Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
505/12.0TBCVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: COMPETÊNCIA TERRITORIAL
CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO
COMPETÊNCIA CONVENCIONAL
Data do Acordão: 12/05/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.74, 87, 100, 110 CPC, 774 CC
Sumário: 1. É para a 1ª parte do nº 1 do art. 74º do CPC, onde se estipula ser obrigatória a demanda no tribunal do domicílio do réu, que remete a alínea a) do nº 1 do art. 110º do mesmo código, estendendo-se a mencionada primeira parte do nº 1 do art. 74º até à expressão “é proposta no tribunal do domicílio do réu”;

2. Está fora do conhecimento oficioso do tribunal a situação prevista na 2ª parte do nº 1 do citado art. 74º, designadamente a referente a pessoas colectivas.

3. Sendo a ré uma sociedade e tendo celebrado com a autora um pacto de competência territorial tal acordo é válido e deve ser respeitado, embora a última demande aquela para obter quantia pecuniária com base em cumprimento/incumprimento do contrato, celebrado entre ambas.

Decisão Texto Integral: I – Relatório

1. As RR S (…) + C (…)  Marcas, SA, e S (…)+C (…), SA, com sede em Oeiras, na sua contestação à presente acção, bem como aquela R. na oposição deduzida à providência cautelar apensa, arguiram a excepção de incompetência territorial do Tribunal Judicial da Covilhã, para conhecer a presente acção. Para o efeito, alegaram que há uma convenção contratual - pacto de aforamento - no sentido de que o tribunal competente é o da comarca de Oeiras.

Por despacho proferido nos autos de providência cautelar apensa, foi decidido que o conhecimento do problema da competência deste Tribunal para a providência cautelar, implica o conhecimento da competência para a acção principal, razão pela qual se determinou a notificação da autora para efeitos do exercício do contraditório quanto a tal excepção. A autora veio defender, tal como tinha defendido na p.i. da acção principal, a competência do Tribunal da Covilhã, com fundamento no facto de ter optado pelo lugar do cumprimento da obrigação, sendo a convenção de aforamento ineficaz.

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O tribunal proferiu, depois, despacho em que, julgando desnecessário a produção de qualquer prova, decidiu declarar o Tribunal Judicial da Covilhã territorialmente incompetente para o conhecimento do objecto da acção (e da providência cautelar apensa), e ordenou a remessa dos autos para o Tribunal Judicial de Oeiras.

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2. A A. interpôs recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:

1. A jurisprudência seguida no douto despacho recorrido contraria a jurisprudência seguida no douto Acórdão desta Relação de 20.01.2009, no processo de Agravo n.º 1870/07.7TBCTC.C1, relatado pelo Exm.º Sr. Desembargador Manuel Capelo.

2. Neste outro caso estava em causa um pacto atributivo de jurisdição, nos termos do qual o foro competente para dirimir litígios emergentes do contrato celebrado entre as partes, seria como no presente caso, o foro correspondente à sede da Ré.

3. Enquanto no presente caso se julgou competente territorialmente o tribunal da área da sede da Ré, naquele outro caso julgou-se competente territorialmente o tribunal da área da sede da Autora.

4. Quer num caso quer noutro está em causa o incumprimento de obrigações e a indemnização decorrente do incumprimento do contrato que constitui a causa de pedir.

5. Destarte, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, o douto despacho recorrido abraçou jurisprudência contrária a jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça (n.º 12/2007 de 2007-10-18 (D.R. N.º 235 SÉRIE I-A, de 06 de Dezembro de 2007)

6. Segundo esta jurisprudência uniformizadora “ A partir da entrada em vigor da lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, não podem as partes contraentes acordar eficazmente o foro territorial para as acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso bem como a resolução do contrato por falta de cumprimento”.

7. O douto despacho recorrido acaba, assim, por abraçar o outro entendimento jurisprudencial sobre a mesma questão, ou seja, entende que a expressão “a primeira parte do n.º 1 … do art.º 74º”, utilizada no art.º 110º, n.º 1 al. a) do C.P.C se refere apenas às acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações, mas não já nos casos de indemnização por não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução por falta de cumprimento.

8. Para além do pedido formulado se colocar no âmbito das obrigações pecuniárias que, tendo previsão no art.º 774º do C. Civil, têm como lugar de cumprimento o domicílio do credor ao tempo do incumprimento,

9. Há que atender ao conteúdo da respectiva petição inicial para aquilatar e decidir sobre o local do cumprimento das obrigações emergentes para as partes desse contrato e, consequentemente, se poder decidir da competência ou não do Tribunal da Covilhã.

10. Constata-se que a A. alega que em 2006 celebrou com a Ré um Contrato de Compra Exclusiva por via do qual impendia sobre a A. a obrigação de revender exclusivamente no seu estabelecimento comercial, situado na Serra da Estrela, Covilhã, aos seus clientes, os produtos contratuais marcados e produzidos pela Ré e melhor identificados no contrato.

10-A) Por via desse mesmo contrato a A., ora recorrente, obrigou-se ainda:

- a realizar a publicidade das marcas da Ré nas paredes exteriores dos restaurantes e bares do seu estabelecimento;

- a não comercializar e a não publicitar no seu estabelecimento sediado na Covilhã, bebidas concorrentes das da Ré;

- a Ré reservou ainda para si o direito de não aceitar qualquer transmissão ou cessão de exploração do estabelecimento da Autora, sediado na Covilhã;

- os fornecimentos dos produtos contratuais eram feitos pelo Distribuidor Covisumos, com armazém e sede na Covilhã e a quem o GSC confiou a distribuição exclusiva dos seus produtos nos Concelhos da Covilhã e do Fundão e parte de Belmonte, desde 1954;

- os pagamentos eram feitos na Covilhã;

- a quantia de € 75.000 já paga pela Ré por conta da contrapartida acordada (€125.000), foi paga na sede da Autora, na Covilhã;

- por acordo das partes a parte da contrapartida financeira que falta pagar (€ 50.000), devia também ser paga na sede da Autora, na Covilhã.

11. Ora, no probatório do douto despacho recorrido omitem-se todos estes factos, sendo certo que, ao invés do afirmado no mesmo, a existência do tal Contrato de Compra Exclusiva é matéria assente;

12. E ainda que não o fosse, por revelar para a boa decisão do incidente de incompetência territorial podia e devia tal matéria ter sido instruída e julgada;

13. Razão pela qual, o douto tribunal recorrido incorreu também em erro de julgamento e/ou deixou de se pronunciar sobre questões que devia conhecer, por se afigurarem absolutamente necessárias e indispensáveis para a boa decisão da causa.

14. A única conexão de Oeiras com o contrato que constitui a causa de pedir da acção consiste na circunstância de a Ré ter a sua sede no concelho de Oeiras.

15. Se tivesse a sua sede em Braga, Porto ou Coimbra que influência teria na execução do contrato?

16. A relação comercial subjacente durou 5 anos e só existia porque existia o estabelecimento comercial da A., sediado na Covilhã, sendo totalmente indiferente para este contrato a sede da Ré.

17. Destarte, que sentido faz julgar a presente acção no tribunal de Oeiras, quando durante 5 anos toda a vida dessa relação comercial se desenvolveu em absoluta conexão com o estabelecimento comercial da A. sediado na Serra da Estrela e, consequentemente, com o foro da Covilhã!

18. Perante todo o exposto, o douto despacho recorrido acolhe erro de julgamento da matéria de facto alegada na petição inicial, bem como acolhe errada interpretação e aplicação dos artigos 74º, n.º 1 e 110º, n.º 1, do C.P.Civil, art.º 774º do C.Civil e da Lei 14/2006, de 26 de Abril, contrariando ainda jurisprudência uniforme tirada no Acordão do STJ n.º 12/2007, de 2007-10-18 (D.R. N.º 235 SÉRIE I-A, de 06 de Dezembro de 2007), seguida por este Tribunal da Relação de Coimbra

NESTES TERMOS e nos melhores de direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso de apelação e ser revogado o douto despacho recorrido, julgando-se competente territorialmente para instruir e julgar a presente acção o foro da comarca da Covilhã.

Como é de LEI e de DIREITO.

3. Inexistem contra-alegações.

II – Factos Provados

Para efeitos de apreciação da excepção de incompetência territorial do Tribunal, foi considerada assente a seguinte factualidade:

a) A autora tem a sua sede na Covilhã.

b) A ré S(…)+ C (…), Marcas, S.A., tem a sua sede em Carnaxide, Oeiras.

c) A ré M (…), S.A., tem a sua sede no Porto.

d) A autora, no âmbito destes autos de acção declarativa, peticiona:

i) a condenação da ré Sumol a pagar-lhe 75.000,00 €, acrescido de juros;

ii) a condenação da mesma ré a abster-se de pedir ao banco (…) o pagamento de quaisquer importâncias ao abrigo da garantia bancária n.º 125-02-1017123;

iii) a condenação da ré (…) a que se abstenha de entregar à Cibal (Sumol) qualquer importância ao abrigo da garantia bancária n.º 125-02-1017123 desse banco.

Fundamenta tal pedido no incumprimento contratual decorrente do acordo celebrado com a 1ª ré e a C (…) Lda., denominado “contrato de compra exclusiva”.

e) A autora, no âmbito da providência cautelar apensa, peticionou o descrito em d)-ii) e d-iii), o que, sem audiência prévia das rés, foi deferido.

d) No âmbito do acordo “contrato de compra exclusiva”, reduzido a escrito, ficou estipulado que:

i) “Para dirimir qualquer litígio emergente deste contrato é apenas competente o Tribunal da Comarca de Oeiras” (cl. 11ª).

III – Do Direito

 1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 684º, nº 3, e 685º-A, do CPC).

Nesta conformidade a única questão a decidir é a seguinte.

- Competência territorial do Tribunal da Covilhã.

2. Na decisão recorrida escreveu-se que:

“Para apreciação da competência do tribunal temos de ser presente a configuração da relação material controvertida tal como a mesma é apresentada em juízo pela autora.

No âmbito destes autos a autora peticionada a condenação da ré Sumol a paga-lhe uma quantia monetária, com fundamento em incumprimento contratual.

Mais peticiona a paralisação dos efeitos da garantia bancária n.º 125-02-1017123 prestada pelo M (…), no âmbito desse mesmo contrato, o que fundamenta no incumprimento contratual da ré.

A competência para o cumprimento da obrigação encontra-se prevista no art. 74º do CPC.

No termos do art. 74º, n.º 1 do CPC, “A acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento é proposta no tribunal do domicílio do réu, podendo o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o réu seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana”.

A norma em apreço abrange todas as acções destinadas a titular o interesse do credor no caso de o devedor não cumprir, ou incumprir defeituosamente, a obrigação.

A regra do forum obligationis é hoje a do domicílio do réu.

Contudo, estabeleceu-se um foro alternativo condicional, isto é, deixa-se à escolha do credor a opção de litigar no tribunal do lugar do cumprimento da obrigação ou no domicílio do réu quando o réu seja uma pessoa colectiva ou quanto o autor e o réu tenham domicílio na área metropolitana de Lisboa ou do Porto.

Ora, in casu, considerando a relação jurídico-processual tal como foi apresentada em juízo, a autora tem o seu domicílio/sede na Comarca da Covilhã, uma das rés em Oeiras e a outra no Porto.

O domicílio da ré cujo incumprimento contratual é sancionado na petição inicial é em Oeiras.

Em conformidade, por força do art. 74º, n.º 1, 1ª parte, do CPC, o tribunal territorialmente competente para conhecer a presente acção seria o Tribunal Judicial de Oeiras (solução que, perante a pluralidade de réus e cumulação de pedidos, se mostra conforme também ao que resulta do art. 87º, nº 3 do CPC).

Sucede que estão verificados os pressupostos legais previstos na 2ª parte do n.º 1 do art. 74º do CPC, que possibilitam que o credor, isto é, a autora nestes autos, possa escolher litigar no tribunal do lugar do cumprimento da obrigação ou no domicílio do réu.

Se a obrigação tiver por objecto certa quantia em dinheiro, dispõe o art. 774º do CC, deve a prestação ser efectuada no domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento.

Tal dispositivo legal é uma norma supletiva, na medida em que as partes podem estipular em contrário.

(…)

Ora, in casu, nesta fase, não temos assente a existência de tal acordo, pelo que, tendo presente a obrigação de pagamento reclamada nestes autos pela autora – 75.000,00 € –, seria o domicílio desta, enquanto credora, o lugar do cumprimento de tal obrigação.

Assim, sendo o lugar de cumprimento da obrigação (a obrigação cujo incumprimento é sancionado nestes autos – a do montante de 75.000,00 € não pagos pela ré Sumol –, a sede da sociedade autora, isso significa que a autora, enquanto credora, poderia optar por este domicílio, ou seja, poderia optar por propor a acção no Tribunal Judicial da Covilhã.

Sucede que do acordo escrito, denominado “contrato de compra exclusiva” - cujo incumprimento é sancionado no âmbito da petição inicial - ficou acordado que “Para dirimir qualquer litígio emergente deste contrato é apenas competente o Tribunal da Comarca de Oeiras”.

Ora, em tal acordo as partes designam como competente para o julgamento do presente litígio o Tribunal Judicial de Oeiras.

O pacto de competência existe como forma de afastar por vontade das partes as regras da competência territorial – art. 100º, n.º 1 do CPC.

O pacto de competência apenas pode incidir sobre a competência em razão do território, e, mesmo assim, ainda com a ressalva dos casos de conhecimento oficioso da incompetência relativa previstos no art. 100, n.º 1 do CPC (cfr. José Lebre de Freitas …, Código de Processo Civil Anotado, p. 187).

(…)

Um desses casos de conhecimento oficioso, nos termos do art. 110, n.º 1, al. a) do CPC, é exactamente a primeira parte do n.º 1 do art. 74.º do CPC, que estipula que a “acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento é proposta no tribunal do domicílio do réu”.

A Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, veio alargar os casos de conhecimento oficioso da incompetência relativa, por violação das regras de competência territorial, à 1ª parte do n.º 1 do art. 74º do CPC.

A regra de competência em razão do território constante da primeira parte do n.º 1 do art. 74º do CPC (norma legal de competência), porque o proíbe o art. 100º, n.º 1 in fine do CPC, não podem ser afastada por convenção das partes, sendo nulo o pacto que o estipule (neste sentido, vide José Lebre de Freitas …, op. cit., p. 185).

In casu, não existe o afastamento da competência territorial decorrente do art. 74º, n.º 1, 1ª parte, do CPC (esta, nos termos supra referidos, coincide com o acordado).

Na verdade, conforme resulta do já exposto, o domicílio da ré cujo incumprimento contratual é sancionado com os pedidos deduzidos nestes autos é exactamente o da Comarca do Oeiras (que coincide com o Tribunal convencionado).

O pacto de competência limita-se a afastar a 2ª parte do n.º 1 do art. 74º do CPC.

Contudo, essas normas – referentes ao foro alternativo condicional, conforme decorre do art. 110º do CPC –, não são regras de competência de conhecimento oficioso, pelo que o contratualmente estipulado mostra-se plenamente válido (apenas as regras de competência territorial de conhecimento oficioso não podem ser afastadas por vontade das partes, o que é fundamento de nulidade do pacto de competência).

Portanto, com fundamento no pacto de competência (que não viola qualquer norma de competência de conhecimento oficioso), a competência para dirimir o presente litígio é do Tribunal Judicial de Oeiras.

A competência fundada em acordo convencional, conforme decorre do n.º 3 do art. 100º do CPC, e tão obrigatória como a que deriva da lei, importando a sua infracção a incompetência relativa do Tribunal.

(…)

Por todo o exposto, importa concluir que este Tribunal é territorialmente incompetente para conhecer o objecto desta acção, sendo o competente para a tramitação da presente acção é o Tribunal Judicial da Comarca da Oeiras.

Por força do disposto no art. 83º, n.º 2 do CPC, atenta a apensação entretanto ocorrida, será também este o Tribunal competente para os actos e diligências da providência cautelar apensa” – fim de transcrição.

Adianta-se desde já que o despacho recorrido decidiu correctamente, estando bem e claramente fundamentado. A recorrente é que se nos afigura não o ter lido ou compreendido bem, face às conclusões 5. a 9. que apresenta.

Importa, pois, adicionar algumas notas clarificadoras.

A previsão legal do transcrito art. 74º, nº 1, foi introduzida pela Lei 14/2006, de 26.4 e reproduz a previsão que constava na proposta de lei nº 47/X, publicada no Diário da Assembleia da República II - Série A, nº 69, de 15 de Dezembro de 2005. Na citada proposta de lei justificou-se a alteração proposta como visando, de um lado, o descongestionamento dos tribunais e, de outro lado, a tutela do consumidor, aproximando-se a justiça do consumidor, permitindo-lhe um pleno exercício dos seus direitos em juízo, obtendo-se assim um maior equilíbrio de distribuição territorial da litigância cível.

Na mesma proposta consignou-se que o “demandante poderá, no entanto, optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o demandado seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na Área Metropolitana de Lisboa ou do Porto, o demandado tenha domicílio nessa mesma área. No primeiro caso, a excepção justifica-se por estar ausente o referido valor constitucional de protecção do consumidor; no segundo, por se entender que este intervém com menor intensidade. Com efeito, nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto não se afigura especialmente oneroso que o réu ou executado singular continue a poder ser demandado em qualquer das demais comarcas da área metropolitana em que reside, nem se descortinam especiais necessidades de redistribuição do volume processual hoje verificado em cada uma das respectivas comarcas”.

Portanto, o que sobressai da previsão legal que actualmente constitui o nº 1 do artigo 74º do Código de Processo Civil, é que o domicílio do devedor só releva, em primeira linha, quando seja ré uma pessoa singular.

Tratando-se de pessoa colectiva, a lei faculta ao credor a escolha do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida.
Embora não tratando especificamente da matéria, não deixou o STJ de dizer, no Acórdão onde foi tirada a Uniformização de Jurisprudência n.º 12/2007, de 18.10.2007 (D.R. nº 235 SÉRIE I-A, de 6.12.2007) que da conjugação dos preceitos legais citados resultou “a impossibilidade, a partir da entrada em vigor da Lei nº 14/2006, de as partes contraentes acordarem eficazmente a estipulação de foro convencional para as acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização por incumprimento ou cumprimento defeituoso ou a resolução do contrato por falta de cumprimento.
As referidas causas passaram a dever ser propostas no tribunal do domicílio do réu, podendo apenas o autor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o réu seja pessoa colectiva, ou, situando-se o domicílio do último na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o primeiro tenha domicílio na mesma área metropolitana, sob pena do tribunal diverso daquele onde venham eventualmente a ser instauradas se declarar territorialmente incompetente para delas conhecer”.
Assim, a alteração da a) do nº 1 do art. 110º do CPC, determinando o conhecimento oficioso pelo tribunal da competência territorial nos casos previstos na 1ª parte do nº 1 do referido art. 74º inviabilizou a possibilidade de afastamento das regras de competência em razão do território através dum pacto de competência, como previsto no nº 1 do art. 100º daquele diploma.

Sendo para a 1ª parte do nº 1 do art. 74º do CPC, onde se estipula ser obrigatória a demanda no tribunal do domicílio do réu, que remete a a) do nº 1 do art. 110º do mesmo código, pois a mencionada primeira parte do nº 1 do art. 74º estende-se até à expressão “é proposta no tribunal do domicílio do réu”.

Desta sorte, impõe-se concluir que está fora do conhecimento oficioso do tribunal o caso previsto na 2ª parte do nº 1 do transcrito art. 74º. (pode ver-se os Ac. Rel. Coimbra, de 3.7.2012, Proc.814/11.6TBCVL, da Rel. Lisboa, de 30.6.2011, Proc.3366/11, e do STJ, de 8.1.2009, Proc.08B2183, em www.dgsi.pt)

Sintetizando, podemos afirmar que o preceito legal transcrito estabelece, na sua primeira parte, uma regra geral de competência territorial - o domicilio do réu. Porém, na sua segunda parte desvia-se da regra, estabelecendo que no caso em que o réu seja uma pessoa colectiva, o credor pode optar pelo lugar do cumprimento da obrigação. Como decorre do disposto no art. 110º, nº 1, al. a), do CPC, é de conhecimento oficioso a incompetência territorial do tribunal, por infracção da primeira parte do art. 74º, nº 1, do CPC. Mas não da segunda parte, desse normativo.

Embora a A. vise obter nestes autos a quantia de 75.000 €, correspondente (50.000 €) a cumprimento de obrigações do contrato celebrado com a ré S (…)+C(…) Marcas, SA, e (25.000 €) a indemnização por incumprimento do mesmo, o que é certo e seguro é que as ora RR (que arguiram a excepção de incompetência) são ambas pessoas colectivas (sociedades), pelo que o caso em apreço cabe na segunda parte do mencionado normativo.

Como a ré S (…)+C (…) Marcas, SA, é uma pessoa colectiva, torna-se forçoso concluir que o pacto de competência que celebrou com a A. era legalmente possível, é válido e deve ser respeitado, pois tal competência é tão obrigatória como a que deriva da lei (citado art. 100º, nº 3, do CPC). Importando a sua infracção a incompetência relativa do tribunal da Covilhã, sendo, assim, competente territorialmente para conhecer da presente acção o tribunal convencionado de Oeiras.

3. Sumariando (art. 713º, nº 7, do CPC):

i) É para a 1ª parte do nº 1 do art. 74º do CPC, onde se estipula ser obrigatória a demanda no tribunal do domicílio do réu, que remete a a) do nº 1 do art. 110º do mesmo código, estendendo-se a mencionada primeira parte do nº 1 do art. 74º até à expressão “é proposta no tribunal do domicílio do réu”;

ii) Está fora do conhecimento oficioso do tribunal a situação prevista na 2ª parte do nº 1 do citado art. 74º, designadamente a referente a pessoas colectivas;

iii) Sendo a ré uma sociedade e tendo celebrado com a autora um pacto de competência territorial tal acordo é válido e deve ser respeitado, embora a última demande aquela para obter quantia pecuniária com base em cumprimento/incumprimento do contrato entre ambas celebrado.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

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Custas pela recorrente.

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Moreira do Carmo ( Relator )

Alberto Ruço

Fernando Monteiro