Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1122/16.1T8GRD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA CATARINA GONÇALVES
Descritores: AÇÃO PARA COBRANÇA DE DÍVIDA
NATUREZA JURÍDICA
PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
Data do Acordão: 09/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA - GUARDA - JC CÍVEL E CRIMINAL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 17º-E, Nº 1, DO CIRE
Sumário: I – As acções para “cobrança de dívidas” a que se reporta o artigo 17º-E, nº 1, do CIRE não são apenas as acções executivas mas também as acções declarativas em que se pretenda obter a condenação do devedor ao pagamento de um crédito/prestação pecuniária.

II – Mas, ainda que as acções declarativas se encontrem incluídas na sua previsão, a norma supra citada não poderá ser interpretada no sentido de obstar à instauração ou determinar a extinção de acções declarativas que se reportem a créditos que não foram reconhecidos no PER e que não foram aí reclamados e objecto de apreciação de mérito; se o crédito não foi reconhecido no PER e se não foi aí reclamado e apreciado de mérito, o respectivo credor não está impedido de instaurar ou prosseguir uma acção que vise o reconhecimento do seu crédito pelo menos para o efeito de obter o seu pagamento de acordo com as condições fixadas no plano de recuperação homologado no PER.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

A... , Ldª, com sede na Rua (...) , Moimenta da Beira, instaurou acção contra a B... , com sede na Rua (...) , Trancoso, pedindo o pagamento da quantia de 94.553,75€ (e respectivos juros) correspondente ao preço devido pelos trabalhos que executou no período compreendido entre 01/06/2011 e 30/12/2011 e no âmbito de um contrato de empreitada que celebrou com a Ré que tinha como objecto a realização de obras de beneficiação nas instalações da Creche sita em Trancoso.

A Ré contestou, alegando, designadamente: que apresentou processo especial de revitalização; que, no âmbito desse processo, a Autora não reclamou o seu crédito, tendo sido julgada improcedente a impugnação que deduziu à lista provisória de créditos reconhecida e que o plano de pagamentos apresentado pela Ré nesse processo foi homologado por sentença de 18/11/2013 que transitou em julgado em 04/03/2014.

Com estes fundamentos, pedia que fosse julgada extinta a instância nos termos do artigo 277º, al. e), do CPC.

A Autora respondeu, sustentando a improcedência do requerido.

Findos os articulados, foi proferida decisão que julgou improcedente a excepção invocada pela Ré.

Inconformada, a Ré veio interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:

1ª - Por despacho saneador de 12/01/2017, veio o Tribunal a quo proferir decisão que julgou improcedente a excepção dilatória de inutilidade superveniente da lide invocada pela recorrida na sua contestação, por considerar que não é aplicável o artigo 17.° E, do CIRE.

2ª - O recorrente entende que mal andou o Tribunal recorrido, desde logo porque os Acórdãos que cita versão sobre factos diversos dos presentes.

3ª - Mas essencialmente porque fez uma errada interpretação e aplicação das normas legais invocadas e em apreço.

4ª - Os factos em que se funda o crédito reclamado pela Autora reportam-se, pelo menos, a 30.12.2011, sendo que o despacho de nomeação do Administrador Judicial Provisório no processo nº 114/13.7TBTCS é de 26.04.2013 (cfr. fls. 28 e 29);

5ª - A Recorrida não procedeu à reclamação do sobredito crédito junto do administrador judicial provisório, tendo em 3.06.2013 impugnado a Lista Provisória de Créditos Reconhecidos (cfr. Fls. 37), a qual veio a ser julgada improcedente por sentença de 23.07.2013, a qual foi lhe foi notificada (cfr. fls. 32 a 45 e 151 a 159).

6ª - Por sentença de 18.11.2013 foi homologado o plano apresentado pela ora Ré, o qual transitou em julgado em 04.03.2014 (cfr. fls. 46 a 70; 118 e 119; 279 a 290), do qual não consta o crédito agora reclamado nestes autos.

7ª - Por força do disposto nos artigos 17.º-E, n.º 1, 17.º-F, n.º 6, al. c) do artigo 197º, todos do CIRE, e artigo 277.°, al. e) do CPC, a decisão proferida no Processo Especial de Revitalização é preclusiva ou impeditiva da demanda que a Autora ora deduz.

8ª - Assim, nos termos das citadas disposições legais, em especial n.º 1, do artigo 17.° E e nº 6 do artigo 17.° F, do CIIRE, a Recorrida encontra-se impedida de mover a indicada acção contra a recorrente, o que determina a impossibilidade da lide decorrente da aprovação e homologação do PER, em conformidade com o disposto na alinea e), do artigo 277.° do CPC.

9.ª - O cumprimento do plano de recuperação homologado no PER determina a preclusão dos créditos anteriores à data do despacho de nomeação do AJP, nos termos previstos na al. c) do artigo 197. ° do CIRE.

10.ª - A procedência da decisão recorrida, viola todos os efeitos que o legislador pretendeu atribuir ao Processo Especial de Revitalização (PER), consagrado no Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), os quais ficarão completamente vazios e desprovidos de qualquer utilidade prática.

11.ª - Bastará para tanto que qualquer credor se abstenha de vir ao PER reclamar os créditos que detém sobre a devedora e após trânsito em julgado da decisão que homologue o plano de recuperação apresentado, venha demandar judicialmente a cobrança desses créditos. Assim obterá um titulo válido para poder executar a devedora e esquivar-se aos efeitos previstos no PER, designadamente perdão de juros, perdão de capital e pagamento em prestações que aí tenham sido previstos.

12.ª - Dessa forma qualquer credor poderia contornar eficazmente aquilo que o legislador, com a introdução do PER no CIRE quis de forma clara evitar.

13.ª - Assim também se colocarão em causa os interesses não apenas da devedora, mas de todos os demais credores que acreditaram na viabilidade da devedora e aceitaram perdoar capital, juros e receber em prestações aquilo que de outra forma muito provavelmente não receberiam.

14.ª - Apontando no sentido indicado vejam-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/10/2016 (Processo n.º 1380/14.6T8LRA-AC1, disponível em www.dgsi.pt), do Supremo Tribunal de Justiça de 17/03/2016 (Proc. 33/13.7TTBRG.P1.G1.S2), proferido no âmbito do processo 172724/12.6YIPRT.L1.S1 de 01/05/2016, da Relação de Lisboa de 21/11/12, proferido no âmbito do processo n.º 1290/13.4TBCLD.L1-2, disponível na integra em http://www.dgsi.pt. da Relação de Coimbra, proferido no âmbito do processo n.º 996/15.8T8CRA-AC1 de 05-05-2015 e veja-se ainda o entendimento expresso no Acórdão Uniformizador n.º 1/2014 do Supremo Tribunal de Justiça, (Disponível na integra em http://www.dgsi.pt).

15.ª - A decisão recorrida violou assim o disposto no n. ° 1, do artigo artigo 17.º-E, o n.° 6 17.°-F, a alínea c) do artigo197.º, todos do CIRE e o disposto no artigo 277.°, al. e) do CPC.

Nestes termos…, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente, por provado e, em consequência ser revogada a decisão recorrida constante do despacho saneador e substituída por outra que julgue procedente a excepção dilatória de impossibilidade ou inutilidade da lide, e absolvendo-se a recorrente da instância.

A Autora apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

a)  Vem a Recorrente, interpor recurso da douta decisão proferido pelo Tribunal “a quo” no despacho saneador de 12/01/2017, que indeferiu a exceção dilatória de inutilidade superveniente da lide conforme Art. 17º-E n.º 1, 17º - F, n.º6, do CIRE e 277º, al. e) do CPC.

b)  Com base em “ dois motivos fundamenais: “….a fundamentação realizada  na decisão recorrida, os acórdãos invocados não poderem ser aplicados aos presentes autos, visto que versam sobre situações distintas;

c)  E por alegadamente ter feito “…..errada interpretação e aplicação da lei, visto, que por força do disposto nos artigos 17º - E, n.º1, 17º - F, n.º 6, al.c) do artigo 197º, todos dos CIRE e Art. 277º al. e) do CPC, a decisão proferida no PER é preclusiva ou impeditiva da demanda que a Autora ora deduz.”

d)  Para tanto alega em síntese a Recorrente que o crédito reclamado pela Autora reporta-se a data anterior ao PER.

e)  Que a Recorrida não procedeu à reclamação do sobredito crédito junto do Administrador Judicial provisório, tendo posteriormente impugnado a lista Provisória de Créditos reconhecidos cfr. fls 37 por não incluir o seu crédito, a qual, veio a ser julgada improcedente.

 f) Que “por sentença de 18-11-2013 foi homologado o plano apresentado pela Recorrida, a qual já transitou em julgado em 04.03.2014, do qual não consta o crédito agora reclamado nestes autos.” e que  “ Por força do disposto nos artigos 17º-E n.º 1, 17º - F, n.º6, al.c) do artigo 197º todos do CIRE e 277º, al. e) do CPC, a decisão proferida o Processo Especial de Revitalização é preclusiva ou impeditiva da demanda que a Autora ora deduz”

g)  Todavia, não lhe assiste qualquer razão, como a seguir se evidenciará, 

h)  Desde logo, a não reclamação de crédito por parte da Recorrida, no âmbito do PER nos do Art. 17º-D, n.º 2 do CIRE, não tem efeitos preclusivos, no sentido de não poder ver reconhecido o seu direito ou sequer o extinguir. cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Proc. n.º 4726/15.6T8BRG.G1  do Relator: Antero Veiga que refere “A não reclamação de crédito no PER nos termos do artigo 17º-D, nº 2 do CIRE, não tem os efeitos preclusivos.

i)   E acrescenta “- Não tendo efeito preclusivo, haverá que permitir ao credor o recurso a tribunal a fim de ver reconhecido o seu direito, e por uma questão de economia processual, deve aproveitar-se o processo que tenha sido suspenso nos seus termos ao abrigo da primeira parte do nº 1 do artigo 17º-F.

j)   Concluindo que “ Admitir a extinção da instância nos termos do artigo 17º-F, nº 1 parte final, de outras ações que não as executivas, implicaria que os créditos litigiosos em causa ficariam sem proteção, o que viola as mais elementares regras e princípios do Estado de Direito.” e “Seja, o credor se impedido de prosseguir na ação declarativa, não tem meio de cobrar o seu crédito, já que não foi reconhecido e é litigioso, isto mesmo para créditos de constituição anterior, pois que a não reclamação no PER não é preclusiva dada a simplicidade emprestada ao mecanismo, e mais, mesmo o reclamante pode ter o seu crédito impugnado e não ter sido reconhecido no PER. Sendo que aliás o reconhecimento neste tem os limitados efeitos que se apontarão.”, o que in casu sucede.

k)  E, assim, nosso entendimento que nada impede a Recorrida de intentar a presente demanda no sentido de ver reconhecido o seu direito de crédito em qualquer ação judicial, sob pena de não ter outro meio de recuperar o seu crédito.

l)   Com efeito, a Recorrente e após notificação do despacho de nomeação do Administrador Judicial Provisório a que alude all. a), n.º 3 do Art. 17º C, não comunicou disso a Recorrida ou sequer a convidou a participar nas negociações conforme estipulado no disposto do n.º 1 do Art. 17º- D, contrariamente ao que fez com os restantes credores. (Cfr doc. n.º 1 junto em sede de Resposta).

m) Mesmo, depois de ter rececionado a carta a interpelar o pagamento do valor em divida em 13-04-2013- cfr Doc. n.º 5 junto à PI e como  a própria Recorrente o admite no Art.35º da  sua contestação,  cuja fatura apresentada nunca reclamou ou devolveu.

n)  Ademais, a Recorrente, não pode invocar desconhecimentos dos trabalhos constantes da fatura, por razões óbvias, pois é notória a execução dos trabalhos de empreitada inerentes ao valor em divida aqui reclamado.

o)  Outrossim, a A. não consta da relação de credores publicada no Portal Citius, ou sequer do Balancete Analítico da ora Recorrente junto ao Processo Especial de Revitalização de fls 138 – 187 e da lista de Fornecedores/clientes fls 213 a 216 do aludido PER,

p)  Contrariando, desde logo a resolução de conselho de ministros n.º 43/2011 relativa aos princípios orientadores da Recuperação Extrajudicial de Devedores, mormente o da Boa-fé, cooperação e o de manter uma postura de absoluta transparência, o que in casu sucedeu.

q)  Não obstante, a Recorrente que omitiu claramente o crédito da aqui Recorrida, não o incluiu na relação de credores, ou sequer a registou o crédito da recorrida na sua contabilidade, ou sequer a convidou a participar nas negociações conforme estipulado no disposto do n.º 1 do Art. 17º- D, contrariamente ao que fez com os restantes credores, vem agora, a coberto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa- processo n.º 1290/13.4TBCLD.L1-2, cujo objeto de recurso em apreciação era sobre “ suspensão das ações em curso” e que não tem qualquer relação com o objeto do recurso sob resposta referir que “… o objectivo do legislador consistiu em proporcionar condições para a recuperação económica da empresa com um tratamento igualitário dos credores.”

r)  Ora, salvo o devido respeito, que é muito, é caso para questionar o que sucedeu no caso em apreço para a Recorrente não ter observado o objetivo do legislador aí implícito, mormente quanto a exigência de um tratamento igualitário de credores??

s)  Ademais, a aqui Recorrida, não reclamou o seu crédito junto do PER; e

t)  A única intervenção que teve no âmbito do aludido processo foi quando impugnou a Lista Provisória de Créditos reconhecidos, precisamente por não incluir o seu crédito, que agora peticiona, e que foi julgada improcedente cfr. Doc. n.º 2  junto pela Ré em sede de Contestação.

u)  A Recorrida não viu sequer o seu crédito apreciado conforme resulta do despacho pag. 39 – Doc. n.º 2 junto pela Ré  “ (…) a impugnante dispunha do prazo de 20 dias para reclamar créditos. Não o tendo feito, não é legalmente admissível a obtenção do mesmo desiderato por via da impugnação da lista de créditos, pelo que se impõe julgar improcedente a impugnação apresentada.”

v)  Ademais, não consta da Lista Provisória de Créditos a que alude o Art. 17º- D do CIRE, dos créditos reconhecidos reclamados, dos não reclamados e/ou dos reclamados não reconhecidos, ou sequer da Lista Provisória de Créditos (Retificada) na sequencia da decisão tomada relativamente às impugnações efetuadas e aceites, constante de fls. 710 a 772 do PER- cfr- Doc- n.º 2 , nem da Lista Definitiva de Créditos.

w) Ou sequer, participou das negociações encetados no âmbito do PER, nos termos do disposto no n.º 5 do Art 17º - D do CIRE. 

x)  Assim, em nosso humilde entendimento, nada poderá impedir ou impossibilitar a Recorrida de instaurar quaisquer ações para cobrança de dívidas contra a Recorrente ao abrigo dos alegados preceitos legais que invoca – Art. 17ºE e 17- F n.º 6 ou sequer faz preludiar o seu direito.

y)  Neste sentido, vide o Acórdão do Tribunal Central Administrativa do Norte – Proc. 00956/14.6BEBRG do Relator Mário Rebelo que a respeito do fim das restrições à instauração e continuação das ações para cobrança de dívidas esclarece que “quer o obstáculo à instauração de ações para cobrança de dívidas contra o devedor, quer a suspensão de ações já instauradas com idêntica finalidade, apenas perdura enquanto se mantiverem as negociações entre o devedor e os credores. …(…)Uma vez que o obstáculo à instauração de ações para cobrança de dívida ou a suspensão das que estiverem em curso apenas persiste durante as negociações, concluídas estas (por aprovação dos credores ou por impossibilidade de acordo – cfr arts. 17-F/1, e 17-G do CIRE) aquele regime de impedimento ou de suspensão cessa.

z)  Entendimento que vem corroborado na douta decisão recorrida  que  no mesmo sentido faz referência ao Acórdão da Relação de Lisboa de 27.01.2016 (proc. n.º 213/14.8TTUN-4 – www.dgsi.pt) “ A suspensão da instância das ações para cobrança de dívidas do devedor sujeito a PER, segundo o n.º 1 do Art. 17-E do CIRE, só deverá twer lugar durante o período de negociações previsto no Art.  17º- D do diploma legal”

aa) Ora, como bem sabe a Recorrente, a Recorrida não detinha qualquer ação em curso/pendente aquando PER nem durante o prazo de suspensão a que alude o n.º 4 do Art. 17º-C do CIRE, o que apenas sucedeu com a entrada da presente ação, pelo que, também por esse motivo não teria qualquer aplicação o Art. 17º-C do CIRE, como esta pretende inculcar.

bb) Conforme resulta do Acórdão do TCA do Norte que supra referido, apenas podem ser suspensas ou extintas as ações pendentes/em curso e/ou abster-se de as intentar durante o período “enquanto perdurarem as negociações” no PER, o que in casu não sucedeu.

cc) De resto, a Recorrente em sede de alegações começa por invocar como primeiro motivo fundamental para recorrer da decisão do Tribunal “a quo” o facto de os acórdãos invocados não poderem ser aplicados aos presentes autos por alegadamente versarem sobre situações muito distintas, que não são, quando nenhum dos acórdãos a que alude em sede de alegações de recurso tem qualquer aplicação ou similitude com o caso sob pronúncia.

dd) Com efeito, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/10/2016 (Proc. n.º 1830/14.6T8LRA-A.C1 disponível em www.dgsi.pt) o objeto de recurso prende-se com a prescrição enquanto causa de extintiva do direito decorrente da inercia do seu titular, …. que não impugnou o seu crédito, nem reclamou outros créditos já vencidos…” o que in casu não sucedeu.

ee) Da mesma forma o Acórdão do STJ de 17/03/2016 (Proc. n.º 33/13.7TTBRG.P1.G1.S2) o objeto de recurso consistia na apreciação de créditos laborais, tendo sido aprovado e homologado um PER, por sentença transitada em julgado, na pendencia de uma ação na qual se discute a cobrança de créditos laborais por parte do A. - que figuram igualmente no PER …”

ff) Ora, do exposto, resulta, desde logo, que havia uma ação pendente á data da aprovação do PER e que tais créditos figuram igualmente no PER, o que no caso apreço não sucedeu, desta forma é manifesto que as conclusões daí retiradas não tem qualquer similitude com a decisão proferida nos presentes autos.

gg) O mesmo se diga quanto aos restantes Acórdãos invocados, vide que o Acórdão da Relação de Lisboa de 21-11-2012 - Proc. n.º 129/13.4TBCLD.L1-2, também  respeita “ …a suspensão das ações em curso, por efeito  da comunicação da pretensão do inicio das negociações do devedor com os credores…” 

hh) De resto, e em como bem resulta da decisão recorrida do Tribunal “a quo” que não merece qualquer censura, e com referencia à proposta de Lei n.º 39/X11 refere “(….) a “ revitalização” assenta num plano, que por sua vez rsulta de negociações entre o devedor e os seus credores, com intervenção de uma administrador judicial provisório. Trata-se, assim, de uma solução negocial – ou seja, assente na vontade dos titulares dos direitos e obrigações em causa – objetivada num documento (o plano de recuperação) sujeito a homologação judicial. “Nos termos do artigo 17º-D, n.º 3 do CIRE “A lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicitada no portal CITIUS, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias uteis e dispondo. (…) no entender que nos parece ser o mais conforme com o espirito da lei, a “impugnação” a que  se refere a norma em apreço e a decisão que imediatamente …lhe segue pouco ou nada  têm em comum com a impugnação e decisão do processo de insolvência.”

ii)  Entendimento, do qual, a aqui Recorrida partilha em absoluto,

jj)  Aliás, resulta igualmente fundamentado da douta decisão recorrida do Tribunal “a quo” como se transcreve “ o caracter excecional deste regime que suscita algumas reservas e estranheza explica-se com o simples efeito da lista de credores reconhecidos (em ultima instância e como sucede no caso vertente, pelo Tribunal na sequência das Impugnações), uma vez que esta não impede a reclamação de créditos num futuro processo de insolvência “ a lista só é definitiva nos termos e para os efeitos do processo de revitalização” (Carvalho Fernandes e João Labareda, cit. Pag. 159), ou seja, serve apenas e tão só para formação e apreciação do quórum deliberativo e não impede que as questões eventualmente não tenham sido adequadamente discutidas no PER venham a ser novamente suscitadas, já com recurso a outras garantias processuais e meios probatórios, no processo de insolvência.”

kk) Pelo que, é manifesto que as conclusões retirados pela Recorrente também quanto a referida Proposta de Lei n.º 39/XII, não poderá merecer qualquer acolhimento quanta pretensão da ora Recorrente de ver revogada a decisão recorrida e ser considerada a exceção dilatória de impossibilidade ou inutilidade da lide, devendo nessa sequencia ser-lhe negado provimento ao recurso sob resposta.

ll)  Em suma, a douta decisão (despacho saneador) recorrida, não merece qualquer censura porquanto a factualidade corresponde ao que indubitavelmente resulta da documentação constante dos autos e ainda dos factos admitidos pela própria Recorrente, sendo também inquestionável que essa matéria de facto impunha, como, aliás, foi o entendimento do tribunal “a quo”, as seguintes conclusões (que se transcreve) …. não só inexiste qualquer referência a convite ou participação da A. nas negociações encetadas no PER (nem sequer o inverso é alegado pela Ré), como é evidente que tal não foi naquele processo reconhecido, ou mesmo apreciado como claramente se alcança da decisão da impugnação apresentada pela Autora naquele processo.” e“.(…) não há dúvidas que o crédito que aqui reclama, sendo bastante anterior ao PER, não foi reconhecido ou sequer apreciado naquele procedimento.. “ , “..associado a circunstância desta ação ser bem ulterior à homologação do PER em causa , resulta não ser aplicável aos autos o disposto no art. 17º - E, nº1 do CIRE (com efeito não está em causa uma ação pendente/em curso e/ou  intentada durante o período “  enquanto perduraram as negociações” no PER)”

mm) Concluindo, como concluiu e bem a douta decisão que “relativamente ao alcance da decisão proferida no PER não é, por qualquer forma preclusiva ou impeditiva da demanda que a Autora ora deduz, sendo que a interpretação diversa nos parece ser mesma atentatória, neste concreto contexto processual, do direito constitucionalmente consagrado de acesso à justiça e aos tribunais (cfr. Art. 20º da CRP)”

nn) Destarte, carece em absoluto de fundamento o presente Recurso de Apelação, devendo em consequência ser negado provimento.

oo) De resto, alega ainda a Recorrente que “ A decisão do Juiz vincula os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações (…)” – nos termos do disposto no nº 6 do Art.17 F do CIRE, o que também não se pode conceber,

pp) Porém, nada resulta do disposto do n.º 6 do Art. 17 F do CIRE, que a decisão de homologação do plano se aplique à credores não reconhecidos e não incluídos na Lista Definitiva da Créditos.

qq) Como resulta do disposto no n.º3 do art.º 17.º-F “Considera-se aprovado o plano de recuperação que reúna a maioria dos votos prevista no n.º 1 do artigo 212.º, sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos a que se referem os n.ºs 3 e 4 do artigo 17.º-D, podendo o juiz computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos, caso a questão ainda não se encontre decidida”.

rr) Nesse sentido, vem, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - Processo:1979-14.0TBSXL.L1-6 - Relator: TOMÉ RAMIÃO, esclarecer “ A homologação desse plano vincula todos os credores, mesmo aqueles que não participaram nas negociações, como decorre do n.º 6 do art.º 17.º-F. Mas não decorre deste preceito legal que vincula os credores não incluídos na lista definitiva de créditos.

ss) Ainda no mesmo sentido, vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães - Processo: 3695/12.9TBBRG-C.G1 - Relator: ANTERO VEIGA que refere “Se a não reclamação fizesse preludiar o direito do credor, que sentido teria o disposto no nº 11 do artigo 17º-D? (….) “Nestes casos, o acordo extrajudicial que venha a ser conseguido não pode, por si só, afetar os direitos de outros credores não envolvidos nas negociações ou impor-lhes qualquer obrigação que não aceitaram, podendo ser necessário recorrer, então, aos mecanismos judiciais legalmente previstos para esse efeito.”

tt) Posto isto, e salvo melhor entendimento, não temos dúvidas de que a decisão de homologação do plano no âmbito do PER não se aplica ao crédito da Recorrida, pelo que, também por esse motivo, não restam quaisquer dúvidas que o Tribunal “a quo” efetuou uma correta interpretação e aplicação dos preceitos legais em causa, não merecendo qualquer censura a decisão recorrida, carecendo em absoluto de fundamento o recurso de Apelação sob resposta, a que deverá em consequência ser negado provimento.

Termos em que … deve ser integralmente negado provimento ao recurso sob reposta, por não provado e por total falta de fundamento, mantendo-se a douta decisão recorrida incólume na ordem jurídica  por ser insuscetível de censura  e reparo, com todas as demais consequências legais.


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II.

Questão a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações da Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste em saber se a presente acção (declarativa) deve ser declarada extinta (por impossibilidade ou inutilidade da lide) – ou a Ré absolvida da instância – em virtude de ter corrido termos um processo especial de revitalização referente à Ré onde foi aprovado e homologado um plano de recuperação.


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III.

A decisão recorrida considerou demonstrados os seguintes pressupostos de facto:

-os factos em que se funda o crédito reclamado pela Autora reportam-se, pelo menos, a 30.12.2011;

-o despacho de nomeação do Administrador Judicial Provisório no processo n. º 114/13.7TBTCS é de 26.04.2013 (cfr. fls. 28 e 29);

-O anúncio e edital de tal nomeação data de 20.04.2013 (cfr. fls. 30 a 31);

-a Autora não procedeu à reclamação do sobredito crédito junto do administrador judicial provisório;

-em 3.06.2013 a Autora impugnou a Lista Provisória de Créditos reconhecidos (cfr. fls. 37);

-em 23.07.2013 foi proferida naquele processo decisão que julgou improcedente a impugnação apresentada pela A., sem conhecer do seu mérito, a qual foi lhe foi notificada (cfr. fls. 32 a 45 e 151 a 159);

-por sentença de 18.11.2013, foi homologado o plano apresentado pela ora Ré, o qual transitou em julgado em 04.03.2014 (cfr. fls. 46 a 70; 118 e 119; 279 a 290);

-o despacho de nomeação do Administrador Judicial Provisório não foi especificamente comunicado pela R. à A.;

-inexiste referência nos autos a qualquer convite formulado pela R. à A. para esta participar nas negociações;

-o plano de recuperação não refere o crédito reclamado nestes autos (cfr. fls. 224 a 277);

-a Ré recebeu uma comunicação da Autora em 13.04.2013;

-a A. não consta da relação de credores publicada no Portal Citius, ou sequer do Balancete Analítico da Ré junto ao PER e da lista de Fornecedores/clientes do aludido PER;

-o crédito da A. não consta da Lista Provisória de Créditos (art.° 17°-D do CIRE), dos créditos reconhecidos reclamados, dos não reclamados e/ou dos reclamados não reconhecidos, ou sequer da Lista Provisória de Créditos (Rectificada) na sequência da decisão tomada relativamente às impugnações efectuadas e aceites, constante de fls. 710 a 772 do PER, nem da "Lista Definitiva de Créditos" (cfr. fls. 77 a 113; 120 a 150 e 160 a 221).


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IV.

Coloca-se no presente recurso a questão de saber se a presente acção (declarativa) deve ser declarada extinta (por impossibilidade ou inutilidade da lide) em virtude de ter corrido termos um processo especial de revitalização referente à Ré onde foi aprovado e homologado um plano de recuperação.

A decisão recorrida entendeu que não, sustentando a Apelante que tal decisão fez uma errada interpretação e aplicação dos artigos 17º-E, nº 1, 17º-F, nº 6 e 197º, al. c), todos do CIRE, uma vez que, na sua perspectiva, o que resulta das citadas normas é que a aqui Autora estava impedida de intentar a presente acção.

Analisemos, então, a questão.

Dispõe o nº 1 do artigo 17º-E do CIRE – na redacção introduzida pelo DL nº 79/2017 (imediatamente aplicável aos processos pendentes, como decorre do disposto no respectivo artigo 6º) – que “A decisão a que se refere o n.º 4 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra a empresa e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto à empresa, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação”. Importa esclarecer que a actual redacção da norma em questão não diverge de forma relevante da redacção anterior que se encontrava vigente à data em que foi proferida a decisão recorrida, já que aquilo que resulta da norma (em qualquer dessas redacções) é que, uma vez proferida a decisão que nomeia o administrador judicial provisório, fica vedada a instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e ficam suspensas, quanto ao devedor e durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se estas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.

Refira-se que, não obstante a existência de opiniões discordantes[1], pensamos ser seguro afirmar que a nossa jurisprudência mais recente tem sido concordante no entendimento de que as acções para cobrança de dívida a que alude a norma citada não são apenas as acções executivas mas também as acções declarativas (como é o caso da presente acção) em que se pretenda obter a condenação do devedor ao pagamento de um crédito/prestação pecuniária[2].

E nenhuma razão encontramos para discordar dessa posição.

Com efeito, nada se colhe na letra da lei que aponte para o facto de o legislador ter pretendido incluir no âmbito de previsão da norma citada apenas as acções executivas e a circunstância de não ter aludido de modo expresso a acções executivas – como fez no artigo 88º –, optando por uma expressão de carácter genérico e sem qualquer referência à natureza declarativa ou executiva da acção, faz supor que legislador terá pretendido englobar no âmbito de previsão da norma as acções executivas e as acções declarativas.

A suspensão dessas acções (sejam elas executivas ou declarativas) durante o período das negociações não levanta, a nosso ver, qualquer dificuldade, estando plenamente justificada com o objectivo do legislador que, como se depreende da exposição de motivos da proposta de Lei nº 39/XII (que esteve na origem da lei que veio criar o processo especial de revitalização), visa assegurar “…a existência da necessária calma para reflexão e para criação de um plano de viabilidade para o devedor que se encontre em negociações”.

Situação diferente ocorre com a extinção dessas acções na sequência da aprovação do plano de recuperação que é determinada pela norma supra citada.

Com efeito, se essa extinção não oferece dificuldades relevantes quando reportada a acções referentes a créditos que foram reconhecidos no processo de revitalização e que, como tal, estão, sem qualquer controvérsia, sujeitos ao plano aí homologado (situação a que se reportam a maioria dos acórdãos supra citados) – ou, eventualmente, no que toca a acções que se reportam a créditos que, apesar de não terem sido reconhecidos, foram ali objecto de apreciação de mérito –, o mesmo não acontece no que toca a acções em que estão em causa créditos que não foram reclamados e reconhecidos no processo especial de revitalização e que não foram objecto de qualquer apreciação de mérito relativamente à sua existência/inexistência (como acontece no caso sub judice).

Deverão também estas acções ser declaradas extintas em conformidade com a norma supra citada?

Refira-se, antes de mais, que, na nossa perspectiva, a doutrina do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº1/2014 – onde se fixou o entendimento de que “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.” – não pode ser convocada para a resolução da questão que nos ocupa, uma vez que tal doutrina se baseia em pressupostos inerentes ao processo de insolvência – no âmbito do qual foi fixada – que não ocorrem no processo especial de revitalização. Com efeito, além de ser diferente a natureza e finalidade de cada um desses processos (o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência ou a liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, destinando-se o processo especial de revitalização a estabelecer negociações com os credores de modo a que o devedor possa concluir com os credores um acordo conducente à sua revitalização), a doutrina firmada no citado Acórdão pressupõe o trânsito em julgado da sentença que declara a insolvência (pressuposto que não se verifica no processo de revitalização) e baseia-se fundamentalmente no artigo 90º do CIRE – onde se dispõe expressamente que os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência – que não tem aplicação ao processo de revitalização.

Diz a Apelante que o cumprimento do plano de recuperação homologado no PER determina a preclusão dos créditos anteriores à data do despacho de nomeação do AJP, nos termos previstos na al. c) do artigo 197. ° do CIRE e que, como tal, o credor que ali não reclamou o seu crédito fica impedido de instaurar acção com vista a obter o pagamento do seu crédito, devendo ser declarada extinta a acção instaurada com essa finalidade.

Será assim?

Em sentido afirmativo e ainda que com um voto de vencido, pronunciou-se o Acórdão da Relação de Coimbra de 19/05/2015[3].

Não acompanhamos, no entanto, essa posição, sendo que no sentido que propugnamos também se pronunciaram (além do voto de vencido a que acabámos de fazer referência) os Acórdãos da Relação de Guimarães de 04-04-2017 e 21-04-2016[4] e o Acórdão da Relação do Porto de 03-03-2016[5].

É certo que, nos termos do artigo 17º-F, nº 10 (correspondente ao nº 6 na anterior redacção), “A decisão de homologação vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no n.º 4 do artigo 17.º-C…” e é certo que, nos termos do artigo 197º, alínea c) – aqui aplicável por força do disposto no artigo 17º-F, nº 7 –, “Na ausência de estatuição expressa em sentido diverso constante do plano de insolvência…O cumprimento do plano exonera o devedor e os responsáveis legais da totalidade das dívidas da insolvência remanescentes”.

 Significará isso, portanto, que, estando em causa um crédito que já se havia constituído em momento anterior (como é aqui o caso), o respectivo credor, ainda que não tenha reclamado o seu crédito e não tenha participado nas negociações, ficará também vinculado ao plano e às condições de pagamento que nele se encontram previstas (com eventual redução do seu valor ou alteração das condições de pagamento).

Mas, ainda que tenha que ficar sujeito às condições fixadas no plano de recuperação que foi aprovado, qual seria a tutela conferida ao credor cujo crédito não foi reconhecido ou apreciado (de mérito) no PER e que não o vê satisfeito pelo devedor nem mesmo de acordo com as condições que constam do plano de recuperação? Como poderá fazer valer o seu direito se ficar impedido de obter o reconhecimento e a satisfação (ainda que parcial em função das condições fixadas no plano) desse crédito, como decorreria do disposto no artigo 17º-E, nº 1 quando impõe – aparentemente – a impossibilidade de instaurar acção com essa finalidade e a extinção das que se encontrem pendentes?

Catarina Serra[6] questiona a razoabilidade dessa solução a propósito dos créditos litigiosos.

Também Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis[7] questionam essa solução, dizendo o seguinte:

…havendo controvérsia quanto à existência de determinada dívida, esta certamente não terá sido reconhecida para efeitos dos pagamentos previstos no plano de recuperação. E uma vez que poderá suceder que o plano de recuperação seja aprovado e homologado sem que exista decisão sobre uma eventual impugnação da lista de credores, o credor cuja dívida é controvertida não poderá ficar privado da acção declarativa na qual reclama o reconhecimento da existência do seu crédito. Com efeito, ao referido credor cujo crédito não foi reconhecido e cuja impugnação não foi decidida oportunamente apenas resta a acção declarativa. Só esta lhe permitirá ver reconhecida a sua condição de credor, assim passando a estar abrangido pelo plano de pagamentos previsto no plano de recuperação”.

É com base nessa circunstância – além de outras – que os referidos autores entendem que a previsão do artigo 17º-E nº 1 apenas se dirige a acções executivas, dizendo, na sequência do que supra foi transcrito, que “…se a acção de cobrança de dívidas prevista no artigo 17.º, nº 1, pudesse ser uma acção declarativa, o credor, no exemplo acima explanado, ficaria inteiramente desprotegido, pois a acção declarativa que havia intentado extinguir-se-ia por força da lei após a aprovação e homologação do plano, situação em que aquele não teria forma de fazer o seu direito (pois o PER já estaria terminado, sem que a sua impugnação tivesse sido decidida)”.

  Como supra se referiu, não acompanhamos a posição destes autores quando entendem que a norma citada apenas se dirige a acções executivas; pensamos, na realidade, que também estão aí incluídas as acções declarativas e que a extinção das acções que se encontrem pendentes abrangerá pelo menos as acções declarativas que se reportem a créditos que foram reconhecidos no PER e os créditos que aí foram reclamados e apreciados de mérito.

Entendemos, no entanto, que a norma citada não poderá ser interpretada no sentido de obstar à instauração e determinar a extinção de acções declarativas que se reportem a créditos que não foram reclamados, reconhecidos ou objecto de apreciação de mérito no PER, uma vez que tal interpretação retiraria a esses credores – que, eventualmente, poderão nem ter tomado conhecimento atempado do PER – a possibilidade de obter o reconhecimento do seu crédito para o efeito de o mesmo lhe ser pago de acordo com as condições que constam do plano.

Veja-se que a falta de reclamação do crédito no âmbito do PER não poderá implicar que o respectivo credor não mais o possa exigir; nada na letra da lei nos induz a tal conclusão, importando notar que, como decorre do disposto no artigo 17º-G, nº 7, caso o processo de revitalização seja convertido em processo de insolvência, a existência de lista definitiva de créditos no PER não impede que venham a ser reclamados créditos que aí não hajam sido reclamados, o que significa que essa lista não tem carácter definitivo e que a não reclamação do crédito no PER não tem efeito preclusivo, não impedindo que o credor venha, posteriormente, a reclamar o crédito.

Note-se, por outro lado, que é a própria lei que admite que o plano de recuperação seja aplicável a credores que não reclamaram os seus créditos no PER e que aí não tenham tido participação – cfr. artigo 17º-F – disposição que também aponta para o facto de serem atendidos outros credores, além daqueles que reclamaram créditos e ficaram a constar da lista definitiva. Mas, se esses créditos não foram reclamados e não foram aí reconhecidos e se o devedor não proceder ao respectivo pagamento, como poderá o credor demonstrar essa qualidade, para o efeito de ver o seu crédito ser satisfeito de acordo com as condições do plano, se estiver impedido de propor acção com essa finalidade ou se for declarar extinta a acção que já se encontre pendente?

Entendemos, na verdade, que o facto de a decisão que homologa o plano vincular todos os credores – independentemente de terem ou não reclamado os seus créditos – não significa que o credor fique impedido de obter o reconhecimento do seu crédito – sempre que ele não seja reconhecido e pago pelo devedor –, pelo menos para o efeito de poder exigir o seu pagamento de acordo com as condições fixadas no plano e, nessa medida, não podemos ter como aceitável, à luz das regras e princípios gerais de direito e à luz do pensamento legislativo, uma interpretação da norma supra citada que imponha a impossibilidade de esses credores instaurarem acção com aquela finalidade ou que imponha a extinção de acção que, com idêntico objectivo, se encontre pendente, uma vez que tal interpretação redundaria numa incompreensível, injusta e desproporcionada restrição dos direitos desses credores que, a nosso ver, não terá sido pretendida pelo legislador e que – como se refere no voto de vencido do Acórdão da Relação de Coimbra de 19/05/2015 – violaria o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional, consagrado no art. 20º, nº1 da Constituição.

Entendemos, portanto, em face do exposto, que não pode/não deve ser declarada extinta, ao abrigo do disposto no citado artigo 17º-E, nº 1, a acção onde é peticionado um crédito que – como acontece no caso sub judice – não foi reclamado no PER, não foi aí reconhecido e tão pouco foi objecto de apreciação de mérito e que, como tal, se configura como um crédito cuja existência/inexistência ainda se configura como controvertida – por ser negado pela Ré e por não ter sido objecto de qualquer apreciação de mérito – e que, como tal, carece ainda de reconhecimento para o efeito de poder ser exigido à devedora nos termos e condições resultantes do plano, em conformidade com o disposto no citado artigo 17º-F, nº 10.

Assim, em face do exposto, improcede o recurso e confirma-se a decisão recorrida.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

I – As acções para “cobrança de dívidas” a que se reporta o artigo 17º-E, nº 1, do CIRE não são apenas as acções executivas mas também as acções declarativas em que se pretenda obter a condenação do devedor ao pagamento de um crédito/prestação pecuniária.

II – Mas, ainda que as acções declarativas se encontrem incluídas na sua previsão, a norma supra citada não poderá ser interpretada no sentido de obstar à instauração ou determinar a extinção de acções declarativas que se reportem a créditos que não foram reconhecidos no PER e que não foram aí reclamados e objecto de apreciação de mérito; se o crédito não foi reconhecido no PER e se não foi aí reclamado e apreciado de mérito, o respectivo credor não está impedido de instaurar ou prosseguir uma acção que vise o reconhecimento do seu crédito pelo menos para o efeito de obter o seu pagamento de acordo com as condições fixadas no plano de recuperação homologado no PER.


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V.
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da Apelante.
Notifique.

                             

Des. Relatora: Maria Catarina Gonçalves

Des. Adjuntos: António Magalhães

                               Ferreira Lopes


[1] Cfr. Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, PER, O Processo Especial de Revitalização, págs. 99 a 102.
[2] Cfr. Acórdãos do STJ de 17/11/2016 (proc. nº 43/13.4TTPRT.P1.S1), de 15/09/2016 (proc. nº 2817/09.1TTLSB.L1.S1) de 31-05-2016 (proc. nº 7976/14.9T8SNT.L1.S1), de 17-03-2016 (proc. nº 33/13.7TTBRG.P1.G1.S2) e de 05-01-2016 (proc. nº 172724/12.6YIPRT.L1.S1); Acórdãos da Relação do Porto de 16-11-2015 (proc. nº 8176/11.5TBMTS.P1), de 14.04-2015 (proc. nº 39327/13.4YIPRT.P1) e de 11-05-2015 (proc. nº 440/07.4TVPRT-B.P1); Acórdão da Relação de Coimbra de 19/05/2015 (proc. nº (3105/13.4TBLRA.C1) e Acórdão da Relação de Guimarães de 04-04-2017 (proc. nº 2209/14.0TBBRG.G1), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.).
[3] Proferido no proc. nº 3105/13.4TBLRA.C1, disponível em http://www.dgsi.pt.
[4] Proferidos nos processos nºs 2209/14.0TBBRG.G1 e 4726/15.6T8BRG.G1, respectivamente, disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[5] Proferido no processo nº 596/11.1TVPRT.P1, disponível em http://www.dgsi.pt.
[6] In Revitalização – A designação e o misterioso objecto designado. O processo homónimo (PER) e as suas ligações com a insolvência (situação e processo) e com o SIREVE – I Congresso do Direito da Insolvência, 2013, págs.99 e 100.
[7] Ob. cit., pág. 101.