Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
100/14.0T8LMG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA CATARINA GONÇALVES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
CULPA
RESPONSABILIDADE PELO RISCO
PERDA TOTAL
PERDA DE VEÍCULO
VALOR VENAL
Data do Acordão: 03/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - LAMEGO - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 41º, Nº1, DO DL 291/2007 E ART. 562º DO CC
Sumário: I – A circunstância de o autor basear a sua pretensão de indemnização dos danos sofridos em consequência de acidente de viação na culpa do condutor de um dos veículos não obsta a que, não sendo demonstrada a culpa, tal pretensão possa proceder com base na responsabilidade pelo risco, por se dever ter por implícito ou presumido que também pretendia a responsabilização nesses termos caso não se provasse a culpa.

II – O critério estabelecido no art. 41º, nº1, do DL 291/2007 – para apurar os casos em que há perda total do veículo – releva apenas para efeitos de formulação de uma proposta razoável com vista à regularização dos sinistros e não para efeitos de apuramento, em sede judicial, do valor da indemnização devida pelos danos causados no veículo.

III – A questão de saber se a reparação é (ou não) excessivamente onerosa não pode ser resolvida com base no critério matemático que está estabelecido no citado art. 41º e com base na mera circunstância de o valor da reparação exceder o valor venal do veículo; tal questão terá que ser resolvida casuisticamente com a devida ponderação das circunstâncias concretas do caso e dos interesses do lesado, tendo presente a ideia de que a reconstituição natural apenas pode e deve considerar-se excessivamente onerosa para o devedor quando houver manifesta desproporção entre o interesse do lesado, que importa recompor, e o custo que a reparação natural envolve para o responsável.

IV – A mera circunstância de o custo da reparação do veículo ser de 15.206,92€ e o respectivo valor venal ser de 14.000,00€ é insuficiente para concluir que a reparação é excessivamente onerosa.

V – Para que se possa falar em dano ou prejuízo da privação do uso de um veículo, será necessário, pelo menos, que se demonstre que o proprietário/lesado o usava normalmente (ou usaria se não fosse o acto lesivo), que dele retirava (ou retiraria se tivesse a sua disponibilidade) as utilidades que lhe são próprias e que deixou de poder usá-lo, em virtude da privação ilícita.

VI – Estando demonstrado que o lesado usava o veículo nas suas deslocações, deverá entender-se que – no contexto social em que o uso e a disponibilidade de um veículo automóvel estão vulgarizados e se mostram essenciais ao nosso quotidiano – a privação do respectivo uso representará sempre, no mínimo, um dano de natureza não patrimonial cuja relevância justifica a tutela do direito – por representar, por regra, incómodos e limitação relevantes – e que, como tal, deverá ser indemnizado, com recurso à equidade, tendo em conta o tipo e a frequência da utilização que era dada ao veículo e a maior ou menor gravidade dos incómodos e das limitações decorrentes dessa privação.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

A... , residente na (...) , Frende, instaurou a presente acção contra B... – Companhia de Seguros, S.A., com sede no (...) , Lisboa, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de 19.468,56€, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação e até pagamento.

Fundamenta o seu pedido num acidente de viação ocorrido em 21/10/2013 entre um veículo de sua propriedade e um veículo seguro na Ré, alegando que tal acidente ocorreu por culpa exclusiva do condutor deste último veículo e que, em consequência do mesmo, sofreu danos no valor de 19.468,56€ (valor necessário para efectuar a reparação do veículo, privação do uso do veículo pelo período de 207 dias e despesas com a inspecção e levantamento da apreensão do documento único automóvel).

A Ré contestou, impugnando os factos alegados no que respeita às circunstâncias do acidente e alegando que o mesmo ocorreu por culpa do Autor. Impugna também os danos peticionados, sustentando que o valor da reparação ultrapassava em 120% o valor do veículo, razão pela qual a indemnização nunca poderia ser superior a 8.000,00€, já que o veículo valia 14.000,00€ e o valor dos salvados era de 6.000,00€. Mais alega que, por se tratar de perda total, não há lugar a indemnização pela privação do uso do veículo e a ser devida tal indemnização ela apenas poderia abranger o período decorrido desde a data do acidente até 05/11/2013 (data da comunicação ao Autor a declinar responsabilidade pelo acidente).

Conclui pela improcedência da acção.

Foi proferido despacho saneador, foi fixado o objecto do litígio e foram delimitados os factos já assentes e os temas da prova.

Cumpridos os demais trâmites legais, foi realizada a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu a Ré do pedido.

Inconformado, o Autor veio interpor o presente recurso e, depois de ser convidado a proceder à sua sintetização, veio formular as seguintes conclusões:

1ª - Dão-se aqui por reproduzidos os factos dados como provados na sentença e que acima ficaram transcritos no ponto II – nº 1 das alegações;

2ª - A sentença recorrida considerou não provados os factos que acima ficaram transcritos no ponto II – nº 2 das alegações, que aqui se dão por reproduzidos;

3ª - Entende o recorrente - como passará a demonstrar - que a matéria de facto dada como provada e não provada o foi por forma contraditória com a prova produzida, tendo o tribunal "a quo '' valorado de modo flagrantemente deficiente a prova produzida, considerando até, simultaneamente, como provados e não provados os mesmos factos e factos contraditórios;

4ª - Foi junta aos autos, como doc. nº 2, com a contestação a participação policial do sinistro rodoviário;

5ª - É certo que a mesma não foi elaborada à escala - o que se aceita, perante o que na mesma se refere:

"Nota: esboço não se encontra elaborado à escala";

6ª - Tal como o tribunal "a quo'" considerou na fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto o auto de notícia foi elaborado de "forma absolutamente isenta", tendo por base o que o guarda participante constatou após chegar ao local do sinistro, as declarações prestadas pelos intervenientes e a posição em que os veículos estavam imobilizados e os respectivos danos e as características da via;

7ª - Desde logo, o tribunal “a quo" deu como não provado sob a alínea a) que:

"No troço da reta são visíveis marcas rodoviárias longitudinais descontínuas";

8ª - Ora, tais marcas vêm assinaladas no "croquis" que faz parte integrante da participação policial, não tendo sido minimamente postas em causa pela demais prova produzida, antes tendo sido confirmada a sua existência;

9ª - Devendo, deste modo, ser correspondentemente modificada a resposta de não provado constante da alínea a) da sentença por forma a que tal facto passe a constar dos factos provados;

10ª - Por outro lado, foi sob a alínea g) dos factos dados como não provados na sentença julgado não provado o seguinte facto:

"O embate ocorreu 2,50 metros antes do enfiamento para o caminho particular referido na alínea I dos factos assentes";

11ª - Resulta inequivocamente da prova produzida que o embate entre os veículos ocorreu antes do enfiamento para o caminho particular referido em I) seguramente mais de 2,50 metros como se passará a demonstrar;

12ª - Desde logo, embora seja verdade que o "croquis" não foi elaborado à escala, o certo é que o local do embate é no mesmo assinalado antes do enfiamento do entroncamento referido em I) dos factos provados;

13ª - Mais resulta do "croquis" que a medida b) aí assinalada de 2 metros é efectuada na perpendicular entre o local do embate e o limite do passeio/berma do lado esquerdo, atento o sentido de marcha dos veículos (Resende - Lamego) num local anterior ao enfiamento do entroncamento referido em I) dos factos assentes;

14ª - Como consta da legenda anexa ao "croquis", foi o:

"local do embate indicado por ambos os condutores.";

15ª - Tal é confirmado no depoimento prestado pelo guarda participante do sinistro G... , o qual se encontra gravado no sistema integrado de gravação digital no CD-R n° 74, com início da gravação no contador nº 12 :28 :07 e fim no contador nº 15:00:27, aí se ouvindo:

"(...)

Mandatário da Ré: diz que o "croquis" não se encontra à escala real, que foi indicado pelos condutores. A que se refere a letra B referenciada no "croquis"?

Testemunha: refere-se ao local do embate indicado pelos dois condutores, sentido Resende - Lamego, do lado esquerdo

(, )'" .. ,

16ª - Acresce ainda salientar que o guarda participante procedeu à medição de 9 metros entre o poste de iluminação pública situado à esquina do lado nascente da embocadura do entroncamento referido em I) dos factos assentes na E.N. nº 222 encostado ao muro de vedação do logradouro do prédio com o número de polícia 366 e o local da colisão na circunstância indicado por ambos os condutores;

17ª- Das fotografias juntas aos autos e, em particular, da que constitui o doc. nº 5 junto com a p.i. resulta a confirmação da referida localização do poste de iluminação pública que serviu de referência no "croquis";

18ª - Tal medição é naturalmente oblíqua em relação à via;

19ª - Sabemos, no entanto, que como refere a testemunha C... no seu depoimento que se encontra gravado no referido CD-R nº 74 com início da gravação no contador nº 15:02:05 e fim no contador nº 15:42:15, referindo-se à largura do caminho particular para onde pretendia dirigir o veículo que conduzia:

"(...)

Mandatário do A.: sabe se os veículos se cruzam ou passa um de cada vez?

Testemunha: acho que há dificuldade em cruzarem-se dois veículos.

(...)".,

20ª - Sabemos ainda que de acordo com o depoimento prestado pela testemunha F... , perito da Ré, que se encontra gravado no referido CD-R nº 74, com início da gravação no contador nº 16:18: 10 e fim no contador n° 16:51.34:

"(...)

Mandatário do A.: diga-nos uma coisa, qual era a largura do caminho de acesso para onde o jeep pretendia dirigir-se?

Testemunha: creio que andava na ordem dos 3 m e qualquer coisa, não chega aos 3,50 m.

Mandatário do A.: portanto dois carros cruzam-se com dificuldade.  

(…)",.

21ª - Por outro lado, foi dado como provado sob o ponto 16 na sentença o facto assente K, com a seguinte redacção:

"16. Entre a faixa de rodagem da referida via e os prédios situados do lado esquerdo, atento o sentido de marcha Resende - Lamego, existia uma berma empedrada com 2,40 metros de largura.";

22ª - Ora, ensina-nos o teorema de Pitágoras que "a soma dos quadrados dos catetos é igual ao quadrado de hipotenusa";

23ª - Ou seja, aplicando ao caso concreto: se a hipotenusa tem 9 metros e um dos catetos 4,40 metros (2,40 metros de largura da berma + 2 metros de distância da berma ao local da colisão), então o outro cateto mede necessariamente 7,85 metros, muito mais do que a largura do caminho particular referido em I dos factos assentes (facto provado nº 10 na sentença);

24ª - Daí que a colisão entre os veículos, segura e necessariamente, só pode ter ocorrido mais de 2,50 metros antes do enfiamento da margem do lado poente (lado de Resende) do caminho particular na E.N. nº 222;

25 ª - Devendo, em consequência, ser eliminada a alínea G) da relação dos factos dados como não provados na sentença passando a constar da relação dos factos provados o seguinte facto:

"O embate ocorreu pelo menos 4,35 metros antes do enfiamento do caminho particular referido em I) na E.N. nº 222, atento o sentido de marcha Resende - Lamego.";

26ª –Esta conclusão faz desacreditar em absoluto o depoimento prestado pela testemunha C... , condutor do veículo seguro na Ré, na medida em que o mesmo diz que o embate ocorreu defronte ao entroncamento referido quando o jipe que conduzia se encontrava já em posição perpendicular em relação à via a entrar no referido caminho particular, depoimento acolhido - mal - pelo tribunal "a quo" na decisão sobre a matéria de facto atinente à dinâmica do sinistro;

27ª -Sob o ponto 25 dos factos provados na sentença lê-se:

"25. Quando o veículo Opel já estava perpendicular à via e a ocupar a totalidade da hemifaixa de rodagem contrária foi embatido pelo veículo Porsche.";

28ª - Embora, contraditoriamente, se dê como provado nos pontos 26 e 27 o seguinte:

"26. Vindo a colidir lateralmente com o mesmo [facto assente Q)].

27. O embate verificou-se entre a zona do guarda-lamas e pneu dianteiro direito do Porsche e a lateral esquerda do Opel desde o pneu traseiro desse lado até à zona do guarda-lamas dianteiro [facto assente R)].":

29ª - Factos estes, aliás, aceites pelas partes e constantes já da alínea Q) dos factos assentes;

30ª – O guarda participante refere no início da página 3 da participação policial que elaborou ter-se tratado de:

" .... colisão lateral…. ";

31ª - A colisão nunca poderia ter ocorrido quando o veículo seguro na Ré já se encontrava perpendicularmente à via, atravessado na frente do veículo do A. que o ultrapassava;

32ª - Se o Opel tivesse sido embatido pelo Porsche nessa posição, inicialmente na sua roda traseira do lado esquerdo, e o Porsche fosse conduzido a mais de 50 km/h, necessariamente decorre da física que o Opel teria rodado de traseira para a direita ficando com a dianteira voltada para Resende (poente);

33ª - E, nunca os veículos teriam prosseguido, lado a lado, até se imobilizarem contra o muro existente do lado esquerdo logo após o entroncamento, como decorre das regras básicas da física e da experiência comum;

34ª- Deste modo, terá ser considerada como não provada a matéria de facto dada como provada no ponto 25 dos factos dados como provados na sentença;

35ª - Acresce que, como decorre do seu próprio depoimento, tal testemunha condutor do veículo seguro na Ré, tinha interesse no desfecho da presente acção:

"(… )

Mandatário do A.: tem uma acção contra a seguradora do Porsche?

Testemunha: tenho sim……

(...),".

36ª – As declarações de parte do A., ao invés do referido na sentença e contrariamente ao depoimento do condutor do veículo seguro na Ré, são conformes à demais prova produzida e, em particular, os registos efectuados na participação policial do sinistro e ao depoimento da testemunha E... , vizinho do A. que seguia como passageiro no carro da testemunha D... que, após o acidente prosseguiu a marcha, depoimento esse que consta gravado no CD-R nº 74 com início da gravação no contador nº 127:05:42 e fim no contador n° 12:32.06 e está transcrita em anexo;

37ª - As declarações de parte prestadas pelo A. A... são absolutamente conformes com os registos constantes da participação policial;

38ª - Devendo ser ainda dados como não provados os factos nºs 21, 22, 23, 29 e 30 na sentença, devendo passar a constar dos factos provados os que o tribunal "a quo" na sentença recorrida decreta - mal - como não provados sob as alíneas:

B) Ao chegar ao início da reta o condutor do veículo Porsche iniciou manobra de ultrapassagem do veículo Opel (tema de prova nº 7);

C) Previamente acionou e manteve acionados os dispositivos luminosos de pisca do lado esquerdo do veículo (tema de prova nº 8);

D) Quando o Porsche se encontrava a par do Opel este iniciou manobra de mudança de direção para a esquerda (tema de prova nº 9);

E) E cortou de forma súbita e inesperada a linha de marcha do veículo Porsche (tema de prova nº 10);

F) Sem acionar os dispositivos luminosos de pisca (tema de prova nº 11);

39ª - Para considerar como provada uma velocidade do Porsche superior a 50km/h o tribunal “a quo” fez "fé" exclusivamente no depoimento do condutor do veículo seguro na Ré;

40ª - Quando este expressamente diz não ter visto o Porsche antes da colisão...

41ª - Quando os veículos após colidirem lateralmente se vieram a imobilizar, um ao lado do outro, encostados lateralmente, contra o muro existente escassos metros à frente logo após o entroncamento...

42ª - Não tendo sido registados nem referidos sequer danos nesse muro...

43ª – Em face da prova produzida e estando integralmente gravada a audiência de discussão e julgamento, deve este venerando tribunal da relação decretar a modificação da decisão proferida em 1ª instância sobre a matéria de facto, conforme exposto, ao abrigo do disposto no artigo 662º-nº 1, do C.P.C. e, sem prejuízo das faculdades conferidas pelo disposto no nº 2 do mesmo diploma legal;

44ª - Modificada a decisão proferida na sentença recorrida sobre a matéria de facto conforme exposto, isto é, dando-se como não provados os factos constantes do elenco dos factos provados na sentença sob os nºs 21, 22, 23, 25, 29 e 30 e dando-se como provados os factos decretados como não provados nas alíneas A), B), C), D), E) F) e G) (este substituindo-se “2,50” por “pelo menos 4,35”), daí resulta em face dos demais factos provados na sentença que o sinistro em apreciação nos autos se ficou a dever única e exclusivamente ao comportamento do condutor do veículo seguro na Ré, o qual foi determinante de violação do disposto nos artigos 3º-nº 2, 11º nº 2, 21º, nºs 1 e 2, 35º nº 1 e 44º, nºs 1 e 2, todos do Código da Estrada; 

45ª - Constituindo-se a Ré ora Recorrida B... - Companhia de Seguros, S.A., por força do contrato de seguro referido no facto provado n° 41 e junto aos autos, como responsável pela indemnização a prestar ao A. A... por todos os danos por este sofridos;

46ª - Como se provou:

“31. Em resultado direto e necessário do acidente, o veículo Porsche de matrícula (...) MT sofreu danos cujo custo de reparação é de 15.206,92€ [facto assente T)].

32. A construção do veículo Porsche de matrícula (...) MT data de Fevereiro de 1999 [facto assente U)].

33. O veículo Porsche de matrícula (...) MT tinha 98.990 Km percorridos [facto assente V)].

34. A partir de 17.05.2014 o veículo Porsche ficou apto a circular [facto assente X)].

35. Antes do acidente o veículo Porsche estava bem conservado a nível de chaparia, pintura, interiores e mecânica [tema de prova nº 13].

36. O veículo Porsche era utilizado pelo Autor na sua vida pessoal e nas lides agrícolas [tema de prova nº 14].

37. O Autor procedeu à reparação do veículo Porsche [tema de prova nº 15].

38. O Autor procedeu ao levantamento do documento único automóvel com o que gastou 15,00€ [tema de prova nº 16].

39. E procedeu à inspeção em 17.05.2014 com o que gastou de 106,64€ [tema de prova nº 17].

40. O custo de aluguer de um veículo idêntico ao veículo Porsche é de 100€diários [tema de prova nº 18].";

47ª O A. A... esteve privado da utilização do seu veículo sinistrado no acidente dos autos desde a data do acidente (21.10.2013) e até 17.05.2014 no total de 178 dias importando o aluguer de um veículo idêntico € 100,00 (cem euros) diários, sendo de € 17.800,00 (dezassete mil e oitocentos euros) o dano para o A. ora recorrente decorrido da privação do uso do veículo sinistrado;

48ª- Perfazendo os danos sofridos pelo A. € 33.128,56 (trinta e três mil cento e vinte e oito euros e cinquenta e seis cêntimos);

49ª – O A. apenas peticionou na acção € 19.468,56 (dezanove mil quatrocentos e sessenta e oito euros e cinquenta e seis cêntimos), dado ter equitativamente fixado o seu pedido por privação do uso do seu veículo no montante apenas de € 4.140,00 (quatro mil cento e quarenta euros);

50ª – Deste modo, e em face do disposto no artigo 609º-nº 1, do C.P.C., deve a Ré /Recorrida B... - Companhia de Seguros, S.A. ser condenada apagar ao A./Recorrente A... €19.468,56 (dezanove mil quatrocentos e sessenta e oito euros e cinquenta e seis cêntimos), valor esse acrescido de juros moratórios, à taxa legal e anual em vigor, no presente de 4%, contados desde a citação e até efectivo vencimento - cfr. artigo 805º, do C.C.;

51ª - Assim não decidindo, a sentença recorrida violou, designadamente, o disposto nos artigos 607°- nº 1, do C.P.C. e 483º - nº 1, 562º e 805, do C.C.

A Ré/Recorrida apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

1.º- A decisão recorrida não merece qualquer reparo, já que a mesma resultou de uma exaustiva produção de prova, tendo a Meritíssima Juiz do Tribunal ‘’a quo’’, realizado uma valoração criteriosa e prudente de toda a prova produzida.

2.º- O recorrente coloca em causa a matéria de facto dada como provada, contudo não segue as regras específicas do recurso sobre a matéria de facto, pois, tendo a prova sido gravada, é imposto pela al. a) do n.º 2 do artigo 640.º do C.P.C, que quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funde o recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

3.º-No caso sub judice, o recorrente limita-se a transcrever partes dos depoimentos prestados pelas testemunhas, bem como as suas próprias declarações, transcrições essas que não são em todo literais, gerando assim a rejeição imediata do recurso.

4.º-A sentença recorrida que não merece reparo – resultou a livre apreciação e valoração da prova, segundo critérios práticos e realistas e lógico-intuitivos colhidos da inquirição das testemunhas e da parte (do recorrente).

5.º-Pelo que a Meritíssima Juiz do Tribunal ‘‘a quo’’ elaborou a sentença cumprindo escrupulosamente os requisitos constantes do artigo 607.º do CPC, não merecendo a decisão nela constante qualquer reparo.

6.º-No que respeita à dinâmica do acidente, dúvidas não há que o condutor do veículo seguro da Ré tenha estado presente no momento do acidente pois o mesmo apresentou uma versão clara, imparcial e conhecedora dos factos em análise nos autos.

7.º-Do confronto do depoimento da testemunha C... com os depoimentos prestados pelas testemunhas D... , E... e com as declarações de parte de A... , resulta de forma clara e inequívoca de quem tem conhecimento verdadeiro dos factos e que ofereceu no âmbito do seu depoimento/declaração a verdade ao Tribunal.

8.º- Do depoimento prestado pelas testemunhas D... e E... , resulta inequivocamente que ambas mentiram e não estiveram presentes no momento do acidente.

9.º-Os depoimentos prestados pelas testemunhas D... e E... , são totalmente contraditórios, tendo oferecido cada um uma versão distinta do acidente em equação, vindo o ora recorrido no âmbito das suas declarações oferecer uma terceira versão, também em nada credível.

10.º- As testemunhas D... e E... não tinham/têm conhecimento directo dos factos em análise nos autos dando a sensação que foram instruídas sobre o que deveriam expor em Tribunal.

11.º- Denota-se das declarações de parte prestadas pelo o ora recorrente, que este também ‘‘estudou uma lição’’, para depois a expor em Tribunal, lição essa que o iria eximir de qualquer responsabilidade sobre os factos que levaram ao acidente em análise nos autos referenciados.

12.º-Decorre do depoimento da testemunha D... , gravado em CD ficheiro 20150701113722_2286150_2871946, dia 01-07-2015, das 11:37:22 às 12:05:36, que o veículo conduzido pelo autor, ora recorrente, não estaria a realizar manobra de ultrapassagem alguma, pelo contrário terá batido por trás do veículo Jeep.

13.º-Por sua vez, segundo o depoimento da testemunha E... , gravado em CD ficheiro 20150701103549_746521_2871929, dia 07-07-2015, das 15:04:11 às 15:25:57, o veículo Porsche conduzido pelo recorrente ia a ultrapassar o Jeep quando este lhe embateu.

14.º-Ao longo do depoimento da testemunha E... , dá a percepção que a referida testemunha e a outra D... , estariam a aguardar que de facto passasse um Jeep e um Porsche para de imediato perseguirem os mesmos, tudo para justificar a possibilidade de ambas as testemunhas terem de facto visualizado o acidente em si, visualização essa impossível atenta a distância que existe entre as referidas bombas de gasolina com o local do acidente, que será entre 23 a 25 metros, conforme referem as testemunhas F... e C... , mas que a testemunha D... situa a cem oitenta metros.

15.º- Além dos condutores ninguém presenciou o acidente de viação aqui em equação como decorre das Declarações de parte A... , gravadas em CD ficheiro 20150701170704_2286150_2871946 e 20150701171243_2286150_2871946, dia 01-07-2015, das 17:07:05 às 17:11:58 e das 17:12:43 às 17:19:56, e dos depoimentos das testemunhas G... , gravado em CD ficheiro 20150701142806_2286150_2871946, dia 01-07-2015, das 14:28:07 às 15:00, e C... , gravado em CD ficheiro 20150701150205_2286150_2871946, dia 01-07-2015, das 15:02:05 às 15:42:15.

16.º-Como resulta de forma inequívoca da prova produzida em sede de audiência de julgamento e devidamente valorada pelo Tribunal ‘‘a quo’’ o acidente deu-se nos termos expostos pelas testemunhas C... e F... , no âmbito dos depoimentos prestados pelos mesmos e gravados em CD ficheiro 20150701150205_2286150_2871946, dia 01-07-2015, das 15:02:05 às 15:42:15 e ficheiro 20150701161809_2286150_2871946, dia 01-07-2015, das 16:18:10 às 16:51:34, respectivamente e devidamente supra transcrita.

17.º-Dúvidas não há quanto à matéria de facto provada constante dos pontos 20., 21., 22., 23., 24., 25., 26., 27., 28. e 29. da douta sentença proferida pelo Tribunal ‘’a quo’’, devendo a matéria vertida nos referidos pontos ser mantida na matéria de facto dada como provada.

18.º-No que que concerne à velocidade imprimida ao Porsche conduzido pelo ora recorrente, a testemunha F... explicou claramente o porquê da velocidade ter sido necessariamente superior a 50km/hora, tendo sido supra transcrita a sua explicação constante do depoimento prestado pela dita testemunha, gravado em CD ficheiro20150701161809_2286150_2871946, dia 01-07-2015, das 16:18:10 às 16:51:34..

19.º-Segundo a testemunha referenciada no artigo antecedente o Porsche teria que forçosamente ser conduzido a uma velocidade superior a 50km/h, pois os danos que resultaram em ambos os veículos decorrentes do acidente, o peso dos veículos e a ascendência da via, levam forçosamente a essa conclusão.

20.º-Tendo a testemunha C... também apresentado os seus esclarecimentos quanto à velocidade a que foi conduzido o Porsche, sendo que no âmbito do depoimento da testemunha C... , gravado em CD ficheiro 20150701150205_2286150_2871946, dia 01-07-2015, a referida testemunha refere que atendendo à ‘‘pancada’’ que levou, o veículo Porsche teria que forçosamente estar a circular a uma velocidade de 70-80 km/h.

21.º- Pelo que é necessariamente de concluir que veículo de marca Porsche circulava a uma velocidade superior a 50km/h, pelo que o facto dado como provado no ponto 30 da douta sentença deverá assim ser mantido.

22.º-Decorre do depoimento da testemunha F... , gravado em CD ficheiro 20150701161809_2286150_2871946, dia 01-07-2015, das 16:18:10 às 16:51:34, que houve danos no muro onde os veículos acabaram por parar, sendo que também decorre das regras da experiência que um acidente de tamanha dimensão teria que forçosamente levar à existência de danos no referido muro.

23.º-No troço da recta na data do acidente não eram visíveis marcas longitudinais descontínuas, como é confirmado nas declarações de parte de A... gravadas em CD ficheiro 20150701170704_2286150_2871946 e 20150701171243_2286150_2871946, dia 01-07-2015, das 17:07:05 às 17:11:58 e das 17:12:43 às 17:19:56, e nos depoimentos das testemunhas C... e F... , no âmbito dos depoimentos prestados pelos mesmos e gravados em CD ficheiro 20150701150205_2286150_2871946, dia 01-07-2015, das 15:02:05 às 15:42:15 e ficheiro 20150701161809_2286150_2871946, dia 01-07-2015, das 16:18:10 às 16:51:34, respectivamente.

24.º-O facto dado como não provado identificado na alínea a) dos factos não provados deverá continuar a constar dos mesmos.

25.º -Não resulta da prova produzida em audiência de julgamento que o embate entre os veículos ocorreu antes do enfiamento para o caminho particular referido em I) seguramente mais de 2,50 metros.

26.º-O ‘’croquis’’ não foi elaborado à escala, aliás como o próprio militar da GNR afirma e confirma no âmbito do seu depoimento que supra se transcreveu.

27.º-Quanto ao Teorema de Pitágoras, do qual o recorrente quer fazer uso para demonstrar o local onde terá ocorrido a colisão dos veículos, não tem em conta as forças que têm influência directa no movimento dos veículos e como tal na determinação exacta do local de colisão.

28.º-Se apenas fizermos uso do Teorema de Pitágoras para determinar o local exacto da colisão, nunca se irá obter o local exacto, uma vez que estaremos a considerar que a superfície por onde se deslocavam os veículos, não exercia nenhuma força contra o movimento dos mesmos, sendo que para calcular o exacto ponto de colisão dos veículos também deverá ser tido em conta o estado de conservação da superfície em que os mesmos circulavam, a força de atrito, a ascendência da via, entre outros factores… pois são pontos que influenciam necessariamente a trajectória dos veículos e claro o ponto certo da colisão.

29.º-Quanto à alegada contraditoriedade entre o ponto 25 dos factos provados da douta sentença e os pontos 26 e 27, tais factos apenas são contraditórios aos olhos do recorrente.

30.º-O embate no pneu traseiro e os consequentes danos, apenas confirmam que o veículo Jeep já estava perpendicular à via e a ocupar a totalidade da hemi-faixa de rodagem.

31.º-Aliás os factos que o ora recorrente põe em causa, ou seja, os factos dados como provados nos prontos 26 e 27, já tinham sido aceites pelas partes e constam das alíneas Q) e R) dos factos assentes

32.º-Assim da análise crítica das supra transcritas declarações de parte é de confirmar sim o que foi exposto no âmbito da douta sentença proferida pelo tribunal recorrido, ou seja, que o ora recorrente prestou declarações de parte de forma parcial, nervosa e comprometida.

33.º-Atendendo às declarações de parte prestadas pelo recorrente, não é de eliminar o facto dado como provado no ponto 25, como não deverão ser dados como não provados os factos n.ºs 21, 22, 23, 29 e 30 da douta sentença.

34.º-Assim não deverá o Tribunal ‘’ad quem’’ alterar a decisão proferida pelo Tribunal ‘’a quo’’ sobre a matéria de facto, pois os factos tidos como assentes e a prova produzida não impõem decisão diversa daquela que foi proferida.

35.º- Pelo que, salvo devido respeito que é muito, não deve o Tribunal ‘‘ad quem’’, ordenar a renovação da produção de prova, a produção de novos meios de prova, anular a decisão proferida pelo tribunal ‘’a quo’’, nem tão-pouco ordenar que o tribunal ‘’a quo’’ fundamente facto algum essencial para o julgamento da causa.

36.º-Não devendo a recorrida ser condenada a pagar ao recorrente quantia alguma.

37.º-A sentença recorrida não violou o disposto nos artigos 607.º, n.º 1 do CPC, nem tão pouco os artigos 483.º, n.º 1, 562.º e 805.º do CC.

Conclui pela improcedência do recurso.


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II.

Questões a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações do Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

• Saber se existiu erro na apreciação da prova e se, em função disso, importa ou não alterar – e em que termos – a decisão proferida sobre a matéria de facto;

• Saber, em face da matéria de facto provada – eventualmente alterada na sequência da apreciação da questão anterior – a qual dos condutores deverá ser imputada a culpa pela verificação do acidente;

• Caso se conclua pela responsabilidade da Ré, apurar os danos sofridos pelo Autor em consequência do acidente, determinando, designadamente, se tem direito ao valor da reparação do veículo e à indemnização que peticiona pela privação do respectivo uso.


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III.

Matéria de facto

O Apelante vem impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, sustentando que os factos enunciados como provados sob os nºs 21, 22, 23, 25, 29 e 30 devem considerar-se como não provados e sustentando que devem ser considerados provados os factos enunciados como não provados sob as alíneas a) a g).

Ao contrário do que refere a Apelada, o Apelante cumpriu – em moldes que temos por suficientes e adequados – os ónus impostos pelo art. 640º, indicando, designadamente, as passagens da gravação em que se baseia e procedendo à transcrição dos excertos dos depoimentos que entende serem relevantes.

Apreciemos, portanto, essa matéria.

O Apelante começa por sustentar que, ao contrário do que se decidiu, deve considerar-se provado o facto enunciado como não provado sob a alínea a), ou seja, que no troço da recta são visíveis marcas rodoviárias longitudinais descontínuas, dizendo apenas que tais marcas estão assinaladas no croquis e não foram postas em causa pela demais prova produzida.

Importa esclarecer que o aludido facto – a considerar-se provado, como pretende o Apelante – transmitiria a ideia de que tais marcas descontínuas existiam no local do embate (uma vez que este já se situa na recta), o que não corresponde à verdade e não resulta do croqui.

Sendo totalmente irrelevante para a decisão as marcas existentes após o local do embate (que estão referidas no croqui), o que relevaria apurar eram apenas as marcas existentes no local do embate e antes desse local (ou seja, no local onde teria sido feita a ultrapassagem) e a verdade é que entre a curva ali existente e o caminho aqui em questão, as únicas marcas que estão assinaladas no croqui são as que se encontram em frente ao prédio nº 397 e em frente ao caminho aqui em causa, marcas estas cuja existência já consta dos pontos 11 e 13. E, além dessas marcas, nenhumas outras marcas estão assinaladas no croqui (relativamente ao local que aqui nos interessa – entre a curva e o caminho), ali se referindo expressamente que qualquer outra linha que ali tivesse existido (contínua ou descontínua) não era visível. E essa situação é confirmada expressamente pela testemunha G... (que elaborou a participação do acidente) e pelas demais testemunhas, designadamente, F... , sendo que nenhuma testemunha aludiu à visibilidade de qualquer linha (contínua ou descontínua) que existisse no local.

O aludido facto não poderá, portanto, considerar-se provado.

O Apelante prossegue, dizendo que não poderia considerar-se como não provado o facto constante da alínea g), ou seja, que o embate ocorreu 2,50 metros antes do enfiamento para o caminho particular referido na alínea I dos factos assentes, devendo mesmo considerar-se provado que o embate ocorreu 4,35m antes daquele enfiamento.

Baseia-se, para o efeito, no croqui e nas medidas que dele constam – a distância do local do embate à berma (2 metros) e a distância daquele local ao poste de iluminação pública situado à esquina do lado nascente da embocadura do entroncamento referido em I) dos factos assentes (cuja localização resulta das fotografias juntas aos autos) – e nos depoimentos das testemunhas, C... e F... (dos quais teria resultado que a largura do caminho não era superior a 3,50m) para concluir, com base no teorema de Pitágoras, que a colisão entre os veículos só pode ter ocorrido mais de 2,50 metros antes do enfiamento da margem do lado poente (lado de Resende) do caminho particular na E.N. nº 222.

Parece-nos que terá razão.

Ainda que não esteja elaborado à escala, o croqui aponta, com clareza, o local do embate um pouco antes da abertura para o caminho que ali também se encontra desenhada. Note-se que, ainda que sem preocupação de escalas, seria fácil desenhar o local do embate em frente da zona correspondente ao enfiamento do caminho que ali foi desenhada e, se assim não aconteceu, terá sido, naturalmente, porque o local do embate se situava antes daquela entrada. Refira-se que os traços descontínuos foram desenhados em frente ao caminho e o local do embate foi desenhado antes desses traços (e, ao que nos parece, isso foi intencional).

Aliás, tendo em conta que o jeep terá sido embatido na roda traseira esquerda – como declara o respectivo condutor C... (o que nos parece credível tendo em conta que o pneu rebentou conforme se constata nas fotografias juntas aos autos) – e sendo certo que, normalmente, estas manobras não são feitas rigorosamente na perpendicular, temos como muito provável que, encontrando-se a frente do jeep junto à zona para onde ia virar, a sua roda traseira esquerda (onde se deu o embate) se encontrasse mais atrás e, como tal, o embate (na referida roda) situar-se-á um pouco antes da zona correspondente ao enfiamento do caminho.

Aquilo que o croqui não nos diz – por não estar elaborado à escala – é a distância exacta entre o local do embate e o início da zona correspondente ao enfiamento do caminho.

Mas, neste ponto, aceitamos como correctos os cálculos do Apelante de acordo com os quais essa distância não será inferior a 2,5m.

De facto, sabemos – pelo croqui – que a distância do local do embate (indicado por ambos os condutores) ao poste de iluminação pública que ali se encontra representado é de nove metros; sabemos – pelo que consta do croqui e pela fotografia junta a fls.121 – que o aludido poste se encontra na esquina do caminho (a esquina que fica do lado de Lamego) e separado da faixa de rodagem por uma berma; sabemos – pelo croqui – que a distância do local do embate até à berma (medida na perpendicular relativamente à faixa de rodagem) é de dois metros e sabemos – porque resulta da matéria de facto provada – que a berma tem 2,40m de largura.

Ora, aceitando o cálculo do Apelante e considerando um triângulo rectângulo definido pelo local do embate, pelo aludido poste de iluminação e por um determinado ponto (X) definido por duas linhas perpendiculares entre si no enfiamento do poste e do local do embate, em que a linha entre o local do embate e o poste (9 metros) corresponde à hipotenusa e em que um dos catetos (definido pela linha recta entre o poste e o ponto X) tem a largura de 4,40m (distância a que o poste se encontra do ponto da faixa de rodagem que se situa no enfiamento do local do embate e que corresponde aos 2,40m de largura da berma mais 2m da faixa de rodagem), será seguro concluir que o outro cateto (linha recta entre o ponto X e o local do embate) teria 7,85m.

Assim, sabendo-se que o poste se encontra na esquina do caminho (do lado de Lamego), impõe-se concluir que, ainda que o aludido caminho tivesse uma largura de cinco metros – e não terá, sendo que, segundo a testemunha F... , terá pouco mais de três metros – sempre se deveria concluir que o ponto do embate se situa mais de 2,5m antes do início da zona correspondente à entrada desse caminho, considerando o sentido de marcha seguido pelos veículos (Resende/Lamego). Refira-se, no entanto, que a prova produzida não é suficientemente esclarecedora para fundar uma convicção segura relativamente à exacta largura do caminho; daí que não seja possível concluir com a necessária segurança que o embate ocorreu 4,35m antes do enfiamento para o caminho.

E, ao contrário do que diz a Apelada, estes cálculos não são influenciados pelas forças decorrentes do movimento dos veículos e pela ascendência ou descendência da superfície onde os mesmos se deslocavam; tais cálculos apenas envolvem um ponto fixo (que é o poste) e as medidas exactas que resultam do croquis e da matéria de facto, como sejam a distância do local do embate ao poste, a distância daquele local à berma e a medida da berma e dando como certo – naturalmente e porque não temos razões para duvidar disso – que o embate ocorreu, efectivamente, num local que se situa a 9 metros do poste e a 2 metros da berma, como foi referido no croquis, por indicação dos condutores intervenientes no acidente.

Entendemos, por isso, dever considerar-se provado que:

O embate ocorreu pelo menos 2,50 metros antes (tendo em conta o sentido de marcha dos veículos) do enfiamento para o caminho particular referido na alínea I dos factos assentes.

O Apelante impugna ainda a decisão proferida relativamente aos pontos 21, 22, 23, 25, 29 e 30 da matéria de facto provada (que entende deverem ser considerados não provados) e relativamente às alíneas b) a f) da matéria enunciada como não provada.

Pretende, portanto, o Apelante que se considerem provados os seguintes factos:

(b) Ao chegar ao início da recta o condutor do veículo Porsche iniciou manobra de ultrapassagem do veículo Opel;

(c) Previamente accionou e manteve accionados os dispositivos luminosos de pisca do lado esquerdo do veículo;

(d) Quando o Porsche se encontrava a par do Opel este iniciou manobra de mudança de direcção para a esquerda;

(e) E cortou de forma súbita e inesperada a linha de marcha do veículo Porsche;

(f) Sem accionar os dispositivos luminosos de pisca;

E pretende ver considerado como não provados os seguintes factos:

(21) O condutor do veículo Opel começou a circular junto ao eixo da via;

(22) Antes do caminho referido em 10 accionou o sinal pisca;

(23) Olhou para a frente e pelo espelho retrovisor certificando-se que não havia trânsito em qualquer dos sentidos;

(25) Quando o veículo Opel já estava perpendicular à via e a ocupar a totalidade da hemifaixa de rodagem contrária foi embatido pelo veículo Porsche;

(29) Por força do embate o veículo Opel (jeep) foi arrastado alguns metros contra o muro do lado esquerdo da via;

(30) O veículo Porsche seguia a velocidade superior a 50 Km/h.

Baseia-se, para o efeito, no seu próprio depoimento e no depoimento da testemunha, E... , mais sustentando não ser credível o depoimento prestado por C... que, além do mais, tem interesse no desfecho da acção.

Relativamente ao depoimento da testemunha, E... , cabe dizer o seguinte:

A decisão recorrida não valorou esse depoimento e, a nosso ver, com razão.

Vejamos porquê.

A aludida testemunha – vizinho do Autor – declara que circulava como passageiro num veículo que era conduzido pela testemunha D... e que saíram das bombas (onde haviam parado para meter gasóleo), passando a circular atrás do Autor, sendo que, à frente deste, circulava o jeep. Declara ter visto o Autor a fazer sinalização para efectuar a ultrapassagem ao jeep e que, quando o Autor estava ao lado do jeep, este guinou para a esquerda, sem fazer qualquer sinalização, ocorrendo o embate na metade esquerda da faixa de rodagem, tendo em conta o sentido de marcha dos veículos.

Mas a verdade é que, não obstante seguirem no mesmo veículo –como declararam – a testemunha D... descreve o acidente de modo diverso, dizendo não se ter apercebido de qualquer ultrapassagem, que o embate ocorreu na metade direita da faixa de rodagem e que o Autor bateu na traseira do jeep.

Registe-se, por outro lado, que as duas testemunhas são peremptórias a afirmar que pararam no local do acidente e após a sua eclosão, mas – ao contrário do que seria normal, até porque conheciam o Autor – saíram do local sem nada dizer ao Autor. E mais estranho ainda é o facto de ninguém se ter apercebido da sua presença já que o próprio Autor declarou que ninguém havia presenciado o acidente (não estava lá ninguém e não havia outros carros).

É curioso notar, por outro lado, que a testemunha E... – talvez na tentativa de fazer passar a ideia de que o condutor do jeep não se havia certificado de que podia executar a manobra – declara que o condutor do jeep devia ter um problema no pescoço, dizendo que ele trazia qualquer coisa, talvez um colar cervical, quando é certo que não existe qualquer indício que o confirme. E, embora não vá tão longe – porque não vai ao ponto de mencionar a existência de qualquer colar cervical – também o Autor declarou, no seu depoimento, ter ouvido dizer que ele tinha um problema qualquer no pescoço (um “tumorzito”, não sabe se tinha sido ou ia ser operado…). Portanto, o Autor ouviu dizer – não se sabe a quem – que o condutor do jeep tinha um tumor no pescoço e, sem que nada lhe tenha sido perguntado, sentiu a necessidade de fazer referência a esse problema; a testemunha, E... , acrescentou a esse problema mais qualquer coisa (talvez um colar, nas suas palavras) que não é confirmada por nenhum outro elemento probatório.

Os depoimentos das testemunhas, D... e E... , não nos merecem, portanto, a necessária credibilidade.

Restam-nos, portanto, os depoimentos dos condutores dos veículos intervenientes no acidente (porquanto não há outras testemunhas presenciais) que, naturalmente, também terão que ser analisados com alguma reserva e ponderação, já que um deles é parte na acção e, portanto, tem evidente interesse no seu desfecho e outro, apesar de não ser parte nesta acção, também tem interesse em defender a versão dos factos que lhe é mais favorável até porque – como declarou – também intentou uma acção referente ao mesmo acidente.

O Autor – num depoimento algo hesitante e comprometido – confirma, no essencial, os factos que pretende ver considerados provados, declarando, em suma: que vinha atrás do jeep; que este circulava em marcha lenta; que, quando saiu da curva, ultrapassou; que o condutor do jeep mudou de direcção obliquamente, sem fazer qualquer sinal e antes de chegar aos tracejados que se encontram na via; que o condutor do jeep nem reparou na ultrapassagem (segundo ouviu dizer ele tinha um problema qualquer no pescoço); que ia já quase paralelo (estavam quase frente com frente) e ele dá-lhe uma pancada na roda da frente com a frente lateral esquerda do jeep, não sabendo explicar as razões pelas quais terá rebentado o pneu esquerdo do jeep.

 A testemunha, C... , declara, por seu turno, que olhou pelo retrovisor e como não vinha ninguém, fez o pisca para a esquerda; ia a cerca de 40 km até porque só tinha cerca de 20 m para fazer a manobra; fez a vertical (queria dizer perpendicular) e, quando o veículo já estava direitinho, com a frente apontada para a garagem e com a roda de trás já na faixa esquerda, o Autor bateu-lhe primeiro na roda traseira esquerda e projectou-o contra o muro, onde lhe tornou a bater na roda da frente. Esclarece que nunca viu o veículo do Autor antes do embate, que ele devia vir a muita velocidade (talvez mais de 70km/h).

Parece-nos, desde já, indiscutível que o veículo Porsche iniciou, efectivamente, uma manobra de ultrapassagem ao veículo Opel. É isso que resulta dos depoimentos prestados pelos condutores; foi isso que declararam, desde logo, ao agente que elaborou a participação do acidente e é isso que se depreende do facto de o embate ter ocorrido na metade esquerda da faixa de rodagem.

Consideramos, por isso, provado o facto que estava enunciado como não provado sob a alínea b), ou seja, que, ao chegar ao início da recta, o condutor do veículo Porsche iniciou manobra de ultrapassagem do veículo Opel.

Relativamente aos cuidados e sinalizações efectuadas pelos condutores, parece-nos, salvo o devido respeito, que a prova produzida é insuficiente, sendo certo que, como referimos, ela se circunscreve aos depoimentos dos próprios condutores que, pelas razões supra apontadas, não podemos aceitar sem reservas e relativamente a factos que não possam ser, de algum modo, confirmados por outros elementos (ainda que sejam as regras de experiência e senso comum). Importa notar que esses depoimentos não são coincidentes – muito pelo contrário – e, embora nos pareça que o depoimento do Autor não é credível, a verdade é que, como veremos, a versão do condutor do Opel também não parece ter exacta correspondência com a realidade.

Assim, se é certo que não temos elementos bastantes para considerar demonstrados os factos a que aludem as alíneas c) e f), também nos parece que a prova produzida não é suficiente para que se considerem provados os factos enunciados sob os pontos 21, 22 e 23 (segundo os quais o condutor do veículo Opel teria começado a circular junto ao eixo da via, teria accionado o sinal pisca e teria olhado para a frente e pelo espelho retrovisor certificando-se que não havia trânsito em qualquer dos sentidos) sendo que o depoimento prestado pelo condutor do Opel é, só por si, insuficiente para este efeito.

Analisemos agora os factos enunciados sob as alíneas d) e e) e sob o nº 25.

A sentença recorrida, dando crédito total ao depoimento da testemunha C... (condutor do Opel/jeep), considerou provado sob o nº 25 que quando o veículo Opel já estava perpendicular à via e a ocupar a totalidade da hemifaixa de rodagem contrária foi embatido pelo veículo Porsche.

Mas a verdade é que não nos parece que, quando foi embatido, o aludido veículo estivesse nessa posição perpendicular (direitinho, com a frente apontada para a garagem, como diz a aludida testemunha).

Desde logo, porque as regras de experiência nos dizem que poucos condutores fazem a manobra nesses termos, designadamente quando – como terá sido aqui o caso – não param antes de a executar. E, em segundo lugar, porque essa posição do veículo não se adequa aos pontos dos veículos que foram embatidos.

Com efeito, se o veículo estivesse em posição perpendicular à via – totalmente atravessado na metade esquerda da faixa de rodagem – parece claro que o veículo do Autor ter-lhe-ia embatido com toda a sua frente na lateral esquerda do Opel. Mas não foi isso que aconteceu, já que, como resulta designadamente do depoimento do condutor do Opel – facto que se confirma nas fotografias juntas aos autos – o Porsche bateu com a zona da roda dianteira do lado direito na roda traseira esquerda do Opel, o que, na nossa perspectiva, aponta para o facto de o Opel estar a ocupar a faixa esquerda de forma oblíqua (ainda que fosse ligeiramente) e não perpendicularmente à via, não nos parecendo possível que, estando o Opel em posição perpendicular, o Porsche fosse bater, com a sua roda direita, na roda traseira esquerda do Opel. Além do mais, se o Opel estivesse na perpendicular, dificilmente os veículos teriam seguido, após o embate, a trajectória que seguiram (uma vez que seguiram os dois, lado a lado, para um ponto da berma situado mais à frente – para o lado de Lamego – do local onde se dá o embate).

Tendo em conta os pontos dos veículos embatidos, estamos convictos de que o Opel estava em posição oblíqua (até porque, como acima se referiu, o Opel iniciou a manobra um pouco antes do local correspondente à abertura para o caminho, assim se explicando que o primeiro embate se dê entre a roda direita do Porsche e a roda traseira esquerda do Opel e assim se explicando também que os veículos, após o embate, tenham seguido uma trajectória direccionada a um ponto da berma situado mais à frente; os veículos terão seguido essa trajectória porque era para aí que o Opel estava virado (em posição oblíqua) aquando do embate. 

Assim, ainda que não nos pareça dever ser totalmente eliminado o ponto 25 – como pretendia o Apelante – entendemos que o mesmo deverá passar a ter a seguinte redacção:

Quando o veículo Opel já estava a ocupar a totalidade da hemifaixa de rodagem esquerda, tendo em conta o seu sentido de marcha, foi embatido pelo veículo Porsche.

E, tendo em conta as considerações efectuadas, também nos parece claro que, ao contrário do que declarou o Autor no seu depoimento, o Opel não iniciou a manobra de mudança de direcção quando os veículos estavam lado a lado (quase frente com frente, como diz o Autor), porque, se assim fosse, a roda da frente direita do Porsche não poderia bater na roda traseira do Opel; para lhe bater na roda traseira é porque o Opel estava à sua frente e não ao lado; se estivessem lado a lado e “quase frente com frente” – como diz o Autor – o natural seria que o Opel batesse com a sua parte dianteira, designadamente com a roda da frente esquerda, na roda direita do Porsche. E, embora o Autor o negue (dizendo que o Opel lhe bateu com a parte da frente lateral esquerda e não com a roda traseira), a verdade é que temos como certo o embate na roda traseira esquerda, porquanto, sendo isso que declara o condutor do Opel, é possível confirmar, pelas fotografias juntas aos autos, que o pneu estava efectivamente rebentado.

Entendemos, por isso, que não poderá considerar-se provado o facto a que alude a alínea d), ou seja, que, quando o Porsche se encontrava a par do Opel este iniciou manobra de mudança de direcção para a esquerda.

E, ao contrário do que pretende o Apelante, a prova produzida também não permite que se considere provado o facto a que alude a alínea e), ou seja, que o Opel cortou de forma súbita e inesperada a linha de marcha do veículo Porsche. Com efeito, ainda que, como referimos supra, a prova produzida não seja suficiente para considerar provados os factos que estavam enunciados sob os nºs 21 a 23 (na medida em que apenas eram confirmados pelo condutor do Opel), também não temos elementos que nos permitam concluir que esses factos não tenham ocorrido e que, como tal, o Opel tenha executado a manobra de forma súbita e inesperada.

Também não encontramos indícios na prova produzida de que o Opel tenha sido “arrastado” alguns metros contra o muro.

Sabemos – porque resulta de modo claro da prova produzida – que, na sequência do embate, ambos os veículos se deslocaram alguns metros em direcção ao muro existente do lado esquerdo da via; mas nada nos permite afirmar que tenha existido propriamente um arrastamento de qualquer um dos veículos. Com efeito, ainda que os veículos tenham seguido na mesma direcção até se imobilizarem junto ao muro, aquilo que nos parece mais provável é que, por força do embate, o Opel tenha sofrido alguma projecção que, aliada ao descontrolo do veículo, fez com que o veículo tivesse percorrido alguns metros até bater no muro; o Porsche, por seu turno, estando impossibilitado de prosseguir na direcção para a qual estava apontado, porque o Opel estava à sua frente, acompanhou a trajectória deste veículo até ao muro.

Refira-se que a testemunha, G... , declara não haver sinais de arrastamento; os veículos estavam junto ao muro, próximos um do outro, mas não estavam “enganchados” e a testemunha, C... (condutor do jeep), também não confirma qualquer arrastamento do veículo que conduzia (o Opel), dizendo que foi empurrado pelo Porsche e perdeu o controlo do veículo, tendo levantado as pernas porque ia contra o muro. O Autor, por seu turno, declara que foi o seu veículo que foi arrastado pelo Opel e não o contrário.

Parece-nos, portanto, que não poderá considerar-se provado que o Opel tenha sido arrastado, razão pela qual o ponto 29 da matéria de facto passará a ter a seguinte redacção:

Na sequência do embate, o veículo Opel (jeep) prosseguiu durante alguns metros imobilizando-se contra um muro existente do lado esquerdo da via.

Relativamente à velocidade a que circulava o veículo Porsche, entendemos não haver razões para alterar o ponto 30 da matéria de facto, onde se considerou provado que circulava a mais de 50 km/hora.

Com efeito, se é verdade que não existe prova directa desse facto, já que o mesmo não é confirmado pelo Autor e o condutor do Opel nem sequer se apercebeu do Porsche antes do embate, existem, no entanto, outros elementos que, conjugados com as regras de experiência e senso comum, nos permitem concluir que tal velocidade era, efectivamente, superior a 50 Km/h.

Atente-se, desde logo, no depoimento do Autor que, quando lhe é perguntado a que velocidade circulava, diz: “sei lá, aquilo ali é permitido a 50…sei lá, poderia…uns 30…pouco mais”, referindo, portanto, uma velocidade por referência à que era legalmente permitida.

No entanto, a velocidade de 30 km/h que é referida pelo Autor não se adequa ao embate que ocorreu e aos danos por ele causados e nem sequer se adequa ao facto de o Autor estar a efectuar uma ultrapassagem.

Veja-se que, conforme resulta de fotografias juntas aos autos, o Porsche ficou com a roda da frente e toda a zona circundante totalmente destruída, o que evidencia um impacto bastante violento.

Ora, se tomarmos em conta que o Porsche estava a efectuar uma ultrapassagem – que, por regra, exige uma velocidade superior –, se tomarmos em conta o grau de destruição do Porsche e se tomarmos em conta que os veículos não ficaram imobilizados no local do embate, tendo percorrido vários metros, batendo num muro ali existente, teremos que concluir que o Porshe circulava efectivamente a mais de 50km/h.

Entendemos, por isso, não se justificar qualquer alteração ao ponto 30 da matéria de facto.


***

A matéria de facto provada – com as alterações agora efectuadas – será, portanto, a seguinte:

1. No dia 21.10.2013, pelas 16h30m, na Avenida Francisco Sá Carneiro, na Vila de Resende, ocorreu um acidente de viação, o qual consistiu no embate entre:

a) o veículo ligeiro de passageiros, de serviço particular, de marca e modelo Opel Monterey, de matrícula (...) LH, conduzido pelo seu proprietário C... e

b) o veículo ligeiro de passageiros, de serviço particular, de marca e modelo Porsche Boxter, de matrícula (...) MT, conduzido pelo seu proprietário A... [Facto Assente A)].

2. A Avenida Francisco Sá Carneiro desenvolve-se no sentido de marcha Resende-Lamego, correspondendo à EN nº 222 [Facto Assente B)].

3. O local do acidente situa-se ao Km 97,800 da EN 222 [Facto Assente C)].

4. A velocidade máxima permitida no local do sinistro é de 50 Km/h [Facto Assente AA)].

5. No local do acidente e nas imediações, a faixa de rodagem dispunha de uma largura total de 5,70 metros [Facto Assente D)].

6. Servindo o trânsito em ambos os sentidos contrários de marcha [Facto Assente E)].

7. Atento o sentido de marcha Resende-Lamego, após passar pelas Bombas de combustível da Galp existentes do lado direito da via, esta desenvolve-se em curva para o lado esquerdo seguida de troço de recta com cerca de 200 metros [Facto Assente F)].

8. Nas imediações da curva e início da recta referidos em 7 não existem quaisquer sinais verticais de proibição de ultrapassagem e de fim de proibição de ultrapassagem [Facto Assente G)].

9. No início do troço de recta encontra-se, do lado direito da via, uma moradia com logradouro murado correspondente ao número de polícia 397 [Facto Assente H)].

10. E, mais adiante, do lado esquerdo, situa-se o caminho particular de acesso (entrada e saída) em rampa descendente às traseiras do prédio com o número de polícia 366 [Facto Assente I)].

11. Existindo, defronte do portão de acesso às traseiras do prédio com o número de polícia 397, demarcados no eixo médio da via, dois traços longitudinais descontínuos brancos paralelos a outros dois [Facto Assente J)].

12. Na zona da curva e no início da recta não são visíveis marcas rodoviárias delimitadoras das sub-faixas de rodagem [tema de prova nº 1].

13. Em frente ao caminho particular referido em 10 estão demarcados no eixo médio da via, três traços longitudinais descontínuos paralelos a outros três [tema de prova nº 3].

14. Cada um com cerca de 40 cm de extensão [tema de prova nº 4].

15. … e todos eles pouco visíveis [tema de prova nº 5].

16. Entre a faixa de rodagem da referida via e os prédios situados do lado esquerdo, atento o sentido de marcha Resende-Lamego existia uma berma empedrada com cerca de 2,40 metros de largura [Facto Assente K)].

17. Ambos os veículos intervenientes no sinistro transitavam pela Avenida Francisco Sá Carneiro, no sentido de marcha Resende-Lamego [Facto Assente L)].

18. Ambos transitavam pela sub-faixa de rodagem do respectivo lado direito [Facto Assente N)].

19. Seguindo à frente o veículo Opel de matrícula (...) LH e imediatamente atrás deste o veículo Porsche de matrícula (...) MT [Facto Assente M)].

20. O condutor do veículo Opel pretendia ingressar no caminho particular referido em 10 [Facto Assente O)].

21. (eliminado).

22. (eliminado).

23. (eliminado).

24. O condutor do veículo Opel de matrícula (...) LH prosseguiu a sua manobra de mudança de direcção para o respectivo lado esquerdo [Facto Assente P)].

24-A. (aditado) Ao chegar ao início da recta o condutor do veículo Porsche iniciou manobra de ultrapassagem do veículo Opel [tema de prova nº 7].

25. Quando o veículo Opel já estava a ocupar a totalidade da hemifaixa de rodagem esquerda, tendo em conta o seu sentido de marcha, foi embatido pelo veículo Porsche [tema de prova nº 22].

26. Vindo a colidir lateralmente com o mesmo [Facto Assente Q)].

27. O embate verificou-se entre a zona do guarda-lamas e pneu dianteiro direito do Porsche e a lateral esquerda do Opel desde o pneu traseiro desse lado até à zona do guarda-lamas dianteiro [Facto Assente R)].

28. O embate verificou-se na sub-faixa de rodagem do lado esquerdo, atento o sentido de marcha Resende-Lamego, a uma distância de 2 metros da berma desse lado [Facto Assente S)].

28-A. (aditado) O embate ocorreu pelo menos 2,50 metros antes (tendo em conta o sentido de marcha dos veículos) do enfiamento para o caminho particular referido na alínea I dos factos assentes [tema de prova nº 12].

29. Na sequência do embate, o veículo Opel (jeep) prosseguiu durante alguns metros imobilizando-se contra um muro existente do lado esquerdo da via [tema de prova nº 24].

30. O veículo Porsche seguia a velocidade superior a 50 Km/h [tema de prova nº 23].

31. Em resultado directo e necessário do acidente, o veículo Porsche de matrícula (...) MT sofreu danos cujo custo de reparação é de 15.206,92€ [Facto Assente T)].

32. A construção do veículo Porsche de matrícula (...) MT data de Fevereiro de 1999 [Facto Assente U)].

33. O veículo Porsche de matrícula (...) MT tinha 98.990km percorridos [Facto Assente V)].

34. A partir de 17.05.2014 o veículo Porsche ficou apto a circular [Facto Assente X)].

35. Antes do acidente o veículo Porsche estava bem conservado a nível de chaparia, pintura, interiores e mecânica [tema de prova nº 13].

36. O veículo Porsche era utilizado pelo Autor na sua vida pessoal e nas lides agrícolas [tema de prova nº 14].

37. O Autor procedeu à reparação do veículo Porsche [tema de prova nº 15].

38. O Autor procedeu ao levantamento do documento único automóvel com o que gastou 15,00€ [tema de prova nº 16].

39. E procedeu à inspecção em 17.05.2014 com o que gastou de 106,64€ [tema de prova nº 17].

40. O custo de aluguer de um veículo idêntico ao veículo Porsche é de 100€ diários [tema de prova nº 18].

41. Na data do sinistro a responsabilidade civil perante terceiros, inerente à circulação do veículo Opel de matrícula (...) LH encontrava-se transferida para a B... – Companhia de Seguros, SA, mediante contrato de seguro, do ramo automóvel, titulado pela apólice nº 751166165 [Facto Assente Z)].

E consideram-se não provados os seguintes factos:

a) No troço da recta são visíveis marcas rodoviárias longitudinais descontinuas [tema de prova nº 2].

b) …(eliminado).

c) Previamente accionou e manteve accionados os dispositivos luminosos de pisca do lado esquerdo do veículo [tema de prova nº 8].

d) Quando o Porsche se encontrava a par do Opel este iniciou manobra de mudança de direcção para a esquerda [tema de prova nº 9].

e) E cortou de forma súbita e inesperada a linha de marcha do veículo Porsche [tema de prova nº 10].

f) Sem accionar os dispositivos luminosos de pisca [tema de prova nº 11].

g) …(eliminado).

h) O referido no tema de prova nº 19 ocorreu junto às bombas da Galp.

i) O referido no tema de prova nº 20 ocorreu 30/40 metros antes.

j) No local do acidente a estrada tem linha longitudinal contínua [tema de prova nº 25].

k) No que concerne ao tema de prova nº 24: foram 10 metros;

l) O condutor do veículo Opel começou a circular junto ao eixo da via (facto que constava do ponto 21 da matéria de facto provada);

m) Antes do caminho referido em 10 accionou o sinal pisca (facto que constava do ponto 22 da matéria de facto provada);

n) Olhou para a frente e pelo espelho retrovisor certificando-se que não havia trânsito em qualquer dos sentidos (facto que constava do ponto 23 da matéria de facto provada);


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IV.

A sentença recorrida julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido por ter considerado que o acidente ocorreu por culpa do Autor (condutor do MT), imputando-lhe a violação do disposto nos arts. 27º e 44º do Código da Estrada, já que, além de circular a uma velocidade superior à legalmente permitida, iniciou a ultrapassagem sem se certificar de que a podia realizar sem perigo de colidir com outro veículo e sem se certificar que a faixa de rodagem se encontrava livre na extensão e largura necessárias à realização da manobra com segurança. Considerou, por outro lado, que o condutor do veículo LH (seguro na Ré) não havia sequer praticado qualquer facto ilícito, uma vez que havia realizado todos os procedimentos necessários à realização da manobra de mudança de direcção à esquerda que ia efectuar, já que começou a circular junto ao eixo da via, accionou o sinal pisca e olhou para a frente e pelo espelho retrovisor certificando-se que não havia trânsito em qualquer dos sentidos.

 Discordando dessa decisão, sustenta o Apelante – com base na matéria de facto que, na sua perspectiva, deverá ser considerada provada – que o acidente ficou a dever-se, única e exclusivamente, ao condutor do veículo seguro na Ré que teria violado o disposto nos arts. 3º nº 2, 11º nº 2, 21º, nºs 1 e 2, 35º nº 1 e 44º, nºs 1 e 2, todos do Código da Estrada.

Tendo procedido parcialmente a impugnação que o Apelante deduziu relativamente à decisão proferida sobre a matéria de facto, é inquestionável que se alteraram os pressupostos de facto em que se baseou a decisão da 1ªinstância, importando, por isso, analisar os comportamentos de cada um dos condutores à luz da matéria de facto que, por força das alterações ora introduzidas, se deve ter por definitivamente provada.

Sabemos, em face dessa matéria de facto, que os veículos circulavam na mesma via e no mesmo sentido, sendo que o veículo do Autor circulava à retaguarda do veículo seguro na Ré; sabemos que o veículo Opel (seguro na Ré) pretendia efectuar - e efectuou – uma manobra de mudança de direcção à esquerda e que, no momento em que a efectuava e quando já ocupava a totalidade da metade esquerda da faixa de rodagem, tendo em conta o sentido de marcha dos veículos, foi embatido pelo veículo do Autor que, entretanto, havia iniciado a sua ultrapassagem.

  Importa referir, desde já, que, ao invés do que se considerou na sentença recorrida, não resultou provado que o condutor do veículo LH (seguro na Ré) tivesse realizado todos os procedimentos necessários à realização da manobra de mudança de direcção à esquerda que ia efectuar, sendo certo que não se provou que tenha começado a circular junto ao eixo da via, que tenha accionado o sinal pisca e que tenha olhado (com a devida atenção) para a frente e pelo espelho retrovisor com vista a certificar-se que não havia trânsito em qualquer dos sentidos.

E também não resultou provado que o Autor tivesse realizado os procedimentos necessários à realização da manobra de ultrapassagem que pretendia efectuar.

Não sabemos, de facto, as exactas circunstâncias em que ocorreu o embate e com base nas quais seria possível aferir a culpa efectiva de qualquer um dos condutores (ou de ambos).   

 Não sabemos, de facto – porque não resulta da matéria de facto provada – se, quando o Autor iniciou a ultrapassagem, o veículo Opel já havia iniciado ou já havia sinalizado a manobra de mudança de direcção à esquerda que ia efectuar (caso em que o embate se teria ficado a dever ao Autor); também não sabemos se, no momento em que o condutor do Opel iniciou a sua manobra, o Autor já havia iniciado a ultrapassagem em moldes que pudessem e devessem ter sido percepcionados pelo condutor do Opel como impeditivos da realização da mudança de direcção (caso em que o embate se teria ficado a dever ao condutor deste veículo) e não sabemos sequer se, cada um dos condutores, sinalizou, nos termos impostos por lei, a manobra que ia efectuar.

E esses seriam, na nossa perspectiva, os factos essenciais para apurar a causa do embate e a culpa de cada um dos condutores.

Dispõe o art. 38º do Código da Estrada (na redacção vigente à data do acidente) que:

1 - O condutor de veículo não deve iniciar a ultrapassagem sem se certificar de que a pode realizar sem perigo de colidir com veículo que transite no mesmo sentido ou em sentido contrário.

2 - O condutor deve, especialmente, certificar-se de que:

a) A faixa de rodagem se encontra livre na extensão e largura necessárias à realização da manobra com segurança;

b) Pode retomar a direita sem perigo para aqueles que aí transitam;

c) Nenhum condutor que siga na mesma via ou na que se situa imediatamente à esquerda iniciou manobra para o ultrapassar;

d) O condutor que o antecede na mesma via não assinalou a intenção de ultrapassar um terceiro veículo ou de contornar um obstáculo”.

Ora, como é fácil constatar, a matéria de facto provada não nos permite afirmar que o Autor tenha incumprido os deveres impostos pela norma citada, já que, como se referiu, não se provou que tenha iniciado a manobra depois de o veículo que seguia à sua frente ter iniciado ou sinalizado a manobra de mudança de direcção à esquerda. Não poderemos, naturalmente, afirmar que o Autor tenha cumprido esses deveres, mas também não poderemos afirmar que os incumpriu (não se provou se cumpriu ou não).

Sabemos, no entanto, que o Autor circulava a velocidade superior àquela que, no local, era legalmente permitida, incorrendo, por isso, em violação ao disposto no art. 28º do Código da Estrada.

É jurisprudência pacífica e corrente que, em matéria de responsabilidade civil resultante de acidente de viação provocado por uma contravenção ao Código da Estrada, existe presunção judicial de culpa contra o respectivo infractor, cabendo, então, a este provar, sob pena de responder a título de culpa, quaisquer circunstâncias justificativas da contravenção – cfr. Acórdãos do STJ de 29/04/98, 10/05/2007 e 28/11/2013 (processos nºs 98B125, 07B1078, 372/07.6TBSTR.S1, respectivamente); Acórdãos da Relação do Porto de 29/03/2007 e de 07/10/2010 (processos nºs 0731189 e 675/08.2TBAMT.P1) e Acórdão da Relação de Coimbra de 14/11/2000 (processo nº 2224/2000)[1], considerando-se, para o efeito, que a inobservância das leis e regulamentos, faz presumir a culpa da produção dos danos dela decorrentes, dispensando a comprovação concreta da falta de diligência, já que, “por se estar perante normas legais de protecção de perigo abstracto, a conduta infractora que as infringe, traduzindo a inexistência do necessário cuidado exterior, só não responsabilizará o agente se este demonstrar ter tido o necessário cuidado interior” – cfr. Acórdão da Relação do Porto de 29/03/2007, supra mencionado.

Mas, para que possa funcionar esta presunção, será necessário que o acidente tenha resultado da conduta contravencional ou, pelo menos, que tenha sido facilitado ou potenciado por esta conduta.

Ora, apesar de o Autor circular em contravenção ao disposto no art. 28ºdo Código da Estrada, nada nos permite afirmar que essa circunstância tenha tido alguma influência na produção do acidente, importando notar que não sabemos sequer em que medida foi excedido o limite máximo de velocidade permitido no local. Apenas resulta da matéria de facto provada que o Autor circulava a velocidade superior a 50Km e este facto, sendo compatível com uma velocidade de 80/100Km (que, dadas as circunstâncias do acidente, não teria deixado de contribuir para a sua verificação), também é compatível com uma velocidade de 52 ou 55 Km/hora (que, na prática, seria irrelevante para a produção do acidente).

Não sabemos, na verdade, se a velocidade a que circulava o Autor teve (ou não) alguma relevância para a verificação do acidente ou para o agravamento dos danos dele decorrentes e, nessa medida, não nos parece que esse facto seja suficiente para imputar ao Autor a culpa pela produção do evento danoso.

 

Analisando agora a conduta do condutor do veículo seguro na Ré, parece-nos que também ele desrespeitou as normas legais referentes ao modo de executar a manobra de mudança de direcção à sua esquerda, já que, estando provado que o embate ocorreu na metade esquerda da faixa de rodagem e pelo menos 2,50 metros antes (tendo em conta o sentido de marcha dos veículos) do enfiamento para o caminho particular para onde pretendia virar, parece poder afirmar-se que o condutor do veículo seguro na Ré efectuou a manobra de forma oblíqua e antes de chegar ao local onde a deveria efectuar, desrespeitando o disposto no art. 44º do Código da Estrada.

Mas, também aqui, nos parece ser de concluir que essa contravenção não teve, só por si, especial relevância (pelo menos não se provou que a tenha tido) no processo causal que determinou o acidente, até porque, se tivermos em conta que o embate se deu na roda traseira deste veículo, a circunstância de esta roda se encontrar à distância de 2,5 da entrada para o caminho, faz supor que a frente do veículo não estaria longe do local onde teria que virar.

Refira-se que, independentemente da velocidade a que circulasse o Autor, o condutor do veículo da Ré não poderia iniciar a manobra de mudança de direcção se a sua ultrapassagem já se tivesse iniciado e desde que pudesse ter tido a percepção desse facto caso circulasse com a devida atenção e adoptasse os cuidados que a lei lhe impõe; o Autor, por seu turno, não poderia iniciar a ultrapassagem, caso o veículo seguro na Ré já tivesse iniciado ou sinalizado a manobra de mudança de direcção.

Assim, ainda que a velocidade dos veículos e o modo de execução das manobras não fosse irrelevante, aquilo que mais relevava, para efeitos de apuramento das causas do acidente e da eventual culpa de algum dos condutores, era apurar a manobra que primeiro se iniciou ou que primeiro foi sinalizada. Importava, portanto, saber se, quando o Autor iniciou a ultrapassagem, o veículo Opel já havia iniciado ou já havia sinalizado a manobra de mudança de direcção à esquerda que ia efectuar ou se, no momento em que o condutor do Opel iniciou a sua manobra, o Autor já havia iniciado a ultrapassagem em moldes que pudessem e devessem ter sido percepcionados pelo condutor do Opel como impeditivos da realização da mudança de direcção.

A verdade é que nada se provou a esse respeito. Não sabemos a que distância se encontrava o Autor no momento em que o condutor do Opel iniciou a manobra de mudança de direcção; não sabemos se, neste momento, o Autor já havia iniciado a ultrapassagem; não sabemos se tal ultrapassagem – tendo em conta o local, a distância e a concreta velocidade a que circulava o Autor – podia ou não ter sido percepcionada pelo condutor do Opel e não sabemos sequer quais as concretas sinalizações efectuadas pelos condutores e cuidados por eles adoptados. Com efeito, não ficou provado que o Autor tenha sinalizado a ultrapassagem que ia efectuar; não se provou que a manobra de mudança de direcção tenha sido iniciada quando o veículo do Autor já se encontrava a par do Opel e que, nessas circunstâncias, este veículo tenha cortado, de forma súbita e inesperada, a linha de marcha do veículo Porsche e também não se provou que o condutor do Opel tenha tomado as devidas precauções antes de realizar a manobra e que a tenha executado porque ainda não se havia iniciado qualquer ultrapassagem ou porque não podia ter a percepção dessa ultrapassagem ou da sua interferência com a manobra que ia efectuar, em virtude, designadamente, do local em que se encontrava o veículo do Autor ou da distância e velocidade a que este circulava.

E sem esses factos, não é possível, na nossa perspectiva, determinar a conduta ou comportamento que deu causa ao acidente e atribuir a qualquer um dos condutores (ou a ambos) a culpa pela sua verificação.

Não se demonstrando a culpa de qualquer um dos condutores, importa equacionar a responsabilidade da Ré com base no risco e ao abrigo do disposto no art. 506º do CC, onde se dispõe: “Se da colisão entre dois veículos resultarem danos em relação aos dois ou em relação a um deles, e nenhum dos condutores tiver culpa no acidente, a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos…”.

De facto, apesar de o Autor/Apelante ter formulado a sua pretensão com base na culpa – que alegava existir – do condutor do veículo seguro na Ré, deve ter-se por implícito ou presumido que também pretendia a responsabilização da Ré com base no risco, caso não se viesse a demonstrar a culpa de qualquer um dos condutores.

Com efeito, e como refere Antunes Varela[2], a causa de pedir, nas acções de indemnização por acidente de viação, é o próprio acidente, e abrange todos os pressupostos da obrigação de indemnizar, mais afirmando que “Quando, porém, o autor pede em juízo a condenação do agente na reparação do dano, num dos domínios em que vigora a responsabilidade objectiva, mesmo que invoque a culpa do demandado, ele quer presuntivamente (a menos que haja qualquer declaração em contrário) que o mesmo efeito seja judicialmente decretado à sombra da responsabilidade pelo risco, no caso de a culpa se não provar”. Acrescenta que “Interpretar à letra, rigidamente, a invocação feita pelo autor, obrigando-o a interpor nova acção para obter o mesmo efeito fundamental com base na mesma ocorrência, seria uma violência que não cabe no espírito da lei processual vigente, fortemente impregnada do princípio da economia processual”. Assim, conclui[3], “ se o autor invocar a culpa do agente na acção destinada a obter a reparação do dano, num caso em que excepcionalmente vigore o princípio da responsabilidade objectiva, mesmo que não se faça prova da culpa do demandado, o tribunal pode averiguar se o pedido procede à sombra da responsabilidade pelo risco, salvo se dos autos resultar que a vítima só pretende a reparação se houver culpa do réu.”

Em sede de apuramento da medida de contribuição do risco de cada um dos veículos para os danos, não dispomos de elementos de facto relevantes.

Admitimos que, atendendo à estrutura e dimensão de cada um dos veículos (que é claramente percepcionada pelas fotografias juntas aos autos), o veículo seguro na Ré (sendo um jeep e de maior dimensão) tenha uma maior potencialidade para provocar danos mais substanciais num veículo mais pequeno e mais leve. Mas, por outro lado, as posições e trajectórias dos veículos apontam para uma maior contribuição do veículo do Autor para a produção dos danos, já que foi este veículo que impulsionou a sua marcha em direcção ao veículo na Ré, na medida em este estava atravessado na via e exerceu qualquer força directa contra aquele.

Nestas circunstâncias, parece-nos dever ser fixada em 50% a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos, em conformidade, aliás, com o disposto no art. 506º, nº 2, do CC, onde se determina que “Em caso de dúvida, considera-se igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos…”.

Assim, e por força do contrato de seguro, deverá a Ré indemnizar o Autor pelos danos que este sofreu, na proporção de metade.

Analisemos, então, os danos sofridos pelo Autor.

Nos termos do art. 562º, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. E o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.

O Autor/Apelante invoca os seguintes danos: o valor de 15.206,92€ (correspondente ao valor da reparação do veículo), o valor de 4.140,00€ (a título de indemnização pela privação do uso do veículo), o valor de 15,00€ (correspondente à despesa com o levantamento da apreensão do documento único automóvel) e o valor de 106,64€ (correspondente ao valor que despendeu com a inspecção ao veículo).

Comecemos por analisar o dano relacionado com a reparação do veículo.

Ficou, efectivamente, provado que o custo da reparação do veículo era de 15.206,92€ e ficou provado que o Autor procedeu a tal reparação.

Relativamente a este dano, alegava a Ré que o valor comercial do veículo era apenas de 14.000,00€ e, uma vez que o valor da reparação ultrapassava em 120% o valor venal do veículo MT, o sinistro seria, nos termos do disposto no artº 41º nº 1 do DL 291/2007, resolvido com base na respectiva perda total do veículo, pelo que, o valor máximo de indemnização nunca poderia ser superior a 8.000€ (já que os salvados valiam 6.000,00€).

Refira-se, desde já, que, ao contrário do que sustenta a Ré, o art. 41º, nº 1, do DL 291/2007 não poderá ser convocado para, sem mais, definir o valor da indemnização devida ao Autor. Com efeito, o critério aí estabelecido – para apurar os casos em que há perda total do veículo – releva apenas – como decorre do art. 31º, 36º e 38º do mesmo diploma – para efeitos de formulação de uma proposta razoável com vista à regularização dos sinistros de forma pronta e diligente por parte das empresas de seguros. Mas essas propostas e os critérios legais que definem os critérios objectivos em que elas devem assentar não são vinculativos para os lesados e não impedem, naturalmente, que as indemnizações que lhes são devidas venham a ser fixadas em valor superior, sendo que o apuramento dos danos e respectivas indemnizações está submetido às regras fixadas no Código Civil e não aos critérios e parâmetros definidos no diploma supra citado.

O princípio geral em matéria de indemnização é o de que quem está obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art. 562º do CC), dispondo o art. 566º, nº 1, do mesmo diploma, que a reparação do dano se fará, em princípio, pela reconstituição natural da situação que existia antes da lesão e apenas se fará em dinheiro quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.

Nada permitindo concluir – até porque nada foi alegado nesse sentido - que a reconstituição natural (reparação do veículo) não fosse possível ou não reparasse integralmente os danos, resta saber se a reparação do veículo era ou não excessivamente onerosa.

A Ré pouco alegou de concreto relativamente a esta matéria, limitando-se a aludir ao critério ou parâmetro definido no art.41º do Dec. Lei 291/2007 e em função do qual concluiu que a indemnização deveria ser fixada com base em perda total do veículo.

Mas, salvo o devido respeito, a questão de saber se a reparação é (ou não) excessivamente onerosa não pode ser resolvida com base no critério matemático que está estabelecido naquela disposição legal e com base na mera circunstância de o valor da reparação exceder o valor venal do veículo; tal questão terá que ser resolvida casuisticamente com a devida ponderação das circunstâncias concretas do caso e dos interesses do lesado, tendo presente a ideia de que a reconstituição natural apenas pode e deve considerar-se excessivamente onerosa para o devedor quando houver manifesta desproporção entre o interesse do lesado, que importa recompor, e o custo que a reparação natural envolve para o responsável.

E, para esse efeito, não basta ter em conta o valor venal ou comercial do veículo, antes de impondo – como se refere no Acórdão do STJ de 12/01/2006[4] - “…o seu confronto com o valor de uso que o lesado dele extrai pelo facto de dele dispor para a satisfação das suas necessidades”. Como se refere no Acórdão do STJ de 21/04/2010[5], “Um veículo de valor comercial reduzido pode estar em excelentes condições e satisfazer plenamente as necessidades do dono. Nestas circunstâncias a quantia equivalente ao valor de mercado do veículo (muitas vezes ínfima) não conduzirá à satisfação dessas mesmas necessidades, o que equivale a dizer-se que não reconstituirá o lesado na situação que teria se não fosse o acidente, pelo que a situação inicial do lesado só será reintegrada com a reparação do veículo”; “A indagação sobre a restauração natural ou a indemnização equivalente, deve fazer-se casuisticamente, sem perder de vista que se deve atender à melhor forma de satisfazer o interesse do lesado, o qual deve prevalecer sobre o do lesante, sendo pouco relevante, para os fins em análise, que o valor da reparação do veículo seja superior ao seu valor comercial”.

Um veículo muito usado fica desvalorizado e vale pouco dinheiro, mas, ainda assim, pode satisfazer as necessidades do dono, enquanto a quantia (muitas vezes irrisória) equivalente ao seu valor comercial pode não conduzir à satisfação dessas mesmas necessidades e, por essa razão, não reconstitui a situação que o lesado teria se não fossem os danos.

No caso sub judice, sabemos apenas que o custo da reparação do veículo é de 15.206,92€, que o veículo é do ano de 1999 e tinha 98.990 Km percorridos e, ainda que o veículo apenas tivesse o valor venal de 14.000,00€ - como alegou a Ré –, tais factos não autorizam, só por si, a conclusão de que a reparação era excessivamente onerosa.

Como se refere no Acórdão do STJ de 04/12/2007[6], era à Ré que cabia o ónus de provar que a reparação era excessivamente onerosa e “Se a ré seguradora quer beneficiar da excepção não lhe basta «encostar-se» ao valor venal; antes precisa de alegar e provar que o autor podia adquirir no mercado, e por que preço, um outro veículo que igualmente satisfizesse as suas necessidades «danificadas»”.

Impõe-se, portanto, concluir que o valor do dano sofrido pelo Autor é de 15.206,92€, por esse o valor necessário para reparar o veículo, reparação essa que acabou por ser efectuada pelo Autor, uma vez que a Ré não providenciou pela sua realização em tempo oportuno.

Analisemos agora o dano eventualmente decorrente da privação do veículo.

Com relevância para esta matéria, ficou provado que o veículo ficou apto a circular a partir de 17/05/2014, daí se inferindo – ainda que isso não seja dito de modo expresso na matéria de facto – que o Autor ficou privado da sua utilização desde o dia do acidente (21/10/2013) até 17/05/2014, ou seja, durante cerca de sete meses.

Como é sabido, a problemática da indemnização deste dano não tem merecido uma resposta uniforme da nossa jurisprudência

Há quem entenda que a privação do uso corresponde, só por si, a um dano indemnizável, na medida em que envolve, para o seu proprietário, a perda de uma utilidade, a de usar a coisa quando e como lhe aprouver, utilidade que, considerada em si mesma, tem um valor pecuniário; neste sentido podemos ver, entre outros, os Acórdãos do STJ de 05/07/2007 (processo nº 07B1849), de 12/01/2010 (processo nº 314/06.6TBCSC.S1), de 28/09/2011 (processo nº 2511/07.8TACSC.L2.S1) e de 08/05/2013 (processo nº 3036/04.9TBVLG.P1.S1)[7].

Em sentido contrário – ou seja, no sentido de que a simples privação de um veículo sem a demonstração de qualquer dano, isto é, sem qualquer repercussão negativa no património do lesado, não é susceptível de fundar a obrigação de indemnizar, sendo necessário alegar-se e provar-se factos no sentido de que a privação possa significar danos para o seu proprietário, podemos citar, entre outros, os Acórdãos do STJ de 21/04/2010 (processo nº 17/07.4TBCBR.C1.S1), de 03/05/2011 (processo nº 2618/08.06TBOVR.P1), de 10/01/2012 (processo nº 189/04.0TBMAI.P1.S1), de 12/01/2012 (processo nº 1875/06.5TBVNO.C1.S1), e de 04/07/2013 (processo nº 5031/07.7TVLSB.L1.S1)[8].

Encontramos ainda uma posição intermédia – designadamente nos Acórdãos do STJ de 15/11/2011 (processo nº 6472/06.2TBSTB.E1.S1) e de 16/03/2011 (processo nº 3922/07TBVCT.G1.S1)[9] – segundo a qual “Quando a privação do uso recaia sobre um veículo automóvel danificado num acidente, bastará que resulte dos autos que o seu proprietário o usava e usaria normalmente (o que, na generalidade das situações concretas, constituirá facto notório ou resultará de presunções naturais a retirar da factualidade provada), para que possa exigir-se do lesante uma indemnização autónoma a esse título, sem necessidade de provar directa e concretamente prejuízos quantificados, como, por exemplo, que deixou de fazer determinada viagem ou que teve de utilizar outros meios de transporte, com o custo correspondente…Se puder ter-se por provado que o proprietário lesado utilizava, na sua vida corrente e normal, o veículo sinistrado, ficando privado desse uso ordinário em consequência dos danos sofridos pela viatura, provado está o dano indemnizável durante o período de privação ou, tratando-se de inutilização total, enquanto não for indemnizado da sua perda, nos termos gerais”.

É evidente que a privação injustificada do uso de uma coisa, pelo respectivo proprietário, constitui – em regra – um acto ilícito que, violando o direito de propriedade, é susceptível de determinar a obrigação de indemnizar com fundamento em responsabilidade civil por factos ilícitos.

Mas, a afirmação, sem mais, de que a mera violação do direito de propriedade, com a consequente privação do uso que o proprietário poderia fazer da coisa, determina a obrigação de indemnizar equivale a dizer que esta obrigação se basta com a existência de um acto ilícito culposo e, na verdade, não é assim, já que, como decorre claramente da lei, a responsabilidade civil por factos ilícitos e a consequente obrigação de indemnizar pressupõem, como condição essencial, a existência de um dano (seja ele de natureza patrimonial ou não patrimonial) – cfr. arts. 483º, 562º e 564º do Código Civil[10]

Consideram, no entanto, os Acórdãos acima citados, designadamente, o referido acórdão de 05/07/2007 –, que a privação do uso de um veículo automóvel, traduzindo a perda da sua utilidade, ou seja, a perda da possibilidade de o utilizar quando e como lhe aprouver, tem valor pecuniário e, como tal, corresponde a um dano patrimonial.

Não nos parece que assim seja (pelo menos com tal amplitude), porquanto a mera possibilidade (em abstracto) de o proprietário utilizar o veículo não significa que tal utilização viesse a ocorrer efectivamente e, portanto, a mera privação daquela possibilidade abstracta poderá não ter qualquer reflexo concreto no seu património e poderá não lhe causar qualquer dano real e efectivo. Em tal situação, a indemnização desse pretenso dano, ao invés de repor a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (e é este o princípio geral no que toca à obrigação de indemnização – art. 562º), determinaria um enriquecimento injustificado do proprietário do veículo, que veria ingressar no seu património uma determinada quantia com vista à compensação de uma utilidade da qual não iria usufruir (porque não podia ou porque nisso não tinha qualquer interesse).  

Daí que, na nossa perspectiva, para que se possa falar em dano ou prejuízo decorrente da privação do uso de um veículo, seja necessário, pelo menos, que se demonstre que o proprietário/lesado o usava normalmente (ou usaria se não fosse o acto lesivo), que dele retirava (ou retiraria se tivesse a sua disponibilidade) as utilidades que lhe são próprias e que deixou de poder usá-lo, em virtude da privação ilícita[11].

Com efeito, se o proprietário usava normalmente o veículo e se dele retirava as suas utilidades e se deixou de fazer essa utilização por dele ter ficado privado na sequência de um acto ilícito de outrem, parece claro que algum prejuízo efectivo há-de ter sofrido, seja na modalidade de dano emergente (despesas que fez para satisfazer as necessidades que lhe eram proporcionadas pelo veículo de que ficou privado), seja na modalidade de lucro cessante (rendimentos que deixou de obter por ter ficado privado daquelas utilidades) ou seja na modalidade de danos não patrimoniais (incómodos e restrições/limitações de vária ordem na sua vida diária), devendo entender-se que – no actual contexto social em que o uso e a disponibilidade de um veículo automóvel estão vulgarizados e se mostram essenciais ao nosso quotidiano – a privação do uso de um veículo que era, efectivamente, utilizado representará sempre, no mínimo, um dano de natureza não patrimonial cuja relevância justifica a tutela do direito – por representar, por regra, incómodos e limitações relevantes – e que, como tal, sempre justificará a tutela do Direito.

Assente, portanto, que a privação do uso de um veículo representará sempre um dano a indemnizar – desde que se prove que o veículo era efectivamente utilizado ou que seria utilizado se não tivesse ocorrido o facto danoso (pois que se não existe uso, também não poderá existir qualquer dano decorrente da sua privação) – a questão resumir-se-á a uma questão de graduação da respectiva indemnização, já que, como é evidente, não poderá ser indemnizado do mesmo modo o proprietário de um veículo que, por dispor de outros veículos ou por não carecer de o usar com muita frequência, não teve transtornos relevantes e o proprietário do veículo que, carecendo de um veículo para as suas deslocações diárias e não tendo meios económicos para recorrer ao aluguer de um veículo, se vê obrigado a suportar uma alteração (por vezes muito significativa) no seu dia-a-dia, recorrendo a boleias, recorrendo a transportes públicos nem sempre compatíveis com os seus horários e afazeres, percorrendo a pé distâncias significativas, privando-se de muitas deslocações, etc..

É certo, portanto, que o tipo e a frequência de utilização dada ao veículo é um elemento importante para aferir a efectiva dimensão da respectiva privação e dos danos daí emergentes, sendo igualmente inquestionável que o valor da indemnização a fixar terá que ter em conta o tipo e a gravidade dos danos emergentes dessa privação. E recai, naturalmente, sobre o lesado o ónus de trazer esses factos ao processo, alegando os concretos danos e prejuízos que sofreu por estar privado da utilização do veículo.

No caso sub judice, o Autor apenas alegou – e provou – que utilizava o veículo na sua vida pessoal e nas lides agrícolas e que o custo de aluguer de um veículo idêntico ao veículo Porsche é de 100€ diários

É evidente, portanto, que não se provou – e nem sequer foi alegado – que a privação do uso do veículo tenha tido qualquer repercussão negativa no património do Autor, quer ao nível de danos emergentes (despesas feitas), quer ao nível de lucros cessantes (perda de rendimentos) e, portanto, nada permite afirmar a existência de qualquer dano de natureza patrimonial decorrente da privação do uso do veículo e, não estando demonstrada a existência de qualquer dano patrimonial, a indemnização a conceder ao Autor pela privação do uso do veículo apenas poderia radicar na existência de um dano de natureza não patrimonial.

E, nessa perspectiva, é totalmente irrelevante o valor necessário para o aluguer de outro veículo, na medida em que o que se pretende indemnizar não é a quantia gasta pelo Autor no aluguer de um veículo (despesa que o Autor não suportou), mas sim os incómodos que sofreu pelo facto de estar privado da utilização do veículo.

Tal indemnização deverá, portanto, ser fixada com recurso à equidade e tendo em conta a concreta gravidade dos incómodos, privações e limitações sentidos pelo Autor por não ter a possibilidade de utilizar o veículo.

A verdade, porém, é que nada sabemos de concreto sobre a gravidade desses danos.

Apenas se provou, como referimos, que o Autor utilizava o veículo na sua vida pessoal e nas lides agrícolas e, perante essa alegação vaga e genérica – que nem sequer nos permite saber qual a utilização que o Autor poderia dar a um veículo como o que está em causa nos autos em lides agrícolas –, ficamos sem saber qual era a concreta utilização que o Autor dava ao veículo e qual a frequência com que o utilizava; não sabemos se o Autor dispunha ou não de outro veículo que lhe tivesse permitido – sem incómodos relevantes – superar e ultrapassar a falta do veículo sinistrado; não sabemos como e em que circunstâncias supriu a falta das utilidades que lhe eram proporcionadas pelo veículo e, designadamente, como efectuou as suas deslocações (a pé, de transportes públicos, com recurso a boleias ou veículos emprestados ou com recurso a qualquer outro veículo de que fosse proprietário) e não sabemos quais foram as concretas restrições ou limitações que sofreu no seu dia-a-dia e nas suas actividades de lazer.

E, nestas circunstâncias, o dano sofrido pelo Autor pela privação do uso do veículo (durante um período de sete meses) não poderá ser valorado em quantia superior a 1.000,00€.

  

Assim e tendo ainda em conta que o Autor despendeu as quantias de 15,00€ e 106,64€ com o levantamento do documento único automóvel e com a realização da inspecção subsequente à reparação, o valor dos danos sofridos pelo Autor em consequência do acidente é de 16.328,56€, pelo que, nos termos supra mencionados, a Ré deverá pagar-lhe a quantia de 8.164,28€, correspondente a metade daquele valor.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

I – A circunstância de o autor basear a sua pretensão de indemnização dos danos sofridos em consequência de acidente de viação na culpa do condutor de um dos veículos não obsta a que, não sendo demonstrada a culpa, tal pretensão possa proceder com base na responsabilidade pelo risco, por se dever ter por implícito ou presumido que também pretendia a responsabilização nesses termos caso não se provasse a culpa.

II – O critério estabelecido no art. 41º, nº1, do DL 291/2007 – para apurar os casos em que há perda total do veículo – releva apenas para efeitos de formulação de uma proposta razoável com vista à regularização dos sinistros e não para efeitos de apuramento, em sede judicial, do valor da indemnização devida pelos danos causados no veículo.

III – A questão de saber se a reparação é (ou não) excessivamente onerosa não pode ser resolvida com base no critério matemático que está estabelecido no citado art. 41º e com base na mera circunstância de o valor da reparação exceder o valor venal do veículo; tal questão terá que ser resolvida casuisticamente com a devida ponderação das circunstâncias concretas do caso e dos interesses do lesado, tendo presente a ideia de que a reconstituição natural apenas pode e deve considerar-se excessivamente onerosa para o devedor quando houver manifesta desproporção entre o interesse do lesado, que importa recompor, e o custo que a reparação natural envolve para o responsável.

IV – A mera circunstância de o custo da reparação do veículo ser de 15.206,92€ e o respectivo valor venal ser de 14.000,00€ é insuficiente para concluir que a reparação é excessivamente onerosa.

V – Para que se possa falar em dano ou prejuízo da privação do uso de um veículo, será necessário, pelo menos, que se demonstre que o proprietário/lesado o usava normalmente (ou usaria se não fosse o acto lesivo), que dele retirava (ou retiraria se tivesse a sua disponibilidade) as utilidades que lhe são próprias e que deixou de poder usá-lo, em virtude da privação ilícita.

VI – Estando demonstrado que o lesado usava o veículo nas suas deslocações, deverá entender-se que – no contexto social em que o uso e a disponibilidade de um veículo automóvel estão vulgarizados e se mostram essenciais ao nosso quotidiano – a privação do respectivo uso representará sempre, no mínimo, um dano de natureza não patrimonial cuja relevância justifica a tutela do direito – por representar, por regra, incómodos e limitação relevantes – e que, como tal, deverá ser indemnizado, com recurso à equidade, tendo em conta o tipo e a frequência da utilização que era dada ao veículo e a maior ou menor gravidade dos incómodos e das limitações decorrentes dessa privação.


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V.
Pelo exposto, concede-se parcial provimento ao presente recurso e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida e condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de 8.164,28€ (oito mil, cento e sessenta e quatro euros e vinte e oito cêntimos) acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até pagamento.
As custas do presente recurso e as devidas em 1ª instância serão suportadas por ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento.
Notifique.

 Des. Relatora: Maria Catarina Gonçalves

Des. Adjuntos: Nunes Ribeiro

            Helder Almeida


[1] Todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[2] Das Obrigações em geral, Vol. I, 3ª ed., pág. 579.
[3] Ob. cit. pág. 580.
[4] Proc.nº 05B4176,disponível em http://www.dgsi.pt.
[5] Proc. nº 17/07.4TBCBR.C1.S1,disponível em http://www.dgsi.pt.
[6] Processo 06B4219, disponível em http://www.dgsi.pt.
[7] Todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[8] Também disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[9] Também disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[10] Diploma a que se reportam as demais disposições legais que venham a ser citadas sem menção de origem.
[11] Cfr. Acórdãos do STJ de 16/03/2011 e 15/11/2011, proferidos nos processos nºs 3922/07.2TBVCT.G1.S1 e 6472/06.2TBSTB.E1.S1, respectivamente, disponíveis em http://www.dgsi.pt.