Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1171/10.3TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: INSOLVÊNCIA
LEGITIMIDADE
RESOLUÇÃO
BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
Data do Acordão: 09/28/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.3, 20, 30, 120, 121, 123, 125, 126 CIRE
Sumário: 1. Quando a lei prescreve que um crédito resultante de fiança ou de aval é resolúvel para a massa insolvente, quer significar que, decretada a insolvência, tal crédito não terá qualquer efeito relativamente à massa.

2. A alínea d) do n.º 1 do citado artigo 121.º do CIRE prevê dois requisitos cumulativos para a resolubilidade em benefício da massa insolvente: um de natureza temporal (prazo de 6 meses antes do início do processo de insolvência); outro de natureza substantiva (a operação garantida não revestir “real interesse” para o insolvente).

3. A resolução em benefício da massa insolvente pode ser efectuada por carta registada com aviso de recepção (art. 123/1 CIRE), declarada por via de excepção (art. 123/2 CIRE), em acção intentada para o efeito (art. 126/2 CIRE), podendo sempre ser objecto de impugnação em acção proposta contra a massa insolvente (art. 125 CIRE).

4. Na vigência do CIRE, não pode ser declarada a ilegitimidade activa do credor, apenas baseada na possibilidade futura e hipotética de vir a ser considerado que a operação garantida por aval ou fiança não reveste “real interesse” para o insolvente.

5. Para o tribunal a quo poder concluir pela ilegitimidade do requerente, teriam que ter sido alegados perante essa instância, factos a partir dos quais se pudesse considerar verificado o requisito substancial previsto na alínea d) do n.º 1 do citado artigo 121.º do CIRE: a operação garantida não revestir “real interesse” para o insolvente.

6. O n.º 1 artigo 20.º do CIRE enuncia o que se designa por factos-índices ou presuntivos da insolvência tendo em conta circunstâncias que, pela experiência de vida e regras da experiência comum, manifestam a insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações.

7. Provado o facto-índice, compete ao devedor ilidir a presunção, demonstrando a sua solvência.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório
BANCO (…) S.A., intentou a presente acção de declaração de insolvência contra BP (…) , peticionando a declaração de insolvência do requerido.
Alegou em síntese, que o requerido é devedor das seguintes quantias: 96.434,73 euros, acrescida dos juros vencidos e vincendos até integral pagamento, relativa a um contrato de compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança celebrado com o requerido; 26.519,67 euros, acrescida dos juros vencidos e vincendos até integral pagamento, relativa a um contrato de mútuo com hipoteca e fiança celebrado com o requerido; e de 452,19 euros, acrescida dos juros vencidos e vincendos até integral pagamento, relativa ao saldo devedor de uma conta de depósito à ordem titulada pelo requerido.
Mais alegou o requerente, que é portador de 3 livranças avalizadas pelo requerido, no valor total de 929.672, 15 euros, acrescida dos juros vencidos e vincendos até integral pagamento, todas vencidas em 2009.
Finalmente, refere que o requerido apenas possui um bem imóvel, de valor insuficiente para satisfazer todas as dívidas do requerido e que não lhe são conhecidos outros rendimentos, concluindo que o requerido não tem condições de solver os seus débitos que já se encontram vencidos.
Devidamente citado, o requerido deduziu oposição, alegando que o requerente omitiu os rendimentos do requerido que serviram de base à concessão do crédito e omitiu as garantias, reais (hipotecas), pessoais (avalistas) e de penhor (aplicações financeiras), prestadas e relativas aos empréstimos referidos.
Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, onde foi seleccionada a matéria de facto assente e e1aborada a base instrutória, que não foi objecto de reclamação por nenhuma das partes (fls. 328), tendo o Tribunal respondido à base instrutória pela forma constante da respectiva acta de julgamento, resposta que não foi, igualmente, objecto de qualquer reclamação (fls. 483).
Foi proferida sentença (fls. 490), na qual se decidiu julgar reconhecida e declarar judicialmente a insolvência do requerido BP (…).
Não se conformando, ao requerido BP (…), interpôs recurso de apelação, no qual formula as seguintes conclusões:
1.ª A ausência de factos e os documentos que existem nos autos justificam a improcedência da acção. Desde logo,
2.ª Como decorre das 3 cartas, datadas de 10.05.2010, juntas na Audiência de Discussão e Julgamento de 24.05.2010, cuja autoria e autenticidade não foi posta em causa pelo Recorrente(…), resulta manifesto que contrariamente ao alegado nos autos o (…) não só acredita na solvabilidade do requerido, como ainda manifesta total disponibilidade para o financiar.
3.ª Os documentos (cartas) em causa comprovam, sem sombra de dúvida, o uso anormal deste processo e de outros e a deliberada intenção do (…)de aligeirar as responsabilidades que contratualmente assumiu e que circunstâncias de mercado e da sua desastrosa gestão o levaram à situação que actualmente se encontra de exigir de imediato as responsabilidades dos outros e de não cumprir as suas.
4.ª Existe nos autos insuficiência da matéria de facto para determinar a insolvência do requerido.
5.ª Como decorre da oposição ao pedido de Insolvência apenas foi aceite o alegado nos artigos 2° a 7° da petição inicial e o facto de o requerente ser uma instituição bancária e expressamente impugnada toda a restante matéria.
6.ª Apenas essa matéria foi levada aos factos assentes, bem como o teor dos documentos dos autos até esse momento juntos e considerados relevantes.
7.ª Apenas foram levados à base instrutória os factos relacionados com o crédito hipotecário destinado à habitação e de um saldo de uma conta a descoberto, no montante de € 587,47.
8.ª O requerente (…) não reclamou nem da matéria assente nem da base instrutória.
9.ª Do crédito à habitação o requerente (…) não logrou fazer prova de qualquer dos montantes de que se arrogava titular, quer os referentes a capital, quer os referentes a juros, quer quaisquer outros.
10.ª Encontrando-se especificadamente impugnados os factos alegados nos artigos 13° e ss. do seu articulado inicial de insolvência formulado pelo recorrido (…), não se tendo feito nenhuma prova quanto a estes, nem os mesmos terem sido levados quer à matéria assente quer à base instrutória, resulta manifesta a insuficiência de factos capazes de determinar a declaração de insolvência do aqui recorrente.
11.ª Apenas se provou que: 18. O requerido efectuou movimentos a débito na conta bancária identificada em 5 que excederam as quantias que na mesma se encontravam depositadas a sua favor, em montante de 587,47 euros.
12.ª Tendo em conta que o Recorrido não litiga com apoio judiciário e pagou, só de taxa de justiça inicial € 765,00 e em taxas de recurso € 765,00, sem recurso a divisão em prestações, é manifesta a irrelevância desta dívida de € 587,47, para a procedência da acção, sendo este um facto notório.
13.ª Quanto aos valores do crédito à habitação, sem prejuízo da resposta negativa aos quesitos 5° a 8° da base instrutória (ausência de concretização da dívida), é manifesto face aos documentos juntos, pelo próprio (…), que o prédio em causa tem uma garantia em termos de registo predial de € 186.150,00 e o próprio (…), mediante avaliação por si própria efectuada, considera ter este um valor de mercado de € 160.675,00.
14.ª É, por isso, manifesto que o requerido tem património suficiente e de sobra que garante este crédito hipotecário, sendo abusivo, impróprio e anormal o recurso à acção de Insolvência para a sua cobrança, atentas as regras, designada mente do artigo 835° do C.P.C.
15.ª Quanto ao crédito cuja livrança se apresenta preenchida pelo valor de € 458.930,08, sem prejuízo de se manter a inexistência de matéria de facto provada para determinação e apuramento deste crédito, como se referiu, tendo em conta que o aqui Recorrente é avalista de tal empréstimo, que este crédito possui uma garantia real para efeitos de registo predial de € 700.800,00 e com um valor de avaliação de € 576.000,00, efectuada pelo próprio (…), que o devedor principal possui património de, pelo menos, € 503.390,00 é igualmente manifesto o uso abusivo, impróprio e anormal do recurso desta acção de insolvência para a sua cobrança, atentas as regras do processo civil, designada mente do artigo 835° do C.P.C..
16.ª O mesmo se aplica, por maioria de razão ao crédito cuja livrança se apresenta preenchida pelo valor de € 429.119,52, sem prejuízo de se manter a inexistência de matéria de facto provada para determinação e apuramento deste crédito, como se referiu, tendo em conta que o aqui Recorrente é avalista de tal empréstimo, que este crédito não está vencido, como resulta do próprio extracto bancário do (…) possui uma garantia de uma aplicação financeira de € 400.000,00, depositada no próprio (…) e que os devedores principais possuem património depositado no próprio (…) de € 1.465,997,43 é igualmente manifesto o uso abusivo, impróprio e anormal do recurso a esta acção de insolvência para a sua cobrança, atentas as regras do processo civil, designadamente do artigo 835° do C.P.C..
17.ª Quanto a estes dois créditos cujas livranças se apresentam preenchidas pelos valores de € 458.930,08 e de € 429.119,52, considerando as datas de emissão das livranças e a data de entrada da acção em juízo destes autos, é manifesta a ilegitimidade do recorrido (…) por falta de interesse em demandar, para que, com fundamento em tais livranças, requerer a insolvência do aqui Recorrente.
18.ª No art. 121, n° 1, al. d) estatui-se que são resolúveis em benefício da massa insolvente, sem dependência de quaisquer outros requisitos, afiança, a subfiança, o aval e os mandatos de crédito em que o insolvente haja outorgado nos seis meses anteriores à data do início do processo de insolvência e que não respeitem a operações negociais com real interesse para ele.
19.ª Uma vez que o aval, desde que preenchida a previsão deste artigo, é resolúvel em beneficio da massa insolvente e como a resolução tem efeito retroactivo, nos termos do art. 434, n° 1 do Cód. Civil, tudo se passa como se o credor do aval nunca tivesse sido credor, daí resultando a sua falta de interesse em requerer a insolvência do avalista e a sua consequente ilegitimidade. Ou seja,
20.ª O credor a favor de quem foi prestado aval não tem legitimidade para requerer a declaração de insolvência do avalista, por falta de interesse em demandar, quando esse aval seja resolúvel em beneficio da massa insolvente, o que se verifica tendo sido o aval constituído no período de seis meses anterior à data do início do processo de insolvência e não respeite o mesmo a operações negociais com real interesse para o insolvente (art°. 121, n° 1, al. d) do CIRE).
21.ª Foram violados, entre outros, os seguintes normativos: artigos 200, n° 1 , 30°, n° 3, 121°, n° 1, do CIRE e 490° n° 2, 665°,668°, alíneas b), c) e d), do Código de Processo Civil e 374° e 376° do Código Civil.
22.ª Dando-se provimento ao presente recurso, deve a douta sentença ser revogada e substituída por outra que julgue a acção improcedente, tudo com as legais consequências.
O requerente apresentou contra-alegações, nas quais preconiza a manutenção do julgado.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões: i) a questão da ilegitimidade suscitada pelo Apelante, relativamente aos dois créditos titulados por livranças por si subscritas e avalizadas, com os valores de € 458.930,08 e de € 429.119,52 (juntas aos autos a fls. 323 e 324); ii) a questão da verificação dos requisitos susceptíveis de justificar o decretamento da insolvência.

2. Fundamentos de facto
Está provada nos autos a seguinte factualidade relevante:
2.1. O requerente é uma instituição bancária, cuja actividade consiste na realização de operações bancárias e financeiras com a latitude consentida por lei aos bancos de investimento.
2.2. O requerente celebrou com o requerido, por escritura pública, datada de 01.02.2005, o acordo escrito denominado “Compra e venda, Mútuo com Hipoteca e Fiança”, mediante o qual lhe entregou o montante de € 100 000,00 (cem mil euros), destinado a financiamento de aquisição de habitação própria permanente do requerido, que este se comprometeu a devolver no prazo e condições constantes do respectivo documento complementar, conforme documento junto a fls. 16 e seguintes, cujo integral teor aqui se dá por reproduzido.
2.3. O requerente celebrou com o requerido, por escritura pública, datada de 01.02.2005, o acordo escrito denominado “Mútuo com Hipoteca e Fiança”, mediante o qual lhe entregou o montante de 27.500,00 (vinte e sete mil e quinhentos euros), destinado a financiamento de investimentos diversos, que este se comprometeu a devolver no prazo e condições constantes do respectivo documento complementar, conforme documento junto a fls. 34 e seguintes, cujo integral teor aqui se dá por reproduzido.
2.4. Para garantia do cumprimento dos acordos referidos em B) e C), encontram-se averbadas, a favor do requerente, duas hipotecas sobre o prédio urbano, sito no lugar e freguesia de Abraveses, do concelho de Viseu, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 499.º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Viseu sob o n.º 376, conforme documento de fls. 50 e 51, cujo integral teor aqui se dá por reproduzido.
2.5. No exercício daquela sua identificada actividade comercial, o requerente celebrou com o requerido um acordo denominado de contrato de depósito à ordem, com o número 888182610001.
2.6. O requerente é portador de uma livrança, em cujo verso constam os dizeres “por aval ao subscritor” seguida da assinatura BP (…), no valor de € 458.930,08, emitida em 27.10.2009 e com data de vencimento de 16.11.2009, conforme documento de fls. 323, cujo teor aqui se dá por integralmente por reproduzido.
2.7. O requerente é portador de uma livrança, em cujo verso constam os dizeres “Bom por aval aos subscritores” seguida da assinatura BP (…), no valor de € 429.119,52, emitida em 11.12.2009 e com data de vencimento de 21.12.2009, conforme documento de fls. 324, cujo teor aqui se dá por integralmente por reproduzido.
2.8. Encontra-se descrito a favor de BP (…), na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Viseu, sob o n.º 376/19871001, o prédio urbano sito na Freguesia de Abraveses, com a área coberta de 91 m2 e área descoberta de 23 m2, inscrito na matriz sob o artigo 499, conforme certidão de fls. 49 a 51, emitida pela respectiva Conservatória, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2.9. BP (…) nasceu em 23.07.1984, conforme Assento de Nascimento de fls. 71, cujo integral teor aqui se dá por reproduzido.  
2.10. Dá-se por reproduzido o teor da certidão da matrícula da sociedade V..., Lda., junta a fls. 128 e seguintes.
2.11. Dá-se por reproduzido o teor da certidão de matrícula da sociedade A..., Lda., junta a fls. 187 e seguintes.
2.12. Dá-se por reproduzido o teor da caderneta predial urbana junta a fls. 201, referente ao prédio urbano com o artigo matricial 1114, fracção autónoma H, da freguesia de Vila Chã de Sá, cujo titular inscrito é A..., Ld.ª.
2.13. Dá-se por reproduzido o teor da caderneta predial urbana junta a fls. 203, referente ao prédio urbano com o artigo matricial 239º, da freguesia de Praia de Mira, concelho de Mira, cujo titular inscrito é A..., Ld.ª.
2.14. Dá-se por reproduzido o teor da caderneta predial urbana junta a fls. 205, referente ao prédio urbano com o artigo matricial 1114, fracção autónoma A, da freguesia de Vila Chã de Sá, cujo titular inscrito é A..., Ld.ª.
2.15. O requerido deixou de pagar as prestações a que se alude nos acordos referidos em 2 e 3.
2.16. A requerente enviou ao requerido as cartas juntas a fls. 54 a 56, nas quais declarava resolvidos os acordos referidos em 2 e 3.
2.17. Na sequencia do acordo referido em 5, a requerente comprometeu-se aguardar em depósito as quantias pecuniárias que lhe fossem entregues pelo requerido, facultando-lhe a sua livre disposição e restituição integral logo que solicitadas.
2.18. O requerido efectuou movimentos a débito na conta bancária identificada em 5 que excederam as quantias que na mesma se encontravam depositadas a sua favor, em montante de 587,47 euros.

3. Fundamentos de direito
3.1. A questão da legitimidade
Nas conclusões 17.ª a 20.ª, o Apelante invoca a excepção dilatória de ilegitimidade activa do Apelado, alegando em síntese que, relativamente aos dois créditos titulados por livranças (a primeira por si subscrita, na qualidade de gerente da (…) e por si avalizada e a segunda, em que avaliza um crédito concedido a (…)e esposa), com os valores de € 458.930,08 e de € 429.119,52 (juntas aos autos a fls. 323 e 324), se verifica a falta de interesse em demandar, face ao disposto na alínea d) do art. 121, n° 1, do CIRE, conjugado com o artigo 434, n° 1 do Cód. Civil, considerando que tal aval é resolúvel em benefício da massa insolvente, sem dependência de quaisquer outros requisitos, porque outorgado nos seis meses anteriores à data do início do processo de insolvência, por não respeitar a operações negociais com real interesse para o Apelante.
Apreciando a excepção suscitada.
Dispõe o artigo 121.º, na alínea d) do seu n.º 1:
«São resolúveis em benefício da massa insolvente os actos seguidamente indicados, sem dependência de quaisquer outros requisitos:
(…)
d) Fiança, subfiança, aval e mandatos de crédito, em que o insolvente haja outorgado no período referido na alínea anterior e que não respeitem a operações negociais com real interesse para ele;
(…)».
O período a que se refere a norma transcrita reporta-se aos «seis meses anteriores à data de início do processo de insolvência», de acordo com a alínea c) do mesmo normativo.
É a seguinte a factualidade relevante provada nos autos,
1. O requerente é portador de uma livrança, em cujo verso constam os dizeres por aval ao subscritor seguida da assinatura BP (…), no valor de € 458.930,08, emitida em 27/10/2009 e com data de vencimento de 16/11/2009, conforme documento de fls. 323. (facto 6)
2. O requerente é portador de uma livrança, em cujo verso constam os dizeres Bom por aval aos subscritores seguida da assinatura BP (…), no valor de € 429.119,52, emitida em 11/12/2009 e com data de vencimento de 21/12/2009, conforme documento de fls. 324. (facto 7)
3. A acção deu entrada em 17.04.2010.
Analisados os referidos documentos, verificamos que o requerido (Apelante) subscreveu a primeira livrança, na qualidade de gerente da (…) Lda, avalizando-a com a aposição da sua assinatura no verso, assim como avalizou na segunda um crédito concedido a (…) e esposa, com os valores, respectivamente, de € 458.930,08 e de € 429.119,52
A alínea d) do n.º 1 do citado artigo 121.º do CIRE prevê dois requisitos: um de natureza temporal (prazo de 6 meses antes do início do processo de insolvência); outro de natureza substantiva (a operação garantida não revestir “real interesse” para o insolvente).
No que concerne ao primeiro requisito enunciado, não restam dúvidas de que se encontra preenchido – os avales foram prestados respectivamente em 27 de Outubro e 11 de Novembro de 2009, tendo o processo sido iniciado em 17 de Março de 2010.
No que concerne ao segundo requisito – a existência de “real interesse” para o requerido, das operações bancárias tituladas pelas livranças – desconhecemos se se verifica ou não, dado não ter sido alegado qualquer facto referente à integração do ambíguo conceito previsto na norma[1].
Como se refere no acórdão de Supremo Tribunal de Justiça, de 7 Maio 1993[2]: «Quando a lei prescreve que um crédito resultante de fiança (ou de aval) é resolúvel para a massa falida/insolvente, quer significar que, decretada a falência/insolvência, tal crédito não terá qualquer efeito relativamente à massa
Desta questão, de natureza substantiva, emergiu uma polémica jurisprudencial sobre a questão processual de saber se, nas situações em que o credor funda a pretensão de insolvência do devedor em dívida titulada por garantia pessoal de cumprimento de determinada obrigação (fiança ou aval), resolúvel em benefício da massa falida, terá ou não legitimidade activa para requerer a insolvência do devedor.
Tal polémica veio a lume, ainda na vigência do artigo 1200.º do Código de Processo Civil[3], que previa na alínea b) do n.º 1, a resolubilidade em benefício da massa, das “fianças de dívida”, tendo sido produzida jurisprudência que defendia a ilegitimidade do credor da fiança, para requerer a insolvência do devedor (fiador), revelando-se maioritária a jurisprudência que recusava a equiparação do aval à fiança, para efeitos da aplicação da referida norma.
Nesse sentido, e apenas para melhor enquadramento da questão, citam-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, cujos sumários se transcrevem parcialmente:
- Acórdão de 07 Maio 1993[4]: «I - Quando a lei prescreve que um crédito resultante de fiança é resolúvel para a massa falida/insolvente, quer significar que, decretada a falência/insolvência, tal crédito não terá qualquer efeito relativamente à massa. II - A lei não reconhece legitimidade ao credor da fiança para requerer a declaração de insolvência ou falência desse seu devedor - o fiador. (…)»
- Acórdão de 26 de Abril de 1994[5]: «II. O facto de um crédito poder, porventura, vir a ser ineficaz nos termos do artigo 1200, n. 1, alínea b) do Código citado, como facto futuro - depois de declarada a insolvência - não pode conduzir à conclusão de que o requerente da insolvência é parte ilegítima para a pedir. III - Acresce que nada permite que se entenda que cabe em tal preceito o aval, apesar da natureza deste ser semelhante à fiança.»
Visou pôr fim à referida polémica jurisprudencial, o acórdão uniformizador n.º 8/97, de 25.02.1997, Proc. n.º 86 659 - 1.ª Secção, relatado pelo Conselheiro Pais de Sousa, publicado no DR 83/97 SÉRIE I-A, de 1997-04-09, que culmina com as seguintes conclusões:
«a) O artigo 1200.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, revogado pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril, durante a sua vigência nunca abrangeu os avales de dívidas;
b) O legítimo possuidor de letras avalizadas que descontou e não lhe foram pagas tem legitimidade para requerer a insolvência do avalista desses títulos
O acórdão uniformizador distingue as figuras do aval e da fiança, concluindo que, apesar da afinidade dos títulos em causa, constituindo ambos uma garantia pessoal do cumprimento de determinada obrigação, o aval constitui um acto cambiário que origina uma obrigação independente e autónoma de pagar o título, embora só caucione outro signatário do mesmo[6][7].
Com a redacção da alínea d) do n.º 1 do artigo 121.º do CIRE, que na sua previsão legal engloba “fiança, subfiança, aval e mandatos de crédito”, a questão volta a ser colocada[8], face à equiparação legal (para efeitos de resolução em benefício da massa falida), entre fiança e aval.
Pensamos, no entanto, salvo o devido respeito, que não colhe a argumentação do Apelante sobre esta matéria, face aos seguintes argumentos que se aduzem:
3.1.1. A inexistência de um mecanismo automático de resolução em benefício da massa, no actual regime legal
Durante a sua vigência, o artigo 1200.º do Código de Processo Civil previa no n.º 1 da alínea b), a resolução automática em favor da massa insolvente, nestes termos:
«1. São resolúveis em favor da massa: (…)
b) As fianças de dívidas; (…)»
Havia assim uma previsão legal de funcionamento automático, na medida em que, estando o tribunal perante uma “fiança de dívida” assumida pelo devedor, impunha-se considerar que «…o requerente não tinha interesse em demandar porque, declarada a insolvência, deixaria automaticamente de ser credor, visto a resolução prevista naquele artigo 1200.º ter carácter retroactivo. Carecia, portanto, de legitimidade para requerer a insolvência do avalista…»[9]
Este mecanismo automático (que actuava dependendo apenas do facto de se tratar de uma “fiança de dívida”), deixou de existir, dado que, como já se referiu, a alínea d) do n.º 1 do citado artigo 121.º do CIRE prevê dois requisitos essenciais: um de natureza temporal (prazo de 6 meses antes do início do processo de insolvência); outro de natureza substantiva (a operação garantida não revestir “real interesse” para o insolvente).
No que concerne à avaliação do primeiro requisito enunciado, basta a mera observação do título e o confronto da data da sua emissão, com a data de início do processo.
Como também já ficou dito, não restam dúvidas de que se encontra preenchido – os avales foram prestados respectivamente em 27 de Outubro e 11 de Novembro de 2009, tendo o processo sido iniciado em 17 de Março de 2010.
No que concerne ao segundo requisito – a existência de “real interesse” para o requerido, das operações bancárias tituladas pelas livranças – não existe nos autos qualquer facto que permita concluir (ou não) pela sua verificação, dado que nenhuma das partes alegou factualidade integrante ou excluidora do ambíguo conceito previsto na norma.
Acresce que a resolução em benefício da massa insolvente pode ser efectuada por carta registada com aviso de recepção (art. 123/1 CIRE), ou declarada por via de excepção (art. 123/2 CIRE), podendo ainda ser efectuada em acção intentada para o efeito (art. 126/2 CIRE), podendo sempre ser objecto de impugnação em acção proposta contra a massa insolvente (art. 125 CIRE).
Ora, prevendo o n.º 1 do artigo 20.º do CIRE, que «A declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por (…) qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito…», salvo melhor opinião, não vemos como possa ser declarada a ilegitimidade activa do credor, apenas baseada na possibilidade futura e hipotética de vir a ser considerado que a operação garantida não revista “real interesse” para o insolvente.
Para o tribunal a quo poder concluir pela ilegitimidade do requerente[10] (relativamente às livranças), teriam que ter sido alegados perante essa instância, factos a partir dos quais se pudesse concluir pela verificação do requisito substancial previsto na alínea d) do n.º 1 do citado artigo 121.º do CIRE: a operação garantida não revestir “real interesse” para o insolvente.
Nada tendo sido alegado (num ou noutro sentido), não pode este tribunal concluir pela ilegitimidade do requerente, sob pena de essa decisão, sem base em quaisquer factos que a suporte, poder inviabilizar a discussão dos mesmos na acção de impugnação prevista no artigo 125.º do CIRE (onde necessariamente tais factos teriam que ser alegados e discutidos).
Esta é a diferença essencial entre o regime legal à luz do qual foram produzidas as decisões que justificaram o acórdão uniformizador, e o regime actual.
No primeiro, era manifesta a falta de interesse em demandar (art. 26/1 CPC), por parte do credor, porque, declarada a insolvência, a fiança era automaticamente resolvida em benefício da massa; no segundo, apenas o será se verificado o prazo previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 121.º do CIRE, e se, face aos factos alegados e à prova produzida, se vier a concluir que o título não respeita a operação negocial com “real interesse” para o devedor.
Pensamos, salvo melhor opinião, que, no regime actualmente em vigor, face à  concepção formal do pressuposto processual da legitimidade, adoptada na reforma introduzida pelo DL 329-A/95, de 12.12[11], não tendo sido alegados pelas partes, quaisquer factos susceptíveis de integrar ou de afastar o conceito de “real interesse” do devedor, previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 121.º do CIRE, deverá o tribunal declarar a legitimidade activa do requerente da insolvência.
A declaração judicial genérica, do referido pressuposto processual, não prejudica a possibilidade de, na sequência da resolução em benefício da massa insolvente, e da eventual acção de impugnação (artigos 123.º a 126.º do CIRE), caso se venha a concluir pela verificação dos pressupostos que a legitimam, poder vir a ser decretada a inutilidade superveniente da lide no processo de insolvência (na estrita eventualidade de a insolvência ser requerida apenas com base nos títulos referidos na citada alínea c) do n.º 1 do artigo 121.º do CIRE).
Considerando que nada foi alegado pelas partes, relativamente ao segundo requisito enunciado na alínea c) do n.º 1 do artigo 121.º do CIRE, não poderá este tribunal censurar a declaração genérica de legitimidade das partes[12].
3.1.2. A invocação de outros créditos, para além dos titulados pelas livranças em causa
O Apelante centra a questão (invocação da excepção dilatória de ilegitimidade activa do Apelado), apenas relativamente aos dois créditos titulados por livranças por si avalizadas, com os valores de € 458.930,08 e de € 429.119,52 (juntas aos autos a fls. 323 e 324),
No entanto, no requerimento inicial são invocados outros créditos, que se provou existirem:
1) O requerente celebrou com o requerido, por escritura pública, datada de 01.02.2005, o acordo escrito denominado “Compra e venda, Mútuo com Hipoteca e Fiança”, mediante o qual lhe entregou o montante de € 100 000,00 (cem mil euros), destinado a financiamento de aquisição de habitação própria. (facto 2.2)
2) O requerente celebrou com o requerido, por escritura pública, datada de 01.02.2005, o acordo escrito denominado “Mútuo com Hipoteca e Fiança”, mediante o qual lhe entregou o montante de 27.500,00 (vinte e sete mil e quinhentos euros), destinado a financiamento de investimentos diversos. (facto 2.3)
3) O requerido deixou de pagar as prestações a que se alude nos acordos referidos. (factos 2.15)
4) O requerente enviou ao requerido as cartas juntas a fls. 54 a 56, nas quais declarava resolvidos os acordos referidos em 2 e 3.
5) Na sequencia do acordo referido em 5, a requerente comprometeu-se aguardar em depósito as quantias pecuniárias que lhe fossem entregues pelo requerido, facultando-lhe a sua livre disposição e restituição integral logo que solicitadas. (factos 2.17)
6) O requerido efectuou movimentos a débito na conta bancária identificada em 5 que excederam as quantias que na mesma se encontravam depositadas a sua favor, em montante de 587,47 euros. (facto 2.18)
Conforme decidiu o Tribunal da Relação do Porto em acórdão de 30.06.2009[13]: quando o requerente da insolvência, para alem de invocar avales susceptíveis de integrarem a previsão legal da alínea d) do artigo 121.º do CIRE, invoca outros créditos, sempre lhe assiste legitimidade processual, face aos restantes créditos invocados.[14]
É, manifestamente, o que se passa in casu.
O requerente da insolvência invoca vários créditos para além dos que se encontram titulados por livrança, o que garante desde logo a sua legitimidade processual.
Com fundamento no exposto, deverá ser julgada improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade activa deduzida pelo requerido, ora Apelante.
3.2. Os requisitos da insolvência
O n.º 1 do artigo 3.º do CIRE define genericamente “situação de insolvência”, nestes termos: «É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas
Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda[15], de há muito que tem sido geral e pacificamente entendido pela doutrina e pela jurisprudência que, para caracterizar a insolvência, a impossibilidade de cumprimento não tem de abranger todas as obrigações assumidas pelo insolvente e vencidas.
Na perspectiva dos autores citados, o que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.
Admitem os mesmos autores, que possa até suceder que «a não satisfação de um pequeno número de obrigações ou até de uma única, indicie, só por si, a penúria do devedor, característica da sua insolvência, do mesmo modo que o facto de continuar a honrar um número quantitativamente significativo pode não ser suficiente para fundar saúde financeira bastante.»
Concluem os autores que vimos citando, que «se, por hipótese, uma sociedade comercial com algumas centenas de trabalhadores entra em ruptura quanto aos seus encargos para a segurança social e deixa também de honrar as dívidas com os seus credores bancários mais relevantes, ela não deixará de se encontrar numa situação de insolvência actual, apesar de manter religiosamente o pagamento aos seus colaboradores e mesmo assegurar o serviço da dívida a um ou outro banco
O n.º 1 artigo 20.º do CIRE enuncia o que se designa por factos-índices ou presuntivos da insolvência[16], tendo em conta circunstâncias que, pela experiência de vida e regras da experiência comum, manifestam a insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações.
Prevê a norma citada, entre outros, nas alíneas a) e b), os seguintes factos-índices ou presuntivos da insolvência[17]:
«a) Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas;
b) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações; (…)».
Invocado e provado qualquer dos factos-índices ou presuntivos, referidos, dispõem os n.º 3 e 4 do artigo 30.º do CIRE, relativamente à exigência de alegação e prova por parte do requerido:
«(…) 3 - A oposição do devedor à declaração de insolvência pretendida pode basear-se na inexistência do facto em que se fundamenta o pedido formulado ou na inexistência da situação de insolvência.
4 - Cabe ao devedor provar a sua solvência, baseando-se na escrituração legalmente obrigatória, se for o caso, devidamente organizada e arrumada, sem prejuízo do disposto no nº 3 do artigo 3º. (…)».
Sobre a presunção referida e a sua natureza ilidível, refere-se na parte final do ponto 19 do preâmbulo do DL 53/2004 de 18 de Março, que aprovou o CIRE: «Expressamente se afirma, todavia, que o devedor pode afastar a declaração de insolvência não só através da demonstração de que não se verifica o facto indiciário alegado pelo requerente, mas também mediante a invocação de que, apesar da verificação do mesmo, ele não se encontra efectivamente em situação de insolvência, obviando-se a quaisquer dúvidas que pudessem colocar-se (e se colocaram na vigência do CPEREF) quanto ao carácter ilidível das presunções consubstanciadas nos indícios
Pela sua manifesta pertinência, transcreve-se parcialmente, o sumário do acórdão da Relação de Lisboa, de 03.12.2009[18]:
«I. O credor, ao requerer a insolvência, não tem que fazer a prova da inviabilidade económica do devedor, bastando-lhe apenas invocar factos dos quais possa resultar a prova de que o devedor está impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.
II. A declaração de insolvência é obtida, desde que fique demonstrado qualquer dos factos a que alude o artigo 20º, n.º 1 do CIRE, a partir dos quais é possível presumir a insolvência do devedor, O n.º 1 artigo 20.º do CIRE enuncia o que se designa por factos-índices ou presuntivos da insolvência[19], tendo em conta circunstâncias que, pela experiência de vida e regras da experiência comum, manifestam a insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações.
. (…)»
No mesmo sentido, veja-se o acórdão da Relação de Lisboa, de 22.04.2010[20], em cujo sumário se conclui: «3. Compete ao devedor trazer ao processo factos e circunstâncias probatórias de que não está insolvente, pese embora a ocorrência do facto que corporiza a causa de pedir, ilidindo a presunção emergente do facto-índice
Não se vislumbram na jurisprudência e na doutrina, divergências sobre a questão abordada (presunção de insolvência, face à alegação e prova do facto-índice, traduzido na suspensão de pagamento e falta de cumprimento de uma obrigação reveladora da impossibilidade de satisfação pontual das obrigações do requerido).
Do exposto decorre que, nos termos do n.º 4 do artigo 30.º, competia ao requerido (ora Apelante) provar a sua solvência.
No requerimento inicial, alegou o requerente, nomeadamente, desconhecer se o requerido “efectivamente aufere algum rendimento” e que não dispõe de “meios próprios de liquidez que lhe permitam cumprir, ainda que parcial e pontualmente, as obrigações já vencidas”.
Na sua oposição, o requerido não alegou um único facto susceptível de ilidir a presunção referida, o que levou o tribunal a quo, no despacho de fls. 489, a declarar: «(…) compulsados os autos e atentas as regras do ónus da prova, bem como o tipo de processo aqui em causa, entende o tribunal que não existem quaisquer factos que constem da oposição do requerido, que devam ser aditados à base instrutória (…)».
Ora, face os créditos alegados e provados por parte do requerente, e ao incumprimento das obrigações vencidas, assumidas pelo requerido, impõe-se a conclusão de que o requerido se encontra «em situação de insolvência», porque se provou a impossibilidade de «cumprir as suas obrigações vencidas», encontrando-se assim verificados os pressupostos enunciados no n.º 1 do artigo 3.º do CIRE.
De todo o exposto decorre, salvo o devido respeito, a improcedência da argumentação do recorrente, pelo que deverá naufragar a pretensão que formula no recurso.

III. Decisão
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, ao qual se nega provimento, mantendo em consequência a sentença recorrida.
Custas do recurso pelo Apelante.
                                                         *
O presente acórdão compõe-se de vinte folhas com os versos não impressos e foi elaborado em processador de texto pelo relator, primeiro signatário.
                                                          *

Coimbra, 28 de Setembro de 2010



Carlos Querido (Relator)
Emídio Costa
Gonçalves Ferreira


[1] Carvalho Fernandes e João Labareda (in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, pág. 434), reconhecendo a ambiguidade do conceito, interpretam a expressão “real interesse”, como significando «que a resolubilidade do acto de constituição só é afastada, se o insolvente, ao prestá-la, está a prosseguir, além do interesse do credor da obrigação, um efectivo interesse seu».
[2] Proferido no Processo n.º 083594, acessível em http://www.dgsi.pt.
[3] Revogado pelo Decreto Lei n.º 132/93, de 23 de Abril.
[4] Proferido no Processo n.º 083594, já anteriormente citado, acessível em http://www.dgsi.pt.
[5] Proferido no Processo n.º 084821, já anteriormente citado, acessível em http://www.dgsi.pt.
[6] O acórdão em apreço foi lavrado com um voto de vencido, onde se preconiza a equiparação do aval à fiança.
[7] No sentido de considerar equivalentes o aval e a fiança, para efeitos de legitimidade, vejam-se os acórdãos da Relação do Porto, de 20.01.1994, proferido no Processo n.º 9340080, e de 14.02.1994, proferido no Processo n.º 9331220 – ambos acessíveis em http://www.dgsi.pt.
[8] Vide acórdão da Relação do Porto, de 30.06.2009, proferido no Processo n.º 2451/06.8TBVCD.P1.
[9] Extracto do acórdão uniformizador 8/97, já anteriormente citado.
[10] Decorrente da falta de interesse em demandar, que ocorreria se, declarada a insolvência, o requerente deixasse automaticamente de ser credor, perante a imediata e retroactiva resolução em benefício da massa.
[11] Aspectos do Novo Processo Civil, Rui Pinto, Lex Lisboa, 1997, pág. 168.
[12] Até porque a lei não prevê qualquer presunção de ausência de “real interesse” para o devedor, meramente decorrente da outorga do título no prazo previsto na alínea c) da norma em apreço.
[13] Proferido no Processo n.º 2451/06.8TBVCD.P1, acessível em http://www.dgsi.pt.
[14] Na parte restante, salvo todo o respeito devido, não estamos de acordo com a decisão, particularmente no que concerne ao facto de pressupor a resolução automática, que, como vimos, depende da prova, para além do factor temporal, de um requisito de natureza substancial, sendo a resolução susceptível de impugnação judicial, de acordo com o disposto no artigo 125.º do CIRE.
[15] In Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, pág. 72.
[16] Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, pág. 72.
[17] A natureza presuntiva dos factos referidos decorria já do n.º 1 do art. 8.º, do CPEREF93. Nesse sentido, vide os seguintes acórdãos do STJ: de 28.01.2003, proferido no Processo n.º 03B2585; de 7.11.2002, proferido no Processo n.º 02B3049; e de 20.11.2002, proferido no Processo n.º 03B1192 – todos acessíveis em http://www.dgsi.pt.

[18] Proferido no Processo n.º 19881/09.6T2SNT.L1-6, acessível em http://www.dgsi.pt.
[19] Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, pág. 72.
[20] Proferido no Processo n.º 1577/08.8TBALQ-C.L1-8, acessível em http://www.dgsi.pt.