Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
551/19.3T8GRD-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA CATARINA GONÇALVES
Descritores: INSOLVÊNCIA
CRÉDITO SUBORDINADO
PESSOA ESPECIALMENTE RELACIONADA COM O DEVEDOR
Data do Acordão: 11/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA - GUARDA - JL CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS 48 A), 49 CIRE
Sumário: I – O art. 49.º do CIRE atribui o estatuto de “pessoa especialmente relacionada com o devedor” às pessoas que se incluam numa das situações ali elencadas, independentemente de qualquer outro facto ou circunstância, pelo que, uma vez demonstrado que determinada pessoa se insere numa das situações que aí se encontram previstas, considera-se, automaticamente e sem possibilidade de qualquer alegação e prova do contrário, que está em causa uma pessoa especialmente relacionada com o devedor para os efeitos previstos no CIRE.

II – Uma vez atribuído a determinada pessoa o estatuto de “pessoa especialmente relacionada com o devedor” – em função do disposto no art. 49.º - os créditos sobre a insolvência de que ela seja titular são sempre – e automaticamente – considerados como créditos subordinados, em face do disposto no art. 48.º, alínea a), do CIRE, desde que essa relação especial já existisse aquando da aquisição do crédito, sem qualquer outra restrição ou excepção e independentemente de quaisquer outros factos ou circunstâncias.

III – O citado art. 48.º, alínea a), não consente qualquer interpretação restritiva que imponha restrições, excepções ou limitações à classificação dos créditos como subordinados que ali não se encontram previstas (seja no sentido de limitar essa classificação aos actos praticados em determinado período temporal, seja no sentido de fazer depender tal classificação de qualquer outro factor ou circunstância); tal interpretação restritiva pressupunha que o sentido da norma dela decorrente tivesse um mínimo de relação ou correspondência com a letra da lei – ainda que imperfeita, indirecta ou implícita – e tal não acontece no caso, tendo em conta os termos claros, expressos e categóricos da norma em questão que apontam para o facto de o legislador ter pretendido, efectivamente, incluir na previsão normativa as situações que nela ficaram previstas sem qualquer excepção ou restrição.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

No âmbito do processo de insolvência referente a F (…) o Sr. Administrador da Insolvência apresentou a relação de créditos reconhecidos, onde incluiu – além de outros – um crédito de I (…) no valor global de 821.094,78€, emergente de contrato de mútuo com hipoteca, ao qual atribuiu a natureza de crédito subordinado.

A referida credora veio deduzir impugnação no que se refere, designadamente, à natureza do crédito, sustentando que o seu crédito deve ser reconhecido e graduado como crédito comum e não como crédito subordinado.

Argumenta, para o efeito: que, apesar de ser mãe do Insolvente, o empréstimo que está subjacente ao crédito foi feito em 2011 e não emerge de qualquer relação especial, tendo sido constituído em data em que ninguém, na sua perfeita e total boa fé, imaginaria que o devedor pudesse vir a ser declarado insolvente, oito anos depois e que o art. 48.º, a), do CIRE deve ser objecto de interpretação restritiva, tendo em conta o elemento racional ou teleológico e a filosofia que lhe está subjacente, de modo a excluir a sua aplicação quando se mostre – como aqui acontece – que a causa de ser da constituição do crédito é tolamente alheia a qualquer relação especial entre a credora e o devedor, não tendo sido realizada quando o devedor se encontrava em uma situação de insolvência ou pré insolvência.

A credora J (…), Ld.ª respondeu, sustentando que o crédito foi devidamente classificado como subordinado, dada a circunstância de a Impugnante ser ascendente do devedor. Alegando dever ser afastada a interpretação defendida pela Impugnante que ultrapassa a letra e o espírito da lei, acrescenta que a constituição da referida hipoteca não foi um acto inocente, sem qualquer relação com a insolvência do devedor, estando, pelo contrário, intimamente ligado a um plano concertado elaborado pelo Insolvente, de ocultação, dissipação e oneração total dos bens, com o intuito claro de prejudicar os credores, para que estes não sejam ressarcidos dos valores que têm direito a receber.

O Sr. Administrador da Insolvência veio responder, dizendo manter o reconhecimento do crédito como subordinado.

Foi proferido despacho saneador e, a final, veio a ser proferida sentença que, julgando improcedente a impugnação, manteve a qualificação do crédito como subordinado e procedeu à respectiva graduação em conformidade com essa natureza, graduando-o para ser pago após os demais créditos não subordinados.

Inconformada com essa decisão, a credora I (…) veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

(…)

As credoras J (…), , Lda. e S(…)S.A. vieram apresentar contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

(…)

II.

Questão a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações da Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste em saber se o crédito da Apelante (mãe do Insolvente) deve (ou não) ser classificado como crédito subordinado em face do disposto nos arts. 48.º e 49.º do CIRE, importando saber, designadamente, se a alínea a) do citado art. 48.º deve (ou não) ser objecto de interpretação restritiva, nos termos defendidos pela Apelante, no sentido de excluir da sua previsão os créditos constituídos muitos anos antes do início do processo de insolvência e que não apresentem qualquer relação ou implicação com a situação de insolvência.


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III.

Com eventual relevância para a decisão, resultam dos autos os seguintes factos:

1. A C (…)SA intentou, em 02/04/2019, o presente processo de insolvência, requerendo a declaração de insolvência do devedor F (…) e invocando a existência de créditos, no valor global de 750.850,77€, emergente de avais prestados em livranças subscritas pela sociedade I (…)– Ld.ª entre 2006 e 2011.

2. Tal insolvência veio a ser declarada por sentença proferida em 10/05/2019.

3. A Apelante I (…) é mãe do Insolvente, tendo reclamado nos autos um crédito no montante global de €821.094.78, emergente de contrato de mútuo para garantia do qual o Insolvente, com o consentimento do respectivo cônjuge e por escritura celebrada em 28/12/2011, constituiu hipoteca sobre seis imóveis;

4. Nos presentes autos foram reconhecidos e verificados créditos no valor global de 10.314.987,73€, aí se incluindo o crédito da Apelante.

5. Esse passivo inclui créditos no valor global de, pelo menos, 4.776.583,91€ que se reportam a garantias prestadas pelo Insolvente relativamente a obrigações/responsabilidades assumidas pela sociedade I (…) Ld.ª que veio a ser declarada insolvente por sentença proferida em 6 de Março de 2012, correndo o respectivo processo de insolvência no Juízo Local Cível da Guarda – Juiz 1 – sob o n.º 249/12.3TBGRD

6. Naquele passivo (reconhecido nos autos) incluem-se, designadamente, os seguintes:

- Um crédito do B (…) S.A., no valor de 130.419,47€, emergente de aval prestado em livrança no âmbito de contrato celebrado em 22/02/2007;

- Um crédito de J (…)Ld.ª, no valor de 312.440,07€ para cobrança do qual estavam pendentes, à data da declaração de insolvência, os processos executivos n.ºs 527/12.1TBGRD e 676/15.4T8GRD, ascendendo a 257.816,00€ a quantia exequenda no processo 527/12 (conforme resulta das certidões juntas aos autos – designadamente pela credora I (…) – das quais resultam as penhoras efectuadas no âmbito dessa execução e o valor por elas garantido);

- Um crédito do N (…) S.A., no valor global de 1.774.367,88€ emergente de aval prestado em livrança no âmbito de contratos celebrados em 04/2011 e 08/2014;

 - Um crédito de S (…) S.A., no valor de 575.335,91€, para cobrança do qual se encontrava pendente – à data da declaração de insolvência – o processo executivo n.º 503/12.4TBGRD.


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IV.

A questão suscitada no recurso prende-se apenas com a classificação do crédito da Apelante, sustentando esta que, ao contrário do que se decidiu, o seu crédito não deve ser classificado com subordinado.

Analisemos, portanto, essa questão, tendo em conta que – conforme resulta dos autos – a Apelante é mãe do Insolvente.

De acordo com o disposto no art. 48.º, alínea a), do CIRE, consideram-se subordinados, sendo graduados depois dos restantes créditos sobre a insolvência, “os créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor, desde que a relação especial existisse já aquando da respectiva aquisição, e por aqueles a quem eles tenham sido transmitidos nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência”.

Essas pessoas – especialmente relacionadas com o devedor – são elencadas no art. 49.º, aí se incluindo, designadamente, os ascendentes do devedor pessoa singular.

É indiscutível, portanto, que a Apelante, sendo mãe do Insolvente, é, para os efeitos legais e à luz do disposto na norma citada, uma pessoa especialmente relacionada com o devedor, circunstância que, numa primeira análise e tendo em conta a letra da lei, será bastante para a verificação da situação prevista na alínea a) do citado art. 48.º e para a consequente classificação do crédito como subordinado.

A decisão recorrida considerou que “…a simples constatação do vínculo ou da situação de que é feita depender a qualificação como pessoa especialmente relacionada com o devedor basta para que ela opere e desencadeie os seus efeitos; por assim ser, não pode, em circunstância alguma, o atingido afastá-los com a alegação e prova de que esse vínculo ou situação em nada determinou ou condicionou o relacionamento com o devedor ou mesmo com a demonstração que desse relacionamento resultaram – ou até resultaram só – benefícios para o devedor”; estariam em causa, portanto, segundo a decisão recorrida, presunções inilidíveis que, em caso algum, podem ser afastadas.

Discordando dessa posição, sustenta a Apelante que aquela norma deve ser objecto de interpretação restritiva no sentido de excluir as situações em que a causa de ser da constituição do crédito é totalmente alheia a qualquer relação especial entre a credora e o devedor, de tal forma que esta especial relação entre o credor e o devedor se apresenta como indiferente ou irrelevante no que tange à constituição do crédito. Assim – diz –, tendo em conta a data da constituição do seu crédito – oito anos antes da declaração de insolvência e num momento em que não se imaginava que tal insolvência viria a ocorrer –, deverá concluir-se que não há qualquer relação entre esses factos, devendo o crédito ser classificado como “não subordinado”.

Pensamos não assistir razão à Apelante.

Vejamos porquê.

Parece não haver dúvidas de que o que está subjacente ás normas citadas será, por um lado, a presunção de que os actos praticados pelo Insolvente – em período anterior à declaração de insolvência – com pessoas que lhe são próximas tenderão, normalmente, a beneficiar essas pessoas em detrimento e em prejuízo dos credores[1] e será, por outro lado, a presumível superioridade informativa sobre a situação do devedor desses credores relativamente aos demais, uma vez que a sua especial relação com o devedor lhe faculta especiais condições para conhecer a real situação do devedor[2], considerando o legislador – cfr. preâmbulo do diploma que aprovou o CIRE – que, em face dessa superioridade informativa, não é desproporcionada a sujeição dos referidos créditos ao regime – substancialmente mais gravoso – da subordinação.

Tem sido, porém, debatida, na doutrina e na jurisprudência, a questão de saber se aquelas previsões normativas encerram presunções ilidíveis ou inilidíveis.

Tal debate tem sido suscitado, designadamente, no que toca à questão de saber se o preenchimento de qualquer uma das situações previstas no art. 49.º deve conduzir necessariamente à constatação da existência de uma especial relação com devedor que não pode ser afastada mediante a alegação e prova de que, não obstante o facto de a pessoa se inserir numa das situações previstas na lei, não existia efectivamente qualquer relação de especial proximidade com o devedor que lhe tivesse permitido beneficiar de qualquer superioridade informativa relativamente aos demais credores (correspondendo aquelas situações a presunção inilidível da existência dessa especial relação), ou se, ao invés, estariam em causa meras presunções ilidíveis que poderiam ser afastadas mediante a alegação e prova de que o credor, apesar de se inserir numa das situações ali previstas, não tinha, na verdade, qualquer especial relação com o devedor.

No que toca a essa questão a doutrina tem-se inclinado a considerar que está em causa uma presunção inilidível e, portanto, uma vez demonstrado que a pessoa se insere numa das situações previstas na lei, considera-se, automaticamente e sem possibilidade de alegar e provar o contrário, que está em causa uma pessoa especialmente relacionada com o devedor[3].

Também nos parece ser essa a solução a adoptar, tendo em conta a letra da lei que aponta claramente nesse sentido sem dar qualquer indício de que as pessoas ali incluídas possam ser excluídas do conceito de “pessoa especialmente relacionada com o devedor” e que, como tal, a presunção de existência dessa especial relação possa ser ilidida.

Refira-se, aliás, que, em bom rigor e na nossa perspectiva, nem sequer estará ali em causa uma verdadeira presunção em relação à qual se possa dizer que é ilidível ou inilidível.

Na verdade, o citado art. 49.º limita-se a atribuir um determinado estatuto – o estatuto de pessoa especialmente relacionada com o devedor – às pessoas que se incluam numa das situações ali elencadas, estatuto que determina a classificação dos respectivos créditos como subordinados (alínea a) do art. 48.º) e que assume relevância para outros efeitos no âmbito do processo de insolvência (cfr. arts. 120.º, n.º 4 e 197.º, al. b), do CIRE). Ainda que a norma em questão se fundamente em presunções do legislador – designadamente a presunção do maior risco que os actos praticados pelo insolvente com essas pessoas envolvem para os credores – o que nela se estabelece não é propriamente a presunção de que essas pessoas têm uma especial relação com o devedor; o que nela se determina é a atribuição de um determinado estatuto a determinadas pessoas em função da concreta relação que mantêm com o insolvente e, portanto, estando em causa uma pessoa que se inclua numa das situações ali mencionadas, ela será, automática e necessariamente, considerada como “pessoa especialmente relacionada com o devedor” para os efeitos previstos no Código.

De qualquer forma, não é nesse ponto que se centra a questão que a Apelante vem suscitar para fundamentar o seu recurso.

Com efeito, a Apelante não põe em causa a efectiva e especial relação que mantém com o devedor (seu filho) e que, como tal, seja havida – conforme disposto na lei – como pessoa especialmente relacionada com o devedor.

Na verdade, o que a Apelante vem sustentar é que, apesar de ser pessoa especialmente relacionada com o devedor, o seu crédito não deve ser classificado como subordinado, na medida em que o crédito foi constituído muito tempo antes do início do processo de insolvência (oito anos antes e num momento em que não se imaginava que a insolvência viria a ocorrer), devendo entender-se que, nessas circunstâncias, não há qualquer relação entre esses factos, devendo a situação considerar-se excluída da previsão da alínea a) do art. 48.º (disposição que, no seu entender, deve ser objecto de interpretação restritiva de forma a excluir essas situações).

Essa posição tem sido, na verdade, adoptada por algumas decisões na nossa jurisprudência, podendo ver-se nesse sentido o Acórdão do STJ de 06/12/2016 (proferido no processo n.º 1223/13.8TBPFR-C.P1.S1), o Acórdão da Relação do Porto de 14-07-2020 (proferido no processo n.º 908/19.0T8OAZ-B.P1)e o Acórdão da Relação de Coimbra de 21/01/2014 (proferido no processo n.º 1365/13.0TBLRA.C1)[4].

O citado Acórdão do STJ, não obstante considerar que a alínea a) do art. 48.º estabelece uma presunção inilidível, considerou, no entanto, o que passamos a transcrever:

O conjunto normativo formado pelos art.ºs 48º, alínea a), 1ª parte, e 49º, alínea b) do CIRE deve ser interpretado restritivamente, de modo a abranger na sua previsão apenas os casos em que se possa estabelecer logica e razoavelmente um nexo temporal que coenvolva ou comprometa a razão de ser da norma (a pressuposta superioridade informativa do credor sobre a situação do devedor) com a condição insolvencial do devedor (…) Não tem aplicação tal conjunto normativo quando se mostra que a constituição do crédito está tão afastada no tempo do início do processo de insolvência que, dentro da normalidade das coisas, se trata de dois acontecimentos totalmente independentes, isto é, sem qualquer correlação, afinidade ou implicação entre si”.

As citadas decisões apoiam-se, portanto, numa interpretação restritiva da norma em questão que, tendo em conta o elemento racional ou teleológico da interpretação e a filosofia subjacente à norma (que assentaria na situação de superioridade informativa sobre a situação do devedor relativamente aos demais credores”, por um lado, e, por outro, no aproveitamento dessas relações especiais feito pelo próprio devedor para frustrar as finalidades do processo de insolvência), apenas abrangeria na sua previsão os casos em que se possa estabelecer logica e razoavelmente um nexo temporal que de alguma forma coenvolva ou comprometa a suposta superioridade informativa (ou o aproveitamento feito pelo devedor) com uma futura condição insolvencial, ou seja, só faria sentido considerar para o efeito um “período vizinho da abertura do processo de insolvência” e não um qualquer período sem limite algum.

É certo, no entanto, que essa posição não é unânime, existindo decisões que, divergindo daquele entendimento, consideram não ser admissível – ou consentida – tal interpretação restritiva, devendo entender-se que a natureza de créditos subordinados se basta com a existência da relação especial que é definida pelo legislador, não se encontrando sujeita a qualquer período temporal limitativo.

Assim se decidiu no Acórdão do STJ de 23/05/2019 (proferido no processo n.º 1517/14.5T8STS-B.P1.S1)[5] em cujo sumário se lê: “A conceptualização da categoria dos créditos subordinados prevista nos artigos 48.º, alínea a), 1ª parte e 49.º, n.º1, alíneas a) a c), ambos do CIRE, basta-se na relação especial definida pelo legislador, não se encontrando sujeita a qualquer período temporal limitativo (…) Uma interpretação restritiva, de pendor teleológico confinando a finalidade do comando legal à perspectiva da data da constituição do crédito, mostra-se para além do que é possível ser encontrado (objectivamente) no pensamento legislativo expresso no seu texto”.

No mesmo sentido, decidiram os seguintes Acórdãos: o Acórdão da Relação do Porto 06/03/2018 (processo n.º 1517/14.5T8STS-B.P1); o Acórdão da Relação de Lisboa de 12/09/2019 (processo n.º 6058/16.3T8FNC-F.L2-6) e o Acórdão da Relação de Guimarães de 13/06/2019 (processo n.º 1960/18.0T8VNF-C.G1)[6].

Ora, salvo o devido e muito respeito pelas decisões em contrário, entendemos ser de adoptar a segunda posição.

Vejamos porquê.

Em matéria de interpretação da lei, o art. 9.º do Código Civil dispõe nos seguintes termos:

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

É certo, portanto, que o intérprete, na busca do exacto sentido e alcance da lei, não está limitado ao respectivo texto ou palavras nela utilizadas, devendo antes tentar reconstituir o pensamento legislativo nos termos definidos na norma em questão, sem perder de vista que não poderá ser considerado um pensamento legislativo que não tenha qualquer expressão ou correspondência – por mínima ou indirecta que seja – na letra da lei.

Nessa tarefa interpretativa da lei, pode suceder que o intérprete chegue à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que se pretendia dizer; em tal situação, o intérprete deve restringir o texto da lei em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, procedendo, portanto, a uma interpretação restritiva[7]. Importa, porém, não esquecer que tal interpretação restritiva nunca poderá valer com um sentido que não tenha qualquer correspondência – ainda que imperfeita ou indirecta – com o texto ou letra da lei; conforme diz Baptista Machado[8], para que tal interpretação restritiva possa valer “…será necessário que do texto “falhado” se colha pelo menos indirectamente uma alusão àquele sentido que o intérprete venha a acolher como resultado da interpretação”. E – continua dizendo – ainda que o texto seja de tal modo ambíguo que só o recurso a elementos externos permitirá retirar dele algum sentido “este sentido só poderá valer se for ainda assim possível estabelecer alguma relação entre ele e o texto infeliz que se pretende interpretar”. Terá sempre que existir, portanto e tendo em conta o disposto no art. 9.º do CC, uma relação mínima entre o texto da lei e a respectiva interpretação restritiva que se pretende fazer valer, nem que seja a evidência, perante o texto da lei, de que o legislador pretendeu atingir determinados objectivos e que estes não têm razão de ser relativamente a todas as situações que “aparentemente” ficaram abrangidas na previsão normativa.

Ora, salvo o devido respeito, isso não acontece com o texto da lei em questão onde não é possível colher – directa ou indirectamente, expressa ou implicitamente – uma qualquer alusão ao sentido (restritivo) que os acórdãos citados lhe atribuem; tão pouco se poderá considerar, em face do texto da lei, que os objectivos por ela visados pelo legislador não tenham razão de ser relativamente a todas as situações efectivamente abrangidas na sua previsão (pensamos, na verdade, conforme diremos mais à frente, que o legislador disse efectivamente aquilo que tinha em mente, pretendendo incluir na previsão normativa as situações ali previstas sem qualquer outra restrição ou excepção). Na verdade, a norma citada dispõe, de forma expressa e categórica, que os créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor se consideram subordinados, desde que a relação especial já existisse aquando da respectiva aquisição e sem que admita ou considere – ainda que indirecta ou implicitamente – qualquer restrição ou excepção.

Compreendemos, naturalmente, as razões que estão subjacentes à interpretação restritiva a que se vem fazendo referência. Na verdade, muitas situações existirão em que a constituição desses créditos (detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor) não tem qualquer relação com a insolvência nem tem subjacente uma qualquer superioridade informativa desse credor relativamente a uma possível e eventual situação de insolvência (actual ou futura) do devedor. Na verdade, o crédito pode ter sido constituído em condições perfeitamente normais e naturais, de boa-fé e num momento em que o devedor gozava de situação económica estável e sem que existissem razões para prever ou supor que viria a incorrer em situação de insolvência e, nessas circunstâncias, apesar de estar em causa um normal crédito – idêntico aos demais –, ele seria pago depois de todos os outros apenas porque, por mero acaso ou “azar”, o respectivo titular tinha uma determinada relação com o devedor que a lei considera como “especial” para o efeito de considerar o crédito como subordinado.

Todavia, apesar de reconhecermos a injustiça que poderá resultar da consideração desses créditos como “subordinados”, a verdade é que não cabe ao intérprete solucionar essas injustiças por via de uma interpretação da lei que não tenha o mínimo de correspondência com o respectivo texto.

Conforme refere Manuel Domingues de Andrade[9], “…as palavras da lei são às vezes tão explícitas e categóricas que não podem exprimir, nem sequer de modo imperfeito ou constrangido, mais do que um só pensamento. Em tal caso, o intérprete deve resignar-se a aceitar o sentido verbal da lei, por muito que ele seja divergente ou contraditório com os resultados a que levam os outros subsídios da hermenêutica…” e por muito que o sentido resultante da letra da lei pareça injusto e inadequado às exigências da vida, como continua dizendo o citado autor na nota 3.

Pensamos ser isso que aqui acontece porque, na verdade, pensamos que a letra da lei é de tal forma clara e categórica que não consente qualquer outra interpretação além daquela que resulta do seu texto: o de que os créditos detidos pelas pessoas ali identificados são sempre considerados como subordinados (desde que aquela relação especial já existisse aquando da aquisição do crédito), sem qualquer restrição ou excepção e independentemente de quaisquer outros factos ou circunstâncias.

Sobre essa matéria relevará ainda fazer outras considerações.

A admitir-se uma interpretação restritiva da norma em questão de forma a excluir os créditos cuja constituição não tem qualquer relação ou implicação com a insolvência (de forma a respeitar aquela que, segundo os acórdãos citados em primeiro lugar, seria a vontade e o pensamento do legislador), o sentido da norma – resultante dessa interpretação – nunca poderia ser o de considerar apenas um determinado período temporal por referência ao início do processo de insolvência (como parece ser sustentado pelos referidos Acórdãos).

Em primeiro lugar, porque tal interpretação colocaria um grave problema: o de definir qual o período a considerar. Com efeito, não definindo a lei qual seria esse período, ele teria que ficar sujeito à apreciação casuística do julgador, o que, além de poder envolver alguma arbitrariedade, também não deixaria se potenciar situações injustas.

Em segundo lugar, porque, se fosse essa a sua vontade e intenção, o legislador não teria deixado de definir esse período como fez na situação prevista na segunda parte da alínea a) do citado art. 48.º e como fez no art. 120.º, n.º 4, do CIRE quando, para efeitos de resolução em benefício da massa insolvente, estabeleceu uma presunção de má-fé do terceiro relativamente a actos praticados nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência em que tenha participado ou que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o devedor. Assim, se, para efeitos de classificação do crédito como subordinado, o legislador não definiu – nem aludiu – a qualquer período temporal e devendo presumir-se, como impõe o art. 9.º, n.º 3, que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, não poderemos deixar de concluir que o legislador não pretendeu fazer depender a classificação do crédito do momento temporal em que ele foi constituído.

Por outro lado, a definição de um determinado limite temporal nunca teria, só por si, qualquer idoneidade para excluir as situações que deveriam ser excluídas – segundo o pensamento que se atribui ao legislador – por não terem qualquer relação com a insolvência. Com efeito, se é certo que existem actos que, apesar de terem sido praticados com muita antecedência relativamente ao processo de insolvência, têm, apesar de tudo, relação com a insolvência – porque foram praticados num momento em que já era conhecida a situação de insolvência (que, naturalmente, pode ocorrer muitos anos antes do início do processo onde vem a ser declarada) ou em que já era previsível que, mais tarde ou mais cedo, ela viesse a ocorrer e porque, nessas circunstâncias, eles já foram praticados com o objectivo de prejudicar os credores da insolvência que, mais tarde, viria a ser declarada – também é certo que existem actos que, apesar de terem sido praticados num período relativamente próximo do início do processo de insolvência, nenhuma relação têm com a insolvência porque esta veio a ocorrer em momento posterior e de forma inesperada sem que se configurasse, à data da constituição do crédito, qualquer superioridade informativa da pessoa especialmente relacionada com o devedor que justificasse o tratamento (bem mais desfavorável) que é inerente à classificação do crédito como subordinado.

Nessas circunstâncias, o sentido da norma que resultaria da sua interpretação restritiva (em função do pensamento do legislador) não poderia limitar-se a estabelecer uma restrição de carácter temporal, no sentido de abranger apenas os actos praticados em determinado período antecedente ao início do processo de insolvência; o sentido da norma teria que envolver uma série de restrições que envolveriam um conjunto (mais ou menos complexo) de factos em função dos quais se poderia concluir se o acto de constituição do crédito tinha (ou não) alguma relação ou implicação com a insolvência e se ele tinha (ou não) subjacente alguma superioridade informativa do titular do crédito que justificasse o seu tratamento diferenciado relativamente aos demais credores do insolvente. E a verdade é que não há o menor indício de que o legislador tivesse pretendido consagrar tais restrições – que envolveriam, seguramente, a necessidade de ponderar um conjunto de variáveis e a necessidade de proceder a averiguações (muitas vezes complexas) de uma multiplicidade de factos – sendo certo que elas não têm o mínimo apoio no texto legal; a letra da lei não alude – directa ou indirectamente – a tais restrições e tão pouco contém qualquer elemento ou alusão que possam ser entendidos como referência, ainda que implícita, a tais limitações, como seria necessário para que pudesse ser considerada uma interpretação restritiva com esse sentido.

Pensamos, portanto, em face do exposto e reafirmando o que dissemos supra, que a letra da lei é de tal forma clara e categórica que não consente qualquer outra interpretação além daquela que resulta do seu texto: o de que os créditos detidos pelas pessoas ali identificados são sempre considerados como subordinados, desde que aquela relação especial já existisse aquando da aquisição do crédito, sem qualquer outra restrição ou excepção e independentemente de quaisquer outros factos ou circunstâncias.

O legislador terá pretendido, portanto, abranger (sem excepção) todos os créditos que, potencialmente, representam um risco para a satisfação dos interesses dos credores, na medida em que, dada a relação dos titulares desses créditos com o devedor, apresentam uma maior probabilidade de envolver um mero aproveitamento dessas relações no sentido de beneficiar o próprio devedor ou os titulares desses créditos em prejuízo dos credores. Estão em causa créditos em relação aos quais pairará sempre a suspeita ou desconfiança de que correspondem a actos praticados em prejuízo dos credores por parte de quem tem conhecimento da real situação do devedor e, ao abranger na norma em questão todos esses créditos (independentemente das circunstâncias e sem quaisquer restrições), o legislador terá pretendido evitar as discussões e averiguações que esses créditos sempre envolveriam (tendo em conta a desconfiança que eles suscitam) caso a sua classificação estivesse dependente de outros factos ou factores e não se bastasse com a mera circunstância de os seus titulares serem pessoas especialmente relacionadas como devedor. Tal solução será, naturalmente, injusta para os credores cujos créditos foram constituídos com inteira boa-fé e sem qualquer relação com a insolvência do devedor que veio a ser decretada. Pensamos, no entanto, que o legislador terá ponderado essa situação e terá aceitado o risco de incluir (injustamente) esses créditos na previsão normativa, no sentido de combater, de forma eficaz, aquilo que, segundo se refere no preâmbulo do diploma que aprovou o CIRE, corresponde a uma “…fonte frequente de frustração das finalidades do processo de insolvência…”, ou seja, o aproveitamento, por parte do devedor, de relações orgânicas ou de grupo, de parentesco, especial proximidade, dependência ou outras, para praticar actos prejudicais aos credores. Importa notar, além do mais, que a injustiça dessa situação será sempre mitigada pela circunstância de os interessados estarem em condições de saber – porque a lei assim o dispõe – que os seus créditos serão considerados como subordinados, estando, por isso, em condições de ponderar esse facto aquando da prática do acto que está na origem do seu crédito, tudo se passando como se tivessem aceitado (ainda que tacitamente) essa circunstância e estando, por isso, equiparados aos créditos previstos na alínea c) do citado art. 48.º em que o regime da subordinação é convencionado pelas partes. Tal apenas não aconteceria relativamente aos créditos cuja constituição ocorreu antes de ser instituída legalmente a subordinação desses créditos (situação que, de qualquer forma, não tem relevância para o caso dos autos, uma vez que o crédito da Apelante foi constituído em 2011 e, portanto, quando já estava em vigor o citado art. 48.º que o classificava como crédito subordinado atendendo à especial relação que mantinha com o devedor, seu filho).

 

Concluindo e sintetizando o que resulta das considerações efectuadas, diremos que:

- O art. 49.º do CIRE atribui o estatuto de “pessoa especialmente relacionada com o devedor” às pessoas que se incluam numa das situações ali elencadas, independentemente de qualquer outro facto ou circunstância, pelo que, uma vez demonstrado que determinada pessoa se insere numa das situações que aí se encontram previstas, considera-se, automaticamente e sem possibilidade de qualquer alegação e prova do contrário, que está em causa uma pessoa especialmente relacionada com o devedor;

- Uma vez atribuído a determinada pessoa o estatuto de “pessoa especialmente relacionada com o devedor” – em função do disposto no art. 49.º - os créditos sobre a insolvência de que ela seja titular são sempre – e automaticamente – considerados como créditos subordinados, em face do disposto no art. 48.º, alínea a), do CIRE, desde que essa relação especial já existisse aquando da aquisição do crédito, sem qualquer outra restrição ou excepção e independentemente de quaisquer outros factos ou circunstâncias.

- Assim, porque a Apelante é inquestionavelmente “pessoa especialmente relacionada com o devedor”, por força do disposto no art. 49.º, alínea b) – na medida em que é mãe do devedor – e porque essa relação já existia à data da constituição do seu crédito, tal crédito não poderá deixar de ser classificado como crédito subordinado à luz do disposto no art. 48.º, alínea a).

Uma última nota para dizer o seguinte:

Ainda que se admitisse – e não é o caso – a interpretação restritiva da norma em questão nos termos propostos pela Apelante, o seu crédito continuaria a dever ser classificado como subordinado, na medida em que, tendo em conta as circunstâncias e o momento em que ele foi constituído, nunca se poderia afirmar que ele não tinha qualquer relação com a insolvência que veio a ser declarada e que não tinha subjacente a efectiva superioridade informativa da Apelante relativamente à situação do Insolvente e à previsibilidade de, a curto ou médio prazo, vir a cair – se não estava já – em situação de insolvência, tendo em conta as elevadas responsabilidades que havia assumido.

Com efeito, não obstante o facto de o crédito ter sido constituído cerca de oito anos antes da declaração de insolvência, a verdade é que, à data, já era possível antever a situação de insolvência. Na verdade, uma parte significativa do passivo do Insolvente (cerca de 5.000.000,00€) reporta-se a garantias prestadas pelo Insolvente relativamente a obrigações/responsabilidades assumidas pela sociedade I (…) Ld.ª e, tendo em conta que esta sociedade foi declarada insolvente em 6 de Março de 2012, é certo que tal passivo já havia sido contraído à data da constituição do crédito da Apelante ou, pelo menos, terá sido contraído nos dois meses seguintes. É o caso, por exemplo, dos créditos da C (…) (requerente da insolvência), no valor de 750.850,77€, que foram constituídos entre 2006 e 2011; é o caso do crédito do B (…), S.A., no valor de 130.419,47€, cuja constituição ocorreu em 2007 e é o caso do crédito do N (…), S.A., no valor global de 1.774.367,88€, uma parte do qual foi constituído em Abril de 2011. Importa notar, além do mais, que, em 2012 (pouco tempo depois da constituição do crédito da Apelante), já havia execuções pendentes contra o Insolvente (instauradas pelas J (…) e pela S (…) onde lhe estavam a ser exigidos créditos (já vencidos) de valor elevado. Ora, a Apelante, sendo mãe do Insolvente, era presumivelmente detentora de conhecimento sobre a situação de insolvência daquela sociedade (que veio a ser declarada pouco depois) e da presumível e expectável insolvência que daí resultaria para o próprio Insolvente (tendo em conta o elevado passivo que havia assumido), situação que, evidentemente, era agravada pela oneração (mediante constituição de hipotecas a favor da Apelante) de uma parte significativa do património do Insolvente. 

É certo, portanto, que, nessas circunstâncias, nunca se poderia concluir que a constituição do crédito e das hipotecas a favor da Apelante não tinha qualquer relação ou implicação com a situação de insolvência que veio a ser declarada e que esse acto não foi praticado com o efectivo conhecimento da situação do Insolvente e da previsibilidade de, a curto ou médio prazo, vir a cair – se não estava já – em situação de insolvência, tendo em conta as elevadas responsabilidades que havia assumido.

Assim e em face das considerações efectuadas, improcede o recurso e confirma-se a decisão recorrida.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

I – O art. 49.º do CIRE atribui o estatuto de “pessoa especialmente relacionada com o devedor” às pessoas que se incluam numa das situações ali elencadas, independentemente de qualquer outro facto ou circunstância, pelo que, uma vez demonstrado que determinada pessoa se insere numa das situações que aí se encontram previstas, considera-se, automaticamente e sem possibilidade de qualquer alegação e prova do contrário, que está em causa uma pessoa especialmente relacionada com o devedor para os efeitos previstos no CIRE.

II – Uma vez atribuído a determinada pessoa o estatuto de “pessoa especialmente relacionada com o devedor” – em função do disposto no art. 49.º - os créditos sobre a insolvência de que ela seja titular são sempre – e automaticamente – considerados como créditos subordinados, em face do disposto no art. 48.º, alínea a), do CIRE, desde que essa relação especial já existisse aquando da aquisição do crédito, sem qualquer outra restrição ou excepção e independentemente de quaisquer outros factos ou circunstâncias.

III – O citado art. 48.º, alínea a), não consente qualquer interpretação restritiva que imponha restrições, excepções ou limitações à classificação dos créditos como subordinados que ali não se encontram previstas (seja no sentido de limitar essa classificação aos actos praticados em determinado período temporal, seja no sentido de fazer depender tal classificação de qualquer outro factor ou circunstância); tal interpretação restritiva pressupunha que o sentido da norma dela decorrente tivesse um mínimo de relação ou correspondência com a letra da lei – ainda que imperfeita, indirecta ou implícita – e tal não acontece no caso, tendo em conta os termos claros, expressos e categóricos da norma em questão que apontam para o facto de o legislador ter pretendido, efectivamente, incluir na previsão normativa as situações que nela ficaram previstas sem qualquer excepção ou restrição.


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V.
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da Apelante.
Notifique.

Coimbra, 17/11/2020

Maria Catarina Gonçalves ( Relatora)

Maria João Areias

Freitas Neto


[1] Cfr. Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, pág. 298.
[2] Cfr. Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 2018, pág. 75.
[3] Neste sentido, Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 302; Luís de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 2013, 5.ª edição, pág. 95 e Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 2013, 5.ª edição, pág. 243.
[4] Acórdãos publicados em http://www.dgsi.pt.
[5] Disponível em http://www.dgsi.pt.
[6] Todos os acórdãos estão disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[7] Cfr. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1989, pág. 186.
[8] Ob. cit., pág.
[9] Ensaio Sobre a Teoria da Interpretação das Leis, 3.ª edição, 1978.