Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
464/12.0TMCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FRANCISCO CAETANO
Descritores: INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL
ALTERAÇÃO
REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
TRIBUNAL DE FAMÍLIA
TRIBUNAL DE COMARCA
Data do Acordão: 12/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CANTANHEDE 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.º 11.º, N.ºS 2 E 3, DO CPC EX VI ART.º 161.º DA OTM
Sumário: Declarando-se o tribunal de família e menores incompetente em razão do território a favor do tribunal de comarca, para processar acção de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, recebido o processo, não pode este tribunal reapreciar a questão da competência e declara-se, ele próprio, incompetente a favor de um terceiro tribunal, ainda que com base em diferente argumentação ou fundamento (art.º 11.º, n.ºs 2 e 3, do CPC ex vi art.º 161.º da OTM).
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

            1. Relatório

            A..., em 31.5.12, intentou acção para alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais dirigida ao Tribunal Judicial de Cantanhede, mas apresentada no Tribunal de Família e Menores (TFM) de Coimbra, contra seu ex-marido B..., pai do menor C...., filho de ambos, alegando, em resumo, que na sequência de divórcio por mútuo consentimento, que correu termos na Conservatória de Registo Civil do Coimbra, foi homologado o acordo relativo ao exercício das responsabilidade parentais desse menor, em termos de, além do mais, este ter ficado confiado à guarda e cuidados da mãe, então residente em ..., concelho e comarca de Cantanhede, ambos os pais autorizando que o menor viajasse para a Venezuela - país a que têm forte ligação, dado ser o país de nascimento do requerido e país de trabalho para a requerente, para onde se deslocou com o menor em Março de 2011 - desde que acompanhado pelos avós maternos ou por um tio ou por cada um dos progenitores, sendo que o requerido se recusa a subscrever declaração escrita com  a respectiva autorização, razão por que requereu alteração do regime de visitas fixado, mormente o período de férias do menor a passar com o pai.

            Por despacho de 11.6.12 o TFM de Coimbra declarou-se incompetente em razão do território, com fundamento em que, tendo o menor sido entregue à guarda e cuidados da mãe, residente em ...-Cantanhede, competente para a causa era o TJ de Cantanhede, estribando-se no preceituado dos art.ºs 182.º, n.º1, 155.º, n.º1, 156.º, n.º 1 e 161.º, da OTM e 111.º, n.º 3, do CPC.

            Transitada em julgado essa decisão, foram os autos remetidos ao TJ de Cantanhede que, com fundamento em que no momento da instauração do processo tanto o menor como a requerente não residiam em Portugal, porque competente para a acção era o tribunal da residência do requerido, ou seja, o TFM de Vila Franca de Xira, por despacho de 6.9.12 declarou-se incompetente a favor desse tribunal, para onde ordenou a remessa do processo.

            Ao longo dos autos a requerente deu notícia de outros 2 processos[1] que, pendendo no TFM de Vila Franca de Xira, este tribunal se declarou territorialmente incompetente, igualmente a favor do TJ da Comarca de Cantanhede.

            Inconformada com aquela decisão de 6.9.12, em 25.9.12, ou seja, antes do trânsito em julgado, veio a requerente recorrer, apresentando alegações que rematou com as seguintes úteis conclusões:

            a) – Confronta-se a apelante com as excepções de incompetência territorial declaradas pelos Tribunal de Família e Menores de Coimbra, Tribunal Judicial de Cantanhede e Tribunal de Família e Menores de Vila Franca de Xira;

            b) – Estatui, nesse âmbito, o n.º 2 do art.º 111.º do CPC que a decisão que transitar em julgado resolve em definitivo a questão de competência, mesmo que tenha sido oficiosamente suscitada, ficando o tribunal para onde o processo foi enviado vinculado à decisão do juiz que lho remeteu;

            c) - Por isso, o Tribunal Judicial de Cantanhede incorreu na violação dos art.ºs 161.º da OTM e 111.º, n.º. 2 e 3, do CPC e 85.º do CC, pelo que deve o respectivo despacho ser revogado e substituído por outro que declare esse tribunal territorialmente competente.

            Às alegações respondeu o M.º P.º, no sentido da manutenção da decisão recorrida.

            Cumpre decidir, sendo única questão a apreciar se após trânsito em julgado da decisão do TFM de Coimbra a declarar-se territorialmente incompetente a favor do Tribunal Judicial da Comarca de Cantanhede poderia este reapreciar a questão da competência e declara-se, ele próprio, territorialmente incompetente a favor de um outro, terceiro, tribunal (TFM de Vila Franca de Xira).


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2. Fundamentação

2.1 De facto

A factualidade relevante para julgamento do recurso é aquela que entre a amálgama documental dos autos se recortou no antecedente relatório, para onde se remete.


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            2. De direito

            Antes de mais, cumpre esclarecer que não está em causa nos autos qualquer resolução de conflito negativo de competência, muito menos envolvendo um terceiro tribunal, o TFM de Vila Franca de Xira, para cuja resolução, de resto, este tribunal colegial sempre careceria, ele próprio, de competência funcional, que, como é sabido, está hoje adstrita ao presidente da Relação (art.º 116.º, n.º2, do CPC).

            Com efeito, a propósito da incompetência em razão do território, dispõe o n.º 2 do art.º 111.º do CPC, ex vi art.º 161.º da OTM, que “a decisão transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência, mesmo que esta tenha sido oficiosamente suscitada”.

            Remetido, após trânsito em julgado, o processo ao tribunal considerado competente (n.º 3 do cit. art.º 111.º), este não pode suscitar de novo a questão da competência, ainda que com base em diferente argumento ou fundamentação[2], tendo de aceitar a que, bem ou mal, lhe foi atribuída pelo tribunal remetente.

            Daí que se não configure um verdadeiro e próprio conflito negativo de competência, não importando proceder ao reexame da questão, antes a lei processual a resolve definitivamente fixando ao tribunal remetido o dever de acatar, sem mais, a decisão.

             Ainda que ambas as decisões transitem em julgado, nenhum conflito surge, resolvendo-se a contradição, ope legis, a favor da decisão transitada em julgado em 1.º lugar (art.º 675.º do CPC).[3]

            Ora, a partir do momento em que o Tribunal Judicial de Cantanhede recebeu os presentes autos, remetidos pelo TFM de Coimbra, que a seu favor se declarou territorialmente incompetente, ainda que porventura o fizesse incorrectamente, pois não importa aqui proceder ao reexame da questão, mais não lhe competia senão acatar a competência, que para si se tornara definitivamente vinculativa.

            Assim é que, na procedência da apelação, mas atendendo somente aos presentes autos de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais (isto é, excluindo os processos do TFM de Vila Franca de Xira que aqui não compete apreciar), importa revogar a decisão recorrida e substituí-la por outra que ordene o seu normal prosseguimento (art.º 182.º, n.º 3 e ss, da OTM).


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            3. Resumindo e concluindo

             - Declarando-se o tribunal de família e menores incompetente em razão do território a favor do tribunal de comarca, para processar acção de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, recebido o processo, não pode este tribunal reapreciar a questão da competência e declara-se, ele próprio, incompetente a favor de um terceiro tribunal, ainda que com base em diferente argumentação ou fundamento (art.º 11.º, n.ºs 2 e 3, do CPC ex vi art.º 161.º da OTM).


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4. Decisão

Face a todo o exposto, acordam em julgar procedente a apelação, nos termos assinalados e revogar a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra a ordenar o normal prosseguimento dos autos

            Sem custas.


Relator: Francisco M. Caetano
Adjuntos: António Magalhães e Ferreira Lopes


[1] Proc.s n.ºs 3793/12.9TBVFX e 4691/12.1TBVFX.
[2] Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil, Anot.”, 1.º, 2.ª ed., pág. 216.
[3] É neste sentido que a jurisprudência, v. g., do STJ, desde há muito se vem pronunciando. Entre outros, v. o Ac. STJ de 17.2.05, Proc. 04B3944,in www.dgsi.pt ou 16.11.05, CJ/STJ, 3.º, pág. 262 e os demais sumariados em anotação ao art.º 156.º da “OTM, Anot.” de Tomé Ramião, 4.ª ed., pág. 43 ou “CPC, Anot.” de A. Neto, 20.ª ed. pág. 241.