Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
252/11.0T2AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: CESSÃO DE CRÉDITOS
CONDIÇÃO RESOLUTIVA
CLÁUSULA RESOLUTIVA
SOLIDARIEDADE PASSIVA
PRESTAÇÃO INSTANTÂNEA
PRESTAÇÃO DURADOURA
Data do Acordão: 02/19/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CBV JGIC JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 270, 276, 277, 434, 512, 513, 519 CC
Sumário: 1.- A condição resolutiva difere da cláusula resolutiva expressa: utilizando a parte a condição resolutiva o contrato torna-se automaticamente ineficaz com a verificação do evento futuro e incerto previsto na convenção; optando pela cláusula resolutiva a parte reserva-se o direito de, uma vez verificado o evento futuro e incerto nela previsto resolver a relação contratual mediante uma declaração unilateral receptícia.

2.- O art. 512º, nº 1, do CC, preceitua que a obrigação é solidária, do lado passivo, quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e este a todos libera, resultando a solidariedade dos devedores ou da lei ou da vontade das partes, como resulta do art. 513º do mesmo Código.

3.- Se ficar consignado num contrato de cessão de créditos que por causa do giro comercial de cada uma das RR/cedentes, resultante de venda de mercadorias à cedida, cada uma delas era credora desta última, em montantes determinados e autónomos um do outro, sendo o preço da cessão igualmente autónomo em relação a cada uma das cedentes, incluindo que o pagamento deste preço dependia de cada uma das cedentes passar a fornecer pescado à A./cessionária, não se divisa nenhuma solidariedade passiva convencional.

4.- As prestações debitórias podem classificar-se em instantâneas e duradouras. Diz-se instantânea a prestação a executar num só momento, extinguindo-se a correspondente obrigação com esse único acto isolado de satisfação do interesse do credor; em todos os restantes casos, quando se não circunscreva a uma actividade ou inactividade momentânea do devedor, mas a satisfação do interesse do credor se distenda no tempo, a prestação qualifica-se de duradoura.

5.- Nas prestações duradouras cabem, ainda, duas variantes fundamentais: as prestações divididas ou fraccionadas e as continuativas.

6.- Se o cumprimento se efectua por partes, em momentos temporais diferentes, a prestação diz-se dividida, fraccionada ou repartida (ex: o preço pago em prestações); considera-se continuativa, contínua ou de execução continuada a prestação que consiste numa actividade ou abstenção que se prolonga ininterruptamente, como conduta única, segundo os critérios da prática, durante um período mais ou menos longo (ex.: a maioria das prestações de facto negativo; a obrigação do depositário de guardar a coisa depositada; a obrigação do senhorio de assegurar ao inquilino, durante o prazo estabelecido, o uso e fruição do prédio arrendado); quando, todavia, em vez de uma única prestação a realizar por partes (prestação fraccionada), existam, posto que decorrentes de uma só relação obrigacional, diversas prestações a satisfazer periodicamente (ex.: a obrigação do inquilino de pagar a renda mensal ou anual) ou sem periodicidade, teremos as chamadas obrigações reiteradas, repetidas ou periódicas;

7.- A obrigação de pagamento do preço da cessão pelo cessionário aos cedentes, em prestações semanais, é uma obrigação fraccionada ou dividida, cuja resolução retroactiva não é afastada pelo art. 434º, nº 2, do CC, que proíbe, em regra, tal retroactividade em caso de contratos de execução continuada ou periódica.

Decisão Texto Integral: I – Relatório

1. O (…), S. A., com sede em Ílhavo, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma ordinária, contra SC (…) , S. L., com sede na Coruña, e SE (…), S. L., com sede na Coruña, Espanha, pedindo que se declare resolvido, por incumprimento das rés, o contrato de cessão de créditos celebrado com estas em 19 de Janeiro de 2010, condenando-as a devolverem-lhe tudo quanto tenham recebido por via daquele contrato, designadamente a SC... condenada a pagar-lhe a quantia de 16.828€ e a SE... condenada a pagar-lhe a quantia de 24.689,70€, acrescidas de juros de mora, à taxa supletiva de juros comercial, actualmente de 8%, desde a data de citação até efectivo e integral pagamento, tudo com custas pelas rés.

Alegou, em síntese, que celebrou com as rés um contrato, denominado de “cessão de crédito e reconhecimento de dívida”, mediante o qual adquiriu às rés a totalidade dos créditos que estas possuíam sobre a sociedade A (…) S.A., por preço igual ao dos créditos cedidos, e declarou ser devedora às mesmas do valor daqueles, nas respectivas proporções, que o pagamento do preço da cessão seria efectuado em prestações, tendo estabelecido uma condição resolutiva, designadamente que a obrigação da autora de proceder ao pagamento do preço da cessão e das prestações fixadas para a sua liquidação ficaria condicionada a que as rés passassem a fornecer-lhe, a partir da data da assinatura do contrato, as mercadorias dos seus comércios (peixe, marisco e seus derivados), em condições que em cada momento se estabeleçam entre as partes, sem que possam estabelecer preços, prazos de pagamento e condições inferiores às que oferecem a outros clientes. Porém, as rés deixaram de cumprir a sua obrigação de lhe fornecerem as mercadorias que lhes encomendou, passando a autora a ter um tratamento diferenciado, mais penalizador, relativamente outros clientes daquelas, razão pela qual lhes comunicou a resolução do contrato.

Contestaram as rés, refutando terem incumprido a obrigação de fornecimento de mercadorias, explicitando em que contexto atrasaram ou falharam as entregas de algumas encomendas, designadamente pelo facto de não terem o produto encomendado e de a ré SE... estar inactiva, concluindo pela improcedência da acção e consequente absolvição do pedido.

Replicou a autora, sustentando que se tivesse conhecimento de que a ré SE... não lhe poderia fornecer qualquer mercadoria e que, como tal, a fixação de um limite e prazo de crédito era fictício, não teria aceite o contrato porquanto daquele nenhum beneficio retiraria, sendo antes contrário aos seus interesses e à prossecução do seu objecto social, o que causa a nulidade do mesmo (por violação de preceitos legais imperativos) face à má-fé de que aquela ré estava imbuída. Terminou como na petição inicial, acrescentando agora o pedido de declaração de nulidade do contrato celebrado com a Ré SE....

*

A final foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, e, consequentemente, declarou resolvido o contrato junto por cópia a fls. 57 a 59, datado de 19 de Janeiro de 2010, condenando a ré SE (…), S. L., a devolver à autora a quantia de 24.689,70 €, absolvendo a ré SC (…) , S. L., do pedido.

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2. A R. SE (…) interpôs recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:

(…)

3. Não existem contra-alegações.

II – Factos Provados

1. - A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à transformação e comercialização de produtos alimentares. – al. A) dos factos assentes

2. - As sociedades Rés são sociedades de direito espanhol, que estão entre elas ligadas por partilharem instalações, sócios e o gerente, designadamente o Sr. (…). – al. B) dos factos assentes

3. - As sociedades Rés dedicam-se, entre outros, à comercialização, importação, exportação e transformação de peixe, crustáceos e moluscos. – al. C) dos factos assentes

4. - As Rés forneciam os seus produtos, no distrito de Aveiro e desde há já vários anos, à sociedade “A (…), S.A.”, sendo que, fruto de tal relação comercial, as Rés “ SC... (…), S. L.” e “SE (…), S. L.” eram credoras da aludida A (…)nas quantias de 61.670,32€ e de 84.926,29€, respectivamente. – al. D) dos factos assentes

5. - Porque a Autora tinha interesse em passar a ter as Rés como suas fornecedoras, passando estas a venderem-lhe, de forma contínua e estável, os produtos e mercadorias que até então eram por elas vendidos à sociedade A (…), celebraram, Autora, Rés e a aludida sociedade A (…) em 19 de Janeiro de 2010, um contrato que denominaram de “cessão de crédito e reconhecimento de dívida”, junto por cópia como documento n.º 1 da petição inicial, cujo teor se dá aqui por reproduzido. – al. E) dos factos assentes

6. - Como era aceite e reconhecido por todas as partes que outorgaram aquele contrato, a sociedade “A (…)” encontrava-se numa situação financeira muito debilitada, não possuindo meios que lhe permitissem efectuar o pagamento do crédito que Rés sobre ela possuíam, pelo que a cessão de créditos e o valor do crédito cedido e que por via da mesma Autora se obrigava a pagar às Rés funcionava, na prática, como que o pagamento de um direito de entrada para que a Autora pudesse começar a comercializar os produtos das Rés, nas condições constantes daquele contrato, seja em termos de limite ou plafond de crédito (que foi fixado contratualmente em 50.000€), seja em termos de preços, prazos de pagamento e demais condições. – al. F) dos factos assentes

7. - A Autora desde o início do contrato que efectuou o pagamento das prestações do preço dele constantes. – al. G) dos factos assentes

8. - A 2ª ré estava inactiva. – al. H) dos factos assentes

9. - A Autora, na sequência daquele contrato e no desenvolvimento das relações comerciais entre ela e a Ré SC..., fez a esta uma encomenda de mercadoria em 31 de Agosto de 2010, que aquela Ré aceitou e que deveria ser entregue na semana 42, isto é, na semana de 11 a 15 de Outubro de 2010. – al. I) dos factos assentes

10. - A autora interpelou a Ré “ SC...” por escrito, mediante correio electrónico que lhe enviou em 11 de Novembro de 2010, para que esta efectuasse a entrega da mercadoria que lhe havia sido encomendada em 31 de Agosto de 2010 até ao dia 17 de Novembro de 2010. – al. J) dos factos assentes

11. - Não tendo fornecido:

a) - Semana 37 (de 6 a 10 de Setembro):

32 caixas Polvo Marrocos 1,2/2 Kg

b) - Semana 42 (de II a 15 de Outubro):

54 caixas Polvo Marrocos 1,2/2 Kg

38 caixas Polvo Marrocos Va Kg

32 caixas Polvo Marrocos 4/5 Kg

15 caixas Polvo Marrocos 6/+ Kg; – al. L) dos factos assentes

12. - Em 17.11.2010, a autora reconheceu que havia erro de identificação relativo a: 1 palete / 64 caixas Polvo Marrocos 2/3 kg (semana 42). – al. M) dos factos assentes

13. - A mercadoria referida em L) não foi entregue por aquela Ré “ SC...” no prazo acordado; – resposta ao(s) quesito(s) 2º

14. - Os clientes da autora ameaçavam que iriam adquirir tais produtos junto de empresas concorrentes daquela; – resposta ao(s) quesito(s) 4º

15. - No dia 17 de Novembro de 2010, tendo em conta que a ré SC... não tinha até então dado qualquer resposta à comunicação efectuada por correio electrónico em 11 daquele mês de Novembro, a autora enviou-lhe nova comunicação, novamente por correio electrónico, alertando-a de que se não lhe fizessem a entrega da mercadoria até ao final daquele dia (17.11.2010), que iria ter que adquirir mercadoria igual junto de outros fornecedores; – resposta ao(s) quesito(s) 6º

16. - A Ré “ SC...” não entregou naquele dia 17 de Novembro de 2010 a mercadoria que a Autora lhe havia encomendado, começando por dizer que não possuía mercadoria, que só a podia entregar na semana seguinte e, mais tarde, informou que tinha a mercadoria mas que não tinha transporte; – resposta ao(s) quesito(s) 7º

17. - Tendo a Autora tido conhecimento de que existiam transportadoras que tinham disponibilidade para fazer aquele transporte, a Ré “ SC...” afirmou que não podia fazer o transporte em veículo próprio porque tinha baixas de pessoal; – resposta ao(s) quesito(s) 8º

18. - A Autora comunicou à ré “ SC...” a resolução do contrato, através de comunicação escrita datada de 18 de Novembro de 2010, junta por cópia como documento n.º 6 da petição inicial, cujo teor se dá aqui por reproduzido; – resposta ao(s) quesito(s) 9º

19. - A ré “ SC...” forneceu diversas quantidades de polvo congelado, pelo menos às sociedades “(…) no período que mediou o dia 11 de Outubro e 2010 e o dia 17 de Novembro de 2010; – resposta ao(s) quesito(s) 10º

20. - A Autora, em 18 de Novembro de 2010, enviou um fax à Ré “ SE...”, pedindo-lhe o preço (cotação) para o fornecimento de polvo, designadamente 2 paletes x 64 caixas de polvo 1,2/2kgs de Marrocos e 2 paletes x 64 caixas de polvo 4/5kgs de Marrocos, afirmando de forma expressa que tal mercadoria seria para entregar “até 4ª feira da próxima semana”, isto é, atenta a data do fax, até ao dia 24 de Novembro de 2010; – resposta ao(s) quesito(s) 11 e 12º

21. - A Ré “ SC...” respondeu nesse mesmo dia, fornecendo os respectivos preços; – resposta ao(s) quesito(s) 13º

22. - A Autora, naquele dia 18, efectuou a encomenda de 2 Paletes X 64 Cxs Polvo 1,2/2 Kgs Marrocos 4,30 €/Kg PL Escorrido e de 1 Palete X 64 Cxs Polvo 4/5 Kgs Marrocos 6,60 €/Kg PL Escorrido à Ré “ SE...”, mediante fax que lhe enviou; – resposta ao(s) quesito(s) 14º

23. - Nesse fax expressamente indicou que “esta encomenda tem que ser entregue na próxima 4ª feira dia 24/11/2010 até às 17:30 horas”; – resposta ao(s) quesito(s) 15º

24. - No dia 23 de Novembro, a Autora recebeu a informação da Ré “ SC...” de que não poderia efectuar a entrega da mercadoria no dia 24, mas que o poderia fazer no dia 25 de Novembro; – resposta ao(s) quesito(s) 16º

25. - A Autora de imediato confirmou que aceitaria a entrega da encomenda no dia 25 de Novembro, enviando um email, tendo salientado que “a factura tem que ser processada pela empresa SE...”; – resposta ao(s) quesito(s) 17º

26. - A Ré “ SE...” respondeu, por correio electrónico, que não podia facturar em seu nome, só o poderia fazer em nome da “ SC...”; – resposta ao(s) quesito(s) 18º

27. - A Autora reafirmou que não aceitaria qualquer encomenda proveniente da “ SC...”; – resposta ao(s) quesito(s) 19º

28. - A ré “ SC...” enviou, no dia 24 de Novembro de 2010, uma comunicação por correio electrónico à Autora reafirmando que apenas poderia efectuar o envio da mercadoria encomendada à Ré “ SE...” através da Ré SC... e de que, de acordo com o seu departamento jurídico, a obrigação constante do contrato de cessão de créditos celebrado seria solidária; – resposta ao(s) quesito(s) 20º

29. - A Autora respondeu àquela Ré “ SE...”, mediante fax que lhe enviou naquele dia 24 de Novembro de 2010, no qual lhe transmitiu que “cada uma daquelas sociedades ( SC... e SE...) tem obrigações próprias decorrentes do contrato não havendo solidariedade no cumprimento das suas obrigações”; – resposta ao(s) quesito(s) 21º

30. - Reafirmando a Autora àquela Ré que estava a aguardar o cumprimento da encomenda que lhe fizera para ser por esta ( SE...) entregue no dia 25.11.2010; – resposta ao(s) quesito(s) 22º

31. - No dia 25.11.2010 a Ré “ SE...” não fez entrega à Autora da referida comenda; – resposta ao(s) quesito(s) 23º

32. - Por essa razão a Autora enviou àquela Ré, em 26.11.2010, um novo fax, comunicando-lhe que “a entrega da encomenda que foi feita no dia 18/11 para ser entregue ontem quinta feira dia 15/11 não se verificou e como temos um compromisso para terça feira à primeira hora solicito que a referida encomenda seja entregue segunda feira dia 29/11 até às 17:30 horas”; – resposta ao(s) quesito(s) 24º

33. - No dia 29 de Novembro de 2010, a Ré “ SE...” não entregou à Autora as mercadorias que esta lhe tinha encomendado; – resposta ao(s) quesito(s) 25º

34. - A Autora comunicou à ré “ SE...” a resolução do contrato, através de comunicação escrita datada de 30 de Novembro de 2010, junta por cópia como documento n.º 15 da petição inicial, cujo teor se dá aqui por reproduzido; – resposta ao(s) quesito(s) 26º

35. - A ré “ SC...” forneceu à autora as seguintes mercadorias, nas facturas que ora se descriminam:

a) – 10E/307, de 06.09.2010, Semana 37;

32 caixas Pulpo Placa 1,2/2 “T” 6% - Octopus vulgaris-FAO 34/27

64 caixas Pulpo Placa 2/3 “T” 5% - Octopus vulgaris-FAO 34/27

64 caixas Pulpo Placa ¾ “T” 5% - Octopus vulgaris-FAO 34

b) – 10E/343, de 28.09.2010, Semana 40

128 caixas Pulpo Placa 1,2/2 “T” 6% - Octopus vulgaris-FAO 34/27

64 caixas Pulpo Placa 2/3 “T” 5% - Octopus vulgaris-FAO 34/27

c) – 10E/381, de 26.10.2010, Semana 44

64 caixas Pulpo Placa 1,2/2 “T” 6% - Octopus vulgaris-FAO 34/27

64 caixas Pulpo Placa 2/3 “T” 5% - Octopus vulgaris-FAO 34/27

26 caixas Pulpo Placa ¾ “T” 5% - Octopus vulgaris-FAO 34

17 caixas Pulpo Placa 6/+ “T” 4% - Octopus vulgaris-FAO 34; – resposta ao(s) quesito(s) 27º

36. - A ré “ SC...” procedeu pela forma descrita em L) por não possuir, na data prevista para os fornecimentos, a respectiva mercadoria em quantidade suficiente para fornecer a todos os clientes, uma vez que se trata de um produto natural – polvo de Marrocos –, com calibragens específicas que podem ou não estar disponíveis; – resposta ao(s) quesito(s) 29º

37. - A autora aceitou os fornecimentos que lhe foram efectuados em cada uma das referidas “semana 37”, com menos 1/2 palete ou 32 caixas, e “semana 44”, com atraso relativamente à semana 42 e com as faltas referidas, sem que tenha suscitado de imediato qualquer reclamação ou pedido de complemento das encomendas; – resposta ao(s) quesito(s) 30º

38. - Anteriormente aconteceu, por vezes, na relação comercial estabelecida entre as partes, não haver a totalidade do pescado encomendado para entrega; – resposta ao(s) quesito(s) 31º

39. - Nesse período de Setembro a Outubro, a Ré “ SC...” teve várias falhas de fornecimento a outros clientes portugueses; – resposta ao(s) quesito(s) 32º

40. - Era impossível à ré entregar a mercadoria referida em M) nessa mesma data (17.11.2010); – resposta ao(s) quesito(s) 34º

41. - A 1ª Ré (“ SC...”) conseguiu recolher o polvo peticionado pela A., tendo emitido o albarán CCE/16092 de 20.11.2010, a que corresponde a factura 10E/433, com o seguinte pescado:

64 caixas Pulpo Placa 1,2/2 “T” 6% - Octopus vulgaris-FAO 34/27

33 caixas Pulpo Placa ¾ “T” 5% - Octopus vulgaris-FAO 34

32 caixas Pulpo Placa 4/5 “T” 5% - Octopus vulgaris-FAO 34

22 caixas Pulpo Placa 6/+ “T” 4% - Octopus vulgaris-FAO 34; – resposta ao(s) quesito(s) 35º

42. - Tendo efectuado o respectivo transporte desde as suas instalações, na Corunha, com destino às instalações da Autora, em Ílhavo, no dia 22.11.2010; – resposta ao(s) quesito(s) 36º

43. - O qual foi recusado pela Autora, com o alegado fundamento de que pretendia o seu fornecimento pela 2ª Ré (“ SE...”), pelo que a 1ª Ré deu ordem para que o transporte para as instalações da autora fosse interrompido e a mercadoria fosse entregue a outros clientes; – resposta ao(s) quesito(s) 37º e 38º

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 685º-A, e 684º, nº 3, do CPC).

Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte.

- Resolução do contrato entre A. e Recorrente.

2. Na sentença recorrida escreveu-se que:

“Na petição inicial a autora pede que seja declarado resolvido, por incumprimento, o contrato denominado de “cessão de crédito e reconhecimento de dívida” celebrado com as rés e que estas sejam condenadas a devolverem-lhe tudo quanto tenham recebido por via do mesmo.

(…)

A autora, as rés e a sociedade “A (…)r” celebraram o “contrato de cessão de crédito e reconhecimento de dívida” junto por cópia a fls. 57 a 59 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido.

(…)

Conforme ficou, desde logo, assente por acordo, como era aceite e reconhecido por todas as partes que outorgaram o contrato em causa nos autos, a sociedade “A (…)r” encontrava-se numa situação financeira muito debilitada, não possuindo meios que lhe permitissem efectuar o pagamento do crédito que Rés sobre ela possuíam, pelo que a cessão de créditos e o valor do crédito cedido e que por via da mesma Autora se obrigava a pagar às Rés funcionava, na prática, como que o pagamento de um direito de entrada para que a Autora pudesse começar a comercializar os produtos das Rés, nas condições constantes daquele contrato, seja em termos de limite ou plafond de crédito (que foi fixado contratualmente em 50.000€), seja em termos de preços, prazos de pagamento e demais condições (alínea F) dos factos assentes).

Importa atentar, detalhadamente, na cláusula quarta do contrato, sob a epígrafe “Condição”, que passamos a transcrever na íntegra:

“1. A cessão aqui efectuada e, designadamente, a obrigação da O (…) proceder ao pagamento do respectivo preço referidos no ponto 3. da cláusula anterior, fica condicionada a que a PRIMEIRA e a SEGUNDA CONTRAENTE passem a fornecer-lhe, a partir da data da assinatura deste contrato, as mercadorias dos seus comércios (peixe, marisco e seus derivados), com prazos de pagamento a 75 dias em condições que em cada momento se estabeleçam entre as partes sem que a SC... (…) S.L e a SE (…), S.L. possam estabelecer preços e condições não inferiores às que oferecem a outros clientes;

Todavia a obrigação de fornecimento assumida pala SC (…), S.L. e pela SE (…) S.L. suspender-se-á se os montantes em débito, por parte de O (…) excederem 50.000€ (cinquenta mil euros)

2. No pressuposto de que seja incumprida a condição estabelecida no ponto anterior da presente cláusula e, como consequência, cessa a obrigação de pagamentos da O (…) entender-se-á que a cessão de créditos e reconhecimento de dívida não teve qualquer efeito, subsistindo, em condições e garantias idênticas às verificadas anteriormente à assinatura do presente contrato”.

A enunciada cláusula configura uma condição resolutiva.

Dispõe o art. 270º do Código Civil que “as partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo resolutiva”.

A condição resolutiva difere da cláusula resolutiva expressa – pressupondo ela a verificação de um evento futuro e incerto como requisito da constituição do direito potestativo de operar a resolução do contrato, para o efeito podem também as partes no âmbito da respectiva autonomia da vontade fixar aquele que relevará.

A respeito da respectiva estipulação, dizia Baptista Machado, in “Pressupostos da Resolução por Incumprimento, Obra Dispersa”, Vol. I, 184 e 185, ser a mesma compreensível “ (…) se nos lembrarmos de que, em certos contratos cuja execução pode demorar muito tempo depois da sua conclusão, qualquer das partes tenha receio de que a modificação das circunstâncias da sua vida, ou quaisquer outras modificações, incluindo perturbações no desenvolvimento do programa negocial ou na execução do contrato, possam tornar inconveniente ou até prejudicial o vínculo contraído. A parte hesitante ou preocupada quanto a tais eventualidades poderá então inserir no contrato uma condição resolutiva ou uma cláusula resolutiva. Utilizando a parte a primeira (a condição resolutiva), o contrato torna-se automaticamente ineficaz com a verificação do evento futuro e incerto previsto na convenção, mas, optando pela segunda (a cláusula resolutiva), reserva-se o direito de, uma vez verificado o evento futuro e incerto nela previsto, resolver a relação contratual mediante uma declaração unilateral receptícia“.

Em suma, se as partes subordinam o contrato a uma condição resolutiva, o vínculo extinguir-se-á automaticamente pela superveniência desse facto futuro e incerto ou pela certeza da sua não verificação; a resolução é automática e com eficácia retroactiva, mesmo em relação a terceiros (cfr. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Vol. II, 7ª ed., 278; Calvão da Silva, “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, 4ª ed., 324; Romano Martinez, “Da Cessação do Contrato”, 44 e 45).

O momento da verificação da condição será aquele em que se tiver realizado ou não realizado (no caso de condição negativa) o evento a que as partes subordinaram os efeitos do negócio.

Nos termos do art. 276º do Código Civil, os efeitos do preenchimento da condição retrotraem-se à data da conclusão do negócio, a não ser que, pela vontade das partes ou pela natureza do acto, hajam de ser reportados a outro momento.

Tendo em conta que a cláusula estipulando a condição resolutiva pode apresentar contornos distintos, com consequências diversas, deverá recorrer-se às regras gerais de interpretação dos negócios jurídicos (arts. 236º e ss. Do Código Civil) para determinar o respectivo sentido e alcance.

De entre os principais meios ou elementos de interpretação, deve referir-se, como ponto de partida, a letra do negócio, não devendo, contudo, o intérprete quedar-se pelo sentido dos termos ou cláusulas isoladamente apreciadas, mas atender ao conjunto ou totalidade da declaração, numa interpretação complexiva das cláusulas negociais (cfr. E. Santos Junior, Sobre a Teoria de Interpretação do Negócio Jurídico, 188 e segs.; cfr. também, Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 313 (nota 1) e Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 2ª ed., 448. Deve ponderar-se também a finalidade prática do negócio, o comportamento das partes, na fase pré-negocial (negociações preliminares) e pós-negocial (execução do próprio contrato), podendo revelar utilidade também as precedentes relações negociais entre as partes (cfr. acórdão da RP de 22.11.2007, in www.dgsi.pt).

No caso vertente, da conjugação dos factos provados atinentes à envolvência que conduziu à celebração do contrato em causa nos autos e do teor literal da enunciada cláusula resulta que as partes quiseram que a celebração do negócio ficasse subordinada a um acontecimento futuro e incerto, o qual, a verificar-se, implicaria a resolução do contrato, com a destruição dos efeitos negociais já verificados.

Fundamentalmente, as partes quiseram estipular que a obrigação da autora de proceder ao pagamento do preço da cessão de créditos e das respectivas prestações ficava condicionada a que:

a) as rés passassem a fornecer-lhe, a partir da data de assinatura do contrato, as mercadorias dos seus comércios;

b) os prazos de pagamento fossem a 75 dias, em condições que em cada momento se estabelecessem entre as partes;

c) as rés não pudessem estabelecer preços e condições não inferiores às que oferecem a outros clientes.

Daqui se extrai que, no que respeita à obrigação de fornecimento de mercadorias, não foram convencionadas quaisquer condições, designadamente prazos de entrega e quantidades. Quanto aos preços e prazos de pagamento é que se consignou que não poderiam ser em condições inferiores às que as rés oferecem a outros clientes, o que, aliás, se compreende uma vez que um dos elementos fundamentais de qualquer relação comercial é o preço e respectivas condições de pagamento (prazo e forma).

Ainda que assim se não interprete a aludida cláusula e se entenda que se visou também assegurar que as condições de fornecimento, em termos de quantidades e prazos de entrega das mercadorias, teriam que ser não inferiores às oferecidas a outros clientes das rés, a factualidade apurada também não é de molde a fazer operar a condição resolutiva relativamente à primeira ré, “ SC...”.

Com efeito, da conjugação dos factos provados resulta que, pese embora no que à ré “ SC...” diz respeito, não tenham sido entregues à autora todas as mercadorias por esta encomendadas e respeitados os prazos de entrega, tal se ficou a dever ao facto de aquela não possuir, na data prevista para os fornecimentos, a respectiva mercadoria em quantidade suficiente para fornecer a todos os clientes, uma vez que se trata de um produto natural, com calibragens específicas que podem ou não estar disponíveis, tendo nesse período (de Setembro a Outubro) havido várias falhas de fornecimento a outros clientes portugueses. Ademais, a autora aceitou os fornecimentos que lhe foram efectuados em cada uma das referidas “semana 37”, com menos 1/2 palete ou 32 caixas, e “semana 44”, com atraso relativamente à semana 42 e com as faltas referidas, sem que tenha suscitado de imediato qualquer reclamação ou pedido de complemento das encomendas, tendo anteriormente acontecido, por vezes, na relação comercial estabelecida entre as partes, não haver a totalidade do pescado encomendado para entrega.

Já no que respeita à 2ª ré, “S E (…)n”, conforme resulta do cotejo dos factos descritos sob os itens 20 a 31, esta não satisfez, de todo, a encomenda efectuada pela autora, tendo-se proposta a ré “ SC... (…)s” efectuá-la em sua substituição, em virtude de, segundo comunicou à autora, aquela não poder facturar e por entender, de acordo com o seu departamento jurídico, que a obrigação constante do contrato de cessão de créditos celebrado seria solidária.

Ora, analisado o contrato não se descortina que as obrigações assumidas pelas aqui rés revistam carácter solidário.

Ademais, segundo resultou, desde logo, assente, a ré “SE (…)” estava inactiva (cfr. al. H) dos factos assentes), pelo que estava objectiva e definitivamente impossibilitada de cumprir a obrigação de fornecimento de mercadorias que tinha assumido contratualmente e que constituía condição de eficácia do negócio.

A Autora, por seu turno, cumpriu as suas obrigações pois desde o início do contrato que efectuou o pagamento das prestações do preço constantes do contrato.

Neste contexto, relativamente à ré “SE (…)” mostra-se preenchida a condição resolutiva expressa na cláusula quarta pois aquela, por motivos que não são imputáveis à autora, não forneceu quaisquer das mercadorias por esta encomendadas.

A verificação da condição resolutiva implica, como vimos, a destruição automática do negócio, com eficácia retroactiva.

A autora transmitiu à ré “SE (…)”, através de comunicação escrita datada de 30 de Novembro de 2010, junta por cópia como documento n.º 15 da petição inicial, cujo teor se dá aqui por reproduzido, a resolução do negócio.

Sustentam as rés que a autora não pode invocar a resolução do contrato porque já não pode devolver à primeira ré todo o pescado que esta lhe forneceu, desde a celebração, em Janeiro de 2010, até 26 de Outubro do mesmo ano e que o n.º 2 da cláusula quarta afirma apenas que “…cessa a obrigação de pagamento da O (…)…”, não afirmando em parte alguma que tem que a haver lugar à devolução das quantias entretanto recebidas, nem tal se pode concluir da disposição “…entender-se-á que a cessão de créditos e reconhecimento de dívida não teve quaisquer efeitos….” pois, tratando-se de um contrato de execução continuada ou periódica, não teria eficácia retroactiva.

A causa de pedir na presente acção reconduz-se à verificação da condição resolutiva a que foi subordinado o contrato celebrado entre a autora e as rés, e não à resolução nos termos do art. 432º e ss. do Código Civil.

O enquadramento jurídico dado pela autora à sua pretensão mereceu o acolhimento do Tribunal, razão pela qual ficam prejudicados os argumentos aduzidos pelas rés. Na verdade apenas a questão referente à circunstância de o contrato em análise ser de execução continuada ou periódica relevaria para o caso, atento o preceituado no art. 277º, n.º 1, do Código Civil. Todavia, e salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos que o contrato é de execução instantânea, pelo que também nessa parte falece razão às rés.

Salienta-se ainda que apesar da redacção algo equívoca da condição resolutiva, designadamente o segmento em que refere que, como consequência do incumprimento da condição estabelecida no ponto anterior, “cessa a obrigação de pagamento da O (…)”, logo a seguir esclarece-se que “entender-se-á que a cessão de créditos e reconhecimento de dívida não teve qualquer efeito, subsistindo em condições e garantias idênticas às verificadas anteriormente à assinatura do presente contrato”.

Face a este último segmento é patente que a retroactividade não contraria a vontade das partes ou a finalidade da condição resolutiva, sendo precisamente isso que se pretendeu convencionar.

Deste modo, procede a pretensão da autora de ver resolvido o contrato celebrado e a ré “SE (…) condenada a devolver-lhe o valor global (24.689,70 €) que lhe entregou por conta do contrato – valor esse que não foi impugnado –, acrescido de juros de mora, à taxa supletiva para os créditos das empresas comerciais sucessivamente em vigor, desde a citação até integral pagamento” – fim de transcrição.

O discurso jurídico e argumentação compreensiva da decisão impugnada é acertado, com excepção de um ponto – que adiante especificaremos, mas que não interfere na solução encontrada - não podendo a decisão ser revogada, como pretende a recorrente.

Esta levanta 6 objecções, mas nenhuma colhe no nosso entendimento, como nos propomos demonstrar.

Mas antes de prosseguir convém lembrar que no dito contrato, dado por reproduzido no facto provado 5., celebrado em 19.1.2010, a A. e as RR, considerando que a firma A(…)era devedora às rés, por via do giro comercial destas, das quantias de 61.670,32 € à ré SC... (…) e de 84.926,29 € à ré SE (…), acordaram em que estas cediam os seus créditos sobre a indicada A (…) à A., por preço igual ao dos créditos cedidos, mais juros, e que o pagamento do referido preço seria efectuado em 130 prestações semanais, a vencer, a 1ª em 22.1.2010 e a última em 20.7.2012 conforme cláusulas 2ª e 3ª, nº 1 a 3 do mesmo contrato.

A primeira objecção da recorrente é que as obrigações das RR de fornecimento de pescado à A. das RR eram solidárias, pelo que eximida a 1ª R. de qualquer responsabilidade, como se concluiu na sentença recorrida, também devia ficar eximida a 2ª R.

O art. 512º, nº 1, do CC, preceitua que a obrigação é solidária quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e este a todos libera, resultando a solidariedade dos devedores ou da lei ou da vontade das partes, como resulta do art. 513º do mesmo código.

Excluindo, obviamente a lei, não vemos como no caso concreto a obrigação de fornecimento de pescado à A. fosse solidária, do lado passivo, em relação às RR, por vontade das partes.

Na verdade consignou-se no aludido contrato de cessão de créditos que por causa do giro comercial de cada uma das RR, resultante de venda de mercadorias à Alvesmar, cada uma delas era credora desta última, em montantes determinados e autónomos um do outro, sendo o preço da cessão igualmente autónomo em relação a cada uma das cedentes. Aliás o pagamento deste preço dependia de cada uma das cedentes passar a fornecer pescado à A./cessionária, como decorre da transcrita cláusula contratual 4ª, nº 1. Não vemos, por isso, onde é que as partes voluntariamente estabeleceram tal solidariedade, designadamente que a A. fazendo uma encomenda à 1ª R. pudesse depois exigir a entrega do pescado à 2ª R., e vice-versa, como seria o caso se as obrigações fossem verdadeiramente solidárias, e resulta do art. 519º, nº 1, do CC, ao dispor que o credor tem o direito de exigir de qualquer dos devedores toda a prestação, ou parte dela, ficando todos os devedores liberados.

A segunda objecção da apelante tem a ver, também, com a mencionada solidariedade. Invoca que a prova dessa solidariedade reside no facto dela apelante estar inactiva (facto provado 8.), o que era do conhecimento da A.

De maneira nenhuma. Esse facto aparece alegado pela apelante/2ª R. no art. 47º da sua contestação, na sequência do que previamente afirmara a propósito de um fornecimento da 1ª R., tentado entregar por esta à A. e pela mesma recusado em Novembro de 2010. E assim passou tal inactividade, como facto, para a matéria assente. Mas a apelante não afirmou desde quando estava inactiva. Antes da feitura do aludido contrato de cessão de créditos de Janeiro de 2010 não faz sentido, pois nesse caso não se compreendia que tivesse assinado tal contrato e se comprometesse a fornecer à A. as mercadorias do seu comércio de peixe a partir da data da assinatura do contrato, como consta da aludida cláusula contratual 4º, nº 1. Terá a apelante entrado em inactividade depois da celebração do contrato ? Não sabemos. ´

O que sabemos é que a recorrente está completamente equivocada quando afirma que a A. sabia que ela estava inactiva. Na verdade alegou tal facto, no dito art. 47º da contestação, facto que foi levado à base instrutória sob o art. 39º e que obteve a resposta de não provado (vide despacho de resposta à matéria de facto a fls. 147/151). Torna-se, pois inexplicável onde foi a recorrente basear tal afirmação.

A terceira objecção da apelante tem a ver, mais uma vez, com a mencionada solidariedade. Invoca que a prova dessa solidariedade assenta no facto de ter sido sempre a 1ª R. que efectivou todos os fornecimentos de pescado à A.  

Contudo, corrido o acervo de factos provados não se encontra comprovado tal facto, pelo que é uma afirmação destituída de fundamento.    

A quarta objecção da apelante reporta-se à importância dos factos provados 41. a 43., demonstrativos que a atitude da A. é que foi ilegítima.

Bom, tais factos dizem respeito à 1ª R. e ao incumprimento da obrigação da mesma em entregar o pescado solicitado pela A. em 17.11.2010 (vide factos provados 15. e 16. e correlacionada explicação e cronologia dos acontecimentos invocado pelas RR na sua contestação, nos arts. 29º, 31º a 35º).

Ora tal matéria, respeitando à 1ª R. que foi absolvida, nada tem a ver com a 2ª R./apelante, pelo que o seu chamamento à colação, para isentar de responsabilidade a ora recorrente, revela-se desfasada e infundada.

A quinta objecção prende-se com o disposto no art. 432º, nº 2, do CC, que dispõe que a parte que por circunstâncias não imputáveis ao outro contraente não estiver em condições de restituir o que houver recebido não tem o direito de resolver o contrato, porquanto, diz a apelante, a A. não está em condições de restituir o pescado que recebeu da 1ª R. Mais uma vez a apelante/2ª R. tenta confundir-se com aquela R. Desta sorte, tal argumento jurídico arguido pela ora recorrente, mais uma vez, se mostra desenquadrado.

Por outro lado, como justamente assinalado na decisão recorrida, a condição resolutiva gera automaticamente a resolução do contrato, apenas havendo que verificar os seus efeitos. Não tendo a ver, não equivalendo, à possibilidade ou vontade de resolução fundada na lei ou em convenção das partes, como estabelece o art. 434º, nº 1, do CC.

Independentemente disso torna-se difícil de compreender tal argumento ! De facto a resolução do contrato de cessão de créditos é alheia à causa do mesmo, aos fornecimentos ou compras e vendas, em si, efectivamente feitos pela 1ª R. à A. Acaso tais fornecimentos ou compras e vendas, isoladas, repetidas ou periódicas, como previsto na citada cláusula 4ª, nº 1, foram objecto de alguma resolução entre as partes ? Ou acaso não foram pagos pela A. ? Se tais fornecimentos/compras e vendas foram efectuados e foram pagos pela A. valem por si. O citado 434º, nº 2, só teria plena aplicação se a A. quisesse considerar resolvido contrato(s) de fornecimento de peixe e pretendesse receber as quantias que pagou pelo mesmo(s) e não estivesse em condições de devolver o pescado. O que não é o nosso caso, não se verificando tal obstáculo legal erguido pela apelante.

Por fim, na sexta objecção a recorrente esgrime com a impossibilidade de ser obrigada a restituir as quantias recebidas da A. pelo facto de o contrato em análise ser de execução continuada ou periódica, pelo que face ao estatuído no art. 434º, nº 2, a resolução não era retroactiva.

Na sentença recorrida concluiu-se acertadamente que a dita cláusula 4ª significava a existência de uma condição resolutiva, o que, aliás, merece a concordância da recorrente. E disse-se, também, correctamente que os efeitos do preenchimento da condição eram retroactivos, à data da celebração do contrato de crédito, nos termos do princípio geral estipulado no art. 276º, 1ª parte, do CC, dando-se por não preenchida a excepção prevista na 2ª parte do mesmo preceito, que permite que as partes estipulem a não retroactividade ou uma retroactividade limitada a outro momento ou que contempla que a não retroactividade pode resultar da natureza do próprio acto, como resulta da seguinte passagem “Salienta-se ainda que apesar da redacção algo equívoca da condição resolutiva, designadamente o segmento em que refere que, como consequência do incumprimento da condição estabelecida no ponto anterior, “cessa a obrigação de pagamento da O (…)”, logo a seguir esclarece-se que “entender-se-á que a cessão de créditos e reconhecimento de dívida não teve qualquer efeito, subsistindo em condições e garantias idênticas às verificadas anteriormente à assinatura do presente contrato”.

Face a este último segmento é patente que a retroactividade não contraria a vontade das partes ou a finalidade da condição resolutiva, sendo precisamente isso que se pretendeu convencionar“. Interpretação e raciocínio não merecedores de qualquer censura. 

Igualmente se afastou a não retroactividade, prevista nos termos conjugados dos arts. 277º, nº 1, e 434º, nº 2, do CC, - “Nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efectuadas, excepto se entre estas e a causa da resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas” - caso a condição resolutiva seja aposta a um contrato de execução continuada ou periódica, por se ter considerado na dita sentença que o contrato em apreço era de execução instantânea.

Ensina o Prof. Almeida Costa, D. Obrigações, 6ª Ed., págs. 593/594, que tomando por base o critério da maneira como se realizam temporalmente, as prestações debitórias podem classificar-se em instantâneas e duradouras.

Diz-se instantânea a prestação a executar num só momento, extinguindo-se a correspondente obrigação com esse único acto isolado de satisfação do interesse do credor (ex.: a entrega de determinada quantia ou coisa; a emissão de declaração de vontade negocial; não impedir a passagem de uma pessoa num certo dia e hora).

Em todos os restantes casos, quando se não circunscreva a uma actividade ou inactividade momentânea do devedor, mas a satisfação do interesse do credor se distenda no tempo, a prestação qualifica-se de duradoura. Neste conceito cabem ainda duas variantes fundamentais: as prestações divididas ou fraccionadas e as continuativas.

Se o cumprimento se efectua por partes, em momentos temporais diferentes, a prestação diz-se dividida, fraccionada ou repartida (ex: o preço pago em prestações), podendo ou não mediar intervalos certos entre os actos sucessivos de cumprimento.

Considera-se continuativa, contínua ou de execução continuada a prestação que consiste numa actividade ou abstenção que se prolonga ininterruptamente – como conduta única, segundo os critérios da prática – durante um período mais ou menos longo (ex.: a maioria das prestações de facto negativo; a obrigação do depositário de guardar a coisa depositada; a obrigação do senhorio de assegurar ao inquilino, durante o prazo estabelecido, o uso e fruição do prédio arrendado).

Quando, todavia, em vez de uma única prestação a realizar por partes (prestação fraccionada), existam – posto que decorrentes de uma só relação obrigacional – diversas prestações (isto é, prestações repetidas) a satisfazer periodicamente (ex.: a obrigação do inquilino de pagar a renda mensal ou anual) ou sem periodicidade (ex.: a obrigação de fazer reparações em determinada coisa, à medida que sejam necessárias), teremos as chamadas obrigações reiteradas, repetidas ou periódicas – no mesmo sentido conferir A. Varela, D. Obrigações, Vol.I, 2ª Ed., págs. 77/80.

Partindo destes ensinamentos, podemos extrair que o pagamento a prestações do preço da cessão não é uma obrigação instantânea, como dito na decisão recorrida, mas também não é uma obrigação de execução continuada ou uma obrigação periódica ou reiterada. Sendo antes uma obrigação fraccionada ou repartida, inexistindo, assim, o obstáculo legal previsto no citado art. 434º, nº 2, do CC, à retroactividade decretada na decisão recorrida.

Não procede, consequentemente, o recurso.       

3. Sumariando (art. 713º, nº 7, do CPC):

i) A condição resolutiva difere da cláusula resolutiva expressa: utilizando a parte a condição resolutiva o contrato torna-se automaticamente ineficaz com a verificação do evento futuro e incerto previsto na convenção; optando pela cláusula resolutiva a parte reserva-se o direito de, uma vez verificado o evento futuro e incerto nela previsto resolver a relação contratual mediante uma declaração unilateral receptícia;

ii) O art. 512º, nº 1, do CC, preceitua que a obrigação é solidária, do lado passivo, quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e este a todos libera, resultando a solidariedade dos devedores ou da lei ou da vontade das partes, como resulta do art. 513º do mesmo código;

iii) Se ficar consignado num contrato de cessão de créditos que por causa do giro comercial de cada uma das RR/cedentes, resultante de venda de mercadorias à cedida, cada uma delas era credora desta última, em montantes determinados e autónomos um do outro, sendo o preço da cessão igualmente autónomo em relação a cada uma das cedentes, incluindo que o pagamento deste preço dependia de cada uma das cedentes passar a fornecer pescado à A./cessionária, não se divisa nenhuma solidariedade passiva convencional;

iv) As prestações debitórias podem classificar-se em instantâneas e duradouras.

Diz-se instantânea a prestação a executar num só momento, extinguindo-se a correspondente obrigação com esse único acto isolado de satisfação do interesse do credor; em todos os restantes casos, quando se não circunscreva a uma actividade ou inactividade momentânea do devedor, mas a satisfação do interesse do credor se distenda no tempo, a prestação qualifica-se de duradoura.

v) Neste conceito cabem, ainda, duas variantes fundamentais: as prestações divididas ou fraccionadas e as continuativas.

Se o cumprimento se efectua por partes, em momentos temporais diferentes, a prestação diz-se dividida, fraccionada ou repartida (ex: o preço pago em prestações); considera-se continuativa, contínua ou de execução continuada a prestação que consiste numa actividade ou abstenção que se prolonga ininterruptamente, como conduta única, segundo os critérios da prática, durante um período mais ou menos longo (ex.: a maioria das prestações de facto negativo; a obrigação do depositário de guardar a coisa depositada; a obrigação do senhorio de assegurar ao inquilino, durante o prazo estabelecido, o uso e fruição do prédio arrendado); quando, todavia, em vez de uma única prestação a realizar por partes (prestação fraccionada), existam, posto que decorrentes de uma só relação obrigacional, diversas prestações a satisfazer periodicamente (ex.: a obrigação do inquilino de pagar a renda mensal ou anual) ou sem periodicidade, teremos as chamadas obrigações reiteradas, repetidas ou periódicas;

vi) A obrigação de pagamento do preço da cessão pelo cessionário aos cedentes, em prestações semanais, é uma obrigação fraccionada ou dividida, cuja resolução retroactiva não é afastada pelo art. 434º, nº 2, do CC, que proíbe, em regra, tal retroactividade em caso de contratos de execução continuada ou periódica.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.  

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Custas pela recorrente.

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 Moreira do Carmo ( Relator )

Alberto Ruço

Fernando Monteiro