Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
485/11.0TBSEI-A.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO POSITIVO
FACTO FUNGÍVEL
REGRAS PROCESSUAIS A SEGUIR PELO EXEQUENTE
EXCEÇÃO INOMINADA DE IMPOSSIBILIDADE ORIGINÁRIA DA AÇÃO EXECUTIVA
Data do Acordão: 12/15/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – JUÍZO DE COMPET. GENÉRICA DE SEIA – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 870º, 873º. 874º E 875º DO NCPC .
Sumário: I – Quando a prestação exequenda de facto positivo (fungível ou infungível) pressuponha tempo para a realização dessa prestação e esse prazo não se encontre fixado no título executivo, a ação executiva começa pelo preliminar da determinação desse prazo para a prestação voluntária da prestação exequenda, devendo o exequente indicar no requerimento executivo o prazo que reputa suficiente para prestação pelos executados da prestação de facto exequenda (cfr. artigo 874.º do Código de Processo Civil).

II - Nestes casos, a ação executiva começa pelas diligências prévias tendentes à determinação judicial desse prazo, sob pena de inexequibilidade, cumprindo ao juiz, uma vez realizadas as diligências necessárias à fixação desse prazo, fixá-lo (artigo 875º, n.º 1 do Código de Processo Civil), assistindo ao executado o direito a realizar a prestação dentro daquele prazo.

III - Caso o executado não a cumpra dentro desse prazo e sendo a prestação incumprida de facto positivo de natureza fungível, segue-se o regime jurídico previsto nos artigos 868.º a 873.º do Código de Processo Civil (875.º, n.º 2 do Código de Processo Civil), podendo o exequente optar pelo cumprimento da prestação exequenda por terceiro ou pela indemnização pelos danos sofridos com a sua não realização.

IV - Se o exequente optar pela prestação de facto por outrem, requer a nomeação de perito que avalie o custo da prestação e, concluída a avaliação, procede-se à penhora dos bens necessários para o pagamento de quantia certa (artigo 870.º do Código de Processo Civil).

V – É que o devedor - executado tem o direito de discutir a perfeição da execução da prestação, e tendo o ónus da prova da realização dos trabalhos que executou, tem, depois, o direito de, antes de ver entregue essa tarefa a terceiro, executar, no prazo que for fixado, os trabalhos que se provarem terem sido efectuados defeituosamente, se alguns se apurarem nessas condições.

VI – Sendo a prestação exequenda de facto positivo fungível, como é o caso da obrigação exequenda nos autos, não sendo aquela prestada pelo executado dentro do prazo que para tanto lhe seja fixado, o exequente pode:

a) optar entre a execução específica da prestação por outrem, acrescida da indemnização moratória a que tenha direito referente às consequências danosas que para ele decorram em consequência direta e necessária da demora no cumprimento da prestação, isto é, a indemnização pela mora, mas não pode requerer que lhe seja prestada sanção pecuniária compulsória dada a fungibilidade da prestação incumprida; ou pode

b) optar pela indemnização compensatória.

VII – Precise-se que tratando-se de prestação exequenda de facto positivo de natureza fungível, a doutrina e a jurisprudências dominantes são no sentido que aquele art. 868º, n.º 1 do CPC., em caso de incumprimento da obrigação exequenda pelo executado, confere ao exequente a possibilidade de optar entre: a) a prestação da obrigação por terceiro, acrescida da indemnização pela mora; b) pela indemnização compensatória, isto é, a indemnização correspondente aos danos sofridos pelo exequente por ter ficado sem a prestação a que tinha direito, direito de opção esse que assiste ao exequente e que não é contrariado pelo art. 828º do CC.

VIII - A lide torna-se impossível quando sobrevêm circunstâncias que, de todo o modo, inviabilizariam o pedido, não em termos de procedência, pois então estar-se-ia no âmbito do mérito mas por razões conectadas com a não possibilidade adjetiva de lograr o objetivo pretendido com aquela ação, por já ter sido atingido por outro meio ou já não poder sê-lo.

Decisão Texto Integral:



Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra1:

I - A) - 1) – Com base em sentença homologatória de transação, proferida em processo de declaração, veio V... instaurar  ação executiva, para prestação de facto positivo, contra “Clínica Dentária ..., Lda”, B... e outro, sendo que dessa transação, constavam,  para além de  outras, entre  as quais se contam, também, as que mais abaixo se referirão, as seguintes cláusulas:
«1.º
Os Réus comprometem-se a reparar prótese superior da boca da Autora, colocando-a nos termos retratados na figura B de fls. 152 ou, caso a  reparação não seja possível, colocar uma nova prótese em conformidade;
2.º
Mais se comprometem os Réus a colocar um novo implante na parte inferior da boca da  Autora e reparar a prótese inferior da Autora, sendo que caso tal reparação não seja possível, será colocada nova prótese;
3.º
Os trabalhos referidos em 1) e 2) serão efectuados pelo Dr. J... e  iniciar-se-ão no  prazo de 30 dias (trinta) dias na cidade de ..., no consultório da Ré Clínica Dentária ..., Lda.;  […]».
         A Exequente, entre o mais, alegou o  seguinte:
«[…] 1- Por acordo celebrado em 20/02/2014 nos autos em epígrafe, e homologado por sentença judicial já transitada em julgado (doc.1), os requeridos, como RR., comprometeram-se a reparar a prótese superior colocada na boca da aqui exequente, nos termos retratados na figura B de fls. 152, ou seja, de acordo com aquilo que consta do relatório realizado pelo INMLCF que se encontra junto aos  autos.
2 - Consta desse mesmo acordo que caso a reparação não seja possível, comprometeram-se os executados, RR. em tal ação, a colocar uma nova prótese (na parte superior da boca da exequente) em conformidade.
3 – O prazo para a execução dos trabalhos deveria ter o seu início no prazo de 30 dias após a data da  sentença.
4 - Acontece que a prótese superior que foi colocada na boca da exequente não está em conformidade, tal como resulta do relatório que se junta e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos (doc.2), elaborado pelo médico dentista Dr. ...,  já que “estes (seis implantes dentários) apresentam, clinica e  radiograficamente, perda óssea  marginal, de modo mais significativo nos  dois elementos mais distais ou posteriores na região esquerda da   maxila”.
5- Sendo que para proceder á reparação/reabilitação da prótese superior (sobre implantes existentes) tem a exequente que despender da quantia de 4.500,00€, ou com novos implantes a quantia de 8.000,00€ (doc.2)
6 - Tal como resulta do mesmo acordo homologado por sentença judicial já transitada em julgado, comprometeram-se igualmente os aqui executados, como RR. em tal ação, a colocar um novo implante na parte inferior da boca da exequente e reparar a prótese inferior.
7 Mais consta do referido acordo que se tal reparação não seja possível, será colocada nova prótese.
8 - Acontece que os executados colocaram 2 implantes na parte inferior, os quais estão incorrectamente colocados, já que tomando  em  conta  o  relatório elaborado pelo referido Dr. ... (doc.2) aí se refere que “na mandibula verificou-se a presença de dois implantes dentários, um em cada hemiarcada, sendo que o implante á direita apresenta sinais de periimplantite com mobilidade, dor e secreção purulenta á pressão – á esquerda o implante revela-se integrado mas com perda óssea marginal e exposição de espiras em aproximadamente metade da sua extensão   total.”
9 - Para tal reparação e tal como consta do relatório torna-se necessário a remoção dos implantes existentes, colocação  de novos implantes  em número de quatro e processo reabilitador com próteses hibridas, pelo que  terá a exequente que despender da quantia de  8.000,00€.
10 - Resulta portanto do exposto que o serviço executado pelos executados   e que estes se comprometeram executar corretamente, além de ter  sido muito para além do prazo de 30 dias, a que se faz  referência no acordo acima referido, todo aquele serviço foi feito incorretamente, sem   que para o  efeito tivessem sido utilizadas as  melhores técnicas do saber e   da experiência clinico dentária.
11 – Além de que não foram utilizados os melhores materiais e aparelhos.   12 - Sendo que tal situação terá de ser colmatada de acordo com o relatório elaborado pelo Dr. ... (doc.2), tendo a exequente que despender da quantia global de 16.000,00€ para corrigir toda aquela  situação anómala e mal executada,  por  os  trabalhos  estarem  incorretos e por não terem sido utilizadas as melhores regras do saber e experiência de clinica dentária, já que, como é obvio, não pode a signatária continuar a ser assistida nos serviços dos executados, sendo obrigada a socorrer-se dos serviços clínicos do Dr. ...
13 – Por várias vezes que a exequente reclamou pelos trabalhos mal executados pelos requeridos, muito para além do prazo, sendo que em 15/12/2016 através de carta registada com aviso de receção, notificou os requeridos de que os serviços iriam ser realizados pelo Dr. ..., sendo que mais foram notificados de que aqueles serviços importariam em 16.000,00€ (doc.3,4 e  5).[…]».
          Terminou, peticionando, entre o  mais:
«[…] 15 Face a tal situação pretende a exequente que a prestação seja executada por outrem com o subsequente pagamento por parte dos executados.
16 – Porque os executados incumpriram na obrigação na sua totalidade, a exequente pretende que a prestação em falta seja prestada por outrem.
17 – Mais requer a nomeação de um perito que avalie os custos, ao abrigo   do disposto no artigo 870º, n.º 1 do CPC, com  a  subsequente  penhora dos bens dos executados, após estes serem citados e no prazo de 20 dias deduzirem oposição á execução, prosseguindo-se depois  os  ulteriores  termos do processo até final.  […]».
B) – 1) - Por apenso a tais autos de acção executiva, vieram as executadas “Clínica Dentária ..., Lda” e B... opor-se à execução, por excepção e por impugnação, mediante embargos de executado, onde, em síntese,   invocaram:
- Erro na forma do processo;
- A ilegitimidade das embargantes;
- A litigância de má fé da Exequente;
            Por impugnação defenderam as embargantes, em síntese, que procederam  de acordo com o clausulado na transação e ainda a mais do que estavam aí obrigadas (no que concerne ao maxilar inferior), sendo a Exequente quem está em mora, pois que o que faltou concluir deveu-se à circunstância de esta ter deixado de comparecer na Clínica e ter comunicado, até, que não  mais iria submeter-se a tratamentos aí, como já tinha  referido em  cartas  que disse ter dirigido às embargantes em Dezembro de   2016.
            Terminaram assim:
«[…] a) Deverão os presentes embargos serem julgados procedentes por provados, absolvendo-se as Embargantes e  consequentemente extinguir-se  a presente execução, tudo com as legais consequências;
b) Ser a Embargada condenada em  multa e  indemnização às  Embargantes, a fixar em liquidação em execução de Sentença por litigância de   má-fé.
Ou, caso assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se concede, deverá V/Exa,  determinar:
c) A fixação de prazo para que a Embargada se apresente na clínica Embargante, cessando, assim, a sua mora, para consulta com o Dr. J... com vista à aplicação da prótese inferior que se encontra pronta;   Sem conceder, caso ainda assim não se entenda deverá V/Exa.   ordenar:
d) Nomeação de Perito que possa avaliar o custo do remanescente da prestação ainda a realizar.
Sempre e em qualquer caso deverá V/Exa. ordenar a suspensão com o recebimento dos presentes embargos da execução, nos termos e para os efeitos no disposto na al. c) do n.º1 do artigo 733.º do  C.P.C. ».

2) - Recebidos os embargos, a Exequente contestou,  alegando,  entre  o  mais, o seguinte:
«[…] 71
Tendo pois a exequente o direito de vir instaurar a presente execução, reclamando dos executados o montante que terá de despender (e que já despendeu efectivamente), pela execução dos trabalhos mal realizados e dos que ficaram por efectuar por parte dos executados, o que efectivamente aconteceu.
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E contrariamente áquilo que é invocado pelos executados no artigo 35 do requerimento de embargos, a embargada aqui requerente recorreu ao serviços do Dr. ..., por os serviços executados pelos embargantes estarem mal feitos e de outros nem sequer ter sido realizados de acordo com o título que serviu de base á presente execução.
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Já que de outro modo, e  se os serviços fossem executados correctamente e  na sua totalidade, e se tivessem tido o seu inicio no prazo acordado, obviamente a embargada não teria que se socorrer de  outro  médico  dentista, designadamente do Dr. ...
(…) 76
E tanto assim é que os mesmos executados haviam sido notificados por  parte da exequente de que face á situação dos trabalhos incorretamente efetuados e outros por realizar, iria a exequente socorrer-se de um outro médico dentista para a execução correta desses trabalhos e realização dos que não foram efectuados (doc.3 ora junta e docs. 3,4 e 5 juntos com requerimento executivo) já que não é importante nem relevante a data de conclusão dos trabalhos.
Por fim, diga-se em abono da verdade que a exequente actuou no exercício  de um direito que legitimamente tem, no sentido de exigir através da presente execução o  reembolso e  ser compensada pelo montante que teve de despender com terceira pessoa, pela circunstância dos executados não terem cumprido com a obrigação a que estavam vinculados naquele acordo. […]».
            Terminou pugnando pela improcedência dos embargos e pelo prosseguimento da execução.
C) - No saneador, proferido em 14-01-2019, o Juízo de Competência Genérica de Seia (Juiz 1):
- Julgou improcedente a excepção do erro na forma do processo, bem assim como a exceção da ilegitimidade passiva das executadas/embargantes;
- Julgou verificada a impossibilidade originária do pedido de prestação de facto pelas executadas, por, em momento anterior ao da propositura da ação, ter sido realizada a prestação que se requer, decidindo-se, por isso, a procedência dos embargos de  executado e, consequentemente, a  extinção   da instância executiva.
D) – Por requerimento de 25/1/2019 a Embargada veio suscitar a existência de nulidade, ao abrigo do disposto nos artigos 195.º e 197.º do CPC, sustentando que no saneador em causa, ao  extinguir-se a execução nos termos decididos “sem dar oportunidade às partes  para  se pronunciarem” quanto a isso, constituiu decisão surpresa violadora do “disposto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, bem como do artigo 20.º da CRP…”.
E) - Esta Relação, por Acórdão de 5/11/2019, decidiu “julgar procedente a Apelação e, reconhecendo a referida nulidade da violação do contraditório, determinar o cumprimento deste quanto à questão da impossibilidade originária do pedido de prestação de facto, com a consequente anulação do saneador, na parte em que, conhecendo da predita impossibilidade, julgou    os embargos procedentes e determinou a extinção da instância executiva, devendo, por isso, o processo seguir os ulteriores termos, com o  cumprimento do ora ordenado e a ponderação das posições que as partes venham eventualmente a tomar sobre a matéria em   causa.”.
            Nesse  Acórdão,  proferido  por  este  Colectivo,  entre  o  mais escreveu-se:
«[…] esta Relação, reconhecendo a referida nulidade da violação do contraditório, determinará o suprimento dessa omissão, com a consequente anulação do saneador,   exceptuadas as questões aí conhecidas e que transitaram em julgado (artº 195º, nºs 1 e 2, do NCPC), devendo, por isso, o processo seguir os ulteriores termos, com o cumprimento  do  ora ordenado e a ponderação das posições que as partes venham eventualmente a tomar por escrito sobre a matéria em causa, sem que se veja, pois, a necessidade de se convocar uma  audiência prévia que,  aliás,  embora não com esse escopo, já teve lugar.  […]».
F) – Baixados os autos ao Tribunal “a quo”, foi proferido o despacho de 10/1/2020, onde se consignou o seguinte: «[…]  No estrito cumprimento  do que foi superiormente decidido, notifique as partes para, querendo e no prazo de 10 dias, se pronunciarem quanto à questão da impossibilidade originária do pedido de prestação de facto.  […]»;
G) – Notificadas as partes, desse despacho de 10/1/2020, por cartas enviadas em 13/01/2020 aos respetivos Ilustres Mandatários, apenas as embargantes se vieram pronunciar sobre a questão da impossibilidade originária do pedido de prestação de facto, e, fazendo-o, defenderam que se verificava tal impossibilidade, pugnando, por isso, pela improcedência dos embargos e pela extinção da  execução;
H) – Subsequentemente, em 07/03/2020 o Tribunal decidiu assim:
«[…] declaro verificada a exceção dilatória inominada de impossibilidade originária da ação executiva e, em consequência, absolvo os executados da instância, extinguindo-se a execução de que os presentes autos são apenso. Custas a cargo da exequente/embargada artigo 527.º, n.ºs 1 e  2  do Código de Processo Civil.
Registe e notifique, incluindo o Sr. Agente de Execução, que deverá diligenciar pelo levantamento de todas as penhoras pendentes à ordem dos presentes autos. […]».
I) – As partes foram notificadas desta decisão de 07/03/2020, por cartas registadas enviadas aos respectivos Ilustres Mandatários em   9/3/2020.
J) – Em 16/3/2020 veio a Embargada arguir a nulidade do “…despacho saneador/sentença, ao abrigo do disposto nos artigos 195.º e 197.º do CPC, alegando, em síntese, que tal despacho foi proferido sem que se tivesse designado uma audiência prévia, audiência essa obrigatória, e pela qual aguardava para apresentar os seus argumentos quanto à questão da impossibilidade originária da ação executiva, sendo que o Tribunal, ao omitir esse acto, incorreu na nulidade prevista no artº 195.º do CPC, nulidade esta que também se verifica em virtude de o Tribunal, sem dar a oportunidade à embargada de, na dita audiência, se pronunciar sobre a referida questão, ter proferido uma decisão-surpresa.
            Concluiu assim: «[…] Essa nulidade implica a anulação da sentença com as legais consequências devendo para o efeito convocar-se audiência prévia para os fins previstos na al.b) do artigo 591.º ou para os fins previsto na al. f) do n.º 1 do artigo 591.º do  CPC.
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Ou em alternativa e de acordo com o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, notificar as partes, designadamente a exequente, para  tomar  posição por escrito sobre a matéria em causa, designadamente sobre a exceção dilatória inominada da impossibilidade originária da ação  executiva. […]».
K) – Em 25/6/2020 veio a Embargada, dizendo-se não se conformar “com   a Sentença proferida que declarou verificada a exceção dilatória inominada de impossibilidade originária da ação executiva, e, em consequência a extinção da Execução”, apresentar recurso dessa   decisão.
II – Por despacho de 23/9/2020 considerou-se que não se verificava a nulidade que a Embargada arguíra e recebeu-se o recurso por esta interposto.
III - A Exequente/Embargada, na alegação do recurso  que  interpôs, ofereceu as seguintes  conclusões:
«1 - Nos termos do disposto no art.615º/1/d) do CPC, aqui aplicável ex vi do art. 551º do mesmo diploma, a Sentença é nula quando (…) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar  conhecimento.
2 - Através do despacho recorrido deu por verificada a impossibilidade originária da presente ação  executiva.
3 - Em face de tal situação declara-se verificada a exceção dilatória inominada de impossibilidade originária da ação executiva e, em consequência, o M.º Juiz “a quo” absolveu os executados da instância extinguindo-se assim a execução de que os presente autos se encontram apensos.
4 - O regime geral é o de que a audiência prévia tem sempre lugar tal como consta do artigo 591.º do CPC.
5 - Somente nas situações previstas no artigo 592.º do mesmo CPC é que essa audiência prévia não se realiza, ou nas hipóteses previstas no n.º 1 do artigo 593.º do CPC.
6 – Ora, no caso em análise o M.º Juiz “a quo” conheceu  da  referida  exceção, sendo certo que contudo não foi dada a faculdade às partes, nomeadamente à exequente aqui requerente, de discutir a matéria de facto e  de direito, sobre a questão suscitada nos mesmos autos.
7 - Embora o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05/11/2019, ao invocar a nulidade invocada pela recorrente da violação do contraditório   e com a consequente anulação do saneador, decidiu que o processo devia prosseguir os seus ulteriores termos, depois de ponderadas as  posições que as partes venham a tomar por escrito e se venha a decidir sobre a exceção invocada, sem que para o efeito fosse convocada uma audiência prévia.
8 - Na sequência do Acórdão do Tribunal da  Relação de Coimbra deviam ser notificadas as partes embargantes/executados e embargada/recorrente, para a primeira se pronunciar sobre a exceção por si invocada e a segunda responder a essa matéria.
9 – Essa decisão proferida conheceu do mérito da causa fixando a procedência dos embargos e ordenando a  extinção da execução, pelo que terá a mesma que  ser  revogada.
10 – O despacho de saneador objeto do recurso conheceu da decisão de mérito, fixando a procedência dos embargos e ordenando a extinção da execução, fundou-se nos motivos referidos no artigo 50, pontos 1 e 2.
11 – Ora tomando em conta a matéria vertida nos artigos 15, 16 e 17 do requerimento executivo, requereu-se a nomeação de um perito para avaliar  os custos, ao abrigo do disposto no artigo 870.º, n.º 1 do CPC, com a subsequente penhora dos bens dos executados, (…) prosseguindo-se depois  os ulteriores termos do processo até  final.
12 – De acordo com o teor do requerimento executivo, o pedido formulado    e deduzido não o foi no facto dos executados não terem procedido à  prestação acordada em transação e homologada por sentença, ou de não a terem terminado.
13 – O pedido formulado no requerimento executivo é pela circunstância dos executados terem prestado a prestação na totalidade, mas de forma defeituosa.
14- E foi exatamente por esse motivo que a exequente/embargada, invocando o cumprimento integral da prestação, mas de forma defeituosa por parte da executada, deduziu o pedido que se traduziu: a) na intenção de que a prestação de correção dos defeitos e reformulação da prestação fosse feita por terceira pessoa;
b) no pedido de realização de uma peritagem de avaliação dos custos, e subsequente  penhora  de  bens  da  executada,  ao  abrigo  do  disposto no artº 870º do CPC, para descoberta da quantia necessária a tais correção e reformulação, por forma a apurar o valor da   indemnização.
15 – Uma vez que tal pedido subsume-se na previsão do artigo 860.º do  CPC.
16 – Já que independentemente da fixação ou não do prazo inicial e final, a prestação foi realizada na integra, mas defeituosamente, não havendo assim necessidade de fixação desse prazo, já que a prestação foi voluntariamente cumprida, na integra, embora  mal.
17 – Por seu turno, o cumprimento integral, mas defeituoso, não se traduz num atraso, mas em verdadeiro incumprimento definitivo –  artºs 798º  e  799º do CC.
18 -  Por outro lado, não faria sentido que em face da execução defeituosa  da prestação exequenda, a lesada se visse obrigada a intentar nova ação declarativa para obter disso tutela judicial, o que violaria o princípio Constitucional da tutela jurisdicional efetiva e célere, tanto mais que se trata de prestação de serviços de saúde, impondo-se que os presentes autos fossem submetidos a julgamento, devendo revogar-se o despacho de saneador ora recorrido.
19 - Estando pois reunidas as condições para que a prestação exequenda  seja feita por terceiro, e requerendo-se a  avaliação do custo da prestação  para sua liquidação e pagamento, ao abrigo do  disposto  no  art. 870º do CPC, como sucedeu no caso dos autos é, sempre salvo melhor opinião, irrelevante, para o  efeito, que entretanto a  credora/exequente venha fazer,   à sua custa, a efetiva correção desses defeitos sem aguardar por  tal liquidação, e se essa correção for feita antes da liquidação do seu custo,  aquilo que a exequente venha despender a mais corre por sua conta e risco. Se depois de feita a avaliação requerida resultar que  o  custo é  superior, será ela a suportar a  diferença.
20 - Mesmo que a prestação tivesse sido realizada por terceira pessoa, mesmo assim não poderia extinguir-se a instância executiva, devendo o processo prosseguir para  julgamento.
21 – A decisão recorrida violou ou não fez uma aplicação correta do disposto nos artigos 3º, nº 3, 265º, nº 1, 277º, alínea c), 334º, 336º, 591º, nº1, b), 593º, nºs 1 e 2, 595º, nº 1, b), 596º, nº 1, 615º, nº 1, d), 860º, 874º, 875º, 868º, nº 1, todos do  C.P.C.; 20º da CRP; 401º, 798º, 799º, 790º, nº 1 e 806º, nº 2, todos do C.C.   […]».
      Terminou requerendo a anulação do despacho recorrido e, subsidiariamente, revogação do mesmo, determinando-se a prossecução da instância.
IV - As questões:
Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do novo Código de Processo Civil - doravante NCPC -, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06, o objeto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma  legal.
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente  se haja apreciado, salientando-se que “questões”, para efeito do disposto no n.º 2 do artº 608º do NCPC, são apenas as que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às exceções invocadas e às exceções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações,  “considerações,  argumentos,  motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes”2 e que o  Tribunal,  embora possa abordar para um maior esclarecimento das partes, não está obrigado a apreciar.
Assim, o que importa solucionar, para além das invocadas nulidades, é saber se, no despacho recorrido, foi acertadamente decidida a procedência exceção dilatória inominada de impossibilidade originária da ação executiva e, consequentemente, se foi correto absolver os executados da instância, com a decorrente extinção da execução.
V - Havendo que, designadamente, na decisão a  proferir no que concerne às invocadas nulidades, atentar ao circunstancialismo plasmado em I “supra”, haverá, também, que ter em conta os seguintes factos que o  Tribunal “a quo” considerou como  assentes:
«[…] 1 - Nos autos de execução para prestação de facto de que estes constituem apenso, intentados pela exequente V... contra os executados «Clínica Dentária ..., Lda», B... e J..., foi apresentado como título  executivo sentença homologatória de transacção, proferida no dia 20.02.2014, transitada em julgado, no âmbito da acção  principal  de processo sumário n.º ..., que a  aqui exequente moveu contra  os aqui executados.
2 – A transacção referida em 1) tem o seguinte teor:
3 - “1.º
Os Réus comprometem-se a reparar a prótese superior da boca da Autora, colocando-a nos termos retratados  na figura B  de Fls. 152 ou, caso a reparação  não seja possível, colocar uma nova prótese em   conformidade;

2.º

Mais se comprometem os Réus a  colocar um novo implante na parte inferior da   boca da Autora e reparar a prótese inferior da Autora, sendo que  caso  tal reparação não seja possível será colocada nova prótese;

3.º

Os trabalhos mencionados em 1) e 2) serão efetuados pelo Dr. J... e iniciar-se-ão no prazo de 30 (trinta) dias na cidade de ..., no consultório da Ré Clinica Dentária ..., Lda;

4.º

As custas devidas serão suportadas em partes iguais, prescindindo os  intervenientes das custas de parte”.
4 – A exequente/embargada culminou o requerimento executivo apresentado nos autos de execução do seguinte modo:
“(…) 16 – Porque os executados incumpriram na obrigação na sua totalidade, a exequente pretende que a prestação em falta seja prestada por   outrem.

17 – Mais requer a nomeação de um perito que avalie os custos, ao abrigo do disposto no artigo 870.º, n.º 1 do CPC, com subsequente penhora dos bens dos executados, após estes serem citados e no prazo de 20 dias deduzirem oposição à execução, prosseguindo-se depois os ulteriores termos do processo até final”.
18 Previamente à instauração da execução a exequente recorreu aos serviços de uma terceira pessoa, concretamente do Dr. ..., para proceder à eliminação de invocados defeitos que imputa às embargadas e conclusão dos serviços alegadamente não prestados por aquelas. […]».
VI – Já se sabe que nas ações de valor superior a metade da alçada da Relação (como aqui sucede, pois o valor foi fixado em €16.000,00), em princípio a audiência prévia, quando o  juiz  tencionar  conhecer,  de imediato, do mérito da causa, só poderá ser dispensada em determinadas condições - arts. 6º e 547º do NCPC – atento o disposto nos artºs 593º, nº 1, “a contrario” e 591º, nº 1, b), do NCPC.
No caso dos autos, prolatado o Acórdão deste Colectivo, de 5/11/2019, ficou evidente que a única coisa que estava em causa consistia em saber se era de proceder - como se havia decidido, sem contraditório, no saneador revogado pelo referido Acórdão -, a exceção inominada da impossibilidade originária do pedido de prestação de facto, com a consequente absolvição dos RR da instância, tendo sido, precisamente, a falta de oportunidade de as partes (“maxime”, a Exequente) se pronunciaram sobre essa questão, que havia ditado a decisão deste Tribunal em revogar o  saneador de 14/1/2019, e determinar a observância do contraditório  sobre essa questão, com a subsequente ponderação das posições que as partes viessem eventualmente a tomar sobre essa  matéria.
E foi sobre esta decisão, constante do dispositivo do referido Acórdão de 5/11/2019, que se formou caso julgado, não integrando este último a seguinte consideração que se fez constar nesse aresto quanto à audiência prévia: «[…] devendo, por isso, o  processo seguir os  ulteriores termos,  com o cumprimento do ora ordenado e a ponderação das posições que as partes venham eventualmente a tomar por escrito sobre  a  matéria  em  causa, sem que se veja, pois, a necessidade de se convocar uma audiência prévia que, aliás, embora não com esse escopo, já teve lugar.   […]».
Não obstante não integrar o caso julgado, a referida consideração que se fez no Acórdão parece-nos de manter, uma vez que tendo a Exequente já tido a oportunidade de conhecer a argumentação do Tribunal “a quo” quanto à questão em causa, que, aliás, rebateu amplamente na alegação do recurso que interpôs do saneador de 14/1/2019, afigura-se suficiente à defesa dos respetivos pontos de vista - sem que, portanto, a falta de realização de audiência prévia para o efeito,  consubstanciasse irregularidade susceptível a influenciar a decisão da causa -, conceder às partes a oportunidade de exporem, por escrito, na 1ª Instância, a respectiva argumentação sobre essa  questão.
Foi essa oportunidade que foi dada à  ora Apelante (e  à  parte contrária  –  cfr. I – F) e G) “supra”) – o que esta nega ter ocorrido, mas  que  é  contrariado pelo teor dos autos - e que a mesma não aproveitou.
E o que é certo é que, mesmo a Apelante, se bem que, como alternativa, admitiu que a  apresentação, por escrito, da sua argumentação (de direito e de facto), quanto à questão em causa, serviria os seus propósitos, já que no requerimento de 16/3/2020, onde também arguiu a nulidade da omissão da audiência prévia, terminou requerendo, em alternativa à realização dessa diligência, que se notificassem as partes, «[…] designadamente  a  exequente para tomar posição por escrito sobre a matéria em causa, designadamente sobre a exceção dilatória inominada da impossibilidade originária da ação executiva.». Aliás, na alegação do presente recurso, procedeu de forma idêntica no artº  49º.
Diga-se, por outro lado, que não se vê que o saneador  ora  recorrido  enferme da nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artº 615º do NCPC.
A nosso ver, a omissão de realização de audiência prévia poderia, caso consubstanciasse nulidade, originar, por arrastamento, a anulação do saneador recorrido, mas não faria com que se entendesse que este enfermava do vício previsto na alínea d) do nº 1 do artº 615º do NCPC.
Não ocorrem, pois, quer a nulidade processual,  quer  a  nulidade  de sentença, reclamadas pela Exequente em requerimento autónomo e na alegação do presente recurso.
Insurge-se a ora Apelante contra a decisão em que o Tribunal “a quo” declarou verificada a exceção dilatória inominada de impossibilidade originária da ação executiva e, em consequência,  absolveu os  executados  da instância, julgando a execução extinta.
Sustenta, essencialmente, que a sua oposição aos embargos está em consonância com o alegado no requerimento inicial executivo e que se não está ante a  finalização de uma prestação, mas sim da correção da sua execução completa, mas defeituosa, pelo que o peticionado é viável, não se verificando a impossibilidade superveniente da lide.
Vejamos.
Para dar como verificada a exceção dilatória inominada de impossibilidade originária da ação executiva, escreveu-se, entre o mais, na  decisão recorrida:
«[…] Quando a prestação exequenda de facto positivo (fungível ou infungível) pressuponha tempo para a realização dessa prestação e  esse  prazo não se encontre fixado no título executivo, a ação executiva começa pelo preliminar da determinação desse prazo para a prestação voluntária da prestação exequenda, devendo o exequente indicar no requerimento executivo o prazo que reputa suficiente para prestação pelos executados da prestação de facto exequenda (cfr. artigo 874.º do Código de  Processo  Civil).
            Nestes casos a ação executiva começa pelas diligências prévias tendentes à determinação judicial desse prazo, sob pena de inexequibilidade, cumprindo ao juiz, uma vez realizadas as diligências necessárias à fixação desse prazo, fixá-lo (artigo 875º, n.º 1 do Código de Processo Civil), assistindo ao executado o direito a realizar a prestação dentro daquele prazo. (Neste sentido, Prof. Lebre de Freitas, in “A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 6ª ed., Coimbra Editora, pág. 459 e 460).
            Caso o executado não a cumpra dentro desse prazo e sendo a prestação incumprida de facto positivo de natureza fungível, segue-se o  regime  jurídico previsto nos artigos 868.º a 873.º do Código de  Processo  Civil (875.º, n.º 2 do Código de Processo Civil), podendo o exequente optar pelo cumprimento da prestação exequenda por terceiro ou pela  indemnização pelos danos sofridos com a sua não  realização.
            Se o exequente optar pela prestação de facto por outrem, requer  a  nomeação de perito que avalie o custo da prestação e, concluída a avaliação, procede-se à penhora dos bens necessários para o pagamento de quantia certa (artigo 870.º do Código de Processo  Civil).
            No caso presente a prestação exequenda é uma prestação de facto positivo de natureza fungível, já que se trata de uma prestação que indubitavelmente poderia ser realizada por terceiro em caso de incumprimento dos executados.
            Por outro lado, não foi fixado na sentença que serve de título executivo à execução, um prazo para a conclusão da prestação em causa, mas apenas para o seu início.
            Sucede que, conforme resulta da referida factualidade tida por assente, a exequente, previamente à instauração da execução recorreu aos serviços de uma terceira pessoa, concretamente do Dr. ..., para proceder à eliminação de invocados defeitos que imputa às embargadas e conclusão dos serviços alegadamente não prestados por   aquelas.
            De facto, como a exequente/embargada deixou claro no artigo 102.º da sua contestação aos embargos de executado, a mesma, ao contrário do que  alegou no requerimento executivo, não pretende a prestação de qualquer facto, mas, ao invés,  ser reembolsada do montante que alega ter despendido com o cumprimento da prestação por essa terceira pessoa.
            E assim sendo, a ação executiva não poderá prosseguir, pois com a sua conduta a exequente/embargada não só impossibilitou que o processo siga os seus termos normais, com a fixação de prazo para a realização da prestação, como impediu que esta pudesse ser realizada pelos executados.
            Deste modo, mostra-se prejudicado o pedido de prestação de facto positivo formulado pela exequente, verificando-se a ocorrência de uma impossibilidade originária da ação executiva (perfilada “ab initio”, mas revelada no decurso da  causa).
            Efetivamente, a lide torna-se impossível quando sobrevêm circunstâncias que, de todo o modo, inviabilizariam o pedido, não em termos de procedência, pois então estar-se-ia no âmbito do mérito mas por razões conectadas com a não possibilidade adjetiva de lograr o  objetivo pretendido com aquela ação, por já ter sido atingido por outro meio ou já não poder sê-lo (cfr. Prof. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado” III, 367, 373; Prof. Lebre de Freitas,  in  “Código  de  Processo Civil Anotado”, 1.º, 1999, 510 e seguintes).  […]».

Ora, este entendimento do Tribunal “a quo” merece a nossa concordância, não vislumbrando nós como conceber um procedimento “ab initio” distinto, no processo executivo para prestação de facto fungível sem prazo fixado, caso o credor alegue ter havido  cumprimento  com defeitos  que imputa aos devedores.
            É que o devedor - executado tem o direito de discutir a perfeição da execução da prestação, e tendo o ónus da prova da realização dos trabalhos que executou, tem, depois, o direito de, antes de ver entregue essa tarefa a terceiro, executar, no prazo que for fixado, os trabalhos que se provarem terem sido efectuados defeituosamente, se alguns se apurarem nessas condições.
            Embora versando situação que não se identifica totalmente com a do caso “sub judice”, não deixa de fazer sentido trazer à colação o que se referiu no Acórdão do STJ de 17/5/2012 (Revista nº 462-E/2000.P1.S), quando aí se diz: «[…] Sendo dada à execução sentença homologatória de transação celebrada em ação declaratória movida pelo dono da obra ao empreiteiro, complementada por relatório pericial/ arbitral em que se especificavam os defeitos da obra existentes nessa data e os procedimentos técnicos de reparação a adoptar pelo R. - vinculando-se as partes a  aceitar tal relatório e o empreiteiro à remoção desses defeitos no prazo fixado é no âmbito da própria oposição à execução que se irá determinar qual o estado efetivo das reparações efetivadas no imóvel até ao momento de instauração da execução para prestação de facto por terceiro e quais  as  que  subsistem ainda a cargo do executado.  […]».
Por outro lado, também expressa o entendimento que temos como correto aquele que foi seguido no Acórdão da Relação de Guimarães de 30/5/2018 (Apelação nº 429/14.7T8CHV-A.G1), aresto este onde, também focando a eliminação de defeitos na prestação de facto fungível, se pode ler, entre o mais3: «[…] Já sendo a obrigação exequenda uma prestação de facto positivo, de natureza fungível, dispõe aquele n.º 1 do  art.  806º  do CPC, que “se alguém estiver obrigado a prestar um facto em prazo certo e não cumprir, o credor pode requerer a prestação por outrem, se o facto for fungível, bem como a indemnização moratória a que tenha direito, ou a indemnização do dano sofrido com a não realização da   prestação”.
           
            Significa isto e antecipe-se, desde já (o que releva para efeitos de apreciação do segundo fundamento de recurso aduzido pelo apelante), que sendo a prestação exequenda de facto positivo fungível, como é o caso da obrigação exequenda nos autos, não sendo aquela prestada pelo executado dentro do prazo que para tanto lhe seja fixado, o exequente pode: a) optar entre a execução específica da prestação por outrem, acrescida da indemnização moratória a que tenha direito referente às consequências danosas que para  ele decorram em consequência direta e necessária da demora no  cumprimento da prestação, isto é, a indemnização pela mora, mas não pode requerer que lhe seja prestada sanção pecuniária compulsória dada a fungibilidade da prestação incumprida(4); ou pode b) optar pela indemnização compensatória.
            Precise-se que tratando-se de prestação exequenda de facto positivo de natureza fungível, a doutrina e a jurisprudências dominantes são no sentido que aquele art. 868º, n.º 1 do CPC., em caso de incumprimento da obrigação exequenda pelo executado, confere ao exequente a possibilidade de optar entre: a)  a  prestação  da obrigação por terceiro, acrescida da indemnização pela mora; b) pela indemnização compensatória, isto é, a indemnização correspondente aos danos sofridos pelo exequente por ter ficado sem a prestação a que tinha direito, direito de opção esse que assiste  ao exequente e que não é contrariado pelo art. 828º do CC (5).
            No caso presente é indiscutível que a prestação exequenda é uma prestação  de facto positivo de natureza fungível, facto este que, aliás, não merece contestação por parte do apelante, o que, de resto, é manifesto, pelo que se trata de prestação que indubitavelmente poderá ser realizada por terceiro caso os executados não a cumpram.
            De resto, conforme decorre do regime do n.º 1 do art. 767º do CC, onde se estatui que “a prestação pode ser feita pelo devedor como terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação”, a regra é a da fungibilidade da prestação, ainda que se trate de facto (6).
            No entanto, conforme decorre do que se vem dizendo, o regime legal explanado pressupõe que a obrigação exequenda  tenha prazo determinado no título executivo.
        Quando a prestação exequenda de facto positivo (fungível ou infungível) ou negativo pressuponha tempo para a realização dessa prestação e esse prazo não se encontre fixado no título executivo, a ação executiva começa pelo preliminar da determinação desse prazo para a prestação voluntária da prestação exequenda.
            Nesse caso, como é o presente, em que na sentença condenatória que serve de título executivo à presente execução, não se  encontra fixado o  prazo  para os executados repararem/eliminarem os defeitos alegados, o exequente deverá indicar no requerimento executivo o prazo que reputa suficiente para que o facto seja prestado e requerer que o mesmo seja fixado judicialmente logo que os executados  sejam  citados  para, no prazo de vinte dias, dizerem o que  lhe  oferecer  quanto  àquele prazo e/ou para, querendo, deduzirem oposição à execução (art. 874º do CPC).
            Neste caso, a ação executiva começa pelas diligências prévias tendentes à determinação judicial desse prazo, sob pena de inexequibilidade, cumprindo ao juiz, uma vez realizadas as diligência necessárias à fixação desse prazo, fixá-lo (n.º 1 do art. 875º do CPC), assistindo aos executados o direito a realizar a prestação dentro daquele prazo (7).
        Fixado esse prazo, ou os executados cumprem com a prestação dentro do mesmo e finda a execução, ou caso não a cumpram e sendo a prestação incumprida de facto positivo de natureza fungível, segue-se  o regime jurídico supra explanado enunciado nos arts. 868º a  873º do CPC (n.º 2 do art. 875º do CPC), o qual, como se  disse,  confere  ao  exequente o direito a  optar: a) pelo cumprimento da prestação exequenda  por terceiro (execução específica), acrescida  da  indemnização  pela  mora, isto é, pelos prejuízos que sofreu em consequência direta e necessária do atraso no cumprimento, isto é, no período que se estende desde ao termo do prazo fixado judicialmente para que aqueles prestassem a obrigação exequenda ao exequente e o momento temporal concreto em que esta acaba por lhe ser prestada pelo terceiro, a quem se recorreu para o efeito; ou b)  pela  indemnização pelos danos sofridos por ter  ficado sem a  prestação a  que tinha direito.
Ora, no caso “sub judice”, a Exequente, no artº 102 da contestação aos embargos diz, de forma a não  deixar  dúvidas  sobre  o  escopo pretendido com a execução: «[…] Por fim, diga-se em abono da verdade que a exequente actuou no exercício de um direito que legitimamente tem, no sentido de exigir através da presente execução o reembolso  e  ser compensada pelo montante que teve de despender com terceira pessoa, pela circunstância dos executados não terem cumprido com a obrigação a que estavam vinculados naquele acordo. […]». (o sublinhado é  nosso).
            Daqui decorre, efetivamente, que, como se diz na sentença recorrida, a Exequente, “...não pretende a prestação de qualquer facto, mas ao invés ser reembolsada do montante que alega ter despendido com o cumprimento da prestação por essa terceira pessoa…” e assim sendo, “…não só  impossibilitou que o processo siga os seus termos normais, com a fixação de prazo para a realização da prestação, como impediu que esta pudesse ser realizada pelos executados…”.
            Daí que se concorde com a procedência da exceção dilatória inominada da impossibilidade originária da ação executiva e, em consequência, com a absolvição dos executados da  instância.
            De todo o modo, a mera circunstância de a Exequente ter pedido, “ab  initio”, a prestação do facto por outrem, não formulando, ao invés disso,  como era o seu ónus, o pedido de fixação de prazo para prestação do facto pelos executados fixação essa necessária, pois que na decisão que se executa fixou-se apenas o prazo para o início da prestação e não o período de tempo em que esta deveria ser realizada9 , acarretaria, conforme o que mais acima se referiu, a inexequibilidade da prestação e, consequentemente, também por essa via, seria se absolver os executados da instância, julgando esta extinta.
            É claro que, em nosso entender, na necessária fixação de prazo a que aludimos, o perito poderia e deveria ponderar a especificidade da prestação a executar e as “leges artis” a observar, não se podendo considerar, como parece defender a Apelante, que essa fixação a que a lei obriga, acarrete a concessão “…de sucessivos prazos, ad infinitum…”, aos   executados.
            Por outro lado, a observância da lei, tal como a defendemos, não leva, salvo   o devido respeito, a que se entenda que o procedimento executivo assim considerado não é hábil a tutelar devidamente o direito do exequente.
            Não tendo havido julgamento de mérito no saneador recorrido, sendo, pois,  o caso julgado formal restrito aos embargos (Cfr. artº 732º, nº 5, do NCPC, e Ac. do STJ de 04/04/2017, Revista nº 1329/15.9T8VCT.G1.S1) é  evidente a possibilidade de a Apelante discutir noutra sede a indemnização que se acha no direito de exigir aos executados. Porém, relativamente à necessidade de a Apelante, se o quiser, assim ter de proceder, “sibi impute”. 
            A Apelante embora se refira ao princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva e célere e ao artº 20º, nº  1, da CRP, não suscita, de facto, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, pois que, concretamente, não assaca a nenhum dos preceitos aplicados pelo Tribunal “a quo” o vício de contraditoriedade com  normas ou  princípios constantes da Constituição.
            Não tendo a Apelante, pois, suscitado, adequadamente, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, sempre se dirá, contudo, que  não se  deteta que na decisão impugnada se haja aplicado qualquer norma que seja de reputar de inconstitucional ou à qual nessa decisão se tenha dado interpretação que se  reconheça  como  desconforme  com  o  consagrado na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente com  a  norma  do seu art.º 20º.
            Diga-se, finalmente, que da solução a  que chegou no saneador recorrido e   de tudo o que se defendeu “supra” decorre a evidente desnecessidade/inviabilidade do prosseguimento dos autos com vista à “…instrução probatória para apuramento do regime aplicável…”.
          A conclusão que se extrai de tudo o que ficou exposto é a de que são de indeferir as nulidades invocadas e é de manter a decisão de 07/03/2020, ora recorrida, julgando-se, pois, a apelação improcedente.
VII - Em face de tudo o exposto decide-se indeferir as nulidades invocadas pela Recorrente e confirmar o saneador de 07/03/2020, ora recorrido, julgando a Apelação improcedente.
Custas pela Apelante (artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6, 663º, nº 2, “in fine”, todos do NCPC).
Coimbra, 15/12/2020
(Luiz José Falcão de Magalhães) (António Domingos Pires Robalo) (Sílvia Maria Pereira Pires)

1 Segue-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.
2 Cfr. Acórdão do STJ de 06 de Julho de 2004, Revista nº 04A2070, embora versando a norma correspondente da legislação processual civil pretérita, à semelhança do que se pode constatar, entre outros, no Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e no Ac. do STJ  de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586, todos estes arestos consultáveis em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase, tal como aqueles que, desse Tribunal e sem referência de publicação, ou com uma outra, vierem a ser citados adiante.

3 Transcrevem-se, também, as respetivas notas de rodapé, embora, por razões evidentes, sem a numeração que tinham no texto original.
4 Neste sentido Acs. RP de 30/04/2009, Proc. 857/99.6TBPRD, RC. de 11/10/2016, Proc. 373/14.8TBFND.C1; RL. de 19/12/1991, Proc. 0036486, todos in base de dados da DGSI.
5 Neste sentido Lebre de Freitas, ob. cit., págs. 450 a 453, onde enuncia: “Quanto à prestação de facto fungível, o art. 868-1 consagra, aparentemente, a possibilidade de o credor optar entre a execução específica (por outrem) e a indemnização compensatória. Esta possibilidade de opção, que o art. 828º do CC não contraria, é admitida pela doutrina dominante, … Atrasando-se o devedor na realização da prestação, mas sendo esta ainda possível, ocorre a situação de mora do devedor (art. 804-2 CC), pela qual este é constituído na obrigação de reparar os danos causados ao credor em consequência do atraso (art. 804- 1CC; cfr art. 806-1 do CC), sem prejuízo de permanecer obrigado a efetuar a prestação, com o correspondente direito do credor de exigir judicialmente o cumprimento (art.  817 CC). Mas, se em consequência da mora, o credor perder o interesse objetivo que tinha na prestação ou se esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado (art. 808º CC), tal como quando a prestação se torne impossível por causa imputável ao devedor (art. 808º-1 CC), a simples mora cede lugar ao incumprimento da obrigação e, então, o credor tem direito, em lugar da prestação, a uma indemnização compensatória. Ora, de acordo com este esquema de soluções, uma vez não prestado certo facto pelo devedor, na data do vencimento, o credor fica com direito à indemnização moratória, mantendo o de exigir a prestação que lhe é devida: a simples mora do devedor não lhe confere o direito de, desde logo, pedir a indemnização compensatória. Mas, quando, citado para uma ação que pode revestir natureza executiva, o réu não realize a prestação, na impossibilidade legal de o forçar fisicamente a fazê-lo, a obrigação deve ter-se por definitivamente incumprida e só no plano da indemnização é que o credor poderá fazer valer o seu direito contra o devedor. Ora, quer tenha lugar a realização do facto por terceiro, quer o simples recebimento, pelo credor, duma indemnização compensatória. Isso traduz-se sempre para o devedor, no pagamento duma indemnização em dinheiro; a execução para prestação de facto positivo fungível visa menos a execução específica da obrigação, no sentido comum do termo, do que «garantir ao credor a prestação do facto por outrem sem contestação do seu custo e sem se expor a ter de suportar o excesso sobre esse custo». A ser assim, quando a prestação de facto fungível não é efetuada, das duas uma: - ou é ainda possível a prestação por terceiro e a indemnização compensatória a suportar pelo devedor deve ser calculada em função do custo atual da prestação do facto por terceiro: o devedor pagará o que ao credor for necessário para que fique em situação idêntica àquela em que estaria se a obrigação tivesse sido cumprida; - ou a prestação por terceiro já não é possível e a indemnização compensatória deve ser calculada em função do incumprimento: o devedor compensará o credor dos danos sofridos por ter ficado sem a prestação a que tinha direito. No primeiro caso, é indiferente ao devedor que o credor, recebida a indemnização devida, recorra ou não à prestação por terceiro. Mas se o credor pretender efetivamente a prestação do facto por terceiro, poderá o seu custo efetivo ser controlado pelo tribunal e não correrá o risco de, recebida a indemnização, vir a pagar mais do que aquilo que recebeu. Tendo o credor a faculdade de optar, atende-se ao seu interesse, sem sacrifício de qualquer interesse atendível do devedor. Este regime não difere, afinal, do que vigora para o incumprimento da obrigação de prestação de coisa. Ainda que esta seja fungível (um automóvel novo, por exemplo), a execução para prestação de coisa certa converte-se em execução para pagamento de quantia certa logo que as buscas no património do devedor se revelem infrutíferas, sem que, no processo, se proceda a compra de coisa idêntica a terceiro” (sublinhado e destacado nosso). No sentido de que ultrapassado o prazo para o executado prestar a obrigação e facto positivo de natureza fungível, assiste ao exequente a possibilidade de optar pela prestação incumprida por terceiro, acrescido de indemnização moratória ou pela indemnização pelos danos sofridos por ter ficado sem a prestação a que tinha direito, também Marco Carvalho Gonçalves, ob. cit., pág. 437. Igualmente, ainda, Eurico Lopes-Cardoso, “Manuel da Ação Executiva”, 3ª ed. Almedina, 1992, págs. 686 e 687, onde é expresso que: “…o credor de uma prestação de facto não satisfeita tem direito a: a) ser indemnizado pelas perdas e danos resultantes da falta ou b) salva estipulação em contrário, obter a prestação do mesmo facto por pessoa diferente”, concretizando “...a escolha entre as duas alternativas pertence exclusivamente ao credor, não se consentindo ao devedor, nem se permitindo ao juiz, impor- lhe a aceitação de qualquer delas”… “Em harmonia com o exposto, o exequente, findo o prazo dentro do qual a prestação devia estar concluída, sem o devedor a ter satisfeito, há-de requerer uma de duas coisas: a) Ou que o executado seja compelido a indemnizá-lo pelas perdas e danos decorrentes da falta; b) Ou, quando isso seja conforme ao estipulado no título executivo, a satisfação coerciva do facto, isto é, autorização para, à custa do executado, praticar ele próprio o dito facto ou mandá-lo fazer a outrem, sob a sua direção. Claro que o exequente pode requerer qualquer das coisas mesmo que o executado tenha iniciado a prestação, contanto que a não tenha completado em prazo. Neste último caso, o pedido de indemnização respeitará às consequências da demora e a prestação coerciva abrangerá a parte ainda não prestada” (sublinhado nosso).

6   Ac. RE. de 22/02/2018, Proc. 605/10.1 TBPTG-A.E1, in base de dados.
7 Lebre de Freitas, ob. cit., págs. 459 e 460; Marco Carvalho Gonçalves, ob. cit., págs. 439 e 440; Eurico-Lopes Cardoso, in ob. cit., págs. 681 a 682, Acs. RL. de 24/02/1994, Proc. 0063096; RP de 20/05/2013, Proc. 606/06.4TBARC.D.P1, in base de dados da DGSI.

8 O “negrito” é da nossa responsabilidade.
9 Cfr., conforme citado na sentença, o Prof. Lebre de Freitas, in “A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 6ª ed., Coimbra Editora, pág. 459 e 460.