Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
44092/08.4YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: EMPREITADA
OBRA PARTICULAR
LIBERDADE CONTRATUAL
REGIME
EMPREITADA DE OBRAS PÚBLICAS
MULTA CONTRATUAL
NULIDADE
Data do Acordão: 05/08/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MONTEMOR-O-VELHO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.294, 295, 405 CC, DL Nº 59/99 DE 2/3
Sumário: 1.- O princípio da autonomia privada e da liberdade contratual consente a faculdade aos contratantes de, na regulamentação convencional dos seus interesses, se afastarem das regras tipo legalmente fixadas para o contrato celebrado, podendo nele fixar cláusulas divergentes, pelo que nada obsta que num contrato de empreitada particular as partes acordem ser ao mesmo aplicável o regime legal que disciplina o contrato de empreitada de obras públicas, em tudo o que naquele se não ache previsto.

2. - Tendo num contrato de empreitada celebrado naqueles moldes sido clausuladas multas contratuais em caso de atraso do empreiteiro na execução da obra a que se obrigou, e sendo o contrato omisso quanto ao procedimento a adoptar para a liquidação de tais multas, a aplicação destas deve subordinar-se aos formalismos previstos para o efeito nos artigos 201º, nº5 e 143º, nº 2 do Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março.

3. -É nulo o acto de aplicação das referidas multas, nos termos dos artigos 294º e 295º do Código Civil, aquele em que o respectivo auto não se mostra assinado pelo empreiteiro ou por representante seu, ou que dele não consta a recusa de o assinarem.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I.RELATÓRIO

1. C (…) CONSTRUÇÃO E OBRAS PÚBLICAS, S.A., com sede em (...), Coimbra, apresentou na competente Secretaria de Injunções o requerimento constante de fls. 2, pedindo a notificação da B (…) LDA., com sede na Rua (...) Lisboa, no sentido de lhe ser paga a quantia de €: 182.667,89 [cento e oitenta e dois mil, seiscentos e sessenta e sete euros e oitenta e nove cêntimos], sendo €: 173.563,08, de capital, €: 8.744,81, de juros e €: 360,00, de taxa de justiça paga.

Alegou, para tanto, que celebrou com a requerida um contrato de empreitada para realização de trabalhos de construção civil para a edificação de quatro prédios (lotes 37, 38, 39 e 40) na (...), sendo que na sequência dos trabalhos realizados foram feitos os autos de medição, os quais foram aceites pela empresa que estava incumbida da fiscalização da obra, razão pela qual foi emitida a factura número 001/001919, datada de 15 de Junho de 2007, no montante global de €: 65.857,4, e a factura número 001/001951, datada de 30 de Junho de 2007, no montante global de €: 60.932,05, as quais foram aceites pela requerida que as contabilizou e lançou na conta corrente.

Mais, alegou que na sequência da tomada de posse da referida obra por parte da requerida, ficaram na obra e nos estaleiros adjacentes materiais e equipamentos que lhe pertenciam, cuja remoção a requerida impediu, razão pela qual emitiu a factura número 001/001970, datada de 1 de Março de 2008, no valor de €: 46.773,62, que corresponde ao valor dos materiais e equipamentos de que a requerida se apoderou.

Regularmente notificada, a requerida deduziu oposição na qual alegou que a requerente não tem direito ao pagamento das quantias referidas no seu requerimento de injunção, porquanto não cumpriu o contrato de empreitada em questão, nomeadamente quanto ao prazo de conclusão dos trabalhos, razão pela qual, e de acordo com a sua Cláusula 20ª, §3, o dito contrato veio a ser por si rescindido.

Acrescentou que com base na dita Cláusula 20ª, do contrato de empreitada, aplicou à requerente multas no valor global de €: 161.000,00, quantia esta que foi descontada no valor das facturas número 001/001919, datada de 15 de Junho de 2007, e número 001/001951, datada de 30 de Junho de 2007, ficando a requerida credora do valor diferencial, ou seja, €: 34.210,54.

Disse, também, que a requerente foi notificada para levantar os materiais e equipamentos deixados na obra, razão pela qual, e por não concordar com o valor que aquela fixou aos ditos materiais e equipamentos, lhe devolveu a factura número 001/001970, datada de 1 de Março de 2008.

Em reconvenção, alegou que os atrasos da requerente na execução daquela obra lhe causaram danos que até à data se avaliam em €: 378.073,67, pelos quais aquela é responsável nos termos do disposto no artigo 234º, número 3, do Decreto-lei número 59/99, e na Cláusula 21ª, §4, do contrato de empreitada.

Formulou pedido reconvencional, pedindo a condenação da requerente no pagamento da requerida quantia e pediu, ainda, a condenação da requerente como litigante de má fé.

Remetidos à distribuição, nos termos do artigo nos termos do artigo 17º, número 1, do Diploma anexo ao Decreto-lei número 269/98, de 1 de Setembro, passaram os autos a seguir os termos da forma ordinária do processo comum de declaração, atento o seu valor – cf. artigo 7º, número 2, do Decreto-Lei número 32/2003, de 17 de Fevereiro.

Nessa conformidade, notificada da oposição da ré [cf. artigo 492º, número 1, do Código de Processo Civil], a autora apresentou réplica, por meio da qual pugnou pela improcedência das excepções deduzidas pela ré e impugnou o seu pedido reconvencional.

Procedeu, ainda, a uma ampliação do pedido, com vista à condenação da ré no pagamento da quantia de €: 210.000,00, a título de danos patrimoniais, e da quantia de €: 200.000,00, a título de danos não patrimoniais, todos decorrentes do incumprimento, pela ré, do contrato de empreitada em apreço.

Notificada, a ré apresentou tréplica, impugnando a ampliação do pedido formulada pela autora e pugnando pela total improcedência da acção e procedência da reconvenção.

Dispensada a realização da audiência preliminar e admitida a reconvenção, foi proferido despacho saneador, seguido da selecção da matéria de facto, em cujo âmbito se fixaram os factos assentes e seleccionaram aqueles que, por controvertidos, deveriam integrar a base instrutória.

Cumprido o disposto no artigo 512º, do Código do Processo Civil e instruído o processo com os meios de prova apresentados pelas partes, procedeu-se a julgamento, findo o qual, por despacho de fls. 469-477, foi proferida a decisão sobre a matéria de facto.

Após, foi proferida sentença que:

A. Absolveu da instância a Ré relativamente à ampliação do pedido formulada pela Autora em sede de tréplica;

B. Julgou a acção parcialmente procedente, e, em consequência:

a) Condenou a ré a pagar à autora a quantia global de €: 126.789,45 [cento e vinte e seis mil, setecentos e oitenta e nove euros e quarenta e cinco cêntimos], sendo €: 65.857,40 relativos à factura número 001/001919, datada de 15 de Junho de 2007, e €: 60.932,05 relativos à factura número 001/001951, datada de 30 de Junho de 2007, acrescida de juros contados, à taxa legal prevista para as operações de comércio, desde a data de vencimento das indicadas facturas até efectivo e integral pagamento;

b) Condenou a mesma ré a restituir a quantia titulada pela garantia bancária que esta prestou no âmbito da empreitada em causa nestes autos, no valor de €: 140.000,00 [cento e quarenta mil euros], deduzida do montante necessário para ressarcir aquela ré dos prejuízos decorrentes da rescisão daquele contrato, cuja quantificação se relega para execução de sentença.

c) No mais, julgou a acção improcedente, por não provada, absolvendo a ré dos restantes pedidos formulados.

C. Julgou a reconvenção parcialmente procedente condenando a reconvinda C (…)- Construção e Obras Públicas, S.A” a pagar à reconvinte B (…), Ldª a quantia necessária para efectuar as reparações dos trabalhos por aquela realizados na obra, cuja quantificação é relegada para ulterior liquidação de sentença, “sendo o limite da indemnização a determinar fornecido pela quantia que a esse respeito foi pedida pela ré (€ 70.000,00, acrescida de IVA)”;

D. No mais, julgou a reconvenção improcedente, por não provada, absolvendo a reconvinda dos restantes pedidos nessa sede formulados.

2. Inconformada com tal decisão, dela interpôs a Ré recurso de apelação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:

(…)

A apelada contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO

A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras[1], importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito[2].

B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar fundamentalmente:

- Se a sentença recorrida padece de nulidade;

- Se o tribunal recorrido errou ao aplicar aos autos de fiscalização o disposto no n.º 2 do art.º 143.º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, e o disposto nos artigos 294.º e 295.º do Código Civil;

- Se o tribunal recorrido podia impor, no segmento em que condenou a reconvinda a pagar à reconvinte a quantia necessária para efectuar as reparações dos trabalhos por aquela realizados na obra, e cuja quantificação foi relegada para liquidação de sentença, o limite de € 70.000,00, acrescida de IVA na determinação dessa quantia.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Foram os seguintes os factos julgados provados pela primeira instância:

i. Em 4 de Agosto de 2005, requerente e requerida celebraram um acordo, denominado contrato de empreitada.

ii.  No âmbito do referido contrato de empreitada, a requerente obrigou-se a executar as obras de edificação de quatro edifícios de habitação colectiva, a levar a efeito nos lotes 37 a 40 do loteamento com o alvará número 03/02 emitido pela Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, a 3 de Setembro de 2002, todos sitos na freguesia da (...), concelho de Montemor-o-Velho, inscritos na matriz predial da freguesia da (...) sob os artigos (...), respectivamente, descritos na Conservatória do Registo Predial de Montemor-o-Velho sob os n.ºs (...).

iii. Na sequência dos trabalhos mencionados em B), dos factos assentes, foram realizados os autos de medição.

iv. A autora, na sequência dos trabalhos mencionados em B), dos factos assentes, emitiu a factura nº 001/001919 datada de 15 de Junho de 2007, no montante de € 65.857,41 e a factura nº 001/001951 datada de 30 de Junho de 2007, no montante global de 60.932,05.

v. As facturas foram enviadas a ré.

vi. A autora emitiu a factura nº 001001970, de 1 de Março de 2008, respeitante aos materiais e equipamentos que ficaram na obra, no valor de € 46.773,63.

vii. A autora no âmbito do contrato mencionado em A), dos factos assentes, obrigou-se a realizar todos os trabalhos e a prestar todos os serviços necessários, incluindo as obras provisórias e os trabalhos preparatórios, complementares, subsidiários ou finais, tudo em conformidade com as regras técnicas aplicáveis (conforme consta da Cláusula Sétima do contrato de empreitada junto como doc. nº 1).

viii. Nos termos da cláusula sétima do contrato mencionado em A), dos factos assentes, a autora obrigou-se também a fornecer os materiais previstos no Contrato e seus anexos e os demais adequados às características da obra, substituindo imediatamente aqueles que fossem rejeitados pelo dono da obra ou pela Câmara Municipal de Montemor-o-Velho (conforme contrato de empreitada junto como doc. nº 1).

ix. Obrigou-se, ainda, a dispor de todos os equipamentos necessários à execução da obra (conforme consta da Cláusula Sétima do contrato de empreitada junto como doc. nº 1).

x. Declarou a requerente, na Cláusula 4ª, do contrato de empreitada, que “tem a experiência e as qualificações próprias e adequadas para a execução da empreitada, estando organizada e dispondo dos equipamentos e dos meios humanos e financeiros para a execução dos trabalhos que a constituem”.

xi. Obrigou-se também a autora a montar uma protecção eficaz no terreno, de forma a não provocar acidentes, designadamente, a pessoas ou veículos estranhos à obra (conforme consta da Cláusula Sétima do contrato de empreitada junto como doc. nº 1).

xii. Nos termos da Cláusula décima quarta, do contrato mencionado em A), dos factos assentes, o prazo para a completa execução da obra era de dezassete meses, o qual prevalecia sobre o prazo previsto no Caderno de Encargos.

xiii. Da Cláusula sétima, alínea E), do mesmo contrato, consta que a autora se obrigou a cumprir todos os prazos fixados, bem como o prazo final estabelecido na Cláusula décima quarta.

xiv. Nos termos da cláusula décima quarta, o prazo de execução da empreitada era contado desde a data do auto de consignação, a assinar no prazo máximo de 15 dias após a assinatura do contrato mencionado em A), dos factos assentes.

xv. O auto de consignação foi assinado pelos legais representantes de ambas as partes em 11 de Agosto de 2005.

xvi. De modo a cumprir a legislação aplicável em matéria de condições de segurança e de saúde no trabalho em estaleiros temporários, mais especificamente o disposto no artigo 12º, do Decreto-lei número 273/2003, de 29 de Outubro, acordaram as partes que o prazo de execução da empreitada apenas começaria a correr a partir da comunicação da aprovação do plano de segurança.

xvii. O plano de segurança da obra foi aprovado em 4 de Outubro de 2005.

xviii. Esta aprovação foi directamente comunicada à C (…) S.A. pelo coordenador de segurança em obra.

xix. Nos termos da cláusula 20ª, do contrato de empreitada acima referido, em caso de atraso da empreitada: “4. Sem prejuízo das demais sanções previstas na Cláusula Décima Sétima do presente Contrato, ser-lhe-á aplicada, até ao final dos trabalhos ou à rescisão do presente Contrato, a seguinte multa diária: a) 1‰ (um por mil) do valor do Contrato, num primeiro período correspondente a um décimo do referido prazo; b) Em cada período subsequente de igual duração, a multa sofrerá um acréscimo de 0,5‰ (zero vírgula cinco por mil) até atingir um máximo de 20% (vinte por cento)”.

xx. Ao abrigo do disposto no número 4 da Cláusula Vigésima Primeira, do contrato de empreitada mencionado em A), dos factos assentes, “4. A rescisão prevista no número anterior não prejudica o direito de o dono da obra ser indemnizado, podendo haver para si as quantias retidas, a título de depósito de garantia, executar de imediato as garantias bancárias previstas na Cláusula Vigésima Sétima do presente Contrato e, bem assim, suspender o pagamento de quantias em dívida ao empreiteiro”.

xxi. A ré convocou a requerente para estar presente na posse administrativa da obra.

xxii. Tendo comparecido em representação da requerente o Dr. Rui Santos.

xxiii. Nos termos da Cláusula Segunda, do contrato de empreitada, a empreitada regia-se pelo disposto no mesmo e, em tudo quanto fosse omisso, aplicar-se-ia o disposto no Decreto-Lei número 59/99, de 2 de Março.

xxiv. Nos termos da Cláusula Décima Segunda, do contrato de empreitada, as partes acordaram que o preço da empreitada seria no montante de € 1.400.000,00.

xxv. E nos termos da cláusula 13ª, do Contrato de empreitada, “1. O pagamento do preço será efectuado mensalmente mediante a apresentação ao DONO DA OBRA de autos de vistoria com medições das quantidades de trabalhos realizados, tendo por base os preços referidos no mapa das quantidades de trabalhos e preços, Anexos à proposta apresentada pelo EMPREITEIRO, com as posteriores alterações.” 3. a) “ Os pagamentos das facturas, depois de expressamente confirmadas pela fiscalização, serão efectuados a 90 (noventa) dias.” c) “ As amortizações das facturas serão feitas de acordo com a libertação da entidade financiadora “.

xxvi. Nos termos da Cláusula 21ª, que trata do INCUMPRIMENTO DO CONTRATO PELO EMPREITEIRO, resulta o seguinte: “1. Sem prejuízo do estabelecido na Cláusula Décima Sétima do presente Contrato, se o EMPREITEIRO faltar ao cumprimento de qualquer das suas obrigações, o DONO DA OBRA deverá notificá-lo para apresentar, nos 11 (onze) dias seguintes, os planos dos diversos trabalhos que em cada um dos meses seguintes conta executar, com indicação dos meios de que se vai servir. 2. O EMPREITEIRO tem o dever de eliminar os defeitos que puderem ser suprimidos ou realizar nova obra se estes não puderem ser eliminados. 3. Havendo incumprimento do EMPREITEIRO em relação ao referido no número anterior, o DONO DA OBRA tem direito a rescindir o Contrato mediante carta registada com aviso de recepção. 4. A rescisão prevista no número anterior não prejudica o direito de o DONO DA OBRA ser indemnizado, podendo haver para si as quantias retidas, a título de depósito de garantia, executar de imediato as garantias bancárias previstas na Cláusula Vigésima Sétima do presente Contrato e, bem assim, suspender o pagamento de quantias em dívida ao EMPREITEIRO. 5. Rescindido o Contrato, o EMPREITEIRO entregará, de imediato, o Local da Obra, deixando esta no estado em que se encontrar, levando os seus materiais e equipamentos, sob pena de o DONO DA OBRA os remover por conta e risco daquele”.

xxvii. Os trabalhos objecto do contrato mencionado em A) pararam em 24 de Julho de 2007.

xxviii. Os trabalhos incluídos nas facturas mencionadas em D), dos factos assentes, foram medidos em autos que foram aprovados.

xxix. Nos termos acordados, o pagamento das facturas mencionadas em D), dos factos assentes, deveria ser efectuado 90 dias após a respectiva emissão, tendo a autora feito constar na factura referida em F), dos factos assentes, o dia 31 de Março de 2008 como sendo a data do respectivo vencimento.

xxx. Em Junho de 2007 encontrava-se facturado 62,46% da empreitada.

xxxi. Por considerar que a obra estava a ser executada a um ritmo lento, a ré solicitou por escrito à autora a realização de reuniões e que a mesma procedesse à recuperação da empreitada.

xxxii. Em 28 de Junho de 2007, a requerida notificou a requerente para apresentar os planos dos diversos trabalhos que em cada um dos meses seguintes contava executar, com indicação dos meios de que se ia servir para o fazer.

xxxiiii. A autora não apresentou os planos dos diversos trabalhos referidos no artigo 6º, da base instrutória.

xxxiv. Durante várias semanas a obra ficou quase parada.

xxxv. Na data mencionada em AA), dos factos assentes, a autora saiu da obra e nunca mais lá voltou.

xxxvi. Face à conduta descrita, a ré declarou à autora que pretendia rescindir o contrato de empreitada, nos temos do número 3 da sua Cláusula Vigésima.

xxxvii. A autora não se pronunciou sobre a intenção mencionada em 12º, da base instrutória.

-           xxxviii. E, a 3 de Agosto de 2007, a requerida comunicou à autora a rescisão do contrato de empreitada, a qual foi por ela recebida em 7 de Agosto de 2007.

xxxix. Face ao teor da cláusula mencionada em S), dos factos assentes, a ré, por carta enviada a 26 de Julho de 2007, comunicou à C (…), S.A. que “Decorrido o prazo de oito dias conferido para V. Ex.ª dizerem o que tivessem por conveniente sobre a aplicação da multa, e nada tendo dito, informamos que ao valor da multa será deduzido o valor da factura número 001/001951, de 07/06/30, quando vencida, ficando ainda em dívida para com a B (...) o saldo diferencial”.

xl. A autora recebeu essa carta e não se pronunciou.

xli. E, face ao teor da mesma cláusula, a ré a 19 de Agosto de 2008, comunicou, de novo, à C (…), S.A. que: “Decorrido o prazo de oito dias conferido para V. Ex.ª dizerem o que tivessem por conveniente sobre a aplicação da multa, e nada tendo dito, informamos que ao valor da multa será deduzido o valor da factura nº 001/001919, ficando ainda em dívida para com a B (…)o saldo diferencial acumulado”.

xlii. A autora recebeu essa carta e não se pronunciou.

xliii. Na sequência das comunicações mencionadas nos artigos 15º e 17º, da base instrutória, a ré procedeu ao desconto do valor global de €: 161.000,00 ao valor das facturas números 001/001919, de 15 de Junho de 2007, e número 001/001951, de 30 de Junho de 2007.

xliv. A ré enviou uma carta à autora a comunicar que “Decorrido o prazo conferido a V. Ex.ªs dizerem o que tivessem por conveniente sobre a aplicação da multa, e nada tendo dito, informamos que ao valor da multa será acrescido o saldo resultante da aplicação das multas anteriores, ficando, assim, em dívida para com a B (…), o saldo

diferencial de €34.210,54”.

xlv. No dia 8 de Agosto de 2007, a ré procedeu à posse administrativa da obra.

xlvi. Na mesma data foi feito um levantamento do material e equipamento existente na obra assinado por todos os presentes, incluindo o representante da requerente.

xlvii. A 17 de Agosto de 2007, a ré notificou a autora para os retirar os equipamentos, nos seguintes termos: “Tendo em consideração a rescisão contratual efectuada e a posse administrativa do local da obra, vimos solicitar a V. Ex.ª: (…) 2. A remoção, no prazo de oito dias do estaleiro da obra e dos seguintes materiais e equipamentos (…)”.

xlviii. A ré reparou e concluiu trabalhos não concluídos (pela autora) nos lotes, no que despendeu quantia não concretamente determinada.

xlix. A ré executou a garantia bancária que a autora havia apresentado, no valor de €:140.000,00, tendo deduzido o valor que atribuiu aos materiais e equipamentos em obra, na quantia de €: 29.895,23 (IVA incluído).

li. Devido a alterações no projecto na parte das fundações, a ré prorrogou o prazo de execução de trabalhos em 2 (dois) meses.

lii. À Autora só lhe foi concedido pela Banca um contrato de factoring a 90 dias e com direito de recurso, ou seja, com o direito da entidade de factoring a retirar da conta da Autora os montantes adiantados caso as facturas cedidas não fossem pagas pela ré, no prazo de 90 dias.

liii. Ambas as partes aceitaram o contrato de factoring com pagamento a 90 dias e com recurso.

liv. Em Junho de 2007, encontravam-se facturados 62,46% da empreitada.

lv. À data de 31 de Outubro de 2008 (data da réplica), a obra mencionada em B), dos factos assentes, não se encontrava concluída.

lvi. A autora suportou os encargos bancários decorrentes do accionamento, pela ré, da garantia bancária nº 980106001188, no valor de €: 140.000,00, emitida pela B (...)a favor da B (…), LDA..

IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1. Nulidade da sentença

O nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil prevê os vários casos de nulidade que podem afectar a sentença, determinando que “é nula a sentença quando:

            a) Não contenha a assinatura do juiz;

            b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

            c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão;

            d) O juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

            e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido;

f) Seja omissa no que respeita à fixação da responsabilidade por custas, nos termos do nº 4 do artigo 659º ”.

            O referido dispositivo contém uma enumeração taxativa das causas de nulidade da sentença[3], nelas não se inserindo o designado erro de julgamento, que apenas pode ser atacado por via de recurso, quando o mesmo for legalmente admissível[4].

Sustenta a recorrente em sede de alegações de recurso que a sentença objecto aqui de sindicância padece do vício previsto na alínea c) do nº1 do artigo 668º do Código de Processo Civil.

Argumenta, para o efeito, quetendo ficado provado que assistiu o direito à Ré de rescindir o contrato de empreitada com a A., tendo ficado provado que assistiu o direito à Ré de executar a garantia bancária, que a Ré teve danos “em quantia não concretamente determinada” e que não limitou o seu pedido a uma quantia certa, verifica-se uma oposição da decisão final com os seus fundamentos ao limitar o dano indemnizável a 70.000€ (setenta mil euros) e, consequentemente, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC, verifica-se a nulidade desta parte da sentença, por a decisão, nesta parte, estar em oposição com aqueles fundamentos”.

Importa, deste modo, indagar se se configura o indigitado vício.

Na alínea c) do nº1 do artigo 668º do Código de Processo Civil enquadra-se o vício da sentença em que ocorra oposição entre os seus fundamentos e a decisão.

            Importa realçar que o vício em causa se reporta à sentença e não à decisão sobre a matéria de facto, realidades naturalmente distintas, mas que, sobretudo em sede de alegações de recurso, tendem por vezes a ser confundidas. Não se cuida, no vício apontado pela alínea c) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, de indagar se existe contradição/oposição entre a decisão que julga a matéria de facto e os fundamentos que a motivaram, como sucede na hipótese delineada pelo artigo 653º da lei adjectiva, mas antes de averiguar se essa oposição ocorre entre a decisão que aprecia a matéria controvertida e os fundamentos quer de facto, quer de direito que contribuíram para essa mesma decisão.

            Numa perspectiva silogística da sentença, a decisão nela contida deve estar numa relação lógica e coerente com as respectivas premissas, que a hão-de anteceder, sendo aquela o resultado natural decorrente das mesmas.

            Isto é, “a decisão tem como antecedentes lógicos os fundamentos de direito (premissa maior) e os fundamentos de factos (premissa menor), não podendo o sentido da decisão achar-se em contradição ou oposição com os fundamentos, o que sucede sempre que na construção da sentença os fundamentos expressos pelo juiz, necessariamente, haveriam de conduzir a uma solução de sentido antagónico: a proposição final (conclusão) revela-se incompatível com as proposições logicamente antecedentes (fundamentos), o que traduz um vício de raciocínio. A nulidade de oposição entre os fundamentos e a decisão não se confunde com o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, ou com a inidoneidade dos fundamentos para conduzir à decisão”[5].

            Configura-se a nulidade tipificada no citado preceito quando “o juiz escreveu o que queria escrever; o que sucede é que a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto”[6].

Ou seja: “…se os fundamentos invocados conduzem logicamente, não ao resultado expresso da decisão, mas a resultado oposto ou pelo menos diferente, em última análise a decisão carece de fundamento”[7].

Não se descortina na sentença em recurso o apontado vício. Contrariamente ao entendimento da recorrente, existe correspondência lógica entre a decisão e as premissas em que se apoia e lhe servem de fundamento.

Quanto aos fundamentos que ditaram a procedência parcial da reconvenção com a condenação da reconvinda a pagar a quantia necessária para esta efectuar as reparações dos trabalhos por aquela realizados na obra “cuja quantificação se relega para ulterior liquidação de sentença, sendo o limite da indemnização a determinar fornecido pela quantia que a este respeito foi pedida pela ré (€: 70.000,00, acrescida de IVA)”, escreveu-se na sentença recorrida: “… relativamente às reparações dos trabalhos efectuados pela autora, trata-se aqui de um dano indemnizável, sendo certo que a discussão da causa não permitiu a sua concreta quantificação.

Ora, nos termos do artigo 661º, número 2, do Código de Processo Civil, se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se vier a liquidar em execução de sentença, sem prejuízo da condenação imediata na parte que já seja líquida.

Como tem sido afirmado, o tribunal encontra-se perante a necessidade de proferir uma sentença ilíquida sempre que, verificando que o réu deixou de cumprir determinada obrigação ou praticou certo facto ilícito, quer dizer, reconhecendo que tem de o condenar, não dispõe de elementos para determinar o objecto ou a quantidade da condenação [ALBERTO DOS REIS, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, p. 71].

Assim, verificada a existência do dano, mas não se dispondo de elementos para fixar o seu integral valor, ao Tribunal restará apenas relegar a fixação do quantum indemnizatório relativo às reparações dos trabalhos realizados pela autora, para liquidação de sentença, nos termos do citado artigo 661º, número 2, do Código de Processo Civil, sendo o limite da indemnização a determinar fornecido pela quantia que a este respeito foi pedida pela ré (€: 70.000,00, acrescida de IVA)”.

Não existe, pois, qualquer oposição entre aquele segmento decisório e os fundamentos em que assenta, antes existindo entre um e outros uma relação de lógica e coerência.

Improcedem, assim, as conclusões recursivas quanto à invocada nulidade da sentença.

2. O princípio da liberdade contratual consagrado no artigo 405.º do Código Civil concede, a quem contrata, a liberdade de escolha da parte com quem se contrata, mas, e especialmente, consente a livre fixação do conteúdo e clausulado do contrato, desde que não contrariem disposições leais de natureza imperativa.

Ou seja: compreende a liberdade de contratar ou de não contratar, a faculdade de escolher o outro contraente, bem como “a possibilidade de, na regulamentação convencional dos seus interesses, se afastarem dos contratos típicos, ou paradigmáticos, disciplinados na lei (celebrando contratos atípicos) ou de incluírem em qualquer desses contratos paradigmáticos cláusulas divergentes do regulamento supletivo contido no Código Civil”[8].

Constitui o mesmo o corolário da autonomia privada, sofrendo apenas as limitações decorrentes da imperatividade das normas que regulam o objecto negocial[9] ou que regulem especificamente certo tipo de contrato.

A amplitude que a lei deixa aos particulares para gerirem os seus interesses terá, por isso, de ser compatível com as liberdades de escolha do tipo contratual e de estipulação do respectivo clausulado.

No caso concreto celebraram as partes entre si um contrato de empreitada com os contornos e a caracterização a que alude a sentença recorrida.

No âmbito da referida liberdade contratual que a lei lhes reconhece, nada obstava que subordinassem o referido contrato, em tudo o que não tenha sido objecto de estipulação contratual, à disciplina reguladora dos contratos de empreitada de obras públicas, recolhida no Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março, mais actual, mais detalhada e com conceitos mais precisos, com garantia de maior equilíbrio na relação sinalagmática, sem que isso se traduza numa descaracterização do negócio ou numa submissão a ordenamento que lhe é estranho.

Segundo a cláusula 2ª do contrato celebrado pelas partes, este rege-se pelo que nele é estipulado e, em tudo o que for omisso, pelo disposto no Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março.

Tendo a Autora (empreiteira) demandado a Ré (dona da obra) para reclamar o pagamento de facturas em débito relativas a trabalhos por aquela executados, assim como de materiais e equipamentos deixados na obra, cuja remoção foi impedida de efectuar, contrapôs a segunda a inexigibilidade daquela prestação, argumentando ter liquidado, com base na cláusula 20ª do contrato entre elas celebrado, à primeira multas no valor global de € 161.000,00, que descontou no valor das facturas cujo pagamento é peticionado, sendo ainda credora do diferencial.

A referida cláusula prevê, para o caso de atraso na execução da empreitada, o seguinte: “Sem prejuízo das demais sanções previstas na Cláusula Décima Sétima do presente Contrato, ser-lhe-á aplicada, até ao final dos trabalhos ou à rescisão do presente Contrato, a seguinte multa diária: a) 1‰ (um por mil) do valor do Contrato, num primeiro período correspondente a um décimo do referido prazo; b) Em cada período subsequente de igual duração, a multa sofrerá um acréscimo de 0,5‰ (zero vírgula cinco por mil) até atingir um máximo de 20% (vinte por cento)”.

A referida cláusula 20ª constitui um decalque da previsão contida no nº1 do artigo 201º do referido diploma quando este estabelece: “   Se o empreiteiro não concluir a obra no prazo contratualmente estabelecido, acrescido de prorrogações graciosas ou legais, ser-lhe-á aplicada, até ao fim dos trabalhos ou à rescisão do contrato, a seguinte multa contratual diária, se outra não for fixada no caderno de encargos:

a) 1(por mil) do valor da adjudicação, no primeiro período correspondente a um décimo do referido prazo;

b) Em cada período subsequente de igual duração, a multa sofrerá um aumento de 0,5 (por mil), até atingir o máximo de 5 (por mil), sem, contudo e na sua globalidade, poder vir a exceder 20% do valor da adjudicação”.

Prevê o nº 5 do referido dispositivo que “A aplicação de multas contratuais nos termos dos números anteriores será precedida de auto lavrado pela fiscalização, do qual o dono da obra enviará uma cópia ao empreiteiro, notificando-o para, no prazo de oito dias, deduzir a sua defesa ou impugnação”.

Tal normativo remete para a previsão do artigo 143º, nº2 do mesmo diploma legal, que define as formalidades de que se deve revestir o auto: “Sempre que, nos termos do presente diploma ou do contrato, deva lavrar-se auto da diligência efectuada, será o mesmo assinado pelo fiscal da obra e pelo empreiteiro ou seu representante, ficando um duplicado na posse deste”.

Autora e Ré previram e estabeleceram multas contratuais para eventuais atrasos na execução da obra, sanção que decalcaram, como já se referiu, do artigo 201º, nº1 do Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março, mas nada definiram quanto ao modo de liquidação das referidas multas, pelo que tal procedimento deve subordinar-se às regras para o efeito estabelecidas no citado diploma, para cuja aplicação remeterem em tudo o que contratualmente seja omisso.

A presença do empreiteiro exigida pelo artigo 143º, nº2 do Decreto-Lei 59/99, de 2 de Março compreende-se, por um lado, pela necessidade de se proceder ao levantamento dos trabalhos realizados e apuramento dos trabalhos em falta, para assim ser apurado o âmbito do incumprimento do empreiteiro e determinar, se for o caso, o valor da multa a aplicar, sendo a colaboração deste essencial nessa tarefa.

Mas, sobretudo, assenta em imperativos de ordem pública - designadamente, garantir o direito de defesa de uma parte contratante que pode ser negativamente afectada pelo acto em causa -, que apenas podem ser plenamente assegurados com a presença do empreiteiro.

E não se veja no disposto no nº5 do apontado normativo razão para defender a ausência daquela imperatividade, como pretende a recorrente. Este apenas se destina a sancionar a conduta infractora, e não a conferir validade ao acto que, omitindo a formalidade prescrita pelo nº2 do mencionado artigo 143º, é nulo nos termos dos artigos 294º e 295º do Código Civil, como se refere na sentença recorrida.

A aplicação das multas contratuais, contrariamente ao que sustenta a recorrente, não dispensa as formalidades do auto com a presença do empreiteiro, nos moldes exigidos pelo nº2 do artigo 143º do Decreto-Lei nº 59/99, sendo claro e inequívoco o que nele se determina: sempre que deva lavrar-se auto de diligência, nos termos do diploma ou do contrato, este terá de ser também assinado pelo empreiteiro ou pelo seu representante, o que pressupõe a presença de um ou do outro no acto.

A aplicação das multas não depende de simples cálculo aritmético - a ser assim nem sequer se justificaria a elaboração de qualquer auto; antes pressupõe, conforme já adiantado, um levantamento dos trabalhos efectuados e por efectuar, o que só será possível de concretizar em diligência a realizar no local da obra e, naturalmente, com a presença do empreiteiro ou de quem o represente.

Assim, bem andou o tribunal recorrido ao concluir[10] pela nulidade da liquidação das multas contratuais, por preterição do formalismo exigido pelo nº2 do artigo 143º do Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março, e que “…não assistia à ré o direito a proceder ao desconto das referidas multas no valor das facturas acima referidas - factura número 001/001919, datada de 15 de Junho de 2007, no montante global de €: 65.857,40, e factura número 001/001951, datada de 30 de Junho de 2007, no montante global de €: 60.932,05 -, ambas relativas ao preço de trabalhos realizados na empreitada, que a ré deixou por pagar”, não se configurando, por conseguinte, qualquer causa extintiva da obrigação de proceder a tal pagamento.

Sustenta, finalmente, a apelante, que o tribunal recorrido não podia impor o limite de € 70.000,00, acrescido de IVA, como valor fixado para efectuar as reparações dos trabalhos realizados pela apelada, que esta foi condenada a satisfazer e cuja quantificação foi relegada para liquidação em execução de sentença.

Os limites da condenação estão definidos no artigo 661º do Código de Processo Civil, não podendo o juiz exceder tais limites.

Ora, é a apelada que determina, e de forma definitiva, os limites da condenação que pretende obter para essas reparações, designadamente no artigo 65º, alínea d) da oposição à injunção, onde reclama indemnização por danos com “reparação e conclusão de trabalhos não concluídos nos lotes e já facturados e pagos à requerente, no valor de € 70.000 (setenta mil euros), tudo conforme consta do documento junto sob o nº 24, que se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os devidos e legais efeitos”.  

Nenhuma censura merece, também nesta parte, a sentença recorrida, que assim haverá de ser confirmada.


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Síntese conclusiva:

- O princípio da autonomia privada e da liberdade contratual consente a faculdade aos contratantes de, na regulamentação convencional dos seus interesses, se afastarem das regras tipo legalmente fixadas para o contrato celebrado, podendo nele fixar cláusulas divergentes, pelo que nada obsta que num contrato de empreitada particular as partes acordem ser ao mesmo aplicável o regime legal que disciplina o contrato de empreitada de obras públicas, em tudo o que naquele se não ache previsto.

- Tendo num contrato de empreitada celebrado naqueles moldes sido clausuladas multas contratuais em caso de atraso do empreiteiro na execução da obra a que se obrigou, e sendo o contrato omisso quanto ao procedimento a adoptar para a liquidação de tais multas, a aplicação destas deve subordinar-se aos formalismos previstos para o efeito nos artigos 201º, nº5 e 143º, nº 2 do Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março.

-É nulo o acto de aplicação das referidas multas, nos termos do artigos 294º e 295º do Código Civil, aquele em que o respectivo auto não se mostra assinado pelo empreiteiro ou por representante seu, ou que dele não consta a recusa de o assinarem.


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Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em, julgando improcedente a apelação, confirmar a sentença recorrida.

Custas pela apelante


Judite Pires ( Relatora )

Carlos Gil

Fonte Ramos



[1] Artigos 684º, nº 3 e 685-A, nº 1 do C.P.C., na redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
[2] Artigo 664º do mesmo diploma.
[3] Cf. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil anotado”, vol. V, pág. 137.
[4] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pág. 686.
[5] Acórdão do STJ, 07.05.2008, processo nº 3380/07, www.dgsi.pt.
[6] Alberto dos Reis, ob. cit., vol. V, pág. 141; cf. Antunes Varela, Miguel Bezerra, ob. cit., pág. 690.
[7] Anselmo de Castro, ob. cit., pág. 142.
[8] Pires de Lima e A. Varela, “Código Civil Anotado”, I, 3.ª ed., 353; Cfr. ainda Antunes Varela – “Das obrigações em geral”, 10.ª ed., I, 248.
[9] Artigos 280º e seguintes do Código Civil.
[10] Como podia e devia, dado a lei lhe reconhecer o conhecimento oficioso do vício em causa.