Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
557/10.8T2SNT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
PROCESSO LABORAL
ARGUIÇÃO
UNIÃO DE FACTO
REQUISITOS
Data do Acordão: 11/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DO TRABALHO DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 77º, Nº 1 DO CPC; 57º, NºS 1 E 3 DA NLAT (LEI Nº 98/2009, DE 4/09); 2020º, Nº 1 DO C. CIV.; LEI Nº 7/2001, DE 11/05.
Sumário: I – O processo laboral contém uma particularidade, que é a que decorre do nº 1 do artº 77º do Código de Processo do Trabalho, segundo a qual a “arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso”.

II – Se a parte recorrente não incluir no requerimento de interposição do recurso a decisiva e autónoma motivação da arguição de nulidades da sentença, considera-se extemporânea a eventual arguição que seja feita nas alegações de recurso, não sendo de conhecer de tal questão.

III – Para que possa ser considerada/provada a existência de uma união de facto carece de ser demonstrado que os interessados vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos.

Decisão Texto Integral:                         Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:


                                                          

                        No Juízo do Trabalho de Aveiro - Comarca do Baixo Vouga, A... apresentou petição inicial para impulsionar a fase contenciosa da presente acção especial emergente de acidente de trabalho contra B... Companhia de Seguros, SA pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe uma pensão anual e vitalícia, no valor de € 4.014,11 até à idade de reforma por velhice e superior depois, e a pagar-lhe a metade do subsídio por morte no valor de € 2.766,84, acrescendo juros de mora.

                        Alegou para o efeito, e em síntese, que C... faleceu no dia 05/10/2010 na sequência de acidente de trabalho que sofreu nesse dia, sendo beneficiária porque viveu em união de facto com o sinistrado, sendo também beneficiário D....

                        Também E... apresentou petição inicial, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe uma pensão anual e vitalícia, no valor de 30% da remuneração até à idade de reforma por velhice e a 40% depois, e a pagar-lhe a metade do subsídio por morte no valor de € 2.766,84, acrescendo juros de mora.

                        A Ré apresentou contestação sustentando, em resumo, que aceita a caracterização do acidente como de trabalho, sendo titular do direito à pensão quem provar os pressupostos para ser beneficiário.

                        Foi homologado acordo versando sobre as prestações devidas ao beneficiário D... pela Ré.

                        Efectuado o julgamento, foi proferida sentença, absolvendo a Ré  dos pedidos formulados pelas Autoras.
                                                                       x
                        Inconformada, veio a Autora  - A... interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
[…]

                         

                        A Autora – E... e o beneficiário D... contra-alegaram, propugnando pela manutenção da decisão recorrida.

                        Foram colhidos os vistos legais, tendo o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitido parecer no sentido da procedência do recurso.

                                                                       x
                        Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões,  temos, como questões em discussão:
                   - a nulidade da sentença;
                   - a reapreciação da matéria de facto;
                        - se o Autora – apelante tem direito a pensão, por viver em união de facto com o sinistrado.
                                                                  x
                        A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:
[…]

                       

                                                                       x

                        - a nulidade da sentença:

                        Veio a Autora - apelante, nas suas alegações de recurso, invocar a  nulidade da sentença, “nos termos previstos no artigo 668º, nº 1, al. c) do C.P.C”.

                         Resulta do nº 4 deste artº 668º  que a arguição de nulidades (salvo a respeitante à falta de assinatura do juiz) deve ser feita perante o tribunal que proferiu a decisão, se esta não admitir recurso ordinário. No caso contrário, o recurso pode ter como fundamento qualquer dessas nulidades.

                        Este é o regime do Código de Processo Civil.

                        O processo laboral contém, porém, uma particularidade, que é a que decorre do nº 1 do artº 77º do Cod. Proc. Trabalho, segundo o qual a “arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso”.

                        Já antes, a esse respeito, se estabelecia no anterior Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo artigo 1º do Decreto-Lei n.º 272-A/81, de 30/9, no seu artº 72º, nº 1, o seguinte :"A arguição de nulidade da sentença é feita no requerimento de interposição do recurso. "

                        Esta regra peculiar de que as nulidades da sentença têm de ser arguidas expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso é ditada por razões de economia e celeridade processuais e prende-se com a faculdade que o juiz tem de poder sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso (n.º 3 do art. 77º). Para que tal faculdade possa ser exercida, importa que a nulidade seja arguida no requerimento de interposição do recurso que é dirigido ao juiz e não nas alegações do recurso que são dirigidas ao tribunal superior, o que implica, naturalmente, que a motivação da arguição também conste daquele requerimento.

                        E tem sido entendimento pacífico, a nível jurisprudencial, que o tribunal superior não deve conhecer da nulidade ou nulidades da sentença que não tenham sido arguidas, expressa e separadamente, no requerimento de interposição do recurso, mas somente nas respectivas alegações - cfr., a título de exemplo, os Acórdãos do STJ de 25/10/95, Col. Jur.- Ac. do STJ,  1995, III, 279, e de 23/4/98, BMJ, 476, 297.

                        No caso em apreço, a recorrente remeteu a arguição da nulidade para as alegações do recurso, não lhe dedicando uma única palavra que fosse no requerimento de interposição de recurso.

                        Ou seja, não incluiu, tal como resulta obrigatório do referido artº 77º, nº 1, do C.P.T., no requerimento de interposição do recurso, a decisiva e autónoma motivação da arguição, o que torna extemporânea a arguição das nulidades e obsta a que delas se conheça- cfr., neste sentido e entre outros, os Acórdãos do STJ de 28/1/98, Ac. Dout., 436, 558, de 28/5/97, BMJ 467, 412, de 8/02/2001 e 24/06/2003, estes dois disponíveis em www.dgsi.pt.

                        Entendimento também seguido no Ac. do STJ de 4/4/2001 (Revista 498/01), ao referir-se que a “arguição de nulidades tem se ser feita, obrigatoriamente, no requerimento de interposição do recurso, por forma explícita (ainda que sucintamente), dado que o requerimento de interposição constitui uma peça processual diferente das alegações, sendo que aquele é dirigido ao tribunal a quo e estas são-no ao tribunal ad quem”.

                        Termos em que se decide não conhecer da arguida nulidade.

                        - a reapreciação da matéria de facto:

[…]

                       

                        Mantém-se, assim, a factualidade dada como provada na 1ª instância, por não haver fundamento para a sua alteração.

                        - a existência da união de facto:

                        Em primeiro lugar importa referir que, atenta a data da ocorrência do acidente, encontra-se aqui aplicação a nova LAT- Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro

                        Dispõe o artº 57º, nº 1, dessa Lei, que “Em caso de morte, a pensão é devida aos seguintes familiares e equiparados do sinistrado:
a) Cônjuge ou pessoa que com ele vivia em união de facto;

(..)”.
                        O nº 3 do referido artº 57º da LAT, na definição do que se deve considerar pessoa a viver em união de facto,  estabelece que é aquela que “preencha os requisitos do artigo 2020º do Código Civil”.
                        O nº 1 do artº 2020º do Código Civil, na redacção vigente aquando da publicação da LAT, dispunha que “aquele que, no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges, tem direito a...”.

                        Esse artigo foi alterado pela Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto, passando a dispor o seu nº 1 que “o membro sobrevivo da união de facto tem o direito de exigir alimentos da herança do falecido”.

                        A Lei nº 7/2001, de 11/05, que adoptou medidas de protecção das uniões de facto, veio prescrever, no seu artigo 1º, nº 1, que as pessoas que, independentemente do sexo, vivam em união de facto há mais de dois anos, têm direito à protecção prevista na mesma lei.
                        O nº 2 desse artº 1 da Lei nº 7/2001 foi objecto de alteração pela  Lei nº 23/2010, passando a dispor que “a união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos”.
                        Assim, e como acertadamente se refere na sentença, para que a Autora pudesse ser considerada como “pessoa que vivia em união de facto com o sinistrado” teria de ter demonstrado que vivia “em condições análogas às dos cônjuges com o sinistrado há mais de dois anos”.
                        E foi essa demonstração que a Autora não logrou alcançar.

                   O Prof. Pereira Coelho, in RLJ, ano 120, pag. 85, a propósito da vida em comum, em condições análogas às dos cônjuges, escreveu:

                        “Falando a lei em vida em comum, em condições análogas às dos cônjuges, o art. 2020º, não pode pois deixar de referir-se à comunhão more uxorio, em que o homem e a mulher vivem como se casados fossem, apenas com a diferença…de que o não são, ou seja, de que não estão vinculados pelo casamento. Mantendo essa diferença fundamental em relação à comunhão conjugal, a comunhão more uxorio é todavia materialmente e sociologicamente igual a ela, devendo, pois, a coabitação entre os sujeitos da relação compreender os três aspectos em que se desdobra o dever de coabitação no âmbito do matrimónio (art. 1672º): comunhão de leito, de mesa, e de habitação”

                        Como se afirma no Ac. desta Relação de 25/10/2011 (relatora Sílvia Pires), disponível em www.dgsi.pt, o que releva é que, embora não estando sujeitos a deveres nesse sentido, os unidos de facto adoptaram espontaneamente um modo de relacionamento que os faz cair numa situação “análoga à dos cônjuges”. Analogia que se estende a todas aquelas esferas que são denotadas quando a relação, tanto a conjugal como a de união de facto, é qualificada como de “vida em comum”. A união de facto não é uma pura e imaterializada “comunidade de afecto”. Ela corporiza-se em laços reais entretecidos por uma constante e duradoura entreajuda e comunhão de interesses, sem as quais não há união. O ser esta de facto não a diferencia, no plano da realidade relacional, de uma união juridicamente vinculada, pelo casamento.
                        Em consonância com este entendimento está o afirmado na sentença de que “a união de facto há-de ser uma relação entre duas pessoas que revista informalmente características próximas e similares das do casamento, e, portanto, pressupõe que as pessoas unidas em tal relação possuem interesse pessoal recíproco alimentado por alguma espécie de sentimento ou afectividade que as leva a concertar um modo de vida comum, a existirem um com o outro, a estarem disponíveis para se darem um ao outro pessoal, física e economicamente. Tal como as relações de casamento formal podem revestir as mais variadas características de co-existência das pessoas casadas, também as uniões de facto não têm de se reconduzir a um padrão único de relacionamento a dois, melhor dizendo a uma forma de relacionamento que deva reunir as características socialmente consideradas normais de uma relação uxória entre duas pessoas”.
                        Ora, da factualidade provada não é possível retirar essa união entre a Autora e o sinistrado com características próximas e similares do casamento.
                        O que se passava era que a vítima, que exercia a sua actividade profissional fora do local de residência da Autora- Bunheiro, Murtosa, quando estava neste partilhava casa, cama e mesa com a referida Autora, havendo uma clara relação afectiva, que se traduzia, nomeada e não exclusivamente, nos cuidados que o sinistrado tinha com a mãe do recorrente.
                        Só que essa relação afectiva não era desenvolvida exclusivamente com a Autora, já que o sinistrado mantinha um relacionamento amoroso com a outra Autora destes autos (que não interpôs recurso) E..., chegando a passar 8 dias de férias com esta, em 2010.
                        Ora  a consideração de “condições análogas aos dos cônjuges” não poderá deixar de incluir um dever de fidelidade, ínsito ao relacionamento conjugal, que condiciona e estimula a pessoa a desenvolver um relacionamento amoroso com uma única pessoa, em sociedades monogâmicas como a portuguesa. Se qualquer pessoa, embora partilhe cama, mesa e habitação com outrem, não se coíbe de ter uma relação de carácter amoroso com terceira pessoa, não vemos como tal circunstância seja compatível com o desenvolvimento de uma relação análoga ao do casamento, para o efeito que nos interessa.    
                        E ainda que se verificasse a tolerância ou expresso consentimento por parte da Autora – apelante quando a esta duplo relacionamento amoroso do sinistrado, tal comportamento deste, como se diz na sentença, não pode deixar de ser levado em conta no âmbito  de uma maior exigência na análise do relacionamento do sinistrado com a Autora A..., aqui recorrente.

                        Acresce que, e também como se acentua na decisão recorrida ”Já quanto a rendimentos e despesas nada se apurou, desconhecendo-se se, e em que medida, o sinistrado comparticipava em despesas e se havia partilha de rendimentos (o facto de a autora A... efectuar transferências ou depósitos, a pedido de C..., para pagamento da pensão de alimentos devida a D..., e o facto de nas ausências do sinistrado a mesma autora colaborar na vida da sua oficina, por si nada permitem concluir)”.

                        Assim, nada há que censurar à sentença recorrida, improcedendo, na sua totalidade, as conclusões do recurso.

                                                                       x

                        Decisão:

                        Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a sentença recorrida.

                        Custas pela Autora - recorrente, tendo-se em conta o reporte de valor fixado na sentença.

                                                           Ramalho Pinto (Relator)

                                                           Azevedo Mendes

                                                           Joaquim José Felizardo Paiva