Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
601/10.9TBMLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA INÊS MOURA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
BANCO DE PORTUGAL
NEXO DE CAUSALIDADE
Data do Acordão: 10/16/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MEALHADA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 483, 562 CC, DL Nº 204/2008 DE 14/10
Sumário: 1. De acordo com o regime estabelecido no DL 204/2008 de 14 de Outubro, a informação divulgada pelo Banco de Portugal constante da Central de Responsabilidades de Crédito, é da responsabilidade das entidades que a tenham transmitido, cabendo exclusivamente a estas proceder à sua alteração ou rectificação.

2. Tendo em conta o artº 3º nº 2, há uma obrigação dos Bancos enviarem mensalmente ao Banco de Portugal todos os créditos e respectivas situações, o que permite uma actualização mensal da informação constante de tal Central de Responsabilidades.

3. A omissão de tal dever faz incorrer a instituição de crédito em responsabilidade civil extra-contratual, desde que verificados os restantes pressupostos da responsabilidade civil previstos no artº 483 nº 1 do C.Civil.

4. Ao Autor incumbe fazer a prova de todos os factos constitutivos do seu direito, cabendo-lhe também por isso fazer prova da existência do nexo de causalidade entre o acto ilícito e os prejuízos invocados.

5. O facto de uma pessoa constar da lista da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, sendo naturalmente um factor de avaliação do risco na concessão de crédito, não é por si só impeditivo da obtenção de crédito por parte dessa pessoa, tudo dependendo de uma avaliação global que a instituição de crédito venha a fazer.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

M (…) intentou acção declarativa com a forma de processo sumário contra a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ..., CRL, pedindo a sua condenação no pagamento de € 26.959,65 alegando que tal valor corresponde ao prejuízo por si sofrido pelo facto da Ré não ter comunicado determinada informação ao Banco de Portugal, o que levou a que o Autor não conseguisse obter financiamento junto de outra entidade bancária, para poder levar a efeito o negócio com que se havia comprometido.

A Ré vem contestar, impugnando os factos alegados pelo Autor e concluindo pela sua absolvição do pedido.

Foi proferido despacho saneador onde se afirmou a validade e regularidade da lide, selecionou-se a matéria assente e foi organizada a base instrutória que teve reclamação de ambas as partes que não foi atendida.

Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal, como da acta consta.

Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré do pedido contra ela formulado pelo Autor.

Não se conformando com a sentença proferida vem o Autor, interpor recurso de apelação de tal decisão, apresentando as seguintes conclusões:

1. O Autor deduziu a presente acção, peticionando a condenação da Ré no pagamento ao autor do montante de 26.959,65 euros, em virtude de a Ré, contrariamente ao que era seu dever, não ter comunicado a regularização do pagamento do crédito concedido, junto do Banco de Portugal, ao contrário do contratado.

2. Sendo que, como consequência dessa conduta omissa da Ré, o autor não conseguiu obter financiamento junto de outra entidade bancária, para poder levar a cabo determinado negócio, o que lhe causou os prejuízos patrimoniais peticionado.

3. Antes de mais, entende o recorrente que, a decisão recorrida não está fundamentada.

4. O Tribunal “a quo”, limita-se a concluir, sem sustentar tal conclusão.

5. Importaria que o Tribunal “a quo” explicasse porque concluiu pela falta de demonstração de que a incorrecção menção no Banco de Portugal, que daí constava, em virtude da conduta da Ré, fosse a causa do não financiamento pelo BES.

6. Assim, a decisão recorrida é nula, nos termos do vertido na alínea a) do nº 1 do artº 668 do Código de Processo Civil, atentas as exigências vertidas nos, assim violados, artigos 659º e 158º do Código de Processo Civil. Além disso,

7. No entender do recorrente, em causa não está o direito a uma indemnização pela responsabilidade civil extracontratual, mas, antes, um incumprimento contratual.

8. E, logo, responsabilidade pelo não cumprimento do contrato.

9. Efectivamente, e tal qual se retira dos pontos 6 e 7 dos factos assentes, o que se discute nestes autos é o não cumprimento, por parte da Ré, do acordo/contrato firmado entre as partes.

10.  Efectivamente, a parte no seguimento do contratado e, em consequência, estava obrigada a comunicar ao Banco de Portugal que o incidente tinha deixado de existir.

11.  Ora, tal qual dispõe o artº 798 do Código Civil, “o devedor que falte culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.”

12.  Sendo que, dispõe o artº 799º do mesmo Código Civil que, é ao devedor, neste caso, a Ré, que incumbe provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não precede de culpa sua.

13. Provado que ficou que a perca de lucro por parte do Autor se ficou a dever à não obtenção do financiamento necessário para adquirir as peças que iria revender,

14.  E ainda que se considere, o que não aceitamos, que não ficou provado que a falta de financiamento se ficou a dever à conduta da Ré.

15.  Sempre se verifica uma inversão do ónus da prova.

16. Efectivamente, era à Ré que competia provar que a sua conduta não foi a causa do não financiamento.

17.  Assim, e porque a Ré não provou que o seu incumprimento não foi a causa do não financiamento, terá a acção de ser julgada procedente, sob pena de violação do disposto nos artigos 342º, 798º e 799º todos do Código Civil. Ainda sem prescindir,

18. No entender do Autor, fica clara e indubitavelmente demonstrado que a incorrecta menção no Banco de Portugal, imputável à Ré, foi a causa do não financiamento do autor, por parte do BES.

19. Efectivamente, a Ré deixou constar, não obstante o contratado, erroneamente, junto do Banco de Portugal, até 31 de Maio de 2012, que a situação do crédito do autor era de “abatido ao activo”- doc. 2 junto com a Petição Inicial.

20. Como resulta do documento 2, junto com a petição inicial, o crédito da Ré é o único que está na situação de “abatido do activo”. Ora,

21. Considerando que, os créditos em situação de incumprimento de pagamento se classificam em situações de incumprimento com um máximo 30 dias após o seu vencimento, ou, créditos abatidos ao activo, e

22. Estes, situações de incumprimento de pagamento persistentes e normalmente por períodos de tempo bastante longos e, como tal, integram a informação da CRC designada vulgarmente como negativa.

23.  O único incidente que determinou a não concessão do crédito, por parte do BES, foi o retratado, erroneamente, pela Ré.

24. Pelo que, por violação dos artigos acima referidos, será de revogar a sentença recorrida e substituí-la por outra que julgue procedente a pretensão do Autor.

A Ré veio apresentar contra-alegações pugnado pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão da 1ª instância.

II. Questões a decidir

tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo recorrente nas suas conclusões (artº 684 nº 3 e 685 A nº 1 do C.P.C.), salvo questões de conhecimento oficioso- artº 660 nº 2 in fine.

As questões a decidir são essencialmente três:

- da nulidade da sentença por falta de fundamentação;

- saber se a conduta da Ré se enquadra no incumprimento do contrato celebrado com o A. ou no instituto da responsabilidade civil extra-contratual;

- da verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar.

III. Fundamentos de Facto

Questão prévia:

Parece pretender o Autor, embora não o diga de forma expressa e autónoma no seu recurso, uma alteração da decisão da matéria de facto, no sentido deste tribunal considerar como assentes certos factos que o tribunal de 1ª instância considerou não provados. Decorre das suas alegações que Recorrente considera incorrectamente julgados os factos que constam do artº 11º e 12º da base instrutória, pretendendo a alteração da decisão que os considerou não provados, no sentido que aponta, pois só nesse quadro pode ser interpretado o pedido por si feito nas suas conclusões, de revogação da sentença, julgando-se que o único incidente que determinou a não concessão do crédito foi o comunicado pela Ré.

O artº 685- B do C.P.C. com a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, estabelece no seu nº 1 que quando a decisão sobre a matéria de facto é impugnada deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de factos que considera incorrectamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que imponham diferente decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.

Ora, o Recorrente, para além de não referir expressamente que quer impugnar a matéria de facto, nem constando das suas conclusões a pretendida alteração da resposta aos aludidos artigos da base instrutória, não observa tal preceito, não cumprindo a obrigação que o mesmo impõe para que este tribunal possa proceder à reapreciação da matéria impugnada, na medida em que, por um lado, não indica em concreto os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e por outro lado também não satisfaz, quanto aos depoimentos das testemunhas gravados, a exigência do no nº 2 do art.º 685- B – indicando as passagens da gravação em que se funda, sendo certo que foram estes depoimentos que ajudaram o tribunal a interpretar os documentos que o recorrente invoca como suporte para a sua pretensão, conforme da motivação consta, e que o Recorrente interpreta de forma diferente.

Assim sendo e de acordo com o disposto nos artº 684 nº 3, 685- A nº 1 e 685- B nº 1, este tribunal está impedido de fazer a reapreciação dos factos que o Recorrente pretende.

Tendo em conta o disposto no artº 713 nº 6 do C.P.C. e não tendo sido impugnada a matéria de facto, nem havendo lugar a qualquer alteração, remete-se para os termos da decisão da 1ª instância, que considerou provados os seguintes factos:

1. Entre MD (…) e a ré Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ..., CRL, foi celebrado o então designado “contrato de mútuo nº 56027638980. (alínea A).

2. Relativamente ao valor mutuado, referido em 1., o autor M (…) assumiu aí o papel de “avalista”. (alínea B).

3. Os mutuários não cumpriram o que estava declarado no designado contrato de mútuo aludido em 1. (alínea C).

4. Por conseguinte foi instaurada acção executiva contra os ali indicados mutuários e o aqui autor M (…) execução esta que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, sob o nº 960/06.8TBSCD, conforme conta da certidão de fls. 74-85, que se dá por reproduzida. (alínea D).

5. No âmbito de tal execução, o autor celebrou com a ré um acordo de pagamento em prestações, conforme consta da certidão de fls. 74-85, pretendendo com o mesmo pôr termo ao incumprimento, com a reformulação do plano de pagamento. (alínea E).

6. Até 27 de Maio de 2010, a ré não comunicou ao Banco de Portugal, que celebrou o acordo de pagamento em prestações aludido na certidão cima referida, pretendendo com o mesmo pôr termo ao incumprimento, com a reformulação do plano de pagamento. (alínea F).

7. A 10 de Maio de 2010, junto do Banco de Portugal, a situação do crédito em causa era ainda qualificado de “abatido ao activo”. (alínea G).

8. A alteração da informação só teve lugar a 27 de Maio de 2010, reflectindo-se na Central de Responsabilidade de Crédito do Banco de Portugal na data de 31 de Maio. (alínea H).

9. A ré comunicou ao Banco de Portugal o que designou por incumprimento por parte dos mutuários e, consequentemente, do autor, na qualidade de avalista. (art.º 1º B.I.).

10. A ré actuou como aludido em 6 pois, como é seu hábito, aguardou um certo prazo para aferir se as prestações convencionadas no acordo iam sendo pagas. (art.º 2º B.I.)

11. Podendo, contudo, ter sido feita a comunicação em falta, a qualquer momento, se o cliente o solicitasse. (art.º 3º B.I.).

12. O autor dedica-se à actividade comercial de compra e venda, e revenda, de têxteis já transformados. (art.º 4º B.I.)

13. O autor pré-negociou com a sociedade identificada no documento de fls. 24, que se dá por reproduzido, a compra das mercadorias aí identificadas, pelos preços aí referenciados. (art.º 5º B.I.).

14. E com a mesma acordou que o valor do preço contratado, seria liquidado no momento da entrega da mercadoria. (art.º 6º B.I.)

15. O autor negociou com a sociedade identificada no documento de fls. 26, que se dá por reproduzido, a compra das mercadorias aí identificadas, pelos preços aí referenciados. (art.º 7º B.I.).

16.  E com a mesma acordou que o valor do preço contratado, seria liquidado no momento da entrega da mercadoria. (artº 8º B.I.).

17. O autor pretendia revender e vender ao público as mercadorias aludidas em 13 e 15. (art.º 9º B.I.).

18. O autor, depois de saber qual o valor que iria despender na compra das mercadorias aludidas em 13, tratou de obter o necessário financiamento junto do Banco Espírito Santo. (art.º 10º B.I.).

19. A falta de financiamento impossibilitou a compra da mercadoria aludida em 13, nas quantidades e preços constantes do documento de fls. 24. (art.º 13º B.I.)

20. Se o autor tivesse adquirido a mercadoria aludida em 13 e 15, teria revendido parte da mesma, com um acréscimo de 25%, sobre o preço de aquisição, aludidos nos documentos de fls. 24 e 26. (art.º 15º B.I.).

21. E teria ainda vendido parte dela, directamente ao público com um acréscimo de 50%, sobre o preço de aquisição, aludido nos documentos de 24 e 26. (artº 16º B.I.).

IV. Razões de Direito

- Da nulidade da sentença por falta de fundamentação

Invoca o recorrente a nulidade da sentença, nos termos do artº 668 nº 1 b) do C.P.C., referindo que a decisão não está fundamentada, importando que o tribunal “a quo” explicasse porque conclui pela falta de demonstração de que a incorrecta menção no Banco de Portugal, em virtude da conduta da R. fosse a causa do não financiamento.

O artº 668 nº 1 b) do C.P.C. determina a nulidade da sentença quando a mesma não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Habitualmente entende-se que o vício apenas se verifica quando ocorra falta absoluta de motivação de facto ou de direito, e não já quando tal motivação é apenas insuficiente ou errada- vd. neste sentido, Luis Filipe Brites Lameiras, in. Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª ed., pág. 36.

Só existe assim nulidade da sentença se na mesma o juiz omitiu em absoluto os fundamentos de facto ou de direito que sustentam a decisão de mérito, sendo os primeiros constituídos pelo elenco dos factos julgados como provados e os segundos pela exposição das razões de direito, com interpretação e aplicação das normas jurídicas.

No caso, constata-se que o recorrente confunde, por um lado, o erro de julgamento e, por outro, os vícios de natureza formal enunciados no art. 668º, nº 1 do C.P.C. que, afectando a regularidade formal da sentença, a tornam nula.

Na verdade, o que o recorrente não aceita é a decisão da matéria de facto dada pelo tribunal, em concreto aos artº 11º e 12º da base instrutória que, perguntando se foi a situação descrita em F), G) e H) que determinou que a operação de financiamento proposta pelo autor ao Banco Espírito Santo, S.A. não tenha sido aprovada, o que impediu o autor de obter o financiamento junto dessa instituição, se pronunciou no sentido de tal não resultar provado, com a motivação que de tal decisão consta.

Na sentença é referido que não ficou demonstrado que a incorrecta menção no Banco de Portugal, em virtude da conduta da Ré, fosse a causa do não financiamento; é esta, ainda que sucinta, a sua fundamentação, quanto à conclusão da não verificação de causalidade, que afasta a obrigação de indemnizar, por falta desse pressuposto.

Conclui-se por isso que a sentença proferida não enferma do vício de falta de fundamentação e em consequência não existe a nulidade da sentença invocada.

- saber se a conduta da Ré se enquadra no incumprimento do contrato celebrado com o A. ou no instituto da responsabilidade civil extra-contratual;

Alega o recorrente que está em causa uma situação de incumprimento contratual, o que retira dos factos enunciados sob os nº 6 e 7, referindo que, no seguimento do contratado, estava a Ré obrigada a fazer a comunicação ao Banco de Portugal.

A sentença sob recurso enquadrou a situação no âmbito da responsabilidade civil extra-contratual, referindo: “Tendo em conta o peticionado, a presente acção é uma acção de responsabilidade civil aquiliana”, fazendo de seguida a avaliação dos seus pressupostos.

A questão que se põe é então a de saber, se a obrigação de comunicação da Ré ao Banco de Portugal, resulta do acordado entre as partes (artº 406 do C.Civil), ou antes resulta de um direito do autor ou de disposição legal destinada a proteger interesses alheios (conforme é previsão do artº 483 do C.Civil).

Os factos provados dizem-nos o seguinte: “…o autor celebrou com a ré um acordo de pagamento em prestações, conforme consta da certidão de fls. 74-85, pretendendo com o mesmo pôr termo ao incumprimento, com a reformulação do plano de pagamento. (alínea E).

Até 27 de Maio de 2010, a ré não comunicou ao Banco de Portugal, que celebrou o acordo de pagamento em prestações aludido na certidão acima referida, pretendendo com o mesmo pôr termo ao incumprimento, com a reformulação do plano de pagamento. (alínea F).

A 10 de Maio de 2010, junto do Banco de Portugal, a situação do crédito em causa era ainda qualificado de “abatido ao activo”. (alínea G).

Da matéria de facto que resultou provada, relativamente ao acordo celebrado entre as partes, não decorre que as partes tenham acordado, que a Ré ficaria com a obrigação de efectuar a comunicação ao Banco de Portugal, nem de seguida, nem em qualquer outra data. Aliás, tais factos não foram sequer alegados pelo Autor.

O artº 405 do C.Civil, sob a epígrafe “Liberdade contratual”, prevê que: “Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.” Nada impediria assim as partes de acordar os termos, e em concreto, a data, em que tal comunicação seria feita ao Banco de Portugal pela Ré, mas os factos não revelam que tal tenha acontecido, nem o Autor sequer invoca a existência de acordo sobre tal questão; antes parece que tal questão esteve ausente da previsão da partes, quando da negociação do plano de pagamento.

Não podemos assim dizer que a Ré se tenha obrigado, perante o Autor a efectuar a comunicação ao Banco de Portugal, ou que a vontade das partes tenha convergido no sentido de acordarem alguma coisa quanto a tal questão.

A obrigação da Ré efectuar a comunicação ao Banco de Portugal resulta antes, não de um acordo de vontade das partes que não se apurou ter existido, nem é invocado, mas antes da lei, em concreto do Regime Jurídico relativo a Central de Responsabilidades de Crédito, aprovado pelo DL 204/2008 de 14 de Outubro e ao qual a Ré, enquanto entidade bancária está sujeita.

De acordo com o regime previsto neste diploma, a informação divulgada pelo Banco de Portugal constante da Central de Responsabilidades de Crédito, é da responsabilidade das entidades que a tenham transmitido, cabendo exclusivamente a estas proceder à sua alteração ou rectificação (artº 2º). No artº 3º nº 2 é previsto um dever de comunicação, em que, em cada mês é feita a actualização da informação pela Instituição de Crédito, que o pode rectificar. Há assim uma obrigação dos Bancos enviarem mensalmente ao Banco de Portugal todos os créditos e respectivas situações, sendo por isso responsáveis pelas comunicações efectuadas, o que permite uma actualização mensal da informação constante de tal Central de Responsabilidades.

Verifica-se assim que foram estas as disposições legais que a Ré não cumpriu ao omitir a comunicação ao Banco de Portugal da situação da dívida do Autor, na sequência do acordo de pagamento entre as partes, o que não fez até 27 de Maio de 2010.

Nestes termos já se vê que a situação foi bem enquadrada na sentença recorrida, no instituto da responsabilidade civil extra-contratual, previsto nos artº 483 ss. do C.Civil.

- Da verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar

Chegados a este ponto e determinado que o regime aplicável é o previsto no artº 483 do C.Civil, importa analisar se estão verificados todos os pressupostos que permitem concluir que a Ré está obrigada a indemnizar o Autor.

Uma questão prévia importa apontar, na sequência do referido pelo Autor nas suas alegações de recurso, onde conclui que por força do disposto no artº 799 do C.Civil, há uma inversão do ónus da prova, pelo que competiria à Ré provar que a sua conduta não foi a causa do não financiamento.

É verdade que esta norma estabelece, no âmbito da responsabilidade contratual, uma inversão do ónus da prova, ao prever que ao devedor incumbe provar que a falta de cumprimento da obrigação ou o cumprimento defeituoso da mesma não precede de culpa sua.

Contudo, esta inversão do ónus da prova refere-se apenas à culpa (dolo ou negligência) do devedor e não ao nexo de causalidade entre o facto e o dano. A inversão do ónus da prova prevista na norma mencionada, que ao caso não tem aplicação, como já vimos, apenas permitiria presumir que a Ré agiu com culpa e nunca que a sua conduta foi a causa do não financiamento.

Vejamos então se estão verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil previstos no artº 483 ss.

Estipula o artº 483 do C.Civil que: “Aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes dessa violação.”

            Temos assim que se torna necessária a verificação cumulativa de cinco requisitos, para que haja responsabilidade civil: o facto; a ilicitude; um vínculo de imputação do facto ao lesante; o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, vd. neste sentido, Antunes Varela, in. Das Obrigações em Geral, pág. 355 ss.

É necessário, desde logo, que haja um facto voluntário do agente, sendo que este facto consiste em regra numa acção, ou seja, num facto positivo que importe a violação de um dever geral de abstenção, do dever de não ingerência na esfera de acção do titular do direito absoluto, mas pode também traduzir-se num facto negativo, numa abstenção, numa omissão, entendendo-se que a omissão é causa do dano, sempre que haja o dever jurídico de praticar um acto que, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação desse dano. Facto voluntário significa apenas facto objectivamente controlável ou dominável pela vontade.

A culpa exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente e pode revestir duas formas distintas, o dolo e a negligência ou mera culpa.

Tem também que haver dano, para haver obrigação de indemnizar. É condição essencial que o facto ilícito culposo tenha causado prejuízo a alguém.

Finalmente tem que haver um nexo causal entre o facto e o dano, ou seja, um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima, de modo a poder afirmar-se, à luz do direito, que o dano é resultante da violação.

            A sentença sob recurso considerou que o Autor provou a existência de um facto ilícito por parte da R. e os danos, afastando a obrigação de indemnizar por não ter ficado demonstrado o nexo de causalidade, considerando que: “…não se demonstrou que a incorrecta menção no Banco de Portugal que daí constava em virtude da conduta da Ré fosse a causa do não financiamento pelo BES.”

Em face das razões do recurso interposto e uma vez que o Recorrente, não impugna a decisão na parte em que a mesma considera apurados os restantes pressupostos da obrigação de indemnizar, incidiremos a nossa análise na questão do nexo de causalidade, que determinou a improcedência da acção pelo facto de ter considerado que não ficou demonstrado que a incorrecta menção no Banco de Portugal, em virtude da conduta omissiva da R., tivesse sido a causa do Autor não ter conseguido obter do BES o financiamento solicitado.

Em primeiro lugar, há que ter em conta que ao Autor incumbia fazer a prova de todos os factos constitutivos do seu direito, de acordo com o princípio geral do ónus da prova previsto no artº 342 nº 1 do C.P.C., cabendo-lhe também por isso fazer prova da existência do nexo de causalidade entre o acto ilícito e os prejuízos invocados- vd. neste sentido, Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 21/09/2006, in. www.dgsi.pt

O facto de uma pessoa constar da lista da central de responsabilidades de crédito do Banco de Portugal, sendo naturalmente um factor de avaliação do risco na concessão de crédito, não é por si só impeditiva da obtenção de crédito por parte dessa pessoa, tudo depende de uma avaliação global que a instituição de crédito venha a fazer. Em face da prova é que terá de se avaliar e decidir se a menção de tal informação foi impeditiva, no caso concreto, da obtenção do financiamento em causa.

Na situação em presença e para efeitos de se determinar a existência do nexo de causalidade, foram formulados dois artigos na base instrutória, com os números 11 e 12 e com a seguinte redacção: “Foi a situação descrita em F), G) e H) que determinou que a operação de financiamento proposto pelo Autor no Banco Espírito Santo, S.A. não tenha sido aprovada?”, e: “O que impediu o autor de obter financiamento junto da dita instituição para proceder à compra da mercadoria aludida em 5. e 7.?”

Ora, ambos estes artigos resultaram não provados, com a motivação que consta da decisão sobre a matéria de facto proferida, tendo sido considerados não só os documentos juntos aos autos, mas também a prova testemunhal produzida., tendo também sido feita a interpretação do documento junto aos autos a fls. 14-16 com o auxílio de testemunhas ouvidas.

Verifica-se assim que, o que o Autor faz é pôr em causa a decisão da matéria de facto do tribunal de 1ª instância, o que é patente aliás na conclusão que elabora com o nº 18, aí referindo que: “No entender do Autor, fica clara e indubitavelmente demonstrado que a incorrecta menção no Banco de Portugal, imputável à R., foi a causa do não financiamento do autor, por parte do BES.” Ora, esta alteração da matéria de facto, como já se referiu, não pode ser atendida.

Nestes termos, forçoso se torna concluir que não ficou demonstrada a existência do nexo de causalidade, como pressuposto da obrigação de indemnizar, o que se infere das respostas dadas pelo tribunal de 1ª instância aos artº 11º e 12º da base instrutória, na medida em que não ficou provado que foi a omissão da comunicação da R. ao Banco de Portugal e o facto do crédito se manter registado como abatido ao activo, que impediu a concessão do financiamento ao Autor pelo BES.

 Os artºs 562 a 572 C.Civil estabelecem o regime da obrigação de indemnizar, seja qual for a fonte de onde ela proceda.

            Logo o artº 562 C.Civil, dispõe que a indemnização tem o objectivo de reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, acrescentando o artº 563 com a epígrafe “nexo de causalidade”, que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

            No caso em presença a decisão recorrida considerou que: não ficou provado que foi a não comunicação da Ré, do acordo de pagamento, ao Banco de Portugal, nem a situação do crédito estar qualificada de “abatido ao activo” que determinou que a operação de financiamento não fosse aprovada.

            Nesta medida, já se vê que, não ficando provado que o incidente que determinou a não concessão do crédito pelo BES ao Autor, foi omissão da informação do crédito da Ré junto do Banco de Portugal, falta o nexo de causalidade que permite imputar à Ré a responsabilidade pelos danos sofridos pelo A. resultantes de tal falta de financiamento, nos termos do artº 563 do C.Civil. Assim, não podemos dizer que o Autor teria obtido o financiamento, caso a R. tivesse diligenciado pela comunicação devida, e que os danos por si sofridos são resultantes dessa omissão.

            Em conclusão, constata-se que não ficou provado um dos requisitos da responsabilidade civil que permite imputar à R. a obrigação de indemnizar o Autor pelos prejuízos causados e reclamados nos autos, nos termos do artº 483 nº 1 do C.Civil e que é o nexo de causalidade entre o facto e os danos, pelo que o pedido formulado pelo Autor tem de improceder, não merecendo por isso censura a decisão sob recurso.

V. Sumário:

1. De acordo com o regime estabelecido no DL 204/2008 de 14 de Outubro, a informação divulgada pelo Banco de Portugal constante da Central de Responsabilidades de Crédito, é da responsabilidade das entidades que a tenham transmitido, cabendo exclusivamente a estas proceder à sua alteração ou rectificação.

2. Tendo em conta o artº 3º nº 2, há uma obrigação dos Bancos enviarem mensalmente ao Banco de Portugal todos os créditos e respectivas situações, o que permite uma actualização mensal da informação constante de tal Central de Responsabilidades.

3. A omissão de tal dever faz incorrer a instituição de crédito em responsabilidade civil extra-contratual, desde que verificados os restantes pressupostos da responsabilidade civil previstos no artº 483 nº 1 do C.Civil.

4. Ao Autor incumbe fazer a prova de todos os factos constitutivos do seu direito, cabendo-lhe também por isso fazer prova da existência do nexo de causalidade entre o acto ilícito e os prejuízos invocados.

5. O facto de uma pessoa constar da lista da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, sendo naturalmente um factor de avaliação do risco na concessão de crédito, não é por si só impeditivo da obtenção de crédito por parte dessa pessoa, tudo dependendo de uma avaliação global que a instituição de crédito venha a fazer.

            VI. Decisão:

Em face do exposto, julga-se improcedente o recurso de apelação interposto pelo Autor M (…), mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Notifique.

                                                           *

                                              

Maria Inês Moura (relatora)

Luís Cravo (1º adjunto)

Maria José Guerra (2º adjunto)