Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
169/08.6TBVLF-F.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FRANCISCO CAETANO
Descritores: EXECUÇÃO
INSOLVÊNCIA
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 10/26/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VILA NOVA DE FOZ CÔA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: N.º 1 DO ART.º 88.º DO CIRE
Sumário: A sentença que declare a insolvência de executado não é causa de impossibilidade superveniente da lide susceptível de levar à extinção da instância executiva, antes é determinante da suspensão da execução até ao encerramento do processo de insolvência, dado poder haver situações que justifiquem o seu prosseguimento (n.º 1 do art.º 88.º do CIRE).
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

            I. Relatório

            “A..., SA”, em 25 de Novembro de 2008, instaurou no TJ da comarca de Vila Nova de Foz Côa execução comum contra a “B..., CRL”, C..., D... e E....

            Com fundamento em que, por sentença proferida no Proc. n.º .... transitada em julgado no dia 5 de Fevereiro de 1009, a executada foi declarada insolvente, alegadamente ao abrigo do disposto no art.º 88.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) foi, em 13 de Fevereiro de 2009, proferida decisão a declarar extinta a instância executiva quanto à executada insolvente, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alín. e) do art.º 287.º do CPC.

            Inconformado com o assim decidido, recorreu o Banco exequente, apresentando alegações com as seguintes conclusões:

            a) – O actual regime de insolvência previsto no CIRE apresenta uma configuração nova, não sendo possível, em face da decisão de declaração de insolvência, saber se os processos executivos podem ou não mais tarde ser reactivados;

            b) – O art.º 88.º do CIRE determina a suspensão da instância e não a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide;

            c) – Não tem aplicação no presente caso o estatuído no art.º 287.º alín. e) do CPC porquanto a declaração de insolvência, enquanto tal, não constitui uma inutilidade superveniente da lide;

            d) – A sentença ora recorrida violou os art.s 88.º do CIRE, 287.º, alín. e) do CPC e 9.º do CC.

            Não houve lugar a resposta.

            Dada a simplicidade da questão e a natureza urgente do processo dispensaram-se os vistos.

            Cumpre decidir, sendo questão única a apreciar:

            - A declaração de insolvência de executada suspende ou extingue, quanto a ela, a instância executiva por impossibilidade superveniente da lide?


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II. Fundamentação

1. De facto

A factualidade relevante para apreciação de tal questão é a que enforma o antecedente relatório que, breviatis causa, aqui se dá como reproduzida.


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            2. De direito

Dispõe o n.º 1 do art.º 88.º do CIRE que “a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém se houver outros executados, a execução prossegue contra eles”.

Foram dois os argumentos em que se apoiou a decisão recorrida:

a) – Transitada em julgado a declaração de insolvência do executado perde sentido o prosseguimento de execução para obter o pagamento coercivo de uma dívida que o executado/insolvente à partida está impossibilitado de cumprir;

b) – Em via de regra, a massa insolvente vem a mostrar-se insuficiente para pagamento aos credores e, findo o processo, onde deve haver lugar à reclamação de créditos, inexistem bens para o prosseguimento da execução.

Trata-se de argumentação que não colhe, saldo o devido respeito, estando a razão do lado do recorrente.

Desde logo e de acordo com os critérios interpretativos da lei (art.º 9.º do CC) o elemento literal da parte final do n.º 1 do art.º 88.º do CIRE aponta no sentido da suspensão das execuções intentadas pelos credores da insolvência, que não do seu arquivamento.

Ao referir que a declaração de insolvência obsta à instauração de qualquer acção executiva, claramente proíbe a instauração de execuções novas, mas, ao dizer que obsta ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada, quer significar que impede continue, que pare, ou seja, que a instância se suspenda e não que se extinga e se arquive o processo.

Por outro lado, a declaração de insolvência de modo nenhum constitui causa de extinção por impossibilidade da lide.

A lide executiva pode continuar a ser possível e o princípio da economia processual exige até que a execução se mantenha até que o processo de insolvência se encerre, de forma a obviar que tenha, por vezes, que se iniciar um processo novo.

Acompanhando-se o recorrente nos exemplos que apontou nas alegações, reveladores da utilidade em manter “viva” a execução, pode bem acontecer, com efeito, que após o encerramento da liquidação da massa e o rateio final haja rendimentos e desde que o devedor não beneficie da exoneração do passivo restante, podem, nessa circunstância, os credores que não obtiveram ressarcimento integral no processo de insolvência prosseguir com a execução relativamente a esse novo e autónomo património.[1]

Por outro lado, prosseguindo o processo após declaração de insolvência, pode ocorrer o encerramento do processo a pedido do devedor quando deixe de encontrar-se em situação de insolvência e todos os credores nisso consintam (n.º 1, alín. c), do art.º 230.º do CIRE), nada obstando, então, ao prosseguimento das execuções (nº 1, alíns. c) e d) do art.º 233.º do CIRE).

Em suma, a declaração de insolvência não determina nenhuma impossibilidade superveniente da lide conducente à extinção da instância, antes suspensão da instância, como de resto também o art.º 870.º do CPC tal faculta a qualquer credor com a mera demonstração de haver sido requerido, quanto ao executado, processo de insolvência.

É esta, aliás, a posição sufragada pela doutrina e pela maioria da jurisprudência.[2]


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            3. Resumindo e concluindo, em jeito de sumário (n.º 7 do art. 713.º do CPC):

            - A sentença que declare a insolvência de executado não é causa de impossibilidade superveniente da lide susceptível de levar à extinção da instância executiva, antes é determinante da suspensão da execução até ao encerramento do processo de insolvência, dado poder haver situações que justifiquem o seu prosseguimento (n.º 1 do art.º 88.º do CIRE).


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III. Decisão

Face a todo o exposto, na procedência da apelação, acordam em revogar a decisão recorrida e determinam que, quanto à executada insolvente “ B....”, se suspenda a instância executiva até ao encerramento do processo de insolvência.

            Sem custas.


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FRANCISCO CAETANO (RELATOR)
ANTÓNIO MAGALHÃES
FREITAS NETO


[1] V. Carvalho Fernandes e João Labareda, “CIRE, Anot.”, 2008, pág. 602.
[2] V. Menezes Leitão, “Direito da Insolvência”, 2009, pág. 165 e Luís M. Martins, “Processo de Insolvência”, 2010, 2.ª ed., pág. 233 e Acs. RL de 10.7.07, Proc. 6414/2007-6 e RG de 5.6.08, Proc. 825/08.1, RC de 3.11.09, Proc. 68/08.1TBVLF-B.C1 e RL de 4.3.10, Proc. 119-A/2001.L1-2, todos na base de dados do ITIJ.