Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
402/08.4TBOFR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIO CONFINANTE
Data do Acordão: 05/07/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE OLIVEIRA DE FRADES
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1380º, Nº 1 E 1381º, AL. A) DO C. CIVIL.
Sumário: 1. A linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa: o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são, assim, flutuantes.

2. No âmbito do chamado direito de preferência as expressões “apto para construção e se encontra num aglomerado urbano” utilizadas pelos réus no seu articulado - e inseridas na base instrutória - foram utilizadas no sentido corrente, significando que nesse local se pode edificar e que o mesmo se encontra no Lugar de … que é um aglomerado urbano.

3. Dispõe o art.1380º, nº1 do Código Civil que os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.

4. Com o conceito de “terrenos confinantes“ a lei visa o chamado emparcelamento agrícola ou acto de juntar prédios vizinhos, limítrofes ou confinantes entre si, ou parcelas de terrenos agrícolas com estremas comuns, de tamanho reduzido, em propriedades maiores, com vista a evitar-se o chamado minifúndio e a tornar mais fácil e economicamente viável o amanho conjunto dessas terras, a fim de se melhorar as condições técnicas e económicas da exploração agrícola.

5. O funcionamento da norma prevista na alínea a) do artigo 1381º do Código Civil, que estabelece que o direito de preferência de que se ocupa o artigo 1380º fica afastado quando o prédio alienando ou alienado “ se destine a algum fim que não seja a cultura”, constitui uma situação excepcional, impeditiva do exercício do direito de preferência que, por se traduzir numa excepção peremptória, acarreta para quem a invoca o ónus da correspondente prova.

6. A definição do sentido normativo a atribuir ao vocábulo legal “cultura” não encerra um problema semântico, mas antes funcional ou teleológico – e que se traduz em saber se os objectivos e fins subjacentes ao instituto do fraccionamento e emparcelamento de prédios rústicos têm cabimento e sentido quando estão em causa, não actividades principais de agricultura, silvicultura e exploração florestal dos terrenos.

Decisão Texto Integral: Acordam, na 3.ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de Coimbra:

1.Relatório

J…, residente no lugar de …, casado segundo o regime da separação de bens com M…, veio intentar a presente acção contra:

1 – A…, divorciado, e 2 – S… e marido, P…, todos igualmente residentes no referido lugar de ...

Pedindo:

A) Deverá ser reconhecido ao Autor o direito de haver para si o prédio supra identificado no art. 3º desta pelo preço que o primeiro Réu e a segunda Ré S… acordaram e que consta da escritura de compra e venda junta, o qual é de € 20.000,00;

B) Deverá ser fixado em € 21.370,65 o valor devido a título de depósito e que o Autor já efectuou, nos termos do disposto no art. 1.410º, nº 1, parte final, aplicável por força do disposto no art. 1.380º, nº 4, ambos do C. Civil, referente ao valor do preço constante da referida escritura e das despesas com tal acto;

C) Deverá ser declarado por resolvido, por culpa do primeiro Réu, o contrato promessa de compra e venda firmado entre o mesmo e o Autor em 20-03-2002, supra referido no art. 21º desta.

D) Deverá o primeiro Réu ser consequentemente condenado a restituir ao Autor a quantia de € 19.952,00 que este havia dado ao primeiro Réu, acrescida dos legais juros moratórios, contados desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento;

E) Deverá o primeiro Réu ser condenado a pagar ao Autor a quantia de € 1.444,80 a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo Autor, acrescida dos legais juros moratórios, contados desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.

Para tal alega, em resumo:

Regularmente citados os 2ºs RR vieram contestar a presente acção e deduzir reconvenção, pedindo a condenação do Reconvindo a pagar aos reconvintes, além do valor mencionado no artigo 19º da p.i, mais a quantia de €755,40.

Invoca a excepção de ilegitimidade activa do A., alegando que o mesmo é casado no regime de comunhão geral de bens e que o prédio de que o A. se arroga é bem comum do casal.

Além disso, impugna a matéria alegada, mencionando que o prédio identificado no artigo 3º da p.i é apto para construção, já constituído há vários anos por um pavilhão agrícola.

Alegam, ainda, a posse do prédio em causa há vários anos, inicialmente como comodatários e depois como arrendatários rurais, destinado à exploração pecuária.

O imóvel adquirido é uma componente de um prédio urbano.

Os 2ºs RR depois da compra do prédio em causa nos autos já tiveram despesas com o mesmo no montante de € 755,40.

Igualmente o 1º R. contestou a presente acção, pedindo, ainda, a condenação dos AA como litigantes de má fé.

Impugnam a matéria alegada, mencionando que o prédio em causa nunca foi utilizado para qualquer tipo de cultura.

Invoca, ainda, um arrendamento celebrado com o 2º R.

Nega a existência de qualquer contrato com o A., invocando a falsidade de todos os dizeres do documento junto como doc. 8 com a p.i.

Deduz, ainda, a intervenção principal provocada de todos os proprietários confinantes.

O A. veio apresentar réplica, onde responde às excepções e mantém a posição da p.i.

A mulher do A. veio com o incidente da intervenção espontânea.

Os 2ºs RR opuseram-se ao mesmo.

Por despacho judicial, proferido na 1.º instância, foi indeferido o pedido de intervenção principal deduzido pelo 1º R e admitido o incidente da intervenção principal espontânea de Maria ...

A Sra. Juiz, do Círculo Judicial de Viseu proferiu a seguinte decisão:

“Julgar a acção improcedente por não provada e, consequentemente, absolver os RR de todos os pedidos contra eles formulados.

 Em face de tal não se conhece do pedido reconvencional.

Absolver o A. do pedido de condenação como litigante de má-fé.

2.O Objecto da instância de recurso

Nos termos do art. 684°, n°3 e 685º, do Código do Processo Civil, o objecto do recurso - os recursos são um instrumento processual para reapreciar questões concretas, de facto ou de direito, que se consideram mal decididas e não para conhecer questões novas, não apreciadas e discutidas nas instâncias, sem prejuízo das que são de conhecimento oficioso - acha-se delimitado pelas alegações do autor, J…, que assim conclui:

Os réus apresentaram contra-alegações que concluem assim:

3. Do Direito

As questões a decidir são as seguintes:

I. Ao Tribunal da 1.º instância estava vedado consignar nos pontos 24 - O prédio referido em 2) é apto para construção - e 26 - O prédio aludido em 2) encontra-se localizado dentro do aglomerado urbano do lugar da … - que o prédio vendido é apto para construção e se encontra num aglomerado urbano?

II. Ao pronunciar-se sobre matéria que não era da sua competência, o Tribunal cometeu a nulidade prevista e sancionada nos artigos 201º e ss. do Código do Processo Civil, que deve ser declarada, com as consequências legais.

III.O Tribunal ao declarar no facto 25 que o prédio nunca foi destinado a qualquer tipo de cultura, deve interpretar-se esta afirmação no sentido de que neles não são feitos amanhos culturais periódicos?

IV. A não se entender assim e se tal facto for julgado relevante para a decisão, deverá reconhecer-se que está em manifesta contradição com o que resulta dos pontos 10, 11, 12 e 14, onde se diz que os prédios são destinados a cultura silvícola, há vários anos e com povoação de eucaliptos e de pinheiros adultos?

V. Deverá ser reconhecido ao Autor o direito de haver para si o rústico, denominado “Tapado de …”, composto de terreno inculto, a pinhal, sito nos limites do referido lugar de …?

Começamos, assim, o conhecimento da instância recursiva.

O Tribunal da 1.ª instância consignou nos pontos 24 e 26 que o prédio vendido é apto para construção e se encontra num aglomerado urbano.

Diz o apelante que, para a hipótese de considerarem ter relevo para a decisão, deverá declarar-se que tais afirmações são de natureza meramente conclusiva, pelo que violam o disposto nos artigos 653º n.º 2 e 659º nº 2 ambos do Código do Processo Civil – será o diploma a mencionar sem menção de origem -.

Será assim?

Respondemos, desde logo, que não.

Começaremos por dizer que o ora apelante não reclamou contra a inclusão da Base instrutória quando estes Pontos foram formulados e nem tão pouco o fez quando lhes foi dada resposta, só agora questionando este e a respectiva formulação.

Fá-lo porém e salvo o devido respeito, extremando desde logo à partida, a posição tradicional acerca da dicotomia questão de facto/questão de direito, hoje ultrapassada e que nunca foi aliás levada às máximas consequências no que toca à matéria conclusiva.

O próprio ordenamento jurídico sempre deu conta da dificuldade na destrinça por vezes dos factos da conclusão, atenta a ligação incindível que apresentam - Dificuldade de que já Alberto dos Reis, embora dentro da doutrina tradicional, fala no seu “Código de Processo Civil Anotado" III, pags. 205 ss -.

É verdade que na selecção da matéria de facto, seja assente, seja controvertida, o tribunal deve ater-se a factos, não devendo aí incluir conceitos de direito ou juízos de valor sobre a matéria de facto - art.º 511.º nº 1 -.

A instrução terá por objecto apenas factos - art.º 513.º - e, de acordo com o disposto no art.º 646.º n.º 4, no julgamento da matéria de facto ter-se-ão por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito.

Esta solução aplicar-se-á, por analogia, às respostas que incidam sobre conclusões de facto, ou melhor, que constituam conclusões de facto, - neste sentido, consultar Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, vol. 2º, citado, pág. 637 e 638, maxime quando tais conclusões têm a virtualidade de por si resolverem questões de direito a que se dirigem -.

Nesta matéria haverá que ter presente, como nos ensina o Prof. Anselmo de Castro - Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Almedina, 1982, página 270 -, que “a linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa: o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são, assim, flutuantes.”

Assim, poderão ser equiparados a factos enunciações que, embora contenham em si um significado jurídico, são de uso comum na linguagem corrente e são usados com esse sentido na causa, sem que haja disputa entre as partes acerca deles.

A orientação que aponta para a incindibilidade em certos casos do facto/conclusão, saiu aliás reforçada pelo enriquecimento que o pensamento jurídico tem registado nomeadamente pelo contributo das modernas "ciências da linguagem" e em particular pela investigação e progresso no domínio da "hermenêutica" que acentuadamente se tem feito sentir na metodologia e ciência do Direito.

São precisamente os casos em que o facto e a conclusão estão tão próximos que é muito difícil indagar desses factos e conclusões sem os relacionar entre si atenta a complementaridade recíproca que apresentam.

Orientada por estes princípios, tem vindo a Jurisprudência mais recente a aperceber-se destas inter-relações e a pressupor como um dado adquirido a incindibilidade de certas situações complexas no seu plurissignificado e simultaneamente também divulgação ao nível extra-jurídico - sobre esta problemática ver o estudo do Conselheiro  Simões Freire "Matéria de Facto Matéria de Direito", na CJ Ano XI Tomo III, 2003 págs. 6 e sgs -.

 E abordando especificamente o tema que ora tratamos, temos para nós que é indiscutível que as expressões “apto para construção e se encontra num aglomerado urbano” utilizadas pelos réus no seu articulado - e inseridas na base instrutória - foram utilizadas no sentido corrente, significando que nesse local se pode edificar e que o mesmo se encontra no Lugar de … que é um aglomerado urbano.

Como se escreveu no Acórdão do STJ de 19 Outubro 2004 – retirado do site www.dgsi.pt - …nisto, como em tudo aquilo que se relaciona com o problema, nunca definitivamente resolvido, da distinção entre matéria de facto e matéria de direito, há que agir com cautela e circunspecção. Não pode perder-se de vista que é praticamente impossível formular questões rigorosamente simples, que não tragam em si implicados, as mais das vezes, juízos conclusivos sobre outros elementos de facto; e assim, desde que se trate de realidades apreensíveis e compreensíveis pelos sentidos e pelo intelecto dos homens, não deve aceitar-se que uma pretensa ortodoxia na organização da base instrutória impeça a sua quesitação, sob pena de a resolução judicial dos litígios ir perdendo progressivamente o contacto com a realidade da vida e assentar cada vez mais em abstracções (e subtilezas jurídicas) distantes dos interesses legítimos que o direito e os tribunais têm o dever de proteger”.

Assim, não se censura a utilização de tais expressões na decisão em crise.

Avançando no conhecimento do recurso.

E o Tribunal comum, em análise de um conflito de sua competência não poderá pronunciar-se sobre questões aparentemente do foro de outros órgãos de soberania, sendo que tais questões só podiam ser comprovadas por documento, pelo que a resposta deveria ter sido negativa?

Na verdade as normas dos artigos 96.º e 97.º permitem, ao Tribunal da acção, conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa, mesmo prejudiciais, não constituindo, no entanto e como princípio, caso julgado fora do processo respectivo.

Ou seja, o Tribunal da acção tem todos os poderes para decidir todas as questões que aí se levantem – princípio da auto-suficiência -, não o fazendo, apenas se, face à questão em causa, entenda ser de conveniência que seja o Tribunal criminal ou administrativo a fazê-lo – o artigo 7.º do Código do Processo Penal também deixou ao prudente critério do Tribunal os casos de conveniência de devolução das questões prejudiciais para o foro cível ou administrativo -.

Até na situação prevista no art.º 279º, “não é por uma razão de competência que o juiz suspende a instância, é por uma razão de conveniência - ALBERTO DOS REIS in "Comentário ao Código de Processo Civil", Vol. 3º, p. 268 -.

Ora, sendo assim, é o próprio legislador, que criou a norma do artigo art. 1381º do Código Civil, que aí salvaguarda expressamente os casos em que não existe o direito de preferência, deixando aos Tribunais a sua interpretação/aplicação.

Por isso, salvo o devido respeito pela alegação, não vislumbramos em que momento o Tribunal da 1.ª instância se imiscuiu nos poderes de outros órgãos de soberania.

Diz ainda o apelante que “ Não se encontra nos autos nenhuma certidão ou qualquer outro documento que comprove esta qualificação da zona em que está implementado o terreno aqui em causa, pelo que se verifica que não foi produzida qualquer prova suficiente para provar tal facto.

Logo, os factos não podiam ser dados como provados, pois as Resoluções do Conselho de Ministros e da Câmara Municipal provam-se por documento autêntico ou autenticado.

O Tribunal não pode tomar uma decisão sobre tais questões, por lhe faltar competência funcional para o efeito e por não ter sido produzida prova suficiente nesse sentido.

Não existindo nos autos nenhum documento emitido pela entidade administrativa competente comprovativo da aptidão do terreno para construção e bem assim do facto de se encontrar dentro do aglomerado urbano da Prova, o Tribunal deveria ter-se abstido de responder a tais questões e se respondesse, tal resposta teria que ser negativa por falta de prova suficiente para o fazer de outra maneira – fim de citação -.

Como é sabido, como principio geral do direito probatório – artigo 392.º do Código Civil - a prova testemunhal é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada – é conhecida entre nós juristas pela “rainha das provas” -.

Os factos em crise nestes autos não exigem, pelo menos na seu todo e na sua parte essencial para o desfecho da acção, prova documental – relembramos que só a parte abrangida pela eficácia probatória dos documentos é que é vedada a prova testemunhal -.

Assim, bem andou a Sr.ª Juiz da 1.ª instância quando escreve na sua motivação que, “…”.

É suficiente para motivar as respostas a estes Pontos da Base Instrutória, não procedendo, pois, a alegação do apelante.

Ainda, quanto ao facto do Ponto 25 - que o prédio nunca foi destinado a qualquer tipo de cultura - estar em manifesta contradição com o que resulta dos pontos 10, 11, 12 e 14, onde se diz que os prédios são destinados a cultura silvícola, há vários anos e com povoação de eucaliptos e de pinheiros adultos.

Neste particular, com todo o respeito, damos espaço aos argumentos apresentados pelos réus quando dizem: “quanto à impugnação pelo Apelante dos factos julgados com provados nos n.ºs 24, 25 e 26, tal não faz o menor sentido pois que a decisão recorrida apreciou e decidiu apenas pela situação impeditiva do direito de preferência decorrente da previsão normativa constante da 2ª parte da alínea a) do artigo 1381º do CC, que exclui tal direito quanto o prédio alienado «se destine a algum fim que não seja a cultura», como é o caso.

Sendo certo que, o Tribunal «a quo» em nada decidiu quanto à outra excepção invocada pelos 2ºs RR. e constante da 1ª parte do mesmo preceito legal, isto é, de o terreno constituir «parte componente de um prédio urbano», não padecendo por isso a decisão recorrida de nenhum vício.

Relativamente à suposta contradição invocada pelo Apelante no seu recurso, a mesma só se compreende como suprimento à falta de verdadeiras razões e fundamentos.

E isto porquê?

De forma judiciosa e sustentada esclareceu a Meritíssima Juiz «a quo» na decisão em apreço que ao analisar-se a matéria de facto constante dos pontos10º, 11º, 12º e 13º - alegada e provada pelo Autor – versus a matéria de facto constante dos pontos 24º, 25º, 26º, 27º e 28º - alegada e provada pelos 2ºs RR. – «poderia pensar-se (ou equacionar-se, sublinhado nosso) existir contradição entre o facto provado n.º 11 e o n.º 25».

Contudo, conforme refere, e muito bem, na douta sentença recorrida há que analisar tal factualidade em conjunto com a demais e, ainda, com as alegações feitas pelas partes, donde se extrai que o que se pretende dizer no facto n.º 11 é que o fim do prédio em causa é a silvicultura, isto é, a cultura e conservação das matas ou florestas, enquanto que o que resulta do facto n.º 25 é que, não obstante o fim do prédio, ele não se destina a tal.

Ou seja, o mesmo é dizer que o prédio em apreço vem sendo utilizado para fim diverso do da cultura, conforme resulta de forma clara e objectiva da matéria de facto alegada pelo 2ºs RR. dada como provada – fim de citação -.

Improcedem, pois, os Pontos I a IV.

Mas, mesmo assim, a 1.ª instância apreciou correctamente a questão de direito?

A matéria de facto provada pela 1ª Instância:

...

Pretende o A. que este Tribunal lhe reconheça o direito de haver para si o prédio supra identificado pelo preço que o primeiro Réu e a segunda Ré S… acordaram e que consta da escritura de compra e venda junta, o qual é de € 20.000,00.

O que diz o legislador a este respeito:

Dispõe o art.1380º, nº1 do Código Civil que os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante - com o conceito de “ terrenos confinantes “, a lei visa o chamado emparcelamento agrícola ou acto de juntar prédios vizinhos, limítrofes ou confinantes entre si, ou parcelas de terrenos agrícolas com estremas comuns , de tamanho reduzido, em propriedades maiores, com vista a evitar-se o chamado minifúndio e a tornar mais fácil e economicamente viável o amanho conjunto dessas terras, a fim de se melhorar as condições técnicas e económicas da exploração agrícola -.

O Dec-lei 384/88, de 25 de Outubro, que veio estabelecer em novos moldes o regime jurídico do emparcelamento rural, modificou o regime da preferência legal relacionada com os minifúndios.

A reciprocidade do direito de preferência é alargada, face ao teor do art.º 18º do aludido diploma: os proprietários de terrenos confinantes, quando um deles tenha área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência, qualquer que seja a área do outro.

Não se integra nas questões a dirimir por este Tribunal saber se os prédios em causa nos autos se revestem das características apontadas, sendo pacífico que as assumem, não fazendo parte da instância recursiva.

Acontece que, de acordo com o estatuído no art.º 1381º do mesmo diploma, não gozam do mencionado direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes quando, no que ao caso interessa, algum dos terrenos se destine a fim que não seja a cultura – alínea a) -.

Como é sabido, àquele que invocar um direito, cabe fazer a prova dos factos constitutivos desse direito, nos precisos termos da norma do artigo 342º, nº1, do Código Civil.

Assim, em acção de preferência, intentada pelo proprietário confinante, incumbe ao autor a prova dos factos que, segundo a norma do art.º 1380, n.º 1 do Código Civil, servem de pressuposto ao efeito jurídico pretendido - no caso, a substituição do adquirente na compra e venda-.

Aos réus incumbirá, por sua vez, a prova da ocorrência de factos impeditivos do direito de preferência que a contraparte pretende exercer, determinados de acordo com a norma do art.º 1381, do citado diploma.

Na presente instância de recurso apenas se mostra litigiosa a questão de saber se se encontra cabalmente feita a prova da ocorrência de factos impeditivos do direito de preferência que o autor pretende exercer.

Como se sabe, o objectivo visado pelo art. 1380º do Código Civil é o de fomentar o emparcelamento de terrenos a minifundiários, criando objectivamente as condições que, sob o ponto de vista económico, se consideram imprescindíveis à constituição de explorações rentáveis - Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. III, 2ª ed., pág. 271 –.

Assim, o funcionamento da norma prevista na alínea a) do artigo 1381.º do Código Civil, que estabelece que o direito de preferência de que se ocupa o artigo 1380.º fica afastado quando o prédio alienando ou alienado “ se destine a algum fim que não seja a cultura”, constitui uma situação excepcional, impeditiva do exercício do direito de preferência que, por se traduzir numa excepção peremptória, acarreta para quem a invoca o ónus da correspondente prova.

Pelo que, então, importa, averiguar, em face dos factos provados, se se verificam ou não as razões invocadas pelos réus contestantes para que, nos termos do artigo 1381.º, al. a), do Código Civil, não seja de conceder à autora o direito de preferência a que esta se arroga.

Sabemos, que ao direito de preferência conferido aos proprietários de terrenos confinantes não é obstáculo a existência de uma eventual diversidade de culturas, conforme o Assento - agora com o valor de Acórdão de Uniformização de Jurisprudência - de 18/03/1986, pois a lei não exige essa identidade, nem tão pouco que os terrenos estejam afectos a culturas agrícolas, podendo envolver mesmo culturas florestais.

O critério para determinar a consecução do objectivo pretendido com o exercício da preferência não é a aplicação efectiva do terreno, ou a sua maior aptidão natural, a uma determinada cultura, mas sim a aptidão abstracta de qualquer um dos terrenos para a cultura, desde que de área inferior à maior unidade de cultura definida.

Como supra referimos, é ao adquirente do terreno que cabe provar a intenção de dar ao terreno um determinado destino, diverso da cultura. Essa intenção, mesmo que não tenha de constar necessariamente da escritura de alienação, tem de existir no momento da celebração do contrato, porque se esse propósito não existir no momento da aquisição, o direito de preferência nasce e não já poderá ser inutilizado por uma ulterior escolha de fim diverso de cultura – o sublinhado é nosso -.

Pois, esta é a questão, delicada, a resolver nestes autos.

O que entra no conceito “fim diverso de cultura”.

O que diz o Tribunal de Oliveira de Frades:

“O prédio referido em 2) é apto para construção. O prédio referido em 2) nunca foi destinado a qualquer tipo de cultura. O prédio aludido em 2) encontra-se localizado dentro do aglomerado urbano do lugar da ... Desde há cerca de 10-12 anos os 2ºs RR utilizam o pavilhão existente no prédio descrito em 2) pelo menos para recolha de fardos de palha e para colocação de animais e como complemento de vacaria que possuem na povoação de ...

Ao negociarem a descrição do prédio descrito em 2) os 2ºs RR pretenderam afectar o pavilhão nele existente à utilização que do mesmo já vinham fazendo como complemento da referida vacaria.

Assim, o que revela para o exercício do direito de preferência é o uso efectivo predominante dos terrenos rústicos no momento da alienação.

Logo, só poderá o A. exercer o direito de preferência se o mesmo quando foi alienado se destinava a fins agrícolas ou florestais.

Acontece que resultou provado que o prédio referido em 2) nunca foi destinado a qualquer tipo de cultura, sendo ainda que, desde há cerca de 10-12 anos os 2ºs RR utilizam o pavilhão existente no prédio descrito em 2) pelo menos para recolha de fardos de palha e para colocação de animais e como complemento de vacaria que possuem na povoação de … e que ao negociarem a descrição do prédio descrito em 2) os 2ºs RR pretenderam afectar o pavilhão nele existente à utilização que do mesmo já vinham fazendo como complemento da referida vacaria.

Assim, somos do entendimento que os RR provaram a situação impeditiva do direito de preferência, decorrente da previsão normativa constante da al. a) do art.1381º do CC, que exclui tal direito quando o terreno alienado «se destine a algum fim que não seja a cultura».

Os RR provaram que o prédio por eles adquirido não se destinava à cultura, mas sim a afectarem o pavilhão que nele existia à utilização que já lhes vinham dando, ou seja, de complemento a uma vacaria que possuem.

Logo, no que tange ao pedido de preferência, terá a acção de improceder.

E reitera-se uma vez mais que, o fim que releva, para efeitos da aplicação do disposto na alínea a) do artigo 1381º do Código Civil não é aquele a que o prédio esteja afectado à data da alienação, mas antes o que os adquirentes lhe vêm dando ou lhe pretendem dar. Sendo certo que, os 2ºs RR. provaram que a sua intenção é continuar a dar ao prédio uma outra afectação ou destino que não a silvicultura.

Finalmente, provaram ainda os réus que nada, quer do ponto de vista legal, que do ponto de vista administrativo, se opõe ao fim (diverso do da cultura) que os mesmos vêm dando ao seu prédio há vários anos, de forma sedimentada e consolidada, para recolha de fardos de palha, colocação de animais e como complemento de vacaria que possuem na povoação de …, o que fazem de forma pública e pacífica, à frente de toda a gente e sem oposição de ninguém.

Donde não padecer a decisão de nenhuma contradição” – fim de citação -.

Estando subjacente à concessão do ora ventilado direito de preferência o objectivo de fomentar o emparcelamento da propriedade rústica, por razões que se prendem não só com uma maior rentabilidade económica, mas também melhor qualidade ambiental, bem se compreende e alcança dessa limitação a tal direito expressa na reproduzida disposição legal.

Não se destinando o terreno a cultura, não ocorre a necessidade daquele emparcelamento, a qual deve ser analisada na perspectiva dos interesses do adquirente, por não se mostrar razoável a imposição de ele ter de continuar a dar ao terreno o fim a que se destinava, antes lhe devendo ser facilitado o seu uso para os fins que tiver como mais ajustados aos seus interesses.

A finalidade diversa de agricultura que mais é analisada pelos Tribunais é a construção de edifício habitacional por parte do adquirente do prédio rústico.

Mas, existirão outras, até porque a norma não restringe o seu âmbito, ficando tal abrangência na “melhor interpretação” a dar ao caso que as partes trazem perante os Juízes.

A este propósito e no âmbito específico da preferência, refere Agostinho Cardoso Guedes - O Exercício do Direito de Preferência, Teses, Publicações da Universidade Católica, Porto, 2006, p. 123 -: “O art. 1381º, a), mostra, assim, que a finalidade dada ao terreno pelo proprietário é juridicamente relevante; se assim é, então nos casos em que o mesmo terreno é utilizado para a cultura e para outros fins - habitação, parque de estacionamento, armazém, garagem, etc, -, a solução mais razoável será, na verdade, atender ao destino predominante a que o prédio está efectivamente afecto, porque só assim a lei estará a respeitar a liberdade do proprietário em utilizar o bem da forma que entender mais conveniente. Uma solução que desse apenas relevância à aptidão abstracta do terreno estaria não só a favorecer o emparcelamento mas também a afectação de terrenos à agricultura”.

Podemos ler no Acórdão da Relação de Évora de 16.3.2012 – retirado do site www.dgsi.pt – “…relativamente à segunda hipótese, a jurisprudência e doutrina têm vindo a entender que o que releva é o fim pretendido pelo adquirente, concretizado em factualidade indiciária suficiente, que não seja incompatível com a aptidão do terreno. Quanto ao alcance do que seja cultura, também tem sido entendido que a hipótese não se restringe a cultura agrícola, mas compreende, latitudinariamente, as formas possíveis de exploração rural - a este propósito, vide Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, Coimbra Editora, 1987, pág. 271 -, em que não se pode deixar de incluir a exploração na modalidade de pastagem, a qual consiste na utilização do terreno para alimentação de gado através de fruição reiterada da vegetação herbácea que nele cresce espontaneamente, de forma sustentada, com ou sem aplicação de fertilizantes.”

Também o STJ, em Acórdão de 24.5.2011 – retirado do site www.dgsi.pt. – decidiu que, “Não existe o direito de preferência do proprietário de terreno confinante, fundado naquele normativo, quando o prédio rústico alienado está exclusivamente afectado, em termos administrativamente lícitos, a uma exploração agro-pecuária que envolve a implantação, em prédio misto contíguo, de um estabelecimento de exploração agro pecuária, - destinando-se, deste modo, o prédio alienado a fins de produção animal que extravasam manifestamente uma primacial função agrícola ou a exploração florestal ou silvo - pastorícia dos terrenos.”

Aí se escreve que: “Sucede, porém, como atrás se relatou, que o prédio alienado está afecto, exclusivamente, à suinicultura, fazendo parte de uma unidade, explorada por uma das sociedades RR., em que se inclui o prédio misto em que está situado o estabelecimento de exploração agro-pecuária, com trabalhadores ao seu serviço, cuja titularidade foi, aliás, transmitida pelo mesmo negócio jurídico.

Por outro lado, tal afectação dos prédios à exploração de suinicultura é administrativamente lícita, como decorre, nomeadamente, das licenças constantes de fls. 486 e seguintes dos presentes autos.

Ora, perante este quadro factual, importa verificar se ocorre, porventura, a situação impeditiva do direito de preferência, decorrente da previsão normativa constante da al. a) do art. 1381º do CC, que exclui tal direito quando o terreno alienado «se destine a algum fim que não seja a cultura».

“As instâncias interpretaram este segmento normativo em termos perfeitamente diversificados: na verdade, a sentença proferida considerou que – face à demonstração pelos RR. que o terreno adquirido se não destinava à agricultura, mas antes «a uma exploração agro-pecuária, que implicava a transmissão de um estabelecimento e de trabalhadores, isto é, a transmissão de uma unidade industrial de que o prédio rústico era apenas um local afecto à respectiva actividade» – se verificava de pleno a excepção contida na referida al. a) ; pelo contrário, a Relação, no acórdão recorrido, entendeu que á expressão legal «cultura» deveria ser atribuído um sentido mais amplo que o de «agricultura», definindo, consequentemente, em termos linguísticos, aquele conceito de modo a abranger a criação ou desenvolvimento, com cuidados especiais, quer de plantas ou vegetais, quer de animais utilizados para satisfação de necessidades humanas.

Como parece evidente, a definição do sentido normativo a atribuir ao vocábulo legal «cultura» não encerra um problema semântico, mas antes funcional ou teleológico – e que se traduz em saber se os objectivos e fins subjacentes ao instituto do fraccionamento e emparcelamento de prédios rústicos têm cabimento e sentido quando estão em causa, não actividades principais de agricultura, silvicultura e exploração florestal dos terrenos (que acessoriamente poderão compreender a pastorícia ou criação de animais), mas antes – e exclusivamente - actividades principais e em larga escala de produção animal (suinicultura), envolvendo, como ocorre no caso dos autos, a existência de uma unidade ou estabelecimento a que está acessoriamente afectado o prédio rústico em questão.

Entende-se que a resposta a esta questão deve ser negativa, já que a definição legal e regulamentar da «unidade de cultura» apta a uma exploração economicamente rentável – conforme os terrenos se destinem predominantemente a culturas «arvenses», «hortícolas» ou «de sequeiro», -nada tem que ver com a eventual definição da dimensão economicamente aceitável de explorações agro-pecuárias que envolvem a implantação de um estabelecimento comercial, a cuja utilização está exclusivamente afecto o terreno rústico conjuntamente alienado – e, deste modo, destinado a fins que extravasam manifestamente uma primacial função agrícola ou a exploração florestal ou silvo-pastorícia dos terrenos-  cfr. Ac. de 27/1/10, proferido pelo STJ no P. 1543/04.2TBVIS.C1.S1 -.

E, sendo tal utilização ou afectação aos fins da exploração agro pecuária administrativamente lícita – estando, aliás, sedimentada ou consolidada no momento da venda que despoletou o alegado direito de preferência – verifica-se de pleno o facto impeditivo da preferência , resultante da parte final da citada al. a) do art. 1381º, o que determina a improcedência da acção – fim de citação -.

O que temos nos autos.

(Ponto 1) A propriedade do prédio rústico, denominado “Tapado da …” - composto de terreno inculto, … – cfr. cópia da certidão do registo predial de fls. 260 e 261, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido.

(Ponto 2) Por escritura pública de compra e venda outorgada em 21-11-2008, no Cartório Notarial de … (a fls. 152 a 155, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido), o 1.º réu (…) declarou vender à Ré mulher ...

(Ponto 10) Os prédios identificados em 1) e 2) são terrenos incultos e aptos para floresta, nomeadamente pinhal e eucaliptal., sendo que (Ponto 11) O prédio referido em 2) destina-se à silvicultura, isto é, à cultura e conservação das matas ou florestas, (Ponto 12) utilização que vem sendo efectuada há vários anos.

(Ponto 13) O prédio referido em 2 tem a área total aproximada de 5.700m2, sendo que, (Ponto 14) toda a área do prédio, com excepção de um barracão nele edificado com a área da implantação de 301,97 m2, está povoada de pinheiros, parte dos quais adultos.

(24) O prédio referido em 2) é apto para construção, sendo que (25) tal prédio nunca foi destinado a qualquer tipo de cultura, e (26) encontra-se localizado dentro do aglomerado urbano do lugar da ...

27) Desde há cerca de 10-12 anos os 2ºs RR utilizam o pavilhão existente no prédio descrito em 2) pelo menos para recolha de fardos de palha e para colocação de animais e como complemento de vacaria que possuem na povoação de ...

28) Ao negociarem a descrição do prédio descrito em 2) os 2ºs RR pretenderam afectar o pavilhão nele existente à utilização que do mesmo já vinham fazendo como complemento da referida vacaria.

29) Em 21.1.2009 os 2ºs RR requereram junto da CM de … a licença para legalização do pavilhão existente no prédio descrito em 2), requerimento esse que apresentaram na qualidade de proprietários de tal prédio.

31) O deferimento e subsequente aprovação da legalização do pavilhão existente no prédio descrito em 2 aumenta o valor deste prédio.

32) Há várias décadas os pais do 1.º Réu edificaram um pavilhão multi-usos no prédio referido em 2), que foi sempre utilizado para armazém.

33) Nele sempre forma guardados bens – sublinhámos porquanto são os factos com interesse relevante para esta decisão -.

É certo que os autos não demonstram a legalização requerida em 21.1.2009, mas, que nesse terreno, que tem a área total aproximada de 5.700m2, existe um pavilhão que os réus, desde há cerca de 10-12 anos, pelo menos para recolha de fardos de palha, colocação de animais e como complemento de vacaria que possuem na povoação de ...

Mais, está demonstrado nos autos que ao negociarem a descrição do prédio descrito em 2) os 2ºs RR pretenderam afectar o pavilhão nele existente à utilização que do mesmo já vinham fazendo como complemento da referida vacaria - e embora o propósito dos compradores de utilizar o prédio que adquiriram para fim que não seja a cultura deva ser imediato, não será, porém, também a nosso ver, de exigir que a afectação do mesmo a tal finalidade - que não a cultura - exista já ao tempo do negócio, como decidiu já o o STJ em Acórdão de 14.3.2002, retirado da Col.Jur. Ano X, Tomo 1, pág. 133 -.

É certo que estes factos ficam um pouco aquém do decidido no acórdão do STJ supra referido, mas, como refere a Sr.ª Juiz da 1.ª instância, os RR provaram que o prédio por eles adquirido não se destinava à cultura, mas sim a afectarem o pavilhão que nele existia à utilização que já lhes vinham dando, ou seja, de complemento a uma vacaria que possuem.

Não poderemos, olvidar, que o legislador na Lei do Arrendamento Rural – Dec. Lei n.º 294/2009 de 13 de Outubro, que revogou o Dec. Lei n.º 385/88 de 25 de Outubro, tem um conceito mais alargado da coisa agrícola, o que não acontece na norma do artigo 1381.º do Código Civil.

De facto, no seu artigo n.º 1 diz que o arrendamento rural – locação de prédios rústicos – destina-se à exploração de prédios para fins de exploração agrícola, florestais, ou outras actividades de produção de bens ou serviços associados à agricultura, à pecuária ou à floresta.

Mais, define a actividade agrícola como a produção, cultivo e colheita de produtos agrícolas, a criação de animais e produção de bens de origem animal e a manutenção das terras em boas condições agrícolas e ambientais.

Enquanto que com o conceito de “ terrenos confinantes “, a lei visa, tão só, o chamado emparcelamento agrícola ou acto de juntar prédios vizinhos, limítrofes ou confinantes entre si, ou parcelas de terrenos agrícolas com estremas comuns, de tamanho reduzido, em propriedades maiores, com vista a evitar-se o chamado minifúndio e a tornar mais fácil e economicamente viável o amanho conjunto dessas terras, a fim de se melhorar as condições técnicas e económicas da exploração agrícola.

Por isso, a concessão do direito de preferência, tem como finalidade obter o emparcelamento de pequenas parcelas rústicas, com as vantagens que daí se crer advirem, desiderato que cessa no caso de o terreno a emparcelar - através da preferência - não se destinar à cultura agrícola, razão pela qual, em tais casos, não se justifica a manutenção do ónus da sujeição ao direito de preferência, em caso de alienação do prédio a ele sujeito.  

Por isso, com todo o respeito pela opinião do apelante, entendemos, sublinhando que a situação dos autos estará no limite do conceito “fim diverso de cultura”, que a 1.ª instância decidiu bem.

Passemos ao sumário: 1. A linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa: o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são, assim, flutuantes.

2. No âmbito do chamado direito de preferência as expressões “apto para construção e se encontra num aglomerado urbano” utilizadas pelos réus no seu articulado - e inseridas na base instrutória - foram utilizadas no sentido corrente, significando que nesse local se pode edificar e que o mesmo se encontra no Lugar de Prova, freguesia de Pinheiro de Lafões, concelho de Oliveira de Frades que é um aglomerado urbano.

3. Dispõe o art.1380º, nº1 do Código Civil que os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante

4. Com o conceito de “ terrenos confinantes “, a lei visa o chamado emparcelamento agrícola ou acto de juntar prédios vizinhos, limítrofes ou confinantes entre si, ou parcelas de terrenos agrícolas com estremas comuns , de tamanho reduzido, em propriedades maiores, com vista a evitar-se o chamado minifúndio e a tornar mais fácil e economicamente viável o amanho conjunto dessas terras, a fim de se melhorar as condições técnicas e económicas da exploração agrícola.

5. O funcionamento da norma prevista na alínea a) do artigo 1381.º do Código Civil, que estabelece que o direito de preferência de que se ocupa o artigo 1380.º fica afastado quando o prédio alienando ou alienado “ se destine a algum fim que não seja a cultura”, constitui uma situação excepcional, impeditiva do exercício do direito de preferência que, por se traduzir numa excepção peremptória, acarreta para quem a invoca o ónus da correspondente prova.

6. A definição do sentido normativo a atribuir ao vocábulo legal “cultura” não encerra um problema semântico, mas antes funcional ou teleológico – e que se traduz em saber se os objectivos e fins subjacentes ao instituto do fraccionamento e emparcelamento de prédios rústicos têm cabimento e sentido quando estão em causa, não actividades principais de agricultura, silvicultura e exploração florestal dos terrenos.

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.

(José Avelino - Relator -)

(Regina Rosa)

(Artur Dias)