Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
8271/18.0T8CBR-F.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: REGULAÇÃO DE RESPONSABILIDADES PARENTAIS
REQUERIMENTO PROBATÓRIO
ORDEM DOS PSICÓLOGOS PORTUGUESES
Data do Acordão: 10/06/2021
Votação: DECISÃO SINGULAR
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 23º, NºS 1 E 3 DO RGTPC.
Sumário: i) Se em processo de regulação de responsabilidades parentais um dos progenitores requerer se oficie à entidade respetiva para juntar aos autos a gravação de todas as sessões de terapia familiar ocorridas no âmbito dos autos, o mesmo tem o direito a conhecer as informações, as declarações da assessoria técnica e outros depoimentos, processados de forma oral ou documentados em auto, relatórios, exames e pareceres constantes do processo, podendo pedir esclarecimentos, ou requerer a solicitação de informações necessárias, a elas lhes sendo garantido o contraditório (art. 23º, nº 1 e 3, do RGTPC);

ii) Salvo a existência de sigilo profissional, conforme previsto no princípio 2 (Privacidade e confidencialidade, corpo e pontos 2.2, 2.4, 2.7, 2.9 e 2.14) do Código Deontológico da Ordem dos Psicólogos Portugueses e/ou no clausulado estabelecido pela referida entidade aceite por ambos os progenitores;

iii) Se aquela entidade junta aos autos termos de consentimento informado subscrito por ambas as partes e, em conformidade com estas, invoca o sigilo profissional para fundamentar a recusa na junção de tais gravações, e o tribunal acolhe esse sigilo, porque o dito consentimento deve ser prestado por ambos os progenitores, então o tribunal a quo tem 2 caminhos:

- ou, sem esquecer o expresso consentimento do pai para divulgar informação confidencial respeitante a si próprio, equaciona a possibilidade da mãe prestar o seu consentimento, notificando-a para tal efeito, e assim ultrapassar o obstáculo posto por tal entidade;

- ou, tendo aceite tal sigilo, por concordar com a legitimidade da escusa apresentada por tal entidade, deve, a coberto da parte final da c) do n° 3 do art. 417° e o nº 4 do mesmo preceito, suscitar o respetivo incidente, ao tribunal superior, de levantamento do sigilo profissional.

Decisão Texto Integral:






I – Relatório

1. Corre processo de regulação das responsabilidades parentais relativo à menor M..., em que é requerente o pai J... e requerida a mãe M...

Em 22.9.2020 foram ouvidos em acta de declarações a Dra. C... e Dr. B..., da Faculdade de Psicologia de Coimbra (FPC), que referiu que o casal efetuou 7 sessões de audição técnica.

Em 24.10.2020 o pai apresentou alegações (art. 39º, nº 4, do RGPTC). Requereu probatoriamente que se oficiasse à FPC para juntar aos autos a gravação de todas as sessões de terapia familiar ocorridas e se ordenasse à firma B..., L.da que informasse o registo diário de ponto de início e termo da prestação laboral da requerida nas respetivas instalações, desde 8.4.2019 até à data.

O tribunal deferiu o requerido (despacho de 15.1.2021).

Em 28.1.2021 a FPC respondeu que: não podia disponibilizar as gravações, em virtude de nas sessões ser apurada matéria de índole pessoal e que não tem importância para o processo, sendo apenas selecionada aquela que é relevante para ser reportada ao tribunal, assim cumprindo as normas de ética e deontologia; ambos os progenitores foram informados e assinaram o consentimento informado (em 25.3.2019), onde constam tais cláusulas (conforme anexo); a cedência do material solicitado, que se baseia numa relação de confiança, abalaria a mesma às pessoas implicadas e futuros processos de intervenção psicológica, psicossocial e de saúde mental em geral.

Em 1.2.2021 a B... respondeu que a requerida se encontra em teletrabalho desde 1.4.2020, com isenção de horário, num período de 8h diárias, entre as 8 h e as 19h (de 2ª a 6ª), e que antes da referida data já detinha isenção de horário, podendo prestar teletrabalho 2 dias por semana na sua residência habitual. Mais enviou anexo contendo os registos de trabalho prestado pela requerida desde 1.4.2019 até 31.12.2020, cujo controlo é efectuado exclusiva e electrónicamente pela colaboradora requerida.

Em 12.3.2021 o pai pronunciou-se sobre as 2 respostas acima referidas, dizendo que a da B... não é completa, pois omitiu parte do que foi ordenado relativamente às instalações da empresa e início e termo do tempo de trabalho, e que tem direito a contraditar o relato pelos técnicos de factos inverídicos, juízos conclusivos (conforme relatório junto oportunamente aos autos pela FPC) e de avaliações sem sustentação fáctica, não se divisando violação da deontologia profissional e ética, pois do Código Deontológico da Ordem dos Psicólogos Portugueses, seu Princípio específico nº 2 (que transcreve), decorre o inverso, sendo que o requerente consente a prestação da informação a si respeitante.

Caso assim não se entenda, ou a FPC persista na recusa de informação deve ser suscitado incidente de verificação da legitimidade da escusa e da eventual dispensa do dever de sigilo invocado.

Terminou, requerendo:

- se oficie novamente à B... a fim de juntar aos autos o registo diário de ponto nos períodos já indicados, salientando-se que o mesmo venha com a discriminação das horas concretas de início e termo da prestação laboral pela requerida concretizada nas instalações da entidade para a qual presta serviços;

- seja novamente ordenada à FPC a junção aos autos das informações nos termos já previamente determinados, com a expressa elucidação de que, nos termos dos pontos 2.4 e 2.7 do capítulo 2º do Código Deontológico da Ordem dos Psicólogos Portugueses o aqui requerente tem direito à informação solicitada, autoriza e autorizará (nos termos formais que a FPC entender por adequados) a prestação da informação anteriormente solicitada a si respeitante;

- ou, caso assim não o entenda V.ª Ex.ª ou, ainda que deferido o requerido na alínea anterior, a FPC persista na recusa na prestação de informação solicitada, em qualquer circunstância, desde já REQUER, ao abrigo do nº 3 do Art. 135º do CPP, ex vi nº 4 do art. 417º do CPC, se suscite junto do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra o competente incidente de verificação da legitimidade da escusa e da eventual dispensa do dever de sigilo invocado pelos técnicos da FPC.

*

Foram, depois, proferidos 2 despachos, um que indeferiu o requerido à B..., e outro que indeferiu o requerido quanto às gravações das sessões de terapia familiar.

2. O pai/requerente recorreu, concluindo que:

1. Ascende à douta cognição deste superior Tribunal ad quem, recurso impetrado do douto despacho de Fls. …, datado de 06-05-2021, pelo qual a Mm.ª Juiz a quo, além de tudo o mais ali decidido, indeferiu o requerimento do impetrante com a referência Citius ..., de 12 de Março de 2021.

2. Previamente a tal requerimento, o impetrante (no momento das suas alegações) requerera, expressamente, a junção aos autos pela entidade patronal da requerida, B..., S.A., o registo diário de ponto desde 8 de abril 2019 até à presente data.

3. Tal requerimento fora deferido por despacho de 14-01-2021.

4. A referida B..., S.A., juntou aos autos uma mera referência ao número de horas diárias executadas pela requerida, sem qualquer discriminação dos tempos de início e fim da prestação de trabalho como requerido e ordenado.

5. Em face da falta de adequação da informação prestada ao que foi solicitado, o que se pretendia requerimento de 12-3-2021, era que a entidade patronal da requerida prestasse as informações completas solicitadas previamente.

6. Tal requerimento, indeferido pelo despacho recorrido, com o fundamento de que “a empresa refere a 1/2/2021 que a requerida se encontra em regime de tele-trabalho!”, desconsiderou porém que aquela informação da empresa foi no sentido de que a requerida se encontra em teletrabalho desde 1 de Abril de 2020, sendo que a informação dos registos dos tempos de trabalho

concretamente pretendida, requerida e solicitada, se reportava a 8 de abril de 2019.

7. A manter-se tal despacho, impede-se que a referida entidade patronal venha prestar a informação exacta já previamente solicitada relativa a um período que medeia desde 8 de Abril de 2019 até, pelo menos, 1 de abril de 2020, de onde decorre um manifesto prejuízo para a prova dos factos alegados pelo recorrente.

8. Pelo que deverá tal despacho ser substituído por outro em que, deferindo o requerido em 12/3/2021, ordene à B... que proceda à junção aos autos do registo diário de ponto de início e termo da prestação laboral da requerida, nas instalações da empresa onde efectivamente exerce a sua actividade desde 8 de abril 2019 até 1 de Abril de 2020.

Por outro lado,

9. Também previamente ao despacho recorrido, em sede de alegações produzidas nos autos, o recorrente requerera “se oficie ao CPSC da FPCEUC para juntar aos autos a gravação de todas as sessões de Terapia Familiar ocorridas no âmbito dos presentes autos.”

10. Tal requerimento fora deferido por despacho de 14-01-2021.

11. Consequentemente o CPSC da FPCEUC juntou aos autos termos de consentimento informado subscrito pelas partes, e em conformidade com estas, os técnicos da referida FPCEUC invocaram o sigilo profissional para fundamentar a recusa na junção de tais gravações.

12. Em face de tal informação, o recorrente requereu que fosse “novamente ordenada à FPCEUC a junção aos autos das informações nos termos já previamente determinados, com a expressa elucidação de que, nos termos dos pontos 2.4 e 2.7 do capítulo 2.º do Código Deontológico da Ordem dos Psicólogos Portugueses o aqui requerente tem direito à informação solicitada, autoriza e autorizará (nos termos formais que a FPCEUC entender por adequados) a prestação da informação anteriormente solicitada a si respeitante; ou, caso assim não o entenda V.ª Ex.ª ou, ainda que merecendo deferimento o requerido na alínea anterior, a FPCEUC persista na recusa na prestação de informação solicitada, em qualquer circunstância, desde já, REQUER, ao abrigo do n.º 3 do Art.º 135.º do CPP, ex vi n.º 4 do art.º 417.º do CPC, se suscite junto do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra o competente incidente de verificação da legitimidade da escusa e da eventual dispensa do dever de sigilo invocado pelos técnicos da FPCEUC.”

13. O despacho recorrido indeferiu tal pretensão sustentando-se nos “documentos assinados pelas partes em 25/3/2019 (declaração de consentimento informado) e juntos aos autos pela faculdade em 28/1/2021”.

14. De tais documentos o que de relevante ali consta é que “Qualquer eventual pedido para aceder ao processo, em papel ou gravações, terá que ser realizado com a devida autorização escrita de todos os elementos envolvidos neste mesmo processo.”

15. Ao indeferir o requerido, o tribunal a quo assume uma posição substancialmente diferente no tratamento do pedido de junção de tais elementos existentes junto do CPSC da FPCEUC, quando comparativamente à decisão tomada no mesmo despacho (e bem) quanto ao alegado sigilo profissional invocado nos autos pela Via Verde.

16. A pretensão de junção de tais gravações aos autos prende-se com a necessidade do ora recorrente ter que desmistificar a versão dos factos, não coincidentes com a realidade, relatada nos autos pelos próprios técnicos da FPCEUC.

17. O cumprimento das normas éticas e deontológicas dos técnicos não deixa de ser compatível com a pretendida disponibilização das gravações.

18. O tribunal a quo indeferiu liminarmente o requerido pelo ora recorrente, por um lado, sem equacionar o expresso consentimento do requerido para divulgar informação confidencial e, por outro, sem equacionar a possibilidade da requerida prestar o seu consentimento, de forma absolutamente divergente à notificação que lhe ordenou (no mesmo despacho recorrido) para a mesma autorizar a Via Verde a prestar informações.

19. Termos em que deverá o despacho recorrido ser substituído por outro que, deferindo o requerido em 12/3/2021.

Não prescindindo,

20. Se o tribunal a quo entendeu existir motivo justificado para a recusa do CPSC da FPCEUC na junção aos autos das gravações pretendidas, desatendeu completamente ao que demais, e também para essa eventualidade, foi expressamente requerido pelo ora recorrente e que se resumia a que, fosse suscitado junto deste mesmo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra o competente incidente de verificação da legitimidade da escusa e da eventual dispensa do dever de sigilo invocado pelos técnicos da FPCEUC.

21. Sobre tal requerimento o tribunal a quo nada disse, deixando de pronunciar-se sobre uma questão que deveria apreciar, termos em que, tal decisão (na parte em que aprecia o requerimento de 12-3-2021 do ora recorrente) se tem por nula nos termos da al.ª d) do n.º 1 do Art.º 615.º (ex vi n.º 3 do Art.º 613.º) do CPC.

22. O tribunal a quo violou os Art.ºs 411.º, a al.ª d) do n.º 1 do Art.º 615.º (ex vi n.º 3 do Art.º 613.º) do CPC, o n.º 3 do Art.º 135.º do CPP, ex vi n.º 4 do art.º 417.º do CPC, e o Art.º 25.º n.º 3 RGPTC.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DECORRENTES DA LEI E DO DOUTO SUPRIMENTO DE V.AS EX.AS, SE ROGA QUE, NA PROCEDENCIA DO PRESENTE RECURSO, SEJA REVOGADO O DESPACHO DATADO DE 06-05-2021 NOS ESPECIFICOS SEGMENTOS AQUI RECORRIDOS, SENDO CORRESPONDENTEMENTE SUBSTITUIDO POR OUTRO QUE:

a) deferindo o requerido em 12/3/2021 pelo requerente quanto a B..., ordene a esta entidade que proceda a juncao aos autos do registo diario de ponto de inicio e termo da prestacao laboral da requerida, nas instalacoes da empresa onde efectivamente exerce a sua actividade desde desde 8 de abril 2019 ate 1 de Abril de 2020;

e que

b) deferindo o requerido em 12/3/2021, ordene à FPCEUC a junção aos autos das informações nos termos já previamente determinados, com a expressa elucidação de que, nos termos dos pontos 2.4 e 2.7 do capítulo 2.º do Código Deontológico da Ordem dos Psicólogos Portugueses o aqui requerente tem direito à informação solicitada, autoriza e autorizará (nos termos formais que a FPCEUC entender por adequados) a prestação da informação anteriormente solicitada a si respeitante, mais se notificando a requerida para prestar semelhante autorizacao.

Ainda que assim nao se entenda,

c) Sempre se devera declarar a nulidade do despacho recorrido, nos termos da al.a d) do n.o 1 do Art.o 615.o (ex vi n.o 3 do Art.o 613.o) do CPC, na medida em que, ao apreciar o petitorio do ora recorrente de 12-3-2021 nao se pronunciou sobre o incidente ali requerido a suscitar junto deste mesmo Venerando Tribunal da Relacao de Coimbra para verificacao da legitimidade da escusa e da eventual dispensa do dever de sigilo invocado pelos tecnicos da FPCEUC.

ASSIM FARAO V.AS EX.AS A NECESSARIA JUSTICA!

3. O Mº Pº opôs-se à admissão do recurso, mas o mesmo foi admitido pelo tribunal a quo (não se vendo motivo para alterar o decidido).

II – Factos Provados

A factualidade apurada é a que decorre do relatório supra.

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Prestação de informação pela B...

- Fornecimento das gravações pela FPC.

- Nulidade da decisão.

2. No despacho recorrido, relativamente ao indeferimento do que o recorrente requereu relativamente à B..., a única justificação para tal residiu em “uma vez que a empresa refere a 1/2/2021 que a requerida se encontra em regime de tele-trabalho !”.

O recorrente diverge (cfr. conclusões de recurso 1. a 8.). E tem razão.

Efectivamente, o apelante havia requerido, em 24.10.2020, expressamente, que a B... informasse o registo diário de ponto de início e termo da prestação laboral da requerida, nas suas instalações, desde 8 de Abril 2019 até à data. O que foi deferido por despacho judicial de 14.1.2021.

A referida B..., em 1.2.2021, respondeu que a requerida se encontra em teletrabalho desde 1.4.2020, com isenção de horário, num período de 8h diárias, entre as 8 h e as 19h (de 2ª a 6ª), e que antes da referida data já detinha isenção de horário, podendo prestar teletrabalho 2 dias por semana na sua residência habitual. Mais enviou anexo contendo os registos de trabalho prestado pela requerida desde 1.4.2019 até 31.12.2020, cujo controlo é efectuado exclusiva e electrónicamente pela colaboradora requerida.

Ou seja, não forneceu aos autos a integralidade da informação, pois omitiu a informação relativa à prestação de trabalho da requerida nas instalações da firma, no período de 8.4.2019 até 1.4.2020. Bem como a discriminação dos tempos de início e fim da prestação de trabalho (o que aliás é obrigatório registar nos termos do art. 202º, nº 1 e 2, do Cód. do Trabalho).

O recorrente insistiu (em 12.3.2021) no fornecimento da informação completa, mas o tribunal, um pouco inexplicavelmente, desconsiderou o teor do pedido original de informação, do apelante, e o teor da resposta da empresa.

O despacho recorrido tem, pois, de ser revogado, e ser substituído por outro em que se ordene à B... a prestação da informação completa.

Procede esta parte do recurso. 

3. No despacho recorrido, no respeitante ao indeferimento daquilo que o recorrente requereu relativamente às gravações da FPC, a única justificação para tal residiu em “em face dos documentos assinados pelas partes em 25/3/2019 (declaração de consentimento informado) e juntos aos autos pela faculdade em 28/1/2021.”.

O recorrente discorda (cfr. conclusões de recurso 9. a 19.). E tem razão.

Recorde-se que o recorrente requerera previamente se oficiasse à FPC para juntar aos autos a gravação de todas as sessões de terapia familiar ocorridas no âmbito dos presentes autos, o que foi pelo referido despacho de 15.1.2021.

A FPC juntou aos autos termos de consentimento informado subscrito pelas partes, e em conformidade com estas, invocou o sigilo profissional para fundamentar a recusa na junção de tais gravações. O recorrente insistiu (em 12.3.2021), invocando o que resulta do princípio 2 do Cód. Deontológico da Ordem dos Psicólogos Portugueses, pois tem direito à informação solicitada, e autoriza a prestação da informação solicitada a si respeitante. Foi então proferido o despacho recorrido.

O teor deste despacho tem certamente a ver com os termos de consentimento informado subscrito pelas partes de onde consta que “Qualquer eventual pedido para aceder ao processo, em papel ou gravações, terá que ser realizado com a devida autorização escrita de todos os elementos envolvidos neste mesmo processo.”.

É sabido que as partes têm direito a conhecer as informações, as declarações da assessoria técnica e outros depoimentos, processados de forma oral ou documentados em auto, relatórios, exames e pareceres constantes do processo, podendo pedir esclarecimentos, juntar outros elementos ou requerer a solicitação de informações necessárias, a elas lhes sendo garantido o contraditório (art. 23º, nº 1 e 3, do RGTPC), que é o desiderato do recorrente. Salvo, claro, a existência de sigilo profissional.

Neste aspecto decorre do princípio 2 do aludido Cód. Deontológico que:

                                  2 — Privacidade e confidencialidade

Os/as psicólogos/as têm a obrigação de assegurar a manutenção da privacidade e confidencialidade de toda a informação a respeito do seu cliente, obtida direta ou indiretamente, incluindo a existência da própria relação, e de conhecer as situações específicas em que a confidencialidade apresenta algumas limitações éticas ou legais.

(…)

2.2 — Privacidade dos Registos. Os/as psicólogos/as recolhem e registam apenas a informação estritamente necessária sobre o cliente, de acordo com os objetivos em causa.

(…) 

2.4 — Acesso do Cliente à Informação sobre si Próprio. O cliente tem direito de acesso à informação sobre ele próprio e a obter a assistência adequada para uma melhor compreensão dessa mesma informação.

(…)

2.7 — Autorização para divulgar informação. Os/as psicólogos/as podem divulgar informação confidencial sobre o cliente quando este, ou o seu representante legal, der previamente o seu consentimento informado.

(…)

2.9 — Comunicação de informação confidencial. A informação confidencial é transmitida apenas a quem se considerar de direito e imprescindível para uma intervenção adequada e atempada face à situação em causa. O cliente é informado sobre a partilha de informação confidencial antes desta ocorrer, exceto em situações onde tal seja manifestamente impossível, pretendendo minimizar-se os danos que a quebra de confidencialidade poderá causar na relação profissional.

(…)

2.14 — Situações Legais. Sempre que haja solicitação legal para a divulgação de informação confidencial sobre o cliente (registos, relatórios, outros documentos e ou pareceres), é fornecida a um destinatário específico, apenas a informação relevante para a situação em causa, tendo em conta os objetivos da mesma, podendo haver recusa de partilha de informação considerada não essencial. O cliente é previamente informado desta situação, bem como dos conteúdos da informação a revelar, exceto em situações em que tal for manifestamente impossível. E Caso os/as psicólogos/as considerem que a divulgação de informação confidencial pode ser prejudicial para o seu cliente, podem invocar o direito de escusa (de acordo com o disposto no artigo 135.º do Código de Processo Penal).

(…)

Ou seja, o cliente tem direito de acesso à informação sobre ele próprio (ponto 2.4) e pode ser divulgada informação confidencial sobre o cliente quando este der previamente o seu consentimento informado (ponto 2.9). 

A FPC invocou o sigilo profissional (baseado nas 3 razões que acima, no Relatório supra, se mencionaram).

Aqui chegados o tribunal a quo tinha 2 caminhos:

- ou, uma vez que no consentimento informado consta a referida cláusula de que qualquer pedido para aceder ao processo, em papel ou gravações, terá que ser realizado com a devida autorização escrita de todos os elementos envolvidos neste mesmo processo, que foi a razão que o despacho recorrido aceitou para indeferir a insistência do requerente/apelante, e uma vez que as sessões de terapia familiar envolveram 2 pessoas, o tribunal a quo o que deveria ter feito era, sem esquecer o expresso consentimento do recorrente para divulgar informação confidencial respeitante a si próprio, equacionar a possibilidade da recorrida mãe prestar o seu consentimento. Notificando-a para tal efeito. E assim ultrapassar um dos obstáculos expressamente postos pela FPC. O que não fez.

- ou, se o tribunal a quo, com o seu despacho recorrido, aceitou o sigilo profissional invocado pela FPC, pelo motivo que exarou, então concordou com a legitimidade da escusa desta entidade, pelo que, nesta hipótese, a parte final da c), do n° 3, do art. 417° e o nº 4 do mesmo preceito estabelecem que, deduzida escusa com fundamento na indicada c) é aplicável com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado.

Esta aplicação significa:

a. Que a autoridade judiciária que solicitou a colaboração para a descoberta da verdade averiguará se a escusa é legítima ou ilegítima:

b. Que na hipótese de a escusa ser ilegítima, tal autoridade deverá ordenar a colaboração para a descoberta da verdade (n° 2 do art. 135º do CPP);

c. Que na hipótese contrária, a autoridade suscita a intervenção do tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado para decidir se a colaboração deve ser prestada com violação do sigilo profissional (cfr. neste sentido o acórdão do STJ, n° 2/2008, publicado no DR I Série de 31 de Março de 2008).

Ou seja, o tribunal a quo aceitou que a escusa era legítima, pelo que deveria ter levantado o respectivo incidente, o que também não fez, apesar de o requerente o ter solicitado expressamente.  

Há que superar, então, a desconformidade da situação concreta. E o modo de o fazer é no sentido da notificação da recorrida para indicar se dá o seu consentimento.

Em função da resposta da mesma, ver-se-á o que fazer. Se a mesma providenciar a autorização, dar-se-á conhecimento à FPC e se esta persistir no sigilo profissional, o juiz a quo terá que decidir se haverá lugar ou não ao respeito por tal sigilo, nos termos referidos.

Termos em que deverá o despacho recorrido ser substituído por outro que, deferindo parcialmente o requerido, ordene, para já, a prestação da necessária autorização. 

4. O apelante também veio arguir a nulidade do despacho recorrido, por o tribunal a quo nada ter dito sobre o seu requerimento (de 12.3.2021) no qual suscitou o levantamento do competente incidente de verificação da legitimidade da escusa e da eventual dispensa do dever de sigilo invocado pela FPC, caso o tribunal entendesse existir motivo justificado para a recusa da FPC na junção aos autos das gravações pretendidas. Ora, o tribunal apelado entendeu que havia motivo legítimo para a recusa, e, todavia, nada mais disse, como atrás se salientou, deixando de pronunciar-se sobre uma questão que deveria apreciar.

Assim, a decisão é nula, nos termos da d), 1ª parte, do nº 1, do art. 615º, ex vi do nº 3 do art. 613º, do NCPC.

Cabia, em princípio, substituir-nos ao tribunal recorrido, como decorre do art. 665º do NCPC.

Contudo, como se explicitou no ponto 3. supra e vai ser decidido, há que aguardar a posição da recorrida, só posteriormente se podendo decidir qual a posição que o tribunal deve tomar. O que só poderá ocorrer na 1ª instância, depois da resposta da mesma.

Assim, neste momento, não está este tribunal da Relação em posição de poder substituir o tribunal recorrido, razão pela qual nada mais há a acrescentar quanto a esta questão.

5. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Se em processo de regulação de responsabilidades parentais um dos progenitores requerer se oficie à entidade respectiva para juntar aos autos a gravação de todas as sessões de terapia familiar ocorridas no âmbito dos autos, o mesmo tem o direito a conhecer as informações, as declarações da assessoria técnica e outros depoimentos, processados de forma oral ou documentados em auto, relatórios, exames e pareceres constantes do processo, podendo pedir esclarecimentos, ou requerer a solicitação de informações necessárias, a elas lhes sendo garantido o contraditório (art. 23º, nº 1 e 3, do RGTPC);

ii) Salvo a existência de sigilo profissional, conforme previsto no princípio 2 (Privacidade e confidencialidade, corpo e pontos 2.2, 2.4, 2.7, 2.9 e 2.14) do Código Deontológico da Ordem dos Psicólogos Portugueses e/ou no clausulado estabelecido pela referida entidade aceite por ambos os progenitores;

iii) Se aquela entidade junta aos autos termos de consentimento informado subscrito por ambas as partes e, em conformidade com estas, invoca o sigilo profissional para fundamentar a recusa na junção de tais gravações, e o tribunal acolhe esse sigilo, porque o dito consentimento deve ser prestado por ambos os progenitores, então o tribunal a quo tem 2 caminhos:

- ou, sem esquecer o expresso consentimento do pai para divulgar informação confidencial respeitante a si próprio, equaciona a possibilidade da mãe prestar o seu consentimento, notificando-a para tal efeito, e assim ultrapassar o obstáculo posto por tal entidade;

- ou, tendo aceite tal sigilo, por concordar com a legitimidade da escusa apresentada por tal entidade, deve, a coberto da parte final da c), do n° 3, do art. 417° e o nº 4 do mesmo preceito, suscitar o respectivo incidente, ao tribunal superior, de levantamento do sigilo profissional.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, assim se revogando os despachos recorridos e, em consequência, ordena-se que os mesmos sejam substituídos por outros que ordenem o requerido pelo apelante, sob a) e sob b), in fine (na parte final das suas conclusões de recurso), sem prejuízo de pertinente notificação à FPC e subsequente dinâmica processual.

Sem custas.

                                                                     Coimbra, 6.10.2021

                                                                       João Moreira do Carmo