em curso não é promovido pelo Ministério da Educação, quando o normativo em questão não exige um tal requisito, nem logicamente nos pareça que seja de estabelecer, posto que não se vê qualquer sentido ou razão para tal. 

Assim sendo, não se vislumbra como se pode afirmar que está verificada a dita ressalva legal da “livre interrupção do processo de educação ou formação profissional”.

Ademais, competindo o ónus da prova da verificação desta ressalva legal ao progenitor da A./requerente, ora recorrente, isto é, ao R./requerido/recorrido, tal significa e implica que sempre caberia a este último o ónus de alegar e provar que o processo de educação ou formação profissional da A./requerente foi voluntariamente interrompido, ilidindo, dessa forma, a presunção legal da necessidade de alimentos do filho maior, com idade compreendida entre os 18 e os 25 anos, para completar a sua formação profissional, conforme já supra aludido.

E que dizer da alegada verificação do outro requisito relevante para este mesmo efeito, a saber, a de “irrazoabilidade” da exigência da continuidade de prestação de alimentos pelo progenitor?

Mais concretamente, alegou-se tão-somente o seguinte nas alegações recursivas:

«Aliás, conforme o estatuído no normativo referido, a obrigação de prestação de alimentos, nas situações de maioridade ou emancipação, encontra-se adstrito a um critério de razoabilidade, que terá de ser interpretado de forma temperada, devendo entrar como “fator de apreciação a conduta do filho e a consideração da sua peculiar situação, sob pena de podermos até transigir com situações de abuso do direito(1)”, conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo n.º 484/05.0TCGMR.G1, consultável em www.dgsi.pt.

(1)Vide: http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/5d787595149683208025770c004c20c9?OpenDocument

Deste modo, considerando que o Requerido, ora Recorrido, abandonou os estudos de forma livre e voluntária, dando início à vida de trabalho, e em geral, atendendo à respetiva conduta, descrita nos autos, salvo o devido respeito por douta opinião em contrário, a decisão do Tribunal a quo, não se afigura, de acordo com os critérios de proporcionalidade e da justeza, nem tão-pouco como equitativa.»

Neste conspecto, salvo o devido respeito, também não assiste qualquer razão nessa parte ao A./requerente ora recorrente.

Desde logo porque se desconhece na realidade e em concreto o quadro em que o Requerido finalizou o seu “processo educativo”[3].

Depois, porque se deteta que o mesmo tem empregue um esforço sério e consistente, quer no sentido de desempenhar uma atividade laboral, quer no sentido de adquirir algum suporte económico [cf., ainda, o facto “provado” sob a al. V)].

Contudo, os €30/40 diários auferidos como rachador de lenha, e os €43,88 mensais auferidos no curso de formação profissional são manifestamente insuficientes, sendo certo que a sua progenitora se encontra numa situação deficitária, atento o montante diminuto [€578,00 – cf. facto “provado” sob a al. Q)], de que dispõe para suportar um agregado familiar composto pela própria e por mais dois filhos, estes últimos ainda menores de idade.

Ora isto tem a maior relevância à luz do critério e determinante na análise e ponderação para este efeito, a saber, o da capacidade de trabalho e os recursos económicos existentes na esfera jurídica do filho maior.

Com efeito, uma conclusão neste particular não pode desconsiderar o que se pode e deve concluir à luz do disposto no art. 1879º do C.Civil[4], isto é, importará sempre ponderar se o filho maior poderá prover, ainda que parcialmente, às suas necessidades educacionais através de outros meios ou instrumentos que dispensem o direito a alimentos.

  Ademais, quanto ao conceito de “razoabilidade”, o critério assenta, segundo a melhor doutrina[5], na imputação da não conclusão da formação profissional à culpa grave do filho, na medida em que a obrigação de alimentos a favor do filho deve continuar a ser paga pelo progenitor, para além da maioridade daquele, desde que se mantenha a situação de necessidade, sem culpa do beneficiário.

Atente-se que a propósito deste conceito de “razoabilidade”, e segundo a mesma linha doutrinária, o critério assenta na imputação da não conclusão da formação profissional à culpa grave do filho, na medida em que a obrigação de alimentos a favor do filho deve continuar a ser paga pelo progenitor, para além da maioridade daquele, desde que se mantenha a situação de necessidade, sem culpa do beneficiário, isto é, o fundamento da cessação da obrigação de prestar alimentos implica um comportamento grave na não conclusão da sua formação profissional.

Temos presente que outra linha doutrinária[6] sustenta que o critério passará pela cláusula geral do abuso de direito e não tanto pela alegação e prova de um comportamento gravemente censurável ao credor de alimentos, seja a título de dolo, seja a título de mera culpa, operando esta cláusula geral que se traduz no abuso de direito de peticionar alimentos quando, por exemplo, tendo em conta a natureza e o padrão de dificuldade da formação universitária, o filho maior demora mais de três anos para obter a aprovação em apenas duas ou três cadeiras, não sendo este trabalhador-estudante, donde, o critério do art. 1880º do C.Civil[7] não estaria na existência de culpa grave do filho, mas sim na verificação de determinados elementos objetivos e subjetivos que densificam os conceitos de razoabilidade e (in)exigibilidade.

Sucede que, no caso vertente, o A./requerente/recorrente nem verdadeiramente alega ou questiona que o filho aqui Réu/requerido/recorrido não careça do processo de “formação profissional” ou que nele não esteja empenhado, ou que não esteja a obter sucesso…

Por outro lado, a jurisprudência vem considerando que só a violação grave do dever de respeito por parte do filho para com o pai poderá constituir causa de cessação da obrigação de prestar alimentos após a maioridade, nos termos do art. 1874º do C.Civil.[8]

Mas será que o critério de “razoabilidade” abrange a possibilidade de o devedor alimentar invocar, para se desobrigar, desentendimentos ou conflitos com os filhos normais entre diferentes gerações ou um corte de relações por iniciativa dos filhos?

Parece-nos inquestionável o entendimento de que aquando da atribuição de alimentos, não se devem considerar situações de mérito ou desmérito, na medida em que os alimentos não são equiparáveis a uma recompensa ou sanção.[9]

Aliás, mesmo perspetivando a situação à luz da problemática da reciprocidade das ofensas, é insofismável o entendimento de que só cessará o direito a alimentos ao filho maior se por culpa grave houver um comportamento deste que se traduza na prática intencional do facto invocado como fundamento para o pedido de alimentos ou a invenção intencional de condições propícias a esse facto, sendo que a prática de qualquer outro ato pelo filho maior, mesmo que a provocação ao progenitor ofensor, não lhe retira o direito de peticionar alimentos com base nas faltas do progenitor, embora deva ser tido em consideração na apreciação a gravidade dessas faltas em conformidade com o princípio da razoabilidade.[10]

Sem embargo do vindo de dizer, o que é certo é que os factos “provados” dos autos nada evidenciam a esta luz que possa ser interpretado em benefício ou apoio da pretensão do A./requerente/recorrente!

Assim sendo, improcede inapelavelmente este argumento recursivo e o recurso.

               5 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I – A lei nº 122/2015, de 1 de setembro, clarificou que a obrigação de pagamento da pensão de alimentos se mantém depois da maioridade do filho e até que este perfaça 25 anos de idade, ressalvadas as situações em que o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou quando não seja razoável impor ao progenitor tal obrigação.

II – A propósito deste conceito de “razoabilidade”, importará sempre ponderar se o filho maior poderá prover, ainda que parcialmente, às suas necessidades educacionais através de outros meios ou instrumentos que dispensem o direito a alimentos.

III – Sendo certo que o critério sempre assentará, sendo disso caso, na imputação da não conclusão da formação profissional à culpa grave do filho, na medida em que a obrigação de alimentos a favor do filho deve continuar a ser paga pelo progenitor, para além da maioridade daquele, desde que se mantenha a situação de necessidade, sem culpa do beneficiário.

IV – Por outro lado, só a violação grave do dever de respeito por parte do filho para com o pai poderá constituir causa de cessação da obrigação de prestar alimentos após a maioridade, nos termos do art. 1874º do C.Civil.

                                                                          6 - DISPOSITIVO

               Pelo exposto, julga-se a apelação totalmente improcedente e confirma-se a decisão recorrida.

Custas do recurso pelo Requerente/Recorrente.

                                                                                                                 Coimbra, 22 de Junho de 2021  

                                                                          Luís Filipe Cravo

                                                                      Fernando Monteiro

                                                                          Ana Márcia Vieira


***


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Ana Vieira
 
[2] Citámos J. H. DELGADO DE CARVALHO, “O novo regime de alimentos devidos a filho maior ou emancipado; contributo para a interpretação da Lei n.º 122/2015, de 1/9 (2)”, a págs. 2-3, in Blog do IPPC, acessível através de https://blogippc.blogspot.com/2015/09/o-novo-regime-de-alimentos-devidos_28.html.


[3] De referir que o melhor entendimento/interpretação sobre a “interrupção por livre iniciativa” não nos parece que possa ser dissociado duma ação do agente consciente, informada e livre de qualquer constrangimento, quer ao nível económico, quer social – cf., inter alia, o acórdão do TRP de 27.04.2017, proferido no proc. nº 395/12.3TBVLC-H.P1, acessível em www.dgsi.pt/jtrp.
[4] Cf. «Os pais ficam desobrigados de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em que os filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos.»
[5] Neste sentido, MARIA DE NAZARETH LOBATO GUIMARÃES, in “Alimentos”, Reforma do  Código Civil, Revista da Ordem dos Advogados, 1981, a págs. 207.
[6] Cf. J. P. REMÉDIO MARQUES, in “Algumas notas sobre alimentos (Devidos a Menores)”, 2ª Edição Revista, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, a págs. 295-296.
[7] No qual, sob a epígrafe de “Despesas com os filhos maiores ou emancipados”, se preceitua pela seguinte forma: «Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.»
[8] V.g., no acórdão do TRC de 21/04/2015, proferido no proc. n.º 1503/13.2TBLRA.C1 (em que, aliás, o aqui Relator foi Adjunto), considerou-se que o facto de a filha e do progenitor não se relacionarem e esta ter prestado depoimento em sede de inquérito penal, podendo prejudicar o progenitor, não recebendo  qualquer crédito por parte do Magistrado do Ministério Público, não basta para desonerar o progenitor da obrigação de prestar alimentos, isto porque, apesar de se provar que pai e filha não se relacionam «(…) não ficaram apuradas as razões do afastamento entre pai e filha e do seu não relacionamento. Os factos provados não permitem concluir que tal situação é imputável à requerente, resultando da experiência comum que muitas vezes são os progenitores que no âmbito de processo de separação menos amigável, não conseguem pôr acima das suas próprias controvérsias o interesse dos seus filhos. Não temos por isso elementos suficientes que nos permitam dizer que a requerente violou gravemente o dever de respeito para com o seu pai.»; também no acórdão do TRL de 08/03/2012, proferido no proc. nº 287/10.0TMPDL.L1-6, se decidiu que o facto de a filha não falar com o progenitor desde os seus 13 anos de idade não constitui violação grave do dever de respeito; ambos os arestos estão disponíveis em www.dgsi.pt.
[9] Neste sentido vide MARIA CLARA SOTTOMAYOR, in Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio”, 5º Edição Revista, Aumentada e Actualizada, Coimbra, Almedina, 2011, a págs. 336.
[10] Assim F. M. PEREIRA COELHO e GUILHERME DE OLIVEIRA, in “Curso de Direito da Família”,
Vol. I, 4.ª Edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, a págs. 657.