Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2/11.1TAACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: APRESENTAÇÃO
PEÇA PROCESSUAL
CORREIO ELECTRÓNICO
Data do Acordão: 05/08/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: PARCIALMENTE CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 150.º DO CPC; PORTARIA N.º 642/2004, DE 16-06
Sumário: Estando em vigor, no âmbito do processo penal, a Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, é legalmente permitida a remessa a juízo, via correio electrónico, de qualquer peça processual.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do processo comum n.º 2/11.1TAACB do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça, mediante acusação particular, acompanhada pelo Ministério Público, foi o arguido B..., melhor identificado nos autos, submetido a julgamento, sendo-lhe, então, imputada a prática de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º do Código Penal.

2. Realizado o julgamento, por sentença de 21.12.2011, o tribunal decidiu [transcrição]:

«Em face do exposto, decide este Tribunal julgar procedentes, por provadas, as acusações particular e pública deduzidas contra o arguido B... e, em consequência:

· CONDENAR o arguido, pela prática de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à razão diária de € 12,00 (doze euros), o que perfaz a multa de € 600 (seiscentos euros), a que corresponde prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, se for caso disso;

· Julgar procedente, por provado, o pedido de indemnização cível formulado pelo assistente e, em consequência, CONDENAR o arguido/demandado a pagar ao demandante a quantia de € 500,00 (quinhentos euros);

            (…)».

3. Inconformado com o assim decidido recorreu o arguido, extraindo da motivação as seguintes conclusões [apresentadas na sequência do «convite» que, em execução do artigo 417.º, n.º 3 do CPP, lhe foi dirigido por este tribunal]:

1. Para fundamentar a decisão de facto alcançada nos presentes autos, estribou-se a Sr.ª Juiz “a quo” “nas declarações do arguido, o qual negou a prática dos factos, tendo contudo assumido ter tido um desentendimento com o ofendido, no dia em causa nos autos, por causa da aplicação de um herbicida no jardim do condomínio onde reside”;

2. Fundou-se ainda o Tribunal recorrido no facto do arguido ter confirmado “que a testemunha D..., caseiro do condomínio, se encontrava presente e presenciou toda a conversa mantida com o ofendido”;

3. Considerou a Sr.ª Juiz relevante, também, a circunstância do arguido ter referido que “ao abordar A..., este lhe respondeu “deixa-me trabalhar, cabrão. Tal expressão não foi confirmada pelo depoimento de qualquer testemunha – nem do ofendido ou do caseiro que o acompanhava e nem sequer pelo depoimento da companheira do arguido ou da vizinha C...”;

4. Salvo o devido respeito, importa salientar a nossa admiração perante tais considerações, nomeadamente ter-se considerado relevante que o arguido tenha relatado ao tribunal o uso de uma expressão por parte do assistente que mais ninguém confirmou – parecendo, com isso, querer descredibilizar o depoimento do arguido – e não ter considerado igualmente relevante o facto de o assistente ter referido que o arguido lhe dirigiu “a expressão ordinário”, que o arguido o ameaçou com gestos e simulou que o ia agredir”, “que a conversa com o arguido durou 45 minutos”, que o arguido proferiu as expressões na presença de outras pessoas (além do caseiro), que o assistente tenha andado alguns dias doente, tudo factos que o assistente relatou e alegou no seu articulado, mas que mais ninguém referiu, tanto assim que não foram considerados provados;

5. Tal circunstância deveria ter sido valorizada pela Mm.ª Juiz “a quo”com a mesmíssima intenção de descredibilizar o depoimento do assistente, o que não sucedeu;

6. Pelo contrário, e pese embora o referido, a Sr.ª Juiz considerou que, as suas declarações (do assistente), foram lógicas, coerentes, seguras e descomprometidas, logrando convencer o Tribunal acerca da ocorrência dos factos relatados;

7. Referiu também a Sr.ª Juíz a quo ter alicerçado a sua convicção no depoimento da testemunha D..., caseiro do mencionado Condomínio, o qual descreveu os factos que presenciou de forma segura, lógica, detalhada, objectiva e totalmente descomprometida, sendo por isso merecedor de credibilidade;

8. Verificamos que, do depoimento desta testemunha (parte do qual não se consegue perceber), resulta que a conversa (que não terá sido em tom muito exaltado mas exlatado a fazer peito (signifique isso o que significar …), resulta terem as alegadas injúrias ocorrido durante muito tempo e em vários sítios, inclusive na presença da Polícia;

9. Será caso para perguntar como se coadunam estas declarações com a conclusão retirada pela Sr.ª Juíz “a quo” de que este depoimento mereceu credibilidade, já que considerou NÃO PROVADO que “o arguido proferiu as referidas expressões na presença de outras pessoas (além do caseiro do condomínio)”;

10. Acresce ainda que a testemunha, que a Srª Juíz deu como provado ter estado sempre presente do princípio ao fim, admite poder ter havido alguma coisa entre eles sem ela (testemunha) ter visto;

11. Não se vislumbra como pode ter a Srª Juiz “a quo” concluído que o depoimento da testemunha C... não era merecedor de credibilidade “por concordar na íntegra com a opinião do arguido relativamente à aplicação do produto (o que afirmou várias vezes e foi patente durante todo o seu depoimento) e assim desculpabilizar o comportamento deste (…)”;

12. Se assim era, normal seria que ela própria unisse a sua voz à do arguido e reclamasse junto do assistente da colocação do herbicida o que, pelos vistos, no dizer da testemunha D... que tanta credibilidade mereceu do Tribunal, não sucedeu;

13. Atendendo ao referido pela testemunha, forçoso é concluir que quer a testemunha G... quer a testemunha C... assistiram a tudo;

14. Razão pela qual não se entende como pode a Sr.ª Juiz dar como provado que assim não aconteceu;

15. Por outro lado esta testemunha refere que a duração da conversa foi de quarenta minutos a três quartos de hora e que estiveram sempre a bater na mesma tecla e que eles “estiveram sempre a falar”;

16. Pelo que, nas palavras da testemunha, o assistente sempre falava, sendo certo ser humanamente impossível suportar ouvir suportar ouvir alguém chamar-nos nomes durante “p`raí uma horita” ou “três quartos de hora” e nada dizer;

17. Deste depoimento resulta também que “houve coisas” a que esta testemunha “não ligou” por não ser nada com ela – outro comportamento no mínimo estranho para quem, como a testemunha, terá estado uma horita a ouvir o arguido insultar o assistente;

18. Conforme resulta do depoimento transcrito, a testemunha D... acabou ainda por confessar ter uma relação profissional com o assistente, tendo ficado “incomodado” com a questão colocada acerca dessa mesma relação profissional, pretendendo inclusive dizer que isso nada tinha a ver com o sentido do sue depoimento;

19. Se a Sr.ª Juíz põe em causa o depoimento da testemunha C... alegando que esta concordava com o que o arguido referia na contestação à colocação do herbicida, deveria ter também estranhado que a testemunha D... só a instâncias da defesa tenha referido ter uma relação profissional de subordinação com o assistente;

20. Acresce ainda que analisado todo o depoimento desta testemunha, fácil é de concluir que o mesmo é um poço de contradições e, assim sendo não deveria ter sido valorado, como foi, pelo Tribunal;

21. No que concerne ao depoimento da testemunha C..., não se vislumbra qual o descrédito a dar a este depoimento que, contrariamente, até, ao da testemunha anterior, se nos afigura mais consentâneo com a realidade;

22. É que, de facto, esta testemunha não se lembra de tudo, com diz o povo “tim tim por tim tim” mesmo quando, quanto a esta testemunha, a Sr.ª Juíz “a quo”, no nosso modesto entender e salvo o devido respeito, permitiu que se fizesse o contraditório de uma forma a nosso ver correcta, mas que não permitiu que a defesa fizesse no que à testemunha D... diz respeito;

23. Quanto ao depoimento da testemunha G..., do mesmo resulta ter esta negado ter ouvido as expressões vertidas na acusação. E veja-se que a Sr.ª Juiz valora este testemunha para descredibilizar o arguido quando este diz;

24. Para fundamentar a condenação do arguido alicerçou-se, assim, o Tribunal nas declarações da testemunha D..., e nas do assistente e demandante civil, sendo certo que, quanto a estas, terão sempre que ser aferidas com prudência dada a qualidade de parte interessada na causa, para além de eivadas de contradições;

25. É, pois, gritante a conclusão de que a Mmª Juiz deveria ter aplicado o princípio “in bubio pro reo” já que os testemunhos prestados em audiência revelam duas versões dos factos completamente antagónicas sendo certo que todos eles são passíveis de ser credibilizados, ou descredibilizados não se devendo priveligiar uns em detrimento dos outros, devendo improceder as razões invocadas para tal pela Srª Juíz “a quo”;

26. Verificamos existir manifesta insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, bem como erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto no art. 410º n.º 2 a) e c) do C.P.C.;

27. “A violação do princípio in dubio pro reo, pode e deve ser tratada como erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida se extrair por forma mais do que óbvia que o colectivo optou por decidir na dúvida, contra o arguido” – STJ de 15/04/1998;

28. É que, mais que não seja, a dúvida deveria ter-se instalado no espírito da Srª Juíz, existindo um claro vício no apuramento da matéria de facto;

29. Por outro lado existe insuficiência para a matéria de facto provada quando “se constata erro de tal forma patente que não escapa à observação do homem de formação média o que deve ser demonstrado a partir do texto da decisão recorrida por si ou conjugada com as regras da experiência comum” (in BMJ, 472, 407 Ac. STJ de 17/12/1997);

30. E as regras da experiência comum ensinam-nos que não é normal um ser humano aguentar ser insultado durante “uma horita” ou três quartos de hora e nada dizer ou fazer;

31. Tudo ponderado e conjugado, entendemos, salvo melhor opinião, que deveria a Sr.ª Juíz “a quo” ter optado pela absolvição do arguido;

32. Não obstante, e sem conceder, consideramos ser manifestamente exagerada a pena aplicada ao arguido, condenado pela sentença ora recorrida na pena de multa de 50 dias à razão diária de € 12,00, num total de € 600,00;

33. Na determinação da medida concreta da pena deverá o julgador atender ao grau de ilicitude, de culpa e ainda à influência da pena sobre o agente do crime;

34. Entendemos que a pena aplicada nos presentes autos se revela excessivamente “pesada” atendendo à factualidade provada em sede de julgamento;

35. O arguido não tem antecedentes criminais, revelando até no seu depoimento um desconhecimento total dos “meandros da justiça”, do formalismo processual que a mesma comporta, estando devidamente integrado na sociedade e exercendo uma actividade profissional;

36. Deveria a Sr.ª Juíz a quo ter optado por uma pena mais “branda” do que aquela que de facto veio a aplicar, pugnando-se como suficiente, por realizar de forma adequada as necessidades de prevenção geral e especial, a aplicação de uma pena de multa reduzida aos seus limites legais;

37. Assim, ao decidir como fez, o Tribunal a quo violou, entre outros artigos, as disposições legais que desde já se invocam constantes nos artigos 127º e 410º nº 2 al. a) e c), do C.P.P., pelo que ser revogada e substituída a presente sentença condenatória por outra que absolva o arguido ou, em alternativa e face ao supra exposto, reduza a pena aplicada aos seus mínimos legais.

4. Ao recurso respondeu o Ministério Público, concluindo:

1.ª Vem o presente recurso interposto pelo arguido B... da douta sentença de fls. 148 a 163 que o condenou pela prática, em autoria material, de 1 (um) crime de injúria, p. e p. pelos artigos 14º, nº 1, 26º e 181º, nº 1, todos do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à razão diária de 12,00 € (doze Euros).

2.ª Sem prejuízo de ter-se por “ilegal a utilização do correio electrónico no âmbito do processo criminal e contra – ordenacional para apresentação a juízo de actos processuais escritos”, por força do disposto no artigo 3º, nº 2, als. a) e b), da Portaria nº 642/2004, de 16 de Junho “a comunicação electrónica deve assegurar “o não repúdio e a integridade dos seguintes elementos da mensagem garantidos pela aposição de assinatura electrónica por terceira entidade idónea ao conjunto formado pela mensagem original e pela validação cronológica do acto de expedição” e “a entrega ao remetente de cópia da mensagem original e validação cronológica do respectivo acto de expedição, cópia essa que é assinada electronicamente por terceira entidade idónea”.

3.ª A “expedição da mensagem de correio electrónico deve ser cronologicamente validada, mediante a aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea.”

4.ª A falta de junção aos Autos da validação cronológica, por entidade certificadora terceira, da exposição da mensagem de correio electrónico, atestando a data e hora da criação e expedição, mediante a aposição de selo temporal, torna impossível a “verificação, por qualquer entidade a quem o remetente ou o destinatário facultem o acesso, da validação de todos os elementos referidos na alínea a)”, do artigo 3º, nº 2, da citada Portaria.

5.ª Não tendo sido comprovado o envio do recurso por correio electrónico no dia 7 de Fevereiro de 2012 --- com a entrega ao remetente de cópia da mensagem original e validação cronológica do respectivo acto de expedição, cópia essa que é assinada electronicamente por terceira entidade idónea --- e que a sua não recepção pelo Tribunal não lhe é imputável, acrescendo ainda o facto de a falta de junção de validação cronológica da expedição da mensagem por correio electrónico, impossibilitar a “verificação, por qualquer entidade a quem o remetente ou o destinatário facultem o acesso, da validação de todos os elementos referidos na alínea a)”, do artigo 3º, nº 2, da citada Portaria, não pode considerar-se aquele como enviado.

6.ª Em consequência, não deverá o recurso interposto ser admitido, por extemporaneidade, atento o disposto no artigo 414º, nº 2 (2ª parte), do Código de Processo Penal.

Sem prejuízo das conclusões que antecedem,

7.ª Deverá entender-se que não pode o recorrente prevalecer-se do prazo de 30 (trinta) dias previsto para a interposição de recurso, quando nele (no recurso) não se cumpre o ónus de especificação enunciado no artigo 412.º, n.ºs 3, als. a), b) e c) e 4, do mesmo Código.

8.ª Pelo que, tendo o mesmo sido interposto para além do prazo de 20 dias (sem prejuízo do disposto nos artigos 145º, do C.P.C. e 107º - A do C.P.P.), deverá a presente recurso ser rejeitado, por extemporaneidade, atento o disposto no artigo 414º, nº 2 (2.ª parte) e 420, nº 1, al. b), ambos do Código de Processo Penal.

Sem prejuízo das conclusões que antecedem,

9.ª As conclusões são proposições sintéticas que emanam, naturalmente, do que se expôs e considerou ao longo da alegação.

10.ª As conclusões são o corolário dos princípios da lealdade e colaboração processuais, no sentido de tornar mais fácil, mais pronta e mais segura a tarefa de administrar a Justiça e de, por outro lado, fixar a delimitação objectiva do recurso, indicando concreta e precisamente as questões a decidir.

11.ª Na motivação de recurso interposto pelo arguido/recorrente ignorou tais princípios ao nela omitir, de forma completa e integral, as respectivas conclusões.

12.ª Não deverá ser aplicada ao caso sub judice a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 337/2000, de 27 de Junho, na medida em que, se assim fosse entendido, estar-se-ia a conceder novo prazo ao recorrente para apresentar nova Motivação de Recurso e não um convite destinado a suprir a falta de concisão das conclusões, dado que não se trata de falta de concisão das mesmas, mas sim de uma situação de inexistência, ab initio, das próprias conclusões.

13.ª Nesta medida, o recurso interposto pelo arguido/recorrente deverá ser rejeitado, nos termos do disposto no artigo 420º, nº 1, al. c), do Código de Processo Penal.

Mesmo assim, sem no entanto conceder,

14.ª “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente”.

15.ª O arguido/recorrente chama de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, de violação do princípio da livre apreciação da prova e de erro notório na apreciação da prova à sua discordância com o Tribunal no que concerne à forma como apreciou toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, sobrevalorizando uns elementos de prova em detrimento de outros, o que, de modo algum, pode confundir-se com a inobservância daquele princípio.

16.ª A insuficiência da matéria de facto só se pode ter como existente quando os factos provados forem insuficientes para justificar a decisão assumida, quando se considera realizado um tipo legal de crime sem que esteja provada matéria de facto bastante, vício esse que a douta Sentença a quo não enferma.

17.ª Compulsado teor da douta Sentença ora recorrida, na parte respeitante à motivação de facto, verifica-se que a mesma não deixa ao Tribunal ad quem qualquer dúvida sobre a prova produzida na audiência.

18.ª A douta Sentença a quo não incorreu em erro notório na apreciação da prova, pois não valorou a prova produzida na Audiência de Discussão e Julgamento contra todos os ensinamentos da experiência comum, contra critérios legalmente fixados, ou contra disposições legais.

19.ª O Tribunal a quo fez uma ponderada reflexão e análise crítica quanto à prova recolhida, após o que obteve plena convicção, porque subtraída a qualquer dúvida razoável, sobre a verificação dos factos imputados ao arguido/recorrente e que motivaram a sua condenação, pela prática do crime de injúria.

20ª A determinação da pena de multa é constituída por dois actos autónomos, nos quais se consideram, em separado e sucessivamente, os factores relevantes para a culpa e prevenção por um lado (determinação dos dias de multa) e, por outro, para a situação económico-financeira do condenado (determinação do quantitativo diário da taxa de multa).

21.ª Ponderada a matéria de facto provada, o bem jurídico violado, a gravidade do ilícito e a moldura penal que lhe é abstractamente aplicável (10 a 120 dias – cfr. artigos 47º, nº 1 e 181º, nº 1, ambos do Código Penal), a personalidade do arguido, a medida da sua culpa e as necessidades de reprovação e de prevenção de futuros crimes, mostra-se adequada a pena de multa em que o mesmo foi condenado – 50 (cinquenta) dias.

22.ª O único limite inultrapassável na determinação do quantitativo diário da multa é constituído pelo asseguramento ao arguido do nível existencial mínimo adequado às suas condições sócio – económicas.

23.ª Tendo-se em conta a factualidade provada a este respeito, o quantitativo diário da pena de multa, fixado em 12,00 € (doze Euros), mostra-se perfeitamente adequado, sob pena de a condenação não representar qualquer sacrifício para o condenado, de se estar a desacreditar a pena, os Tribunais e a própria Justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade e de impunidade.

24.ª A douta Sentença a quo procedeu ao correcto e criterioso enquadramento jurídico – penal da matéria de facto ali dada como provada e, consequentemente, não violou, interpretou ou aplicou qualquer norma legal em desconformidade com o Ordenamento Jurídico – Penal e Processual, devendo ser integralmente mantida.

Contudo, Vªs. Exªs decidirão conforme for de Lei e Justiça.

5. Admitido o recurso, fixado o respectivo regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a este Tribunal.

6. Na Relação, pronunciou-se o Exmo. Procurador – Geral Adjunto, num primeiro momento no sentido de ser o recorrente notificado com vista a suprir a omissão das conclusões de recurso com a cominação da respectiva rejeição.

7. O que veio a ter lugar em execução do n.º 3 do artigo 417.º do CPP;

8. Perante as conclusões de recurso, pronunciou-se o Exmo. Procurador – Geral Adjunto conforme parecer de fls. 409/410, defendendo a improcedência das questões prévias suscitadas em 1.ª instância pelo Ministério Público, acompanhando, contudo, quanto ao mérito do recurso, a resposta apresentada, concluindo, assim, pela manutenção da sentença recorrida.

9. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do CPP não foi obtida reacção.

10. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

                       De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].

No caso em apreço, insurge-se o recorrente contra a matéria de facto assente na decisão recorrida [vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório para a apreciação da prova; violação do princípio in dubio pro reo], não se conformando, outrossim, com a pena concretamente aplicada, sendo, pois, estes os aspectos a tratar.

2. A decisão recorrida

Ficou a constar da sentença recorrida [transcrição parcial]:

1. FACTOS PROVADOS:

Discutida a causa, com relevo para a boa decisão da mesma e expurgada toda a matéria probatória ou conclusiva constante da acusação, resultaram provados os seguintes factos:

1. No dia 6 de Julho de 2010, durante o período da tarde, A... estava a aplicar produtos fitofarmacêuticos nos espaços verdes do ..., em Pataias, acompanhado pelo caseiro deste condomínio, o que lhe havia sido solicitado pela Administração do referido condomínio.

2. Enquanto A... levava a cabo tal trabalho, o arguido B... abordou-o, questionando-o se sabia o que estava a fazer.

3. Neste momento, A... respondeu ao arguido que se encontrava devidamente autorizado para efectuar aqueles trabalhos pela Administração do Condomínio.

4. Perante esta justificação, e porque considerava que A... não estava a fazer o seu trabalho como devia, o arguido dirigiu a A... as expressões “palhaço”, “assassino” e “parvalhão”.

5. Tais expressões foram repetidos algumas vezes e proferidas em voz alta e na presença do caseiro do referido condomínio.

6. A conversa do arguido com A... durou, pelo menos, 15 minutos, sempre em espaços comuns do ....

7. A... continuou a exercer o seu trabalho, pedindo ao arguido que o deixasse trabalhar.

8. O arguido sabia que as expressões proferidas eram aptas a ofender a honra e dignidade de A..., o que quis e conseguiu.

9. Agiu o arguido de forma livre, deliberada e consciente, ciente de que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Mais se apurou que:

10. O arguido tem um Centro de Explicações, onde é formador, de onde retira entre € 2.000,00 e € 3.000,00 mensais.

11. Vive com uma companheira e tem um filho menor, para o qual contribui com € 350,00 mensais.

12. A companheira do arguido é engenheira química e aufere € 2.000,00 mensais.

13. Vive em casa própria, pela qual paga € 500,00 mensais.

14. Suporta prestações de empréstimos contraídos para aquisição de duas casas, no valor de € 300,00 mensais e prestação de empréstimo contraído para aquisição de automóvel, no valor de € 250,00 mensais.

15. Como habilitações literárias, o arguido tem o curso de engenharia de materiais (cerâmica e vidro).

16. Do certificado de registo criminal do arguido nada consta.

17. A... tem uma empresa de jardinagem e trabalha como jardineiro.

2. FACTOS NÃO PROVADOS:

Com relevo para a boa decisão da causa, não se provou:

· Que o arguido dirigiu a A... a expressão “ordinário”.

· Que o arguido ameaçou A... com gestos e simulou que o ia agredir.

· Que a conversa entre o arguido e o A... durou 45 minutos.

· Que o arguido proferiu as referidas expressões na presença de outras pessoas (além do caseiro do condomínio).

· Que, em consequência da actuação do arguido, A... andou durante alguns dias doente.

3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:

A fixação dos factos provados e não provados teve por base a globalidade da prova produzida em audiência de julgamento e a livre convicção que o Tribunal granjeou obter sobre a mesma.

Nos termos do disposto no artigo 127.º, do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser diferentemente.

Refere o Professor Figueiredo Dias (in “Lições Coligidas de Direito Processual Penal”, edição de 1988/1989, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, p. 141) que «a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada “verdade material” – de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo».

Assim, a motivação do tribunal no que respeita à matéria fáctica considerada provada e não provada assentou:

Quanto à questão da culpabilidade:

Factos provados:

Nas declarações do arguido, o qual negou a prática dos factos, tendo contudo assumido ter tido um desentendimento com o ofendido, no dia em causa nos autos, por causa da aplicação de um herbicida no jardim do condomínio onde reside.

Confirmou o arguido que a testemunha D..., caseiro do condomínio, se encontrava presente e presenciou toda a conversa mantida com o ofendido.

Mais referiu o arguido que, ao abordar A..., este lhe respondeu “deixa-me trabalhar, cabrão”.

Tal expressão não foi confirmada pelo depoimento de qualquer testemunha – nem do ofendido ou do caseiro que o acompanhava e nem sequer pelo depoimento da companheira do arguido ou da vizinha C....

Nas declarações do assistente A..., que descreveu os factos descritos na acusação de forma lógica, coerente, segura e descomprometida, logrando convencer o Tribunal acerca da ocorrência dos factos relatados.

As suas declarações foram merecedoras de credibilidade, até porque foram no essencial com o depoimento da testemunha E..., caseiro do mencionado, Condomínio, o qual descreveu os factos que presenciou de forma segura, lógica, detalhada, objectiva e totalmente descomprometida, sendo por isso merecedor de credibilidade.

O depoimento da testemunha F... serviu apenas a prova da actividade desenvolvida pelo assistente no jardim do Condomínio, à data dos factos, pois que quanto aos demais factos a referida testemunha não revelou conhecimento directo.

O depoimento da companheira do arguido, G... serviu a prova das circunstâncias em que ocorreram os factos supra narrados. Pese embora a testemunha tenha negado ter ouvido qualquer das expressões injuriosas constantes da acusação, a verdade é que também referiu terem existido momentos em que não esteve ao lado do seu companheiro, mas que, a determinada altura, teve necessidade de lhe pedir que acabasse com aquela “confusão”. Mais referiu que o seu companheiro se encontrava nervoso, indignado e falava mais alto do que o habitual, e que A... apenas respondia “deixa-me em paz, deixa-me trabalhar”.

Foi peremptória em afirmar não ter ouvido o ofendido chamar qualquer nome ao arguido (contrariamente ao referido por este), referindo ainda não ser possível que tenha chamado sem que tenha ouvido.

Confirmou ainda a presença do caseiro no local dos factos, durante toda a discussão.

Já o depoimento da testemunha C... serviu apenas a prova dos factos atinentes às circunstâncias de tempo e lugar em que ocorreu a conversa mantida entre o arguido e o ofendido, pois que no mais, e atenta a forma hesitante, insegura, nervosa e comprometida com que depôs, o seu depoimento não mereceu qualquer credibilidade.

Note-se que começou a testemunha C...por pretender assegurar ao Tribunal ter estado presente do início ao fim da conversa mantida entre o arguido e o ofendido, nunca se tendo ausentado do local, vindo, mais tarde, e na sequência de pedidos de esclarecimentos efectuados pelo Tribunal, a referir ter ido a casa guardar o seu cão.

Mais referiu saber todos os detalhes relativos à conversa mantida, dos quais alegou recordar-se com segurança, não recordando contudo a presença da companheira do arguido no local e outros pormenores atinentes ao desenrolar da conversa.

Negou ter ouvido o ofendido chamar qualquer nome ao arguido.

Hesitou bastante e mostrou-se totalmente insegura ao referir ter ouvido o arguido dizer ao ofendido que o que este fazia era “um acto criminoso” – o que foi confirmado por todos, com segurança.

De facto, a testemunha C...revelou, ao longo de todo o seu depoimento, estar comprometida e nervosa, ou por concordar na íntegra com a opinião do arguido relativamente à aplicação do produto (o que afirmou espontaneamente várias vezes e foi patente durante todo o seu depoimento) e assim desculpabilizar o comportamento deste ou apenas por pretender ocultar determinados factos ao Tribunal.

Decorre assim de toda a prova produzida que:

· Na data e local mencionados na acusação, o arguido abordou o ofendido, pedindo-lhe explicações acerca da aplicação do herbicida no jardim, com a qual não concordava;

· O ofendido disse ao arguido que se encontrava mandatado pelo Condomínio do prédio, para a aplicação do referido produto, e pediu-lhe que o deixasse trabalhar em paz;

· O arguido, exaltado e nervoso, dirigiu ao ofendido as expressões supra mencionadas.

Tal convicção assenta na conjugação das declarações prestadas pelo arguido (as quais não são corroboradas pelos depoimentos das testemunhas de defesa apresentadas) com as declarações prestadas pelo assistente e o depoimento de D..., caseiro do Condomínio, os quais foram merecedores de credibilidade, como supra referido.

A consciência da proibição por banda do arguido resulta da conjugação de todos os elementos constantes dos autos com as regras de experiência comum.

Factos não provados:

Os factos não provados ficaram a dever-se à ausência de elementos que os confirmassem com segurança ou por se terem apurado factos distintos, incompatíveis com aqueles que se excluíram.

Quanto à situação pessoal do arguido:

Nas suas declarações, prestadas na audiência de julgamento, e no CRC junto aos autos a fls. 100.

3. Apreciando

a.

Questão prévia

A título de questão prévia suscita o Ministério Público, aqui recorrido, a questão da extemporaneidade do recurso, questionando o meio utilizado [correio electrónico], o qual estaria excluído, na apresentação em juízo de actos processuais escritos, no âmbito do processo criminal e contra-ordenacional; o não cumprimento pelo recorrente – perante a «falta de validação» - do ónus que sobre ele impendia de provar que a não recepção pelo Tribunal da peça processual não lhe foi imputável; a inobservância dos ónus de «especificação» enunciados nos n.ºs 3 [als. a), b) e c)] e 4 do artigo 412º do CPP, devendo, defende, em qualquer caso, ser o recurso rejeitado por falta de apresentação das respectivas conclusões.

Sinteticamente, diremos:

1. Não ignorando, embora, as divergências que no seio da jurisprudência se vem fazendo sentir no que concerne ao recurso para a prática de actos processuais, no âmbito do processo criminal e contra-ordenacional, ao correio electrónico, acompanhamos a posição dos que defendem a possibilidade de tal utilização, como preconizado, entre outros, nos acórdãos do TRL de 18.11.2010 [proc. n.º 496/07.0TAFUN – A.L1], TRC 19.01.2011 [proc. n.º 51/06.1GAMGL.C1] e do TRE de 05.03.2013 [proc. n.º 559/07.1TAABT.E1], dos quais, por impressivo, respectivamente, se extracta:

- «No âmbito do processo penal não existe norma específica a regular a remessa a juízo de peças processuais. Por essa razão, face ao estatuído no art.º 4º, do CPP, serão aplicáveis as normas do Código de Processo Civil relativas à prática de actos processuais por correio electrónico.

O artº 150º, nº 1, al. d) do CPC, na redacção do Dec. Lei n.º 324/2003, de 27/12, admitia a prática de actos processuais por correio electrónico, sendo a forma da respectiva apresentação regulada pela Portaria nº 242/2004, de 16/6. A alteração ao art.º 150º do CPC decorrente do Dec. Lei n.º 303/2007, de 24/8, eliminou o correio electrónico como forma de prática dos actos processuais.

Todavia, por força do estatuído no art. 11.º, nº 2 do Dec. Lei n.º 303/2007 … as alterações introduzidas por aquele diploma, designadamente, a constante do art.º 150º, dependia da entrada em vigor da que veio a ser a Portaria nº 114/2008, de 6/2, que apenas se aplica aos processos cíveis enunciados no seu artº 2º. Em consonância, o artº 27º da citada Portaria n.º 114/2008, de 6/2, apenas revogou a Portaria nº 642/2004, de 16/6, “no que diz respeito às acções previstas no art.º 2”.

Daqui resulta que, no âmbito do processo penal, a Portaria nº 642/2004, de 16/6 se mantém em vigor, tal como se mantém em vigor (relativamente a todos os processos não abrangidos pela Portaria n.º 114/2008) a anterior redacção do art.º 150º do CPC, que admitia o uso do correio electrónico»;

- «Estando em vigor, para o processo penal, a Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, e sendo o correio electrónico uma forma de remessa a juízo de peças processuais, é legalmente permitido remeter por correio electrónico, um requerimento e respectivos documentos»;

- «O legislador só restringiu às acções previstas no art.º 2.º do D.L. 303/2007, de 24 de Agosto, o âmbito de aplicação da Portaria 114/2008, de 6 de Fevereiro, e bem assim o teor do art.º 150.º, do Cód. Proc, Civil, este na redacção que lhe foi conferida por aquele Decreto – Lei; Por isso, a Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, deve ter-se por aplicável ao processo penal, por não revogada nesta parte, e, por tal, ser possível, neste âmbito, de apresentação a juízo dos actos processuais enviados através de correio electrónico.»

Concluindo, carece, pois, de fundamento a objecção suscitada.

2. No que à segunda questão respeita, estará, agora, ultrapassada pois que, como relaça o Exmo. Procurador – Geral Adjunto na Relação «… após as informações fornecidas pelas Secções de Processos e Central, no Tribunal a quo, bem como as explicações dadas pelo ilustre mandatário do recorrente, mesmo que possam persistir dúvidas, deverá aceitar-se que aquele prazo processual de 30 dias para a interposição do recurso foi cumprido …».

Com efeito, já após a resposta apresentada pelo Ministério Público, o tribunal a quo encetou diligências tendentes a apurar da apresentação atempada do recurso, quer junto dos correspondentes serviços, quer junto do recorrente, conforme resulta de fls. 351, 355/364, 380/386, cujo resultado, ainda que possa deixar a dúvida, não permite afastar a tempestividade do mesmo, o que, de resto, terá estado na base do despacho de admissão proferido em 1.ª instância [cf. fls. 389], não sendo, em consequência, sob pena de se incorrer no vício de uma decisão surpresa no caso limitadora do exercício do direito ao recurso, com tal fundamento, tê-lo por extemporâneo.

3. No que concerne ao não cumprimento dos ónus inscritos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do CPP, assistindo, embora, razão ao Ministério Público – na medida em que não resultam os mesmos observados – parece incontornável, da leitura do requerimento de interposição de recurso – no qual se inclui a «transcrição» da prova produzida em julgamento - pretender o recorrente afrontar a matéria de facto, circunstância que, conforme, ainda, recentemente decidiu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 80/2013 [DR, II série, de 12.03.2013], não consente, por inconstitucionalidade de tal interpretação, decisão no sentido da rejeição tout court do recurso, por apresentado fora do prazo de vinte dias em que, à luz do n.º 1 do artigo 411º do CPP [na redacção então em vigor, que não já na actual, decorrente da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, sendo, agora, sempre de 30 dias o prazo para a interposição do recurso], deveria ter sido apresentado.

4. Quanto à não apresentação das conclusões de recurso, aspecto convocado pelo Ministério Público com vista à respectiva rejeição, após «convite» endereçado ao recorrente – como, aliás, se impunha [artigo 417.º, n.º 3 do CPP] – mostra-se a omissão sanada.

Em suma, improcedem as questões prévias suscitadas, mostrando-se o recurso tempestivo.

b.

Tendo sido documentadas, através de gravação, as declarações prestadas oralmente na audiência de julgamento poderá este tribunal conhecer de facto [cf. os artigos 363.º e 428.º do CPP], desde que se mostre cumprido o disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 412.º do CPP.

Nos termos do n.º 3 do citado artigo quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a. Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b. As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; e, eventualmente

c. As provas que devem ser renovadas.

O nível de exigência do recurso em matéria de facto, reforçado com a Reforma de 2007, tem de ser lido à luz do entendimento, sobejamente, afirmado pelos tribunais superiores de que os recursos constituem remédios jurídicos destinados a corrigir erros de julgamento, não configurando, como tal, o recurso da matéria de facto para a Relação um novo julgamento em que este tribunal aprecia toda a prova produzida na 1.ª instância como se o julgamento ali realizado não existisse [cf., entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 15.12.2005, 09.03.2006, 04.01.2007, proferidos nos processos n.ºs 05P2951, 06P461 e 4093/06 – 3.ª].

Mas, a sindicância da matéria de facto, comporta, ainda, o respectivo rastreio à luz dos vícios respeitantes à confecção técnica da decisão – vícios ao nível da lógica jurídica – apreensíveis a partir do seu texto, a denunciar incoerência interna com os termos da decisão [cf. v.g. o acórdão do STJ de 07.12.2005, CJ, ASTJ, 2005, T. III, pág. 224], «patologia», aliás, de conhecimento oficioso.

Não raras vezes, a primeira dificuldade que se coloca ao tribunal no confronto com as conclusões de recurso – as quais, não é demais relembrar, delimitam o respectivo objecto – é a de saber em que patamar se coloca o recorrente, pois que se trata de «meios de impugnação» insusceptíveis – desde logo ao nível da observância dos ónus, mas também da incidência e extensão da respectiva sindicância – de ser confundidos, não obstante terem em comum o rastreio da matéria de facto.

Feita a observação, também na situação em apreço é mister dilucidar o que pretende, realmente, o recorrente para, de seguida, sendo o caso, se aferir se se colocou em posição, designadamente através da adopção dos ónus que sobre ele impendiam, de poder ver apreciada a sua pretensão.

E aqui chegados, perscrutadas as conclusões é manifesto dirigir o seu inconformismo contra o que resulta ter sido a convicção do tribunal – suficientemente esclarecida da fundamentação/análise crítica da prova -, à qual, parece claro, pretender sobrepor a sua.

Com efeito, tendo, embora, transcrito [na motivação] as declarações/depoimentos prestados em audiência de julgamento, em momento algum, os correlaciona – cada um de per si – com o concreto ponto de facto que pretende colocar em crise, menos, ainda, cuidando de identificar o concreto meio de prova que «imporia» decisão diversa da recorrida, fazendo, assim, tábua rasa dos ónus legalmente impostos.

Como tal, não tendo o recorrente dado cumprimento aos sobreditos ónus de «impugnação especificada», nem nas conclusões nem na motivação de recurso, vedado que está, neste caso, o convite ao aperfeiçoamento [aliás, em consequência de mais extensa «patologia» - omissão de conclusões - já exercido] – cf. vg. os acórdãos do TC n.ºs 259/2002, DR, IIS, de 13.12 e 140/2004, DR, IIS, de 17.04, bem como, entre outros, os acórdãos do STJ de 17.02.2005 (proc. 05P058), 09.03.2006 (proc. 06P461), 28.06.2006 (proc. 06P1940), 04.01.2007 (proc. 4093/06 – 3.ª), conclui-se pelo não conhecimento/rejeição do mesmo na parte respeitante à «impugnação da matéria de facto», na modalidade alargada – artigo 412.º do CPP.

c.

Ainda, assim, não queremos deixar de fazer uma referência, embora breve, aos invocados vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova – [cf. os pontos 25. a 31. das conclusões].

Para evidenciar, no que ao primeiro concerne [artigo 410.º, n.º 2, al. a) do CPP], a confusão em que incorre o recorrente ao não distinguir uma suposta insuficiência da prova para a decisão de facto tomada – sindicância, no caso, insusceptível de ser levada a efeito por este tribunal em função do que consignado ficou em b. supra - daquela outra realidade, essa sim reveladora do vício, que se traduz na insuficiência da matéria de facto fixada para a decisão proferida.

Ora, não se alcançando que da decisão resultem factos que inviabilizem a decisão de direito, claro se torna não ocorrer o dito vício.

Por outro lado, tendo presente que é de concluir pelo erro notório na apreciação da prova sempre que, para a generalidade das pessoas, seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova estipulada no art.º 127º do CPP, quando afirma que “a prova é apreciada segundo as regras da experiência” – [cf. Maria João Antunes, “Conhecimento dos Vícios Previstos no art. 410º, n.º 2, do CPP”, pág. 120], impõe-se, perante a fundamentação da decisão de facto – donde resulta, suficientemente, esclarecido o processo de convicção seguido pelo julgador, não se colhendo tratar-se de uma decisão arbitrária, em contramão com as regras da experiência, à revelia da razoabilidade das coisas da vida; revelando, pelo contrário, um processo sustentado –, reconhecer não assistir fundamento na alegação do recorrente, tão pouco quando, convoca o princípio in dubio pro reo, que tem por violado, olvidando, porém, a circunstância deste, tal como os aludidos vícios, terem de decorrer do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente ao teor das declarações e/ou depoimentos [transcrições] prestados no decurso da audiência de julgamento, os quais, nesta sede, não relevam.

E cabendo, em primeira linha, a valoração das provas ao tribunal perante a qual foram produzidas – sendo evidente do teor do recurso ser este o «ponto», isto é a fonte da inconformação reside no facto de pretender o recorrente abalar a convicção do julgador, a qual, na realidade, quer ver substituída pela sua -, não deixando a decisão transparecer que se haja colocado uma dúvida razoável ao julgador, nem se colhendo com recurso ao texto da decisão recorrida que assim devesse ter sido, não se vislumbra espaço para a afirmação da violação do princípio in dubio pro reo – tão pouco do artigo 127º do CPP - a qual, em consequência, se tem por inverificada.

Em função do decidido neste e no ponto que antecede, tem-se por definitivamente fixada a matéria de facto.

d.

Dissente, ainda, o recorrente da pena em que foi condenado, a qual tem por «manifestamente exagerada», considerando, outrossim, adequada à realização das exigências de prevenção geral e especial a «aplicação de uma pena de multa reduzida aos seus limites legais» - [cf. pontos 32. a 36. das conclusões].

No seio da moldura penal abstracta correspondente ao crime, concretamente no que tange à pena de multa, situada entre 10 e 120 dias, ponderados os factos apurados, designadamente o contexto em que os mesmos ocorreram – que não deixa de revelar uma certa indignação [com ou sem fundamento] com o procedimento adoptado pelo assistente, o que permite descortinar um estado de espírito de algum enervamento - sem descurar a ausência de antecedentes criminais do arguido, circunstância que conduz a que as exigências de prevenção especial se afigurem, no caso, pouco expressivas, entende-se que o quantum dos dias de multa, encontrados à luz dos critérios estabelecidos no n.º 1 do artigo 71º do Código Penal [cf. artigo 47.º, n.º 1 do citado diploma legal], deve ser fixado em 40 [quarenta] dias, aquém, portanto, dos 50 [cinquenta] dias aplicados.

No que respeita à quantia diária correspondente à pena de multa, fixada em € 12,00 [doze euros], num quadro que oscila entre o mínimo de € 5,00 e o máximo de € 500,00, sendo que a mesma é determinada em função da situação económica e financeira e dos encargos pessoais do condenado [artigo 47.º, n.º 2 do Código Penal], perscrutados os factos relevantes vertidos na decisão afigura-se adequado o montante [diário] encontrado, o qual, em consequência, se mantém.

III. Decisão

Termos em que acordam os Juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, na parcial procedência do recurso, em:

a. Condenar o arguido B... pela prática de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 40 [quarenta] dias de multa, à taxa diária de € 12,00 [doze euros], revogando, assim, em correspondência a decisão recorrida;

b. No mais manter a sentença recorrida.

Sem custas

(Maria José Nogueira - Relatora)

(Isabel Valongo)