Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
11/16.4T8FIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: POSTO DE TRABALHO
PERIGO
SAÚDE
TRABALHADOR
TRABALHO TEMPORÁRIO
Data do Acordão: 11/17/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – INST. CENTRAL – 1ª SEC. DE TRABALHO – J2
Texto Integral: S
Meio Processual: CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 175º, Nº 4 DO C. TRABALHO; DEC. LEI Nº 84/97, DE 16/04; LEI Nº 102/2009, DE 10/09.
Sumário: I – Através do Dec. Lei nº 84/97, de 16/04, pretendeu-se estabelecer as regras de protecção dos trabalhadores contra os riscos de exposição a gentes biológicos durante o trabalho.

II – É sabido que os residuos perigosos são produzidos essencialmente no sector industrial, mas também na saúde, na agricultura, no comércio, nos serviços e até nas casas dos cidadãos comuns.

III – A ‘perigosidade elevada’ imputada à actividade de recolha de resíduos é feita no pressuposto de o trabalhador contactar com agentes infecciosos, etc., que podem desencadear uma doença, designadamente do tipo profissional.

IV – A lei proíbe a utilização do trabalhador temporário em posto de trabalho particularmente perigoso para a sua segurança ou saúde, salvo se for essa a sua qualificação profissional – artº 175º, nº 4 do C. Trabalho.

Decisão Texto Integral:









Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Nos presentes autos de recurso de contra-ordenação foi a arguida/recorrente condenada pelo CENTRO LOCAL DO LIS DA AUTORIDADE PARA AS CONDIÇÕES DO TRABALHO, na coima única de € 6.000,00 pela prática da infracção ao disposto no nº 4 do artº 175º do CT[1], punível como contra ordenação muito grave nos termos das disposições conjugadas dos artigos 175º nº 6, 554º nº 4/c e 561º do CT.


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Inconformada com tal condenação, a arguida dela interpôs recurso para o Tribunal da comarca da Leiria – Inst. Central – Sec. Trabalho – J3, o qual o julgou totalmente procedente.

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Inconformado com esta decisão, o MºPº dela interpôs recurso para esta Relação, formulando na respectiva motivação as seguintes conclusões:

1. A decisão da ACT condenava a arguida na coima de € 6.000,00, por violação do n.º 4 do art.º 175.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro conjugado com o regime previsto no Decreto-Lei n.º 84/97, de 16 de Abril, por permitir a utilização de trabalhador temporário em posto de trabalho particularmente perigoso para a sua segurança e saúde, concretamente a utilização do trabalhador A... , contratado a 17 de Março de 2014, contra-ordenação muito grave, nos termos do n.º 6 do art.º 175.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.

2. Efetuado o julgamento veio a ser proferida sentença que julgou totalmente procedente a impugnação judicial apresentada pela arguida “B... ”, absolvendo-a da prática do ilícito contraordenacional pelo qual a Autoridade Administrativa a havia condenado na apontada coima.

3. Em tal sentença conclui a Mmª Juiz que, a interpretação dos normativos legais feita na decisão administrativa, para enquadrar a actividade exercida pelo trabalhador na recolha de RSU, numa “perigosidade elevada”, com integração nas actividades que impliquem exposição a agentes biológicos dos grupo 3 e 4 – susceptíveis de, nos termos do citado art.º 41.º da Lei n.º 3/2004, de 28-01 implicar riscos para o património genético – “nos parece desajustada, para efeitos da sua tipificação como “posto de trabalho particularmente perigoso para a sua segurança e saúde” prevista no art.º 175.º, n.º 4, do C.T.”

4. É com tal entendimento que não concordamos.

5. A única questão que suscitamos no presente recurso consiste em saber se a actividade desenvolvida pelo trabalhador temporário em causa no dia 19 de Março de 2014 era particularmente perigosa para a saúde e segurança do mesmo.

6. Os comandos normativos invocados terão sempre de ser analisados à luz da ratio que presidiu à incriminação, a qual mais não é do que a constatação estatística de que os trabalhadores com vínculos laborais mais precários apresentam maiores índices de sinistralidade laboral, justamente porque a instabilidade do vínculo não permite a formação específica para determinados tipos de funções que apresentem maior perigosidade.

7. Daí o sentido da norma proibitiva em análise.

8. Importa, pois, é definir e concretizar o conceito aberto de posto de trabalho particularmente perigoso para a segurança ou saúde do trabalhador.

9. Grande parte da defesa da arguida – que a sentença recorrida veio a acolher - baseava-se na contestação de que os resíduos em causa, com os quais o trabalhador contactava, pudessem ser classificados como agentes biológicos do grupo 3 e 4.

10. Mas nem o alegado pela arguida, nem a sentença justificam tal entendimento.

11. Como se escreveu na referenciada proposta de decisão: “ os resíduos foram devidamente identificados como resíduos sólidos urbanos, cujo produto é composto por uma mistura complexa de sólidos de origem doméstica, comercial e industrial, cuja composição está sujeita a variações constantes e, por vezes, repetidas. E embora a legislação proíba a deposição de materiais perigosos é difícil o seu cumprimento e, quer por descuido, quer intencionalmente, são depositados alguns materiais perigosos (ex: pilhas e lâmpadas fluorescentes), criando problemas especiais e riscos adicionais aos trabalhadores de recolha, transportes e tratamento de resíduos. Por força disto estes encontram-se assim expostos a factores infecciosos, como Bactérias (Enterobactérias; Coccos), Vírus (Enterovírus, Polívirus, Vírus da Hepatite A e B), Fungos, Parasitas e Roedores, podendo desenvolver na sequência da exposição a estes riscos diversas patologias infecciosas como a Leptospirose, Tétano, Brucelose, Raiva, Salmonelose, Dermatoses infecciosas e fúngicas, Tuberculose, Infecções brônquicas, entre outras “.

12. É por isso que o Decreto-Lei n.º 84/97, de 16 de Abril, classifica esta actividade como uma das actividades em que os trabalhadores podem estar expostos a agentes biológicos com riscos para a sua saúde.

13. E este argumento tem de ser ponderoso para a análise da questão que nos ocupa.

14. É bem certo que a Lei não define o que seja posto de trabalho particularmente perigoso para a segurança e saúde do trabalhador - sendo esse um conceito aberto e indeterminado que terá de ser preenchido e concretizado casuisticamente. Mas também não deixa de ser verdade que a concretização deste conceito deve efectuar-se analisando a complexidade e os riscos potenciais da actividade desenvolvida, resultantes quer do modo de execução ou processos técnicos utilizados, quer da perigosidade inerente aos produtos ou substâncias manuseados. - Neste sentido refira-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no Processo 8135/2003-4, de 10.12.2003.

15. E é com base na análise da complexidade e dos riscos potenciais da actividade desenvolvida que entendemos poder ser a actividade em causa classificada como de posto de trabalho particularmente perigoso para a segurança e saúde do trabalhador.

16. A lei apesar de não dar uma definição rigorosa daquele conceito, dá-nos caminhos para concretizar o conceito.

17. Assim, o aponta o Decreto-Lei n.º 84/97, de 16 de Abril (que transpõe para o direito interno as Directivas n.º 90/679/CEE, do Conselho, de 26 de Novembro, n.º 93/88/CEE, do Conselho, de 12 de Outubro e n.º 95/30/CE, da Comissão, de 30 de Junho), e nomeadamente o seu art.º 2.º e Anexo I, que contem uma lista indicativa de actividades em que os trabalhadores estão ou podem estar expostos a agentes biológicos durante o trabalho, e nelas podemos encontrar o trabalho em unidades de recolha, transporte e eliminação de detritos.

18. Nestes termos, o trabalho de recolha de RSU, expõe potencialmente os trabalhadores a vários agentes biológicos, onde podem estar também contidos agentes biológicos perigosos (grupo 3 e 4 listados nas Portarias 405/98 de 11 de Julho e 1036/98 de 15/12, causadores de diversas patologias graves.

19. Daí que deva considerar-se o trabalho em causa particularmente perigoso para a segurança e saúde do trabalhador, o que torna ilegal a sua utilização como trabalhador temporário, a não ser que fosse essa a sua qualificação profissional, o que não era o caso pois que não possuía esta qualificação profissional específica.

20. Por isso estamos em crer ser defensável e ter apoio legal a tese propugnada pela ACT de que os trabalhadores afectos à recolha de RSU estão potencialmente expostos a riscos biológicos, também do grupo 3 e 4 e que se podem ainda enquadrar na al. f) do art.º 41.º da Lei n.º 3/2014, de 28 de Janeiro que dispõe que: “São susceptíveis de implicar riscos para o património genético os agentes químicos, físicos e biológicos ou outros factores que possam causar efeitos genéticos hereditários, efeitos prejudiciais não hereditários na progenitura ou atentar contra as funções e capacidades reprodutoras masculinas ou femininas, designadamente os seguintes: f) As bactérias da brucela, da sífilis, o bacilo da tuberculose e o vírus da rubéola (rubívirus), do herpes simplex tipos 1 e 2, da papeira, da síndrome de imunodeficiência humana (sida) e o toxoplasma.”

21. O diploma acima mencionado baseia a protecção dos trabalhadores na identificação dos agentes causadores de risco, na possibilidade da sua propagação na colectividade e o tempo de exposição efectiva ou potencial dos trabalhadores, sendo essa a questão fundamental que deve ser ponderada pelo exercício da actividade da arguida.

22. E por isso o nº 2 do artº 6º do apontado diploma legal dispõe que: “Nas actividades que impliquem a exposição a várias categorias de agentes biológicos, a avaliação dos riscos deve ser feita com base no perigo resultante da presença de todos esses agentes”.

23. Não faz sentido, pois, e nem tem apoio legal a tese defendida na sentença recorrida de que é excessivo e desajustado concluir pela especial perigosidade dos vulgares RSU.

24. “Nesta actividade, a exposição profissional dos trabalhadores aos agentes biológicos pode ter origem não só no contacto com material contaminado (os próprios resíduos e equipamentos) mas também quando estão criadas determinadas condições climatéricas de temperatura e humidade favoráveis ao desenvolvimento de microorganismos e, a manutenção e limpeza não são adequadas. Dessa exposição profissional aos agentes biológicos podem resultar processos de infecção, de alergia, e com menor frequência de infestação, dos quais decorre uma situação de alteração da saúde. De referir que, por agentes biológicos entendem-se os microorganismos (incluindo os geneticamente modificados ), as culturas de células e os endoparasitas humanos, susceptíveis de provocar infecções, alergias ou intoxicações. São classificados em quatro grupos de acordo com a gravidade da doença causada, o perigo de propagação da doença à comunidade e a existência de meios de prevenção e tratamento eficazes.… os trabalhadores lidam com uma mistura complexa de sólidos de origem diversa, cuja composição está sujeita a variações. Para além da exposição a gases resultantes de processos de fermentação da matéria orgânica ( que se traduzem num incómodo olfactivo face à presença de compostos azotados e sulfurados), os trabalhadores estão potencialmente expostos a: - Bactérias (Enterobactérias . Coccos ); - Vírus ( . Enterovírus; .Poliovírus; Vírus da Hepatite A e B ) ; - Fungos ; - Parasitas - para além de insectos e roedores.” …As patologias normalmente associadas a esta actividade são:- Leptospirose;- Tétano;- Poliomielite; - Hepatites virais; - Tuberculoses; - Infecções ORL e brônquicas;- Dermatoses infecciosas e fúngicas; - Eczemas de tipo alérgico; - Conjuntivites” - CFR, a obra “ Contributo para a Melhoria das Condições de Trabalho na Recolha e Transporte de resíduos Sólidos Urbanos do Município de Lisboa – IDICT – Segurança e Saúde no Trabalho – Dinis de Barros e outros – 2004, pag 33 a 35.

25. E se é certo que por exemplo a Hepatite A apenas pode ser transmitida por via oral, por contacto directo (pessoa a pessoa) ou através da água ou alimentos contaminados; as Hepatites B, C, e D podem ser transmitidas por contacto com sangue contaminado, ou outros fluidos corporais de alguém infectado, agulhas ou materiais infectados contaminados, que não deveriam ser depositados nos RSU, mas que potencialmente o podem ser.

26. E quanto à perigosidade temos de atender à previsão da alínea f) do nº 1 do artº 41º e da al l) do artº 79º, da Lei nº 102/2009, de 10 de Setembro com a redacção dada pela Lei nº 3/2014, de 28 de Janeiro e dada a circunstância de que o nº 2 do artº 6º do Decreto- Lei nº 84/97, de 16 de Abril, determina que “Nas actividades que impliquem a exposição a várias categorias de agentes biológicos, a avaliação dos riscos deve ser feita com base no perigo resultante da presença de todos esses agentes”.

27. Deve então para efeitos de dosimetria da perigosidade assumir-se a potencial presença dos agentes biológicos mais severos ou graves (Vírus, bactérias e fungos).

28. Estão, assim preenchidos os elementos típicos constitutivos da norma legal incriminadora e deve ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que julgue totalmente improcedente o recurso interposto pela arguida B... e confirme a condenação da mesma na coima de € 6.000 aplicada pela ACT por violação do n.º 4 do art.º 175.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro conjugado com o regime previsto no Decreto-Lei n.º 84/97, de 16 de Abril, contra-ordenação muito grave, nos termos do n.º 6 do art.º 175.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.

29. Nem a letra nem o espírito das disposições legais vindas de citar poderiam consentir o resultado a que chegou a decisão recorrida que violou as normas do n.º 4 e 6 do art.º 175.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, conjugado com o regime previsto no Decreto-Lei n.º 84/97, de 16 de Abril (designadamente o seu artº 2º e 6º nº 2 e Anexo I ) e artº 41º nº 1 al f) e 79º al l) da Lei 102/2009, de 10/09 com a redacção introduzida pela Lei 3/2014 de 28 de Janeiro..

30. Assim, a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que – dando acolhimento aos argumentos da presente motivação de recurso – confirme a decisão da ACT e condene a arguida na apontada coima de € 6.000,00, por violação das referidas normas legais (n.º 4 e 6 do art.º 175.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro conjugado com o regime previsto no Decreto-Lei n.º 84/97, de 16 de Abril (designadamente o seu artº 2º e 6º nº 2 e Anexo I ) e artº 41º nº 1 al f) e 79º al l) da Lei 102/2009, de 10/09 com a redacção introduzida pela Lei 3/2014 de 28 de Janeiro).


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Contra alegou a arguida/recorrida rematando com a seguinte síntese conclusiva:

1. A decisão recorrida não merece qualquer reparo, já que a mesma resultou de uma valoração prudente e criteriosa de toda a prova produzida, incluindo as provas documentais trazidas pelas partes e prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento.

2. A Exma. Senhora Doutora Juiz do Tribunal a quo, pela opinião e fundamentação, fez uma correta e aplicação do direito.

3. Alega o Recorrente que deva considerar-se o trabalho de recolha de RSU particularmente perigoso para a segurança e saúde do trabalhador, o que torna ilegal a sua utilização como trabalhador temporário, uma vez que expõe potencialmente os trabalhadores a vários agentes biológicos perigosos (grupo 3 e 4 listados nas Portarias 405/98 de 11 de Julho e 1036/98 de 15/12, causadores de diversas patologias graves.

4. Não assiste razão ao Recorrente na medida em que, e neste caso em concreto, o trabalho prestado pelo trabalhador A... não se enquadra no conceito de “trabalho perigoso”.

5. Embora a lei não define o que se deve entender por trabalho particularmente perigoso para a segurança ou a saúde do trabalhador, a concretização deste conceito deve efetuar-se casuisticamente, em face do caso concreto.

6. Em consonância com a observação irrepreensível e bem demarcada do tribunal a quo: “Não houve, quanto se sabe, nem resulta dos autos que tivesse sido feita, naquele dia, a caracterização do lixo e inerente perigo.”

7. Pelo que, não tendo sido identificados nem determinados os riscos biológicos pretensamente existentes, sempre se dirá que constitui o princípio do in dubio pro reo uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa.

8. Além de que, o trabalho era exercido em veículo homologado para o efeito e com todas as medidas de protecção activas, com fiscalização/inspecção válida e com todos os instrumentos de segurança activa e passiva em funcionamento

9. Nos termos do Decreto-lei n.º178/2006, de 5 de Setembro, alterado e republicado pelo Decreto-lei n.º 73/2011, de 17 de Junho, o resíduo urbano é “o resíduo proveniente de habitações bem como outro resíduo que, pela sua natureza ou composição, seja semelhante ao resíduo proveniente de habitações”. Logo, um resíduo sem perigosidade, produzido e armazenado primariamente em ambiente doméstico.

10. Deste modo, não podemos considerar que os resíduos sólidos urbanos têm estes riscos biológicos, mas sim, resíduos sólidos comuns e banais sem qualquer possibilidade de contaminação biológica, pelo que

11. Em circunstância alguma se poderia considerar o risco infeccioso associado aos grupos 3 e

12. É comum, em vários concelhos, os resíduos sólidos urbanos serem armazenados pelos consumidores dentro de sacos de plástico e, posteriormente, serem colocados nas ruas (onde circulam pessoas e brincam crianças), para posterior recolha pelos serviços competentes.

13. Assim, a admissibilidade desta prática é bem demonstrativa da inexistência de risco infeccioso para a comunidade.

14. Face ao exposto, é absolutamente excessiva a interpretação de que deve assumir-se a presença potencial dos agentes biológicos mais severos na respectiva escala de classificação, porquanto alguns desses agentes não sobreviveriam nas condições abióticas dos contentores, sendo que outros estão erradicados em Portugal e, no limite, tal obrigaria a uma reclassificação dos resíduos sólidos urbanos em resíduos semelhantes aos hospitalares (dos grupos 3 e 4), com exigências de acondicionamento, recolha e tratamento completamente distintas, o que não faz qualquer sentido nem, de facto, acontece.

15. Ao classificar o risco biológico dos resíduos sólidos urbanos nos grupos 3 e 4, o Recorrente entende que essa tipologia de resíduos causa doenças graves e constitui um sério perigo para os seres humanos.

16. Se prevalecesse este entendimento, TODOS os resíduos urbanos deveriam ser transportados por viaturas preparadas para transportar matérias perigosas e enviados para entidades licenciadas para o tratamento de resíduos perigosos.

17. Como é do conhecimento geral, tal não sucede em Portugal, nem em qualquer outro país do mundo. Aliás, em nenhum país do mundo, o resíduo urbano é classificado como perigoso. Nenhum operador de recolha de resíduos urbanos, em Portugal ou em outra parte do mundo, recolhe resíduos urbanos como sendo resíduos perigosos, uma vez que, efectivamente, o não são.

18. É por isso inadmissível a classificação que o Recorrente pretende fazer do risco biológico dos resíduos sólidos urbanos, classificando-os nos grupos 3 e 4, previstos no n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 84/97.

19. Esta classificação significaria que os agentes biológicos presentes nestes resíduos provocariam doenças graves aos seres humanos, susceptíveis de se propagarem na colectividade. Ora, se tal sucedesse, as autoridades sanitárias de Portugal e dos restantes países do mundo teriam alterar o sistema de armazenagem, recolha, transporte e tratamento destes resíduos.

20. Pelo exposto, não merece a decisão qualquer censura.


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Corridos os vistos legais cumpre decidir.

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II - Em matéria contra - ordenacional, o Tribunal da Relação apenas conhece da matéria de direito (artigo 75° n° 1 do DL n° 433/82, de 27/11), pelo que a matéria de facto a considerar é a que foi fixada pela 1ª instância e é a seguinte:

[…]


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III- FUNDAMENTAÇÃO:

É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, sem prejuízo do conhecimento oficioso das questões que a lei imponha.

Considerando tais conclusões, a questão a decidir reside em saber se a actividade de recolha de resíduos sólidos urbanos é uma actividade particularmente perigosa para os efeitos do disposto no nº4 do artº 175º do CT.

Na sentença recorrida entendeu-se que a dita actividade de recolha não reveste particular perigosidade para os trabalhadores que nela laborem.

Para o efeito alinhou a seguinte fundamentação que se transcreve para um melhor enquadramento da questão.

Escreveu-se na sentença impugnada que “é imputado à arguida o facto de, enquanto empresa utilizadora, utilizar um trabalhador temporário, contratado pela empresa de trabalho temporário Worldjob – Empresa de Trabalho Temporário, Lda” para posto de “trabalho particularmente perigoso” para a sua segurança e saúde, com infracção ao disposto no art 175.º, nº4, do CT.

Os factos, na perspectiva da ACT, dizem respeito às obrigações da infractora, na qualidade de entidade empregadora, no exercício da sua actividade.

Para fundamentar o “risco elevado” cita o disposto no Preâmbulo do Dec Lei nº 84/97, de 16-04, onde se refere que: “Os trabalhadores podem ser expostos a agentes biológicos com riscos para a sua saúde em muitas actividades, onde se inclui a recolha e tratamento de lixos”.

Acrescentando que nos termos do art 2º do citado diploma “O presente diploma abrange, no âmbito definido no nº1 do art 2º do Decreto Lei nº 441/91, de 14 de Novembro, as actividades em que os trabalhadores estão ou podem estar expostos a agentes biológicos durante o trabalho, nomeadamente os constantes do anexo I.”, constando deste anexo I o “Trabalho em unidades de recolha, transportes e eliminação de detritos.

Nos termos do disposto no art.º 79.º da Lei n.º 102/2009, de 10.09, na redacção introduzida pela Lei n.º 3/2014, de 28.01 “Para efeitos da presente Lei, são considerados de risco elevado: (…) l) Actividades que impliquem exposição a agentes biológicos do grupo 3 e 4;(…).

Neste sentido, invoca a al. f) do art.º 41.º da Lei n.º 3/2014, de 28 de Janeiro dispõe que “São susceptíveis de implicar riscos para o património genético os agentes químicos, físicos e biológicos ou outros factores que possam causar efeitos genéticos hereditários, efeitos prejudiciais não hereditários na progenitura ou atentar contra as funções e capacidades reprodutoras masculinas ou femininas, designadamente os seguintes: f) As bactérias da brucela, da sífilis, o bacilo da tuberculose e o vírus da rubéola (rubívirus), do herpes simplex tipos 1 e 2, da papeira, da síndrome de imunodeficiência humana (sida) e o toxoplasma.”

Da análise das disposições legais citadas, a Sra Inspectora conclui, deste modo que, que a arguida agiu com negligência, na medida em que não diligenciou, quando podia e devia, enquanto entidade empregadora, pelo cumprimento das normas que lhe são impostas no exercício da sua actividade, no caso concreto, a empresa utilizadora, ao utilizar um trabalhador temporário contratado pela empresa de trabalho temporário Worldjob, Lda.) para posto de trabalho particularmente perigoso para a sua segurança e saúde, incorreu na presente infracção.

Apreciando.

Estabelece o art 175.º, nº4, do CT que “Não é permitida a utilização de trabalhador temporário em posto de trabalho particularmente perigoso para a sua segurança ou saúde, salvo se for essa a sua qualificação profissional.”

A violação do disposto no nº 4 constituem contra-ordenação muito grave nos termos do nº6 do citado preceito, à qual corresponde nos termos da al. c) do n.º 4 do art.º 554º do CT, uma coima de 42 UC a 120 UC (€4 284,00 a €12 240,00), em caso de negligência, e de 120 UC a 280 UC (€12 240,00 a €28 560,00), em caso de dolo.

Artigo 2º do Dec Lei nº 84/97, de 16-04 ao definir o seu âmbito da sua aplicação, estabelece que abrange, no âmbito no nº 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei nº 441/91, de 14 Novembro, as actividades em que os trabalhadores estão ou podem estar expostos a agentes biológicos durante o trabalho, nomeadamente as constantes do anexo I. A saber, entre outras, no ponto 6 “—Trabalho em unidades de recolha, transporte e eliminação de detritos”.

Nos termos do disposto no art.º 79.º da Lei n.º 102/2009, de 10-09, na última redacção introduzida pela Lei n.º 146/2015, de 09.09:

“Para efeitos da presente Lei, são considerados de risco elevado:

(…)

l) Actividades que impliquem exposição a agentes biológicos do grupo 3 e 4;(…).”

De acordo com o artigo 41.º da Lei nº 3/2014, de 28-01 sob a epígrafe “Riscos para o património genético”, prescreve que:

Nº 1 - São susceptíveis de implicar riscos para o património genético os agentes químicos, físicos e biológicos ou outros factores que possam causar efeitos genéticos hereditários, efeitos prejudiciais não hereditários na progenitura ou atentar contra as funções e capacidades reprodutoras masculinas ou femininas, designadamente os seguintes:

(…)

f) As bactérias da brucela, da sífilis, o bacilo da tuberculose e o vírus da rubéola (rubívirus), do herpes simplex tipos 1 e 2, da papeira, da síndrome de imunodeficiência humana (sida) e o toxoplasma.”

A imputação dos factos e respectiva aplicação de sanção é feita à empresa utilizadora do trabalhador, ora arguida.

(…)

….. Através do Decreto Lei nº 84/97, de 16-04 pretendeu-se estabelecer as regras de protecção dos trabalhadores contra os riscos de exposição a agentes biológicos durante o trabalho. “ Os agentes biológicos com efeitos nocivos para a saúde das pessoas podem formar-se por diversos processos, designadamente em resultado do desenvolvimento das biotecnologias através das quais se procede à sua produção e utilização”, incluindo na recolha e tratamento do lixo. É quanto resulta do preâmbulo do Diploma citado.

É certo e sabido que os resíduos perigosos são produzidos essencialmente no sector industrial, mas também na saúde, na agricultura, no comércio, nos serviços e até nas casas dos cidadãos comuns.

Devido à sua perigosidade quer para o Homem quer para o meio ambiente, deve ser levada a cabo uma correta gestão dos mesmos.

Conforme refere a arguida recorrente, a Portaria n.º 209/2004, de 3 de Março, publica no seu anexo I a Lista Europeia de Resíduos, sendo indicado para cada tipo de resíduo incluído na Lista se o mesmo é ou não perigoso. As características de perigosidade de um resíduo podem ser consultadas no anexo II da Portaria n.º 209/2004, de 3 de Março e no anexo III do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de Setembro, republicado pelo Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 de Junho.

Sendo que, a perigosidade define-se em função de determinadas características: explosivos, comburentes, facilmente inflamáveis, inflamáveis, irritantes, nocivos, tóxicos, cancerígenos.

Os resíduos perigosos são normalmente os produzidos em actividade do tipo industrial, mas também poderão existir nas nossas casas: tintas corretoras (normalmente identificada com um rótulo amarelo), solventes, cola de contacto, etc.

No entanto, não existe em Portugal (contrariamente à Bélgica) uma imposição de recolha selectiva e, normalmente, tais resíduos acabam por ser eliminados juntamente com o conhecido “lixo doméstico”.

Pode haver outro tipo de resíduos também eles provenientes das nossas casas, fruto de matérias que entram em processo de decomposição (cascas de batata) e que geram gás metano (sendo proibido fumar nesses locais, onde são armazenados dado o risco de explosão) havendo legislação própria para a entrada dos trabalhadores nos esgotos, por exemplo onde também se pode encontrar este tipo de gás.

Por outro lado, existe obrigação anual de caracterização de resíduos (nos resíduos hospitalares, v.g. seringas e outros materiais e para os produtores dos resíduos industriais), mediante contrato específico.

Já, porém, as entidades gestoras dos Resíduos Sólidos Urbanos, não têm que o fazer.

Com efeito, apesar de existir risco de explosão em certos resíduos (lacas de cabelo, espumas da barba, etc) nada disto obriga, na lei. a fazer um controle (a menos que exista produção de resíduo industrial urbano).

Posto isto, o auto começa por noticiar a morte de um trabalhador ao serviço de uma empresa utilizadora, quando apeado no pousa-pés do camião de recolha de lixo, caiu inesperadamente para a estrada.

Não houve, quanto se sabe, nem resulta dos autos que tivesse sido feita, naquele dia, a caracterização do lixo e inerente perigo.

Estando o sinistrado a trabalhar ao ar livre, existem dados que permitem afirmar que nessas condições, não serão os resíduos urbanos normais que poderão causar uma queda (por ex por tontura).

No presente caso, a “perigosidade elevada” que é imputada à arguida é enquadrada na decisão administrativa nas “actividade que impliquem exposição a agentes biológicos do grupo 3 ou 4”.

Daí que, na perspectiva da Sra Inspetora, “os resíduos sólidos urbanos, cujo produto é composto por uma mistura complexa de sólidos de origem doméstica, comercial e industrial, cuja composição está sujeita a variações constantes e, por vezes, repetidas, sendo que embora a legislação proíba a deposição de materiais perigosos édifícil o seu cumprimento e, quer por descuido, quer intencionalmente, são depositados alguns materiais perigosos (ex: pilhas e lâmpadas fluorescentes), criando problemas especiais e riscos adicionais aos trabalhadores de recolha, transportes e tratamento de resíduos. Por força disto estes encontram-se assim expostos a factores infecciosos, como Bactérias (Enterobactérias; Coccos), Vírus (Enterovírus, Polívirus, Vírus da Hepatite A e B), Fungos, Parasitas e Ratos, podendo desenvolver na sequência da exposição a estes riscos diversas patologias infecciosas como a Laptospirose, Tétano, Brucelose, Raiva, Salmonelose, Dermatoses infecciosas e fúngicas, Tuberculose, Infecções brônquicas, entre outras.” (sublinhado nosso).

Ora, salvo melhor opinião, parece-nos que na decisão proferida se confunde o conceito de “recolha” com o de “armazenamento”, “depósito”, porquanto para estas duas últimas situações existe sim legislação própria, desde logo pelos maiores riscos decorrentes da concentração de todos esses resíduos, em locais próprios (aterros sanitários).

É que a “perigosidade elevada” imputada à actividade de recolha de resíduos é feita no pressuposto de o trabalhador contactar com agentes infecciosos, etc, que poderia desencadear uma doença (nomeadamente profissional), tal como a Sra Inspetora refere “Assim, como acima se expôs, considera-se que os trabalhadores afectos à recolha de RSU estão potencialmente expostos a riscos biológicos que se podem enquadrar na al f) do art 41º, da Lei nº 3/2014, de 28 de janeiro que dispõe “São susceptíveis de implicar riscos para o património genético os agentes químicos, físicos e biológicos ou outros factores que possam causar efeitos genéticos hereditários, efeitos prejudiciais não hereditários na progenitura ou atentar contra as funções e capacidades reprodutoras masculinas ou femininas (…)”.

Transpondo esta interpretação, se o trabalhador estivesse a trabalhar numa fábrica de explosivos (actividade especialmente perigosa) e morresse por cair de um escadote, o facto de ser uma fábrica de explosivo deveria agravar a coima de alguma forma? Afigura-se-nos que não.

A falta de relação causa / efeito parece-nos também decorrer da lista de doenças e lista de actividades susceptíveis de as causar (Dec Regulamentar nº 76/2007, de 17-07).

Finalmente, dos factos provados na decisão administrativa, excluídos da nossa fundamentação de facto, por se tratar de matéria de cariz conclusivo, consta que:

No Relatório de Identificação e Avaliação dos Riscos (Vide Doc. 1), realizado em Janeiro de 2014, pela empresa prestadora de serviços externos de segurança, Pluralcare – Segurança e Saúde no Trabalho, Lda., constam no ponto 7.7 na “Recolha e Encaminhamento de Resíduos Sólidos Urbanos” a identificação, de entre outros, os riscos biológicos sendo os danos identificados como infecções, alergias, dermatoses, contágio de doenças e intoxicação. Da quantificação do risco resultou a classificação como séria quanto à gravidade, pouco provável, quanto á probabilidade e suficientes e bem implantadas, quanto às condições de segurança”.

Ora, a leitura deste quadro descontextualizada das legendas relativas a tal classificação, inculca a ideia de que a gravidade “séria” se reporta ao risco de contacto propriamente, quando na realidade o nível de gravidade aí fixado se reporta ao nível de gravidade em função do dano, numa perspectiva de avaliação das suas consequências:  “provoca incapacidade permanente parcial ou incapacidade temporária com duração superior a 90 dis (cfr fls 11 dos autos).

Concluindo, é um dado adquirido a consciencialização do “ambiente” como valor a preservar, e, por isso a defender.

Cremos contudo que, a interpretação dos normativos legais feita na decisão administrativa, para enquadrar a actividade exercida pelo trabalhador na recolha de RSU, numa “perigosidade elevada”, com integração nas actividades que impliquem exposição a agentes biológicos do grupo 3 e 4 – susceptíveis de, nos termos do citado art 41º, da Lei nº 3/2014 de 28-01– nos parece desajustada, para efeitos da sua tipificação como “posto de trabalho particularmente perigoso para a sua segurança e saúde” prevista no art 175.º, nº4, do C.T.

Razão pela qual, consideramos que a decisão administrativa não se deverá manter”.

Como acima de deixou dito a lei proíbe a utilização do trabalhador temporário em posto de trabalho particularmente perigoso para a sua segurança ou saúde, salvo se for essa a sua qualificação profissional - art 175.º, nº4, do CT.

Norma idêntica constava do revogado DL 358/89 de 17/10 que no seu artº 20º nº 3, na redacção dada pela Lei nº 146/99 de 1.09 disponha que “não é permitida a utilização de trabalhadores temporários em postos de trabalho particularmente perigosos para a segurança ou a saúde do trabalhador”.

A propósito desta norma escreveu-se no Ac. da Relação de Lisboa de 10.12.2003, procº 8135/2003- 4 consultável em www.dgsi.pt/jtrl, o seguinte: “dispõe o artº 20º nº 3 do DL 358/89 de 17.10, na redacção dada pela Lei nº 146/99 de 1.09 que “não é permitida a utilização de trabalhadores temporários em postos de trabalho particularmente perigosos para a segurança ou a saúde do trabalhador”.

A infracção a esta disposição constitui contra-ordenação muito grave imputável ao utilizador, nos termos do artº 31º nº 3 al. b) do DL 358/89, na redacção dada pela Lei 146/99.

A referida norma foi introduzida pela Lei 146/99 face à constatação estatística de que os trabalhadores com vínculos menos estáveis são vítimas de sinistralidade numa ratio superior à dos trabalhadores permanentes.1

A razão da proibição da utilização de trabalhadores temporários em actividades particularmente perigosas tem como pressuposto a precariedade da prestação de trabalho por parte destes trabalhadores que, em princípio, não permite a preparação e formação específica dos mesmos para o exercício desse tipo de funções perigosas.

A lei não define o que se deve entender por trabalho particularmente perigoso para a segurança ou a saúde do trabalhador, sendo esse um conceito indeterminado que importa esclarecer.

A concretização deste conceito deve efectuar-se casuisticamente, em face do caso concreto, analisando a complexidade e os riscos potenciais da actividade desenvolvida, resultantes quer do modo de execução ou dos processos técnicos utilizados, quer da perigosidade inerente aos produtos ou substâncias manuseados”.

De facto a densificação ou concretização do conceito “particularmente perigoso” deve ser feito casuisticamente tendo em atenção cada caso concreto.

Desde logo o elemento literal para aí aponta ao exigir que o posto de trabalho seja particularmente perigoso e não simplesmente perigoso. E essa maior e mais elevada perigosidade só caso a caso pode ser aferida ou determinada.

Com efeito, toda a actividade humana comporta em si mesma uma maior ou menor perigosidade.

Subir a uma árvore, andar de automóvel ou de bicicleta, por exemplo, comportam em si mesmos um risco de acidente, sendo actividades potencialmente perigosas.

Se o critério de aferição da perigosidade assentasse num critério abstracto onde o que conta é o perigo potencial, então, quase todas as actividades estariam vedadas aos trabalhadores temporários dada a sua potencial perigosidade, o que levaria a situações irrazoáveis ao arrepio do bom senso.

Assim, a título de exemplo, ao trabalhador temporário estaria vedado trabalhar numa exploração agro pecuária, local onde, como se sabe, se produz, através da decomposição da matéria orgânica, elevada quantidade de gás metano, gás este que, se inalado, pode causar asfixia, paragem cardíaca, inconsciência e até mesmo danos no sistema nervoso central.

E esta proibição manter-se-ia mesmo que o trabalhador estivesse devidamente equipado com os meios adequados de protecção o que, convenhamos, não é razoável nem sensato, para além dessa proibição se revelar um injustificável entrave ao normal exercício das actividades económicas.

No caso em análise apenas sabemos, em face da factualidade assente, que o trabalhador temporário precedia à recolha de resíduos sólidos urbanos, desconhecendo-se, em concreto como eram constituídos esses resíduos, que podem variar de zona para zona de acordo com hábitos e a consciência ecológica de cada agregado familiar ou de cada empresa pelo que não é possível afirmar que a actividade, ou melhor, o posto de trabalho era particularmente perigoso.

Numa perspectiva que não se alheie da realidade, temos de concluir que não se encontra demonstrado um dos elementos do tipo objectivo da infracção, razão pela qual, no nosso entendimento, bem andou a 1ª instância ao absolver a recorrente da prática da contra ordenação.


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IV- Nestes termos julga-se o recurso totalmente improcedente.

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Sem custas

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Coimbra, 17 de Novembro de 2015

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(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Paula Maria Videira do Paço)



[1] “Não é permitida a utilização de trabalhador temporário em posto de trabalho particularmente perigoso para a sua segurança ou saúde, salvo se for essa a sua qualificação profissional”.